Após as escandalosas confissões de utilização de “recursos não contabilizados” (vulgo caixa 2) para o financiamento de campanhas políticas, ocorridas durante boa parte do ano passado, seguiu-se um sentimento de generalizada indignação em toda sociedade brasileira. Afinal, os ilícitos confessados não tinham punição legal correspondente. Quem se elegera com recursos ilícitos, confessadamente, sabia-se fora do alcance de qualquer punição mais séria, e especialmente sabia que o mandato político conquistado nessas condições já não podia mais ser cassado pela Justiça Eleitoral. Em suma: o candidato recebeu recursos ilícitos, elegeu-se, veio depois a confessar a irregularidade, ainda no exercício do mandato, e mesmo assim poderá permanecer no cargo até o fim, sem risco de ser dele afastado por conta das irregularidades da campanha eleitoral. Simplesmente a legislação eleitoral não contemplava possibilidade de cassação de mandato por irregularidades pertinentes à campanha, se conhecidas já no exercício do mandato.

A nova lei eleitoral (nº 11.300, de 10 de maio de 2006), que trouxe modificações ao texto da Lei Geral das Eleições (nº 9.504/97), apresenta inovações que miram principalmente em dois objetivos: redução de gastos de campanha eleitoral e criação de novos instrumentos de controle dos recursos eleitorais. A nova lei, chamada de “minirreforma eleitoral”, passou por uma análise do Tribunal Superior Eleitoral em 23 de maio, para definição de sua aplicabilidade sobre o processo eleitoral de 2006, à vista das restrições previstas no artigo 16 da Constituição Federal. Contrariando as expectativas, o TSE decidiu pela aplicabilidade, já em 2006, da maioria dos dispositivos da Lei 11.300.

Recentemente, no dia 29 de junho passado, o TSE aprovou a nova redação da instrução 107, que já havia sido editada quando da aprovação da Lei nº 11.300/06, dissipando algumas dúvidas dos partidos, coligações, candidatos e da população em geral sobre o que pode e o que não pode em matéria de propaganda eleitoral.

 

A seguir, as principais modificações que serão aplicadas em 2006:

 

INSTRUMENTOS DE CONTROLE DOS GASTOS DE CAMPANHA.

* prestações de contas intermediárias. A nova lei instituiu, além da prestação de contas ao final da campanha eleitoral, relatórios intermediários, divulgados pela internet, nos dias 06 de agosto e 06 de setembro. De acordo com a nova redação do artigo 28, § 4º, da Lei 9.504/97, os partidos políticos, coligações e candidatos deverão discriminar os recursos, em dinheiro ou estimáveis em dinheiro, recebidos até então, bem como os gastos realizados. As informações serão, depois, comparadas com aquelas fornecidas ao final da campanha, de maneira mais detalhada. Nas prestações de contas parciais não se exige a identificação dos doadores e os respectivos valores doados, informações que serão apresentadas apenas após as eleições.

* representação por irregularidades em arrecadação e gastos eleitorais. Importante modificação foi a criação de uma nova medida judicial para combater as irregularidades relacionadas a gastos e arrecadação de recursos de campanhas eleitorais. O artigo 30-A, introduzido no texto da Lei 9.504/97, possibilita a instauração de uma representação eleitoral específica para esse fim, que seguirá o procedimento previsto no artigo 22 da Lei Complementar nº 64/90 (rito da investigação judicial), e conduzirá à denegação do diploma ao candidato, ou à sua cassação, se já outorgado. Como se vê, abre-se, aqui, a possibilidade de perseguição das irregularidades contábeis mesmo depois da diplomação, o que certamente é um avanço, comparativamente à situação de imobilidade vivida por todo o país no último ano, diante das cândidas confissões de emprego de “recursos não contabilizados” em campanhas eleitorais. A partir de agora, ao que parece, a constatação de cometimento de atos dessa natureza possibilitará a instauração dessa nova representação eleitoral, visando a cassação do diploma eleitoral, mesmo durante o exercício do mandato eletivo. É o que se espera.

* arrecadação de recursos. As doações deverão ser feitas através de cheque cruzado ou transferência eletrônica de depósitos. Doação em espécie foi proibida, ressalvada apenas a possibilidade de depósito, por pessoa física, na conta corrente específica, de quantia devidamente identificada, com observância aos limites de doação estabelecidos na lei. De qualquer forma, a totalidade dos recursos arrecadados deverá ser objeto de depósito na conta bancária aberta especialmente para a campanha eleitoral.

* entidades proibidas de doar. A nova lei também alargou o rol de entidades proibidas de contribuir para as campanhas eleitorais. Foram acrescidos os incisos VIII a XI no artigo 24 da Lei 9.504/976, estendendo a proibição, por exemplo, às entidades beneficentes e religiosas e a organizações da sociedade civil de interesse público.

 

DIMINUIÇÃO DOS GASTOS DE CAMPANHA.

 

A nova lei restringiu as formas de divulgação eleitoral. Foram proibidos:

 

* confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar a vantagem ao eleitor (novo artigo 39, § 6º, da Lei 9.504/97);

Esse rol da lei é meramente exemplificativo, o que significa que estão proibidos todos os bens que tenham alguma utilidade para o eleitoral, que não seja a de simplesmente externar a sua intenção de voto. Isso vale também para lixas de unha, batons, baralhos, marcadores de jogos, marcadores de livro, dentre outros.

* propaganda em bens públicos, inclusive postes de iluminação pública e sinalização de tráfego, viadutos, passarelas e outros equipamentos urbanos. Não haverá mais banners, estandartes ou faixas fixadas nos postes e viadutos das vias públicas (nova redação do caput do artigo 37 da Lei 9.504/97);

A instrução 107 do TSE permite a colocação de bonecos e de cartazes não fixos ao longo das vias públicas, desde que não dificulte o bom andamento do trânsito. Isso significa que esse material poderá ser veiculado através de cabos eleitorais. Vale dizer, o cabo eleitoral poderá segurar o boneco ou o cartaz ao longo das vias públicas.

* propaganda através de outdoors (novo §8º do artigo 39 da Lei 9.504/97);

A instrução 107 do TSE continua considerando outdoor o engenho publicitário explorado comercialmente. A afixação de placas, em terrenos particulares, é permitida nos termos do art. 10 da instrução, desde que nunca tenham sido utilizadas anteriormente para fins comerciais.

* showmícios, ou seja, utilização, remunerada ou não, de artistas para animação de comícios (novo § 7º do artigo 39 da Lei 9.504/97).

 

O que sobrou? Como será a campanha eleitoral? Através da distribuição de impressos em geral, da divulgação através de alto-falantes ou carros de som, da propaganda em bens particulares e de comícios sem shows, além dos horários gratuitos de propaganda no rádio e na televisão e da propaganda eleitoral na internet, aspectos que permaneceram inalterados.

Interessante ressaltar uma vedação criada no nova lei: durante o período eleitoral, candidato não pode fazer caridade. Segundo o novo § 5º do artigo 23 da Lei 9.504/97, é proibido ao candidato fazer “doações em dinheiro, bem como de troféus, prêmios, ajudas de qualquer espécie”, a pessoas físicas ou jurídicas, desde o registro da candidatura, até a eleição. Não há sanção prevista para o descumprimento dessa vedação, bem como não há previsão de punição para as proibições de distribuição de brindes de pequeno valor (camisetas, bonés, etc.) e de realização de showmício. Seja como for, as condutas ilícitas poderão ser de pronto sustadas pela Justiça Eleitoral, no exercício de seu poder de polícia. Poderá ainda estar configurado o abuso do poder econômico.

 

OUTROS ASPECTOS.

 

A nova lei trouxe uma disposição flagrantemente inconstitucional, como tal já reconhecida pelo TSE. Trata-se da proibição de divulgação de pesquisas eleitorais nos quinze dias anteriores ao pleito, prevista no novo artigo 35-A da Lei 9.504/97. Preceito legal similar já havia sido declarado inconstitucional no passado, nas eleições de 1988.

 

O TSE considerou inaplicável para as eleições de 2006 a nova redação do § 3º do artigo 47 da Lei 9.504/97, que prevê o direito de acesso ao horário gratuito de propaganda no rádio e na televisão aos partidos, de acordo com as respectivas bancadas na Câmara Federal contadas com base na votação obtida nas eleições. Atualmente, a previsão legal é de utilização das bancadas na data da posse dos Deputados para a divisão de tempo de propaganda gratuita. A decisão, porém, deverá influir pouco, pois o próprio TSE já havia declarado que a contagem das bancadas na data da posse deve ser feita com base nas indicações de filiação partidária expressas nos diplomas dos eleitos (art. 24, § 1º, da Resolução 22.158 do TSE, tomada com base na Resolução 21.805, também do TSE). Na prática, portanto, o TSE já vem utilizando as bancadas da data da eleição para a fixação dos tempos dos partidos no horário eleitoral gratuito.

Muitas dúvidas ainda deverão ser aplacadas pela Justiça Eleitoral no correr destas eleições de 2006. Há dúvidas, ainda, sobre a constitucionalidade – e, mesmo, a conveniência – de algumas das restrições levantadas na nova lei. Certo é que muitos candidatos, especialmente aqueles mais distantes das cúpulas partidárias, terão mais dificuldade de se mostrar aos eleitores, o que prejudicará a renovação dos quadros políticos. Para combater o “caixa 2” na campanha eleitoral, o legislador restringiu a própria campanha. Vem aí a campanha eleitoral secreta? Quem se beneficiará eleitoralmente? Veremos o que virá.

 

Como citar o texto:

ROLLO, Alberto; ROLLO, Arthur, CARVALHO, Fernando Lopes de..Minirreforma eleitoral: efeitos para as eleições de 2006. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 187. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-eleitoral/1390/minirreforma-eleitoral-efeitos-as-eleicoes-2006. Acesso em 18 jul. 2006.

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