Como é cediço, o Condomínio Edilício vem tratado tanto em legislação extravagante (Lei n° 4591/64), quanto na novel compilação do Direito Civil (arts. 1331 e seguintes), podendo-se afirmar, a despeito de uma classificação legislativa, que o Condomínio Edilício é uma reunião de interesses e obrigações que incidem sobre o todo comum, do qual cada um dos condôminos possui uma fração ideal, e onde estão insertos direitos e obrigações privativas.

Doutrinariamente, há muito o Condomínio horizontal, atualmente denominado edilício, vem sendo classificado como um ente: não é pessoa natural nem jurídica, por se tratar de um mero conjunto de interesses.

Todavia, o conceito clássico já não mais é suficiente para congregar toda a gama de interesses e relações jurídicas travadas naquele espaço que medeia a portaria ao apartamento individual de cada um.

Com o agigantamento das cidades e a explosão demográfica, verifica-se uma crescente atividade na construção civil, em busca do aperfeiçoamento qualitativo, erguendo prédios cada vez mais altos e mais completos e com um número maior de unidades autônomas, facultando aos seus moradores toda a gama de serviços. Por outro lado, a notória violência das grandes cidades, e em especial, do Rio de Janeiro, afasta sua população das antigas formas de entretenimento, prendendo-as em seus lares ou nos shopping-centers.

Este fenômeno social, custo do desenvolvimento, vem transformando os espaços destinados à concentração das pessoas – Condomínios e Shopping-centers – e conseqüentemente, alargando sua importância nas relações pessoais e jurídicas.

Portanto, atualmente torna-se imprescindível reconhecer a ambos um estatuto próprio, narrando especificamente as novas relações jurídicas por eles enfrentadas, colimando a efetiva isonomia constitucional.

Neste diapasão, o novel codicilo civil brindou os Condomínios Edilícios com uma regulamentação própria, inobstante grassar profunda divergência doutrinária acerca das escolhas legislativas, tal como o limite máximo da multa moratória e dos conceitos abertos das penalidades que podem ser impostas aos condôminos.

Impossível olvidar a preocupação dos legisladores federais, estaduais e municipais com as relações condominiais, que preocupados com a efetivação da função social da propriedade, sujeita-os a todo o tipo de controle e regulamentação, desde a obrigatoriedade de placas nos elevadores, contendo o mais variado tipo de informação, até a obrigatoriedade de contratar-se empresas de manutenção diversas, verificação anual do estado físico da edificação e de seus funcionários.

 

Assim, o síndico de hoje não pode mais prescindir de uma assessoria efetiva, para que não seja cunhado de omisso, tampouco alhear-se da grande responsabilidade civil e penal que encerra, cuja repercussão dar-se-á diretamente em seu patrimônio pessoal.

Os condôminos igualmente já não mais podem afastar-se das deliberações comuns, o que gera conseqüências nefastas sobre o seu patrimônio particular, seja por via direta, seja transversa, como no caso da ausência de manutenção da fachada do edifício, que ao despencar sobre terceiros, gera responsabilidade civil extra-contratual para todos os co-proprietários.

 

Os Condomínios Edilícios, apesar de topograficamente inseridos no Código Civil no Livro destinado ao Direito das Coisas, não pode mais ser visto apenas como um ente, ao qual a lei concede uma capacidade limitada; tornou-se, pois, sujeito de direitos e obrigações, e por isso, dotado de capacidade genérica e de direito, não se reconhecendo mais nele o simples estado de indivisão de bens, mas uma empresa sui generis, que, nascida para gerir o patrimônio comum, tem que realizar seu objeto social com eficiência e eficácia, cuidando para que todos recebam a igual ou proporcional porção dos benefícios inerentes à sua constituição e existência: o bem estar dos condôminos, moradores e terceiros.

A diferença marcante entre as duas formas de comunhão de interesses – e paulatinamente a única que sobrará – é a ausência do lucro como objetivo fim, apesar de, etimologicamente a palavra representa proveito, vantagem, não necessariamente pecuniário, mas que pode vir revestido de um acréscimo de bem estar. Assim, mister considerar a nova figura do Condomínio Edilício como um conjunto de pessoas com aptidão para adquirir e exercer direitos e contrair obrigações (Pereira, Caio Mário da Silva, in Instituições de Direito Civil, Vol. I, 19a. edição, Forense).

É bem verdade que o rol do art. 44 do Código Civil é taxativo; todavia, a equiparação conceitual e funcional é bem mais pragmática, eis que além do fato externo de sua aglomeração, se estabelece um vínculo jurídico específico entre as pessoas que o compõe, dotando-o de uma unidade orgânica, com uma finalidade específica.

No escólio de Caio Mario, a constituição da pessoa jurídica dá-se com a conjunção de três requisitos: vontade humana, observância das condições legais de sua formação e liceidade de seus propósitos. Neste tema, pode-se destacar que o Condomínio Edilício constitui-se por atos inter vivos ou causa mortis e regra-se pelo disposto na lei e na convenção condominial, com a finalidade precípua do bem comum, e portanto, uma pessoa jurídica de fato, mesmo que não esteja inserto no art. 44 do Código Civil.

Aliás, a Teoria da Realidade Técnica, amplamente divulgada por Ferrara e, ao que aparenta, adotada na Parte Geral do Código Civil, sustenta que a realidade das pessoas jurídicas não é objetiva, embora existam, como fato, os grupos constituídos para a realização de fim comum. A personificação desses grupos é, porém, construção da técnica jurídica, que lhes dá forma, admitindo que tenham capacidade jurídica própria, porque o exercício da atividade jurídica é indispensável à sua existência. A personificação é uma realidade técnica, não se trata de criação artificial da lei. Assim, se um grupo de pessoas se unem com uma finalidade comum, obedecendo o regramento jurídico, adquire personalidade jurídica.

Ademais, a classificação da pessoa jurídica como uma unicidade de desígnios para a realização de uma finalidade comum, com a observância da lei, é comum a todas as teorias realistas, que afirmam a existência real da pessoa jurídica. Aquela defendida por Savigny, a da Ficção, explica sua natureza como uma abstração, que não tem existência real; é artificialmente criada pela lei, tratando-se, portanto, de pura ficção legal. A da realidade objetiva (Gierke) admite a existência real da pessoa jurídica, socorrendo-se do analogismo com os seres humanos.

Portanto, não seria aceitável ater-se à preciosismos topográficos para deixar de considerar como pessoas jurídicas os Condomínios Edilícios, vez que sua existência, tal como dispõe não só o Código Civil, mas também a Lei 4.591/64 – não derrogada pela nova legislação, claramente imputa-lhe os mesmos preceitos e características, senão vejamos:

1. Vontade humana:

Como expresso na norma, o Condomínio Edilício forma-se pela vontade humana, seja de seu instituidor, no caso de ter sido criado por vontade do falecido proprietário do edifício, quer seja pela vontade dos adquirentes das unidades autônomas, a fim de ajudar no regramento da vida comum.

Ao ato constitutivo chama-se Convenção Condominial, que dentre outras situações, deve prever obrigatoriamente o nome da edificação, o nome dos condôminos que a subscrevem, a proporção de ingerência de cada condômino na coisa comum. Tal qual as sociedades, o Condomínio prevê a participação pecuniária a qual terá o condômino que arcar, e o peso de sua opinião nas decisões da comunidade.

A Convenção, tal qual o Contrato Social, também delibera sobre a figura de seu administrador, que recebe o nome próprio de Síndico, suas atribuições e responsabilidades. Atribui deveres e obrigações aos seus co-proprietários e até mesmo a terceiros, quando, por exemplo, atribui funções ao porteiro.

 

A partir de seu ingresso no mundo jurídico, através do registro da Convenção no Ofício do Registro Imobiliário, passa a ser oponível a terceiros, tal qual o Estatuto Social, e portanto, autoriza a aplicação analógica do art. 1.015 do Código Civil, no que toca à responsabilização pessoal do Síndico, segundo o escólio desenvolvido pelo eminente jurista Silvio Marcondes, encarregado pelo novo Direito de Empresa, que tomou o Livro II da Parte Especial do Código Civil.

2. Formação conforme legislação

Como dito acima, a vontade dos agentes instituidores, consolidada em seu estatuto, cria o Condomínio Edilício. A Sociedade, por igual, é constituída por vontade de seus sócios, consolidada no seu Estatuto Social. A única diferença, neste mister, é que o Condomínio, por não se destinar ao comércio, e por ser visível, palpável e apreciável fática e monetariamente, prescinde da presunção de existência que gera o arquivamento do ato constitutivo no órgão próprio.

Se a sociedade necessita de uma consolidação formal pelo arquivamento do ato constitutivo no registro correspondente (art.45 do Código Civil), para gerar a segurança jurídica aos terceiros com quem contrata, a existência física do Condomínio, por si só, basta aos terceiros para a certeza de sua existência real. Portanto, o legislador tornou dispensável o registro da Convenção no Cartório Imobiliário para sua constituição, quando realizado por ato inter vivos, não excluindo, contudo, sua exigibilidade para a formação de direitos perante terceiros com quem contratar.

Não se pode olvidar que, neste tema, andou bem o legislador, por dispensar o Condomínio Edilício de certas formalidades, aumentando a acessibilidade a certas proteções legais, objetivando o bem comum.

 

3. Finalidade comum

Tal qual as sociedades, e as pessoas jurídicas em geral, o Condomínio Edilício visa um objetivo comum à todos os seus participantes: a proteção e o implemento do bem comum. Nas sociedades, busca-se o lucro financeiro direto, a vantagem patrimonial. O Condomínio Edilício, no entanto, é mais altruísta, tomando por finalidade a promoção do bem comum, a divisão proporcional ou igualitária dos benefícios e vantagens não patrimoniais advindas do bem viver. Enquanto a primeira visa o patrimônio, o segundo visa o bem comum.

Hodiernamente, não se olvida que o Condomínio Edilício também possui uma finalidade patrimonial, já que seus co-proprietários pretendem, com a boa administração dos bens comuns, o decréscimo dos dispêndios particulares com sua manutenção e uma valorização de seu patrimônio individual. Tais relações têm cunho eminentemente patrimonial, já que a redução de despesas e a valorização do edifício gera efetivo ganho de natureza patrimonial.

Tais peculiaridades distinguem o Condomínio Edilício dos demais entes normalmente exemplificados: massa falida e espólio.

Primeiramente, o Condomínio Edilício tem intrínseco em sua formação o elemento anímico, quer de seu instituidor, quer das pessoas que originalmente se agregaram e consolidaram sua convenção condominial, no que difere da massa falida e do espólio, vez que estes não pressupõem a existência de uma vontade dos partícipes, já que a primeira é a reunião, por força de lei, dos credores e devedores de uma determinada pessoa jurídica que não possuiu sua perfeita saúde financeira, e o segundo, de pessoas que herdaram, por força de lei, uma fração de um patrimônio, sem qualquer vínculo subjetivo que as identifique ou qualquer finalidade comum, que não a sua extinção.

Não se pode olvidar que o sujeito que herda qualquer bem deseja a divisão, bem como o credor almeja, a todo o momento, o pagamento de seu crédito. A vontade de todas as partes é de se retirar daquela relação jurídica imposta por lei. Já no Condomínio Edilício, tal vontade sequer pode ser manifestada, vez que incompatível com sua própria natureza. Vale dizer que a extinção da comunhão acarretaria na extinção do próprio patrimônio comum e no de propriedade exclusiva, que nele está contida.

O quesito temporal é igualmente um diferencial, já que os entes são dotados de capacidade relativa a certos atos, durante um determinado tempo. Após o implemento de seu objetivo, os entes se desfazem, pois sua natureza pressupõe a temporariedade. O espólio sempre se dissolverá após a homologação da partilha (art. 2013 do C.C.) e a massa falida, após o pagamento de todos os credores (art. 149 da Lei 11.101/2005).

 

Já o Condomínio Edilício tente a perpetuidade, só se desfazendo com a destruição do próprio edifício que o contém, ou seja, somente com a destruição do próprio corpo sobre o qual recaem as obrigações condominiais extingue-se sua personalidade.

Neste quadro, que pretende mais elaborar um esboço da atividade condominial exigível nos dias atuais, que estabelecer questões controversas, impõe-se a reflexão sobre a nova natureza jurídica dos Condomínios Edilícios, agigantando seu estudo e aprofundando sua aplicabilidade, tornando-o mais funcional, com a finalidade exclusiva de fazer incidir sobre si a efetiva função social que deve exercer.

(Elaborado em junho/2006)

 

Como citar o texto:

FERNANDES, Marcia Helena Rouxinol..Da personificação do condomínio edilício. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 187. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/1389/da-personificacao-condominio-edilicio. Acesso em 18 jul. 2006.

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