Introdução

O fato recentemente ocorrido na Câmara dos Deputados, envolvendo um advogado investigado numa CPI, reclama algumas indagações, especialmente, em relação à configuração do crime de Desacato e o cabimento da prisão em flagrante. Vamos ao fato:

Advogado é preso por desacato

O advogado Sérgio Weslei da Cunha, representante de Leandro Lima de Carvalho, um dos integrantes do PCC, foi preso na manhã desta quinta-feira (25/5) por desacato na sessão da CPI do Tráfico de Armas. Durante a acareação, o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) se irritou com as declarações evasivas de Cunha e disse que o advogado tinha "aprendido rápido com a malandragem". Cunha, que nega ter oferecido dinheiro para o técnico de som Artur Vinícius Pilastre Silva em troca de uma cópia do áudio de uma sessão reservada da CPI, respondeu que "a gente aprende rápido aqui"

As informações são da Agência Câmara.

O tipo penal em comento encontra-se em nosso Código Penal, no artigo 331:

Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa.

Assim , este brevíssimo estudo tem o escopo de analisar o assunto por meio de rápida e despretensiosa pesquisa sobre os tipos penais do Desacato e do Abuso de Autoridade, com partes compiladas de doutrinadores mestres no assunto.

Vejamos a Lei Especial que trata do Abuso de Autoridade, passível de aplicação ao caso:

LEI Nº 4.898, DE 9 DE DEZEMBRO DE 1965.

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:

a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;

(...)

Da configuração do delito

Para que o delito do Desacato se configure, há a necessidade de o agente "desacatar" funcionário público e, além do mais, que ele esteja no exercício de sua função ou haja o desacato em razão dela.

O Estado tutela o prestígio de seus agentes e o respeito devido à dignidade de sua função, isso porque a ofensa que lhes é irrogada, seja na presença dele ou no exercício de sua atividade funcional, ou ainda, em razão dela, atinge a própria Administração Pública. Daí não haver, in casu, injúria, difamação ou desrespeito ao funcionário, pois são esses considerados crimes contra a pessoa. Aqui é específico. Há um interesse no normal funcionamento da Administração Pública, motivo pelo qual se afasta qualquer possibilidade de atentado contra ela.

Contudo, impende dizer que o legislador não definiu o que seja "desacato". Coube, pois, à doutrina fixar a conceituação do termo.

Desacatar, semanticamente, e grosso modo, é faltar ao respeito devido a alguém, desprezar, menoscabar, afrontar, vexar.

Pressupõe-se, pois, que se alguém faltar com o devido respeito ao funcionário público, afrontá-lo, vexá-lo, estará incurso no artigo 331 do nosso Código Penal.

Não obstante, o conceito, "faltar ao respeito devido a..." é muito amplo. E mais: depende do contexto em que ocorre. O que pode ser insignificante em certas situações, não o será em outras.

Pois bem, pelas circunstâncias em que ocorreram os fatos estaria o advogado investigado cometendo o crime de desacato? Num clima tenso, nervoso, e revidando a uma provocação da vítima, entendo que não. Pois, houve um claro revide do suposto agressor, mera retorsão, prevista no Código Penal, o que afasta de plano a figura do Desacato. Senão vejamos:

O artigo 140 do Código Penal, que tipifica o crime de injúria, diz que o juiz pode deixar de aplicar a pena "quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria" ou "no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria".

Da prisão em flagrante

Pela nossa lei maior, o cidadão só pode ser preso em flagrante ou por mandado de prisão. Sem flagrante ou sem mandado de prisão, todas as prisões são ilegais, são abusos de autoridades. E o que vem a ser o flagrante? Flagrante é a prisão feita no ato, quando alguém acaba de cometer um crime. E mais, crime que autorize a prisão em flagrante. Ou seja, mesmo que tivesse ocorrido o Desacato, não caberia a prisão em flagrante. Pois, em virtude da pena em abstrato cominada para este tipo de crime, a competência é do Juizado Especial Criminal , que veda a prisão em flagrante.

LEI Nº 9.099, DE 26 DE SETEMBRO DE 1995.

Parágrafo único do art. 69, dispõe: "Ao autor do fato que, após a lavratura do termo circunstanciado, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança".

Das considerações finais

Diante do exposto, não há espaço, data maxima venia, para enxergar o delito que ensejou a prisão do advogado investigado e muito menos o flagrante!

Outrossim, penso que o emprego de algemas foi arbitrário e desnecessário. O advogado aceitou a prisão e não representava perigo. Tendo em vista que Já está pacificado pela jurisprudência dos tribunais e pela doutrina majoritária que as algemas só devem ser usadas quando o preso oferecer resistência ou quando as circunstâncias assim o exigir, o que não se aplica ao caso em comento.

Portanto, é inexorável a conclusão de que não houve Desacato e sim o crime de Abuso de Autoridade por parte daquele que deu voz de prisão ao advogado investigado.

Referências

- CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2004.

- De Plácido e Silva – Vocabulário Jurídico – volumes I e II – Ed. Forense.

- Hungria, Nélson – Comentários ao Código Penal – Volume IX – Ed. Forense.

- Noronha, E. Magalhães – Direito Penal – vol IV- Ed. Saraiva.

- PAGLIARO, Antonio; DA COSTA JÚNIOR, Paulo José. Dos Crimes Contra a Administração Pública. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

- Código Penal atualizado.

- Código de Processo Penal.

- Constituição Federal de 1988 – atualizada

 

Como citar o texto:

SANTOS, Uélton..Abuso de autoridade. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 183. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-penal/1310/abuso-autoridade. Acesso em 15 jun. 2006.

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