É cediço haver em nosso ordenamento jurídico normas destinadas à integração das Pessoas Portadoras de Deficiências (PPD`s) em todos os serviços oferecidos à comunidade, especialmente nas áreas de saúde, educação, trabalho, transporte, assistência social, previdência social, habitação, cultura, desporto e lazer.

As principais disposições acerca do tema, encontram-se consubstanciadas no Decreto n.º 3.298/1999 (que regulamentou a Lei no 7.853/1989, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração das PPD`s).

O comando legal alude, dentre outras estipulações, traz em seu bojo regras destinadas à inclusão das PPD`s no mercado de trabalho, tanto assim, que seu artigo 36 I (repetindo o texto do artigo 93 da Lei 8.213/91), determina que as empresas, com 100 (cem) ou mais empregados, devem preencher de 2 (dois) a 5% (cinco por cento) de seus cargos com beneficiários reabilitados da Previdência Social ou com PPD`s.

As empresas que não cumprirem os percentuais de contratação declinados acima poderão sofrer sanções na esfera administrativa (multas).

E não é só. Como esse direito a certo percentual de vagas aloca-se no rol de direitos difusos e coletivos, o seu descumprimento, por parte da empresa, pode acarretar, o ajuizamento de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público ou pelas associações afins.

Ressalte-se que o Decreto alhures definiu como sendo deficientes auditivos, dentre outras, aquelas pessoas que tinham perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e níveis na forma seguinte: a) de 25 a 40 decibéis (db) - surdez leve; b) de 41 a 55 db - surdez moderada; c) de 56 a 70 db - surdez acentuada; d) de 71 a 90 db - surdez severa; e) acima de 91 db - surdez profunda; e f) anacusia;

Ocorre, entretanto, que estes critérios sofreram expressiva mudança, com a publicação do Decreto n.º 5.296, de 02 de dezembro de 2004, o qual modificou os parâmetros para caracterização das deficiências.

De acordo com o mesmo, a deficiência auditiva caracteriza-se pela perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;

Com isso, as pessoas com perda auditiva entre 25 a 40 decibéis, que antes eram consideradas portadoras de deficiência aos olhos do Decreto 3298/99, para fins de cumprimento das quotas legais, deixaram de o ser, pelas novas regras trazidas pelo Decreto 5.296/04.

Por conseqüência, diversas empresas que até dezembro de 2004 possuíam um determinado número de PPD`s no seu quadro de empregados (de acordo com os critérios estabelecidos pelo Decreto 3.298/99), a partir da publicação do Decreto n.º 5.296/2004, viram este número despencar vertiginosamente.

Pior, esta redução ocorreu justamente no momento em que os órgãos fiscalizadores do Ministério do Trabalho, bem como as Procuradorias Regionais do Trabalho, intensificaram seus esforços no sentido de compelirem as empresas a preencherem a referida quota legal, o que levou a um grande número de autuações, e à assinatura de diversos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs).

Contudo, a nosso ver, as empresas que à época da publicação do Decreto n.º 5.296/04 cumpriam a quota de acordo com os critérios estabelecidos pelo Decreto 3.298/99, não estão obrigadas a se adequar às novas regras, em virtude da ocorrência do ato jurídico perfeito.

Corroborando nossa conclusão, recentemente, a Secretaria de Inspeção do Trabalho aprovou Nota Técnica (N.º 91/DMSC/SIT), posicionando-se no sentido de que os trabalhadores com deficiências caracterizadas pelos critérios do Decreto anterior, são considerados para efeito de cumprimento da quota até a rescisão do seu contrato de trabalho, não podendo a alteração legislativa alterar o ato jurídico perfeito.

Deste modo, o critério estabelecido na referida Nota Técnica somente é aplicável em relação aos empregados que já possuíam contrato de trabalho vigorando antes da promulgação do Decreto n.º 5.296/2004, em 02 de dezembro de 2004.

Por outro lado, as contratações realizadas a partir daquela data, deverão seguir o novo

Decreto, isto é, as deficiências devem seguir os critérios da nova redação, posto que a Nota Técnica não derrogou seus efeitos (até mesmo porque esta lhe é hierarquicamente inferior).

Destarte, o entendimento adotado pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, dará mais transparência à ação fiscal e não deixará dúvidas de como as empresas deverão cumprir a Lei, tratando-as igualmente, ainda que as empresas possuam em seu efetivo obreiro, trabalhadores tidos como deficientes pelo critério anterior.

Além da expressa manifestação da Secretaria de Inspeção do Trabalho, temos de destacar, que as próprias Delegacias Regionais do Trabalho têm se manifestado positivamente neste sentido, mencionando, inclusive, nas palestras que ministra, sobre a aplicabilidade da norma técnica.

Cumpre esclarecer, ademais, que a Nota Técnica não tem prazo determinado de duração, assim, deverá ser observada até que outra venha revogá-la.

Frente o exposto, reputamos que devem ser considerados válidos para efeito de cumprimento das quotas, as contratações efetuadas antes de 02/12/2004, que estejam em conformidade com as disposições do Decreto n.º 3.298/99, enquanto vigorarem os contratos de trabalho das PPD`s nas empresas.

(Texto elaborado em abril de 2006)

 

Como citar o texto:

CAHEN, Arthur..Quota de Contratação de Pessoa Portadora de Deficiência (PPD): Mantida a Regra do Jogo. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 177. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/1240/quota-contratacao-pessoa-portadora-deficiencia-ppd-mantida-regra-jogo. Acesso em 8 mai. 2006.

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