Sumário: 1. Introdução – 2. Dos Princípios Constitucionais Fundamentais – 3. Inquérito Policial – 4. As Características do Inquérito Policial – 5. Dos Reflexos da Razoável Duração do Processo ao Inquérito Policial.

1 – Introdução

O presente artigo almeja, através de sucinta abordagem acerca do alcance dos direitos e garantias fundamentais insculpidos na Carta Magna de 1988, demonstrar a plausibilidade da aplicação ao inquérito policial do “Princípio da Razoável Duração do Processo”, inserido no inciso LXXVIII do art. 5º da Lex Maior pela emenda constitucional nº 45, promulgada em 30 de dezembro de 2004, ainda que de forma reflexa, visto tratar-se o inquérito policial não de processo, mas de procedimento administrativo.

Tal abordagem se faz necessária tendo em conta que, ainda que o inquérito policial seja um mero procedimento investigatório, não alçado ao status de processo estricto sensu, é ele a peça inicial da persecutio criminis, constituído de um conjunto de diligências realizadas pela Polícia Judiciária para apuração da prática de infração penal e sua autoria.

Assim, se com a consignação do princípio da razoável duração processual, pretendeu o constituinte reformador inibir que qualquer processo se dilate em demasia no tempo, impondo às partes o ônus da expectativa processual e da aplicação in concreto do Direito, também aos inquéritos policiais é razoável se exigir que estes se esgotem dentro de prazos aceitáveis.

Desta feita, sendo o inquérito policial regido pelo princípio inquisitivo, não se aplicam a ele alguns dos princípios basilares do processo penal, como o do contraditório e da ampla defesa. No entanto, forçoso se faz concluir que, se não por outro motivo, a fase de investigações deve se encerrar no menor prazo possível, a fim de propiciar, ainda no calor dos eventos a elucidação dos fatos e, conseqüentemente, a correta aplicação da sanção penal.

2 – Dos Princípios Constitucionais Fundamentais

A constituição Federal de 1988 trouxe em seu bojo extenso rol de direitos e garantias fundamentais, subdivididos em cinco capítulos, a saber: direitos individuais e coletivos, direitos sociais, direitos políticos e partidos políticos.

Ao presente estudo, interessa sobremaneira o rol alencado sob o título “Direitos Individuais e Coletivos”, classificados pela doutrina contemporânea como direitos fundamentais de primeira geração, sendo estes, no dizer de José Afonso da Silva (Aplicabilidade das normas constitucionais, São Paulo : Revista dos Tribunais, 1982. p. 89-91), “normas constitucionais de eficácia plena são aquelas que, desde sua entrada em vigor, produzem ou têm possibilidade de produzir todos os efeitos essenciais (...) que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular”.

Sem menosprezar a relevância dos demais princípios constitucionais, a razoável duração do processo, inserida no inciso LXXVIII do art 5º, tem sido, hodiernamente, o grande ponto de preocupação dos operadores e estudiosos do direito, uma vez que uma Justiça que tarda é, via de regra, falha. Independentemente de ser o autor ou o réu ao final laureados com a concessão do direito buscado, o retardamento na prestação jurisdicional causa às partes envolvidas desconforto, ansiedade e, na maioria das vezes, prejuízos de ordem material e moral que, a partir da Emenda nº 45, possam levar a exigência de uma justa e adequada solução em tempo aceitável.

Ao primeiro olhar incauto, pode parecer ter havido exagero do constituinte, ao elencar o direito à razoável duração do processo no rol dos direitos fundamentais, cláusulas pétreas da Constituição, notadamente se comparados aos outros valores garantidos no art. 5º, como o “direito à vida”, “direito à liberdade”, “direito à presunção de inocência”, garantias que são, por si só, muito mais relevantes. No entanto, justamente por estes últimos já disporem de mecanismos próprios para a sua efetivação, ao contrário do que ocorre na interminável práxis processual, fez-se necessário chamar a atenção do mundo jurídico ao problema, a fim de que se busquem soluções imediatas, sob pena de, cada vez mais, a atuação estatal na prestação jurisdicional cair em descrédito.

3 - Do Inquérito Policial

Segundo a definição do Professor Fernando Capez (Curso de Processo Penal, ed. Saraiva, 5ª edição, São Paulo, 2000), o inquérito policial "é o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo".

Para Romeu de Almeida Salles Junior (Inquérito Policial e Ação Penal, 4ª ed., 1986., Saraiva, p. 03), “inquérito policial é o procedimento destinado à reunião de elementos acerca de uma infração penal”.

Estabelece o art. 4º do Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 03.10.1941): “A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições, e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”.

Trata-se, assim, o inquérito policial de um procedimento persecutório de autoria e materialidade de infração penal, instaurado pela Autoridade Policial (Delegado de Polícia), a fim de fornecer subsídios ao titular da ação penal pública, o Ministério Público, e da ação privada, o ofendido, a fim de que promovam a competente ação penal.

4 – As Características do Inquérito Policial

Por se tratar de procedimento formal, composto de uma série de atos emanados do Poder Público, o inquérito policial traz, segundo a lição do conceituado penalista Fernando Capez, algumas características, a saber:

- 1. Sigiloso: tendo em conta a necessidade de elucidação de fato criminoso, as investigações do inquérito serão sigilosas.

- 2. Oficialidade: O inquérito deve ser conduzido por autoridades constituídas, não podendo ser levado a cabo pelo particular.

– 3. Oficiosidade: Ressalvados os casos de ação penal privada ou condicionada, os atos da autoridade policial independem de provocação pelo particular.

– 4. Autoritariedade: Por exigência lega, o inquérito deve ser presidido por uma autoridade policial.

– 5. Indisponibilidade: Após sua instauração, não pode ser arquivado pela autoridade policial.

– 6. Inquisitividade: A ele não se aplicam os princípios do contraditório e da ampla defesa.

5 – Dos Reflexos da Razoável Duração do Processo ao Inquérito Policial

Numa concepção hodierna da prestação da tutela jurisdicional, deve ser assegurada aos litigantes, além do amplo direito de defesa e contraditório, uma duração plausível da persecução penal, a fim de que sejam abrandadas todas as conseqüências negativas a refletirem na vida privada daqueles que a própria norma constitucional ainda considera inocentes.

Quanto à razoabilidade temporal processual, ainda que a Emenda nº 45 tenha formalizado no texto constitucional tal princípio, o próprio Código de Processo Penal, no em seu art. 10, trata dos prazos para arremate do inquérito, já fixando como regra prazos fatais para a conclusão dos feitos, sendo estes de 10 (dez) diais estando o réu preso, e, em se tratando de réu solto, 30 (trinta) dias.

Quando for difícil elucidação o fato, e frise-se bem, somente nestes casos, poderá o juiz devolver os autos à delegacia de origem para novas diligências, devendo estas, no entanto, serem realizadas no prazo fixado pelo juiz. Via de regra, a concessão para novas diligências dá-se nos prazos de 30 (trinta) até 90 (noventa) dias, lapso temporal que deveria ser fatal para a conclusão do inquérito, tendo em conta o teor do parágrafo 3º do art. 10 do diploma processual penal, onde se lê que as diligências “serão realizadas no prazo marcado pelo juiz”.

De maneira inexplicável, o que deveria ser a exceção tornou-se a regra, pois o que usualmente se vê em delegacias de polícia e cartórios criminais são inquéritos tramitando durante anos, alguns por mais de uma década, sendo deveras comum a ocorrência da prescrição punitiva antes mesmo do encerramento das “investigações”.

E ainda mais grave, juízes e promotores de justiça têm aderido a tal prática, tendo em conta que simplesmente aquiescem com as infinitas dilações de prazo, no entanto, não se sabe bem o porquê, não determinam às autoridades policiais o cumprimento de seus requerimentos e quotas, se transformado assim os cadernos investigatórios em inacabáveis pilhas de despachos e portarias, todas propugnando o já famoso “excesso de trabalho”, a fim de justificar a impassibilidade com que se busca a aplicabilidade do Direito à infração penal.

Desta feita, aquele sobre quem pairam ainda meros indícios de autoria, já a partir do momento de seu indiciamento, que aliás, estranhamente não tem seu momento de efetivação regulamentado no processo penal pátrio, ficando à discricionariedade dos delegados de polícia, passa a sofrer as conseqüências de uma coação legal, pois já se consolidou na doutrina e jurisprudência que o indiciamento em inquérito policial não constitui constrangimento ilegal.

Infelizmente, o que se tem conhecimento é de que, ainda que a Carta Magna reconheça a presunção de inocência até o trânsito em julgado da sentença condenatória, na vida cotidiana inúmeras conseqüências negativas podem advir de um indiciamento em inquérito policial, v.g., imagine-se dois candidatos a emprego em uma empresa transnacional que, como comumente ocorre, exige certidões negativas criminais e cíveis para fins de admissão, sendo um deles indiciado em inquérito e o outro não. Desnecessário comentar a quem será concedida a vaga em disputa.

Por fim, ad argumentandum tantum, imaginemos a possibilidade de decretação de alguma das modalidades de prisões processuais cautelares, a saber, prisão preventiva ou temporária, para ter-se a certeza de que, mesmo em fase inquisitorial, é perfeitamente plausível a aplicação do princípio da razoável duração do processo, tomado em sentido lato sensu, em corolário ao princípio da presunção de inocência, a fim de que, mormente pelo caráter traumático e invasivo do Direito Penal, se permita uma rápida e justa concretização dos direitos e princípios fundamentais, que são, sem sombra de dúvida, a bússola a nortear a aplicação de todo ordenamento jurídico.

Bibliografia:

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal – 12. ed. – São Paulo : Saraiva.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal - 7º ed. - São Paulo : Saraiva, 2005.

SILVA, José Geral da. O Inquérito Policial e a Polícia Judiciária – Campinas : Bookseller, 2000.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional – 11. ed. – São Paulo : Malheiros, 2001.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional – 17. ed. – São Paulo : Atlas, 2005.

 

Como citar o texto:

ZDANSKI, Claudinei..Da aplicabilidade reflexa do princípio da razoável duração do processo ao inquérito policial. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 172. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-penal/1157/da-aplicabilidade-reflexa-principio-razoavel-duracao-processo-ao-inquerito-policial. Acesso em 3 abr. 2006.

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