SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Súmula Vinculante e sua Interpretação 2.1 A Súmula Vinculante no ordenamento romano-germânico atual 3. Súmula Vinculante e sua Aplicabilidade 3.1 A Subsunção da Súmula Vinculante ao Caso Concreto 4. Súmula Vinculante x Argumentação 4.1 A forma de Reclamação perante a Suprema Corte 4.2 A forma de Modificação e Cancelamento das Súmulas Vinculantes 5. Marcos Teóricos 5.1 Corrente Pró 5.2 Corrente Contra 5.3 Sugestões de Lege Ferenda 6. Considerações Finais 7. Bibliografia.

PALAVRAS-CHAVES: vinculação – emenda constitucional nº 45 – abstração – interpretação – aplicabilidade – efeitos - eficácia.

RESUMO: A abordagem deste tema tem por objetivo discutir a veiculação e interpretação das Súmulas Vinculantes baixadas pela Suprema Corte frente aos casos concretos, principalmente no que diz respeito à sua aplicabilidade e eficácia, à luz do disposto do artigo nº 103-A da Constituição Federal, redação esta adotada pela Emenda Constitucional nº 45, que entrou em vigor no dia 08 de dezembro de 2004.

1. INTRODUÇÃO

Inflamado pelo célere e eficaz ordenamento jurídico anglo-saxônico mais conhecido como stare decisis[1], o legislador brasileiro propõe a Emenda Constitucional nº 45 na busca por uma justiça mais rápida e eficaz, tendo como visão primordial o balizamento e a uniformidade das decisões jurídico-brasileiras.

Este posicionamento se concreta no novo artigo nº 103-A da Constituição Federal, encapado pela já citada Emenda Constitucional nº 45, que possui a seguinte redação:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.[2] (grifou-se)

Diante da redação dada pelo artigo 103-A da Constituição Federal, fica clara a intenção do legislador constitucional brasileiro em atribuir à súmula vinculante uma característica de fonte abstrata do direito, o que por conseguinte a colocaria em retidão com as demais fontes de interpretação do ordenamento jurídico-brasileiro.

Esta forma de atuação já foi implantada em nosso ordenamento jurídico na época do Império, quando no ano de 1876 o então Supremo Tribunal de Justiça passou a ter a possibilidade de editar assentos com força de lei, fundamentados o Decreto n. 6.142 de 10 de março de 1876, possibilidade esta que não chegou a se concretizar pelo advento da proclamação da República.[3]

Analisando o tema, percebam que a partir da entrada em vigor do artigo 103-A da Constituição Federal, a Súmula Vinculante avocou um novo status dentro do ordenamento jurídico-processual brasileiro, pois, a redação dada ao referido dispositivo, este materializou força de norma balizadora, o que por sua vez, impõe às decisões proferidas pelos órgãos judiciais e administrativos inferiores, sua vinculação, a qual, se contrariada, proporcionaria a possibilidade de anulação ou cassação através de Reclamação feita diretamente ao Supremo Tribunal Federal, como emoldura o § 3º do artigo 103-A da Constituição Federal.[4]

Diante disso, percebam que a real intenção do legislador constitucional brasileiro foi a de tornar mais uniforme e eficaz os tramites processuais, apresentando dessa forma um dispositivo constitucional que propiciaria a elaboração de marcos balizadores dentro de nosso ordenamento jurídico-processual, com isso resgatando à sociedade brasileira uma justiça mais rápida, eficaz e segura.

Ocorre que devemos imprimir ao referido mecanismo constitucional uma análise critica, pois da forma como foi proposta a redação do referido artigo, a efetivação e aplicabilidade do mesmo poderá transmitir à sociedade resultados opostos aos quistos pelo legislador, haja vista que a plenitude elencada no referido artigo materializou forma de norma ditatorial, condicionando as decisões de inferior instância a seguí-lo.

Diante disso o tema deve ser analisado de forma demasiada, caso contrário, sua má condução certamente causará às partes uma minoração em seu direito de ação/defesa, com isso ferindo gravemente princípios basilares de nosso ordenamento processual civil.

São estes os motivos que nos levou ao debate de tal tema, pois sobre o prisma de tais argumentações, devemos nos despertar para o estudo aprofundado do assunto no intuito de chegarmos a uma conclusão mediana sobre a sua interpretação, aplicabilidade e eficácia como norma balizadora de nosso ordenamento jurídico, para que assim ela possa certamente assumir seu posto de fontes abstratas do direito, enriquecendo ainda mais o já tão locupletado Direito Processual Civil Brasileiro.

2. SÚMULA VINCULANTE E SUA INTERPRETAÇÃO:

2.1 A Súmula Vinculante no ordenamento romano-germânico atual:

Podemos perceber que tal tema possui uma subjetividade ímpar no que diz respeito a sua interpretação dentro do ordenamento civil law[5] ou romano-germânico em que vivemos, pois, os usos e costumes jurídico-brasileiro se diferem muito dos usos e costumes norte-americano, de onde provém tal idéia.

A proposta apresentada pelo artigo 103-A da Constituição Federal visa a celeridade e eficácia do direito processual brasileiro, bem como, o balizamento de decisões sobre mesma matéria. Ocorre que tal mecanismo deve ser interpretado e manejado de forma cautelosa, pois sua aplicação impensada poderá acarretar efeitos contrários aos quistos pelo legislador.

Sem assim, vale salientar que os atuais jurisconsultos, magistrados e demais operadores do direito, bem como os órgãos administrativos em geral, possuem conceitos formados a respeito de determinados temas particulares, o que dificultaria a encampação e aplicabilidade da Súmula Vinculante que viesse contra tais conceitos.

Vale também dizer que a mudança brusca proposta pelo referido mecanismo ditatorial, certamente acarretaria um abalo imensurável aos principais pilares do atual ordenamento processual civil, haja vista que a vinculação exposta pelo artigo 103-A da Constituição Federal, ao mesmo tempo em que propõe uma justiça mais célere e balizadora, esbarra em vários princípios de nosso ordenamento jurídico, tais quais, o princípio do devido processo legal[6], o princípio do livre convencimento do juiz[7], o princípio da ampla defesa, e demais fontes que sustentam e enriquecem nosso ordenamento pátrio.

Apesar de estarmos inseridos em um sistema jurídico tradicionalista e semi-flexível, onde a visão processual ainda está muito centrada em meros detalhes,

o que por conseguinte acabam por imprimir uma macha  vagarosa  ao nosso ordena-

mento, a proposta apresentada pela Súmula Vinculante deve ser analisada deforma critica, pois apesar da intenção do legislador constitucional em propor à sociedade brasileira uma justiça mais célere e balizadora, onde o interesse resistido possa ser havido mais rapidamente, vários são os conflitos e contradições apresentados pelo tema.

Para chegarmos a uma primazia, onde o referido mecanismo constitucional possa ser utilizado sem grandes tribulações, temos que driblar alguns obstáculos alicerçados em nosso atual ordenamento jurídico-processual, para que assim possamos implantar a idéia elencada no referido artigo, resgatando a segurança jurídica perdida ao longo dos tempos.

Seguindo este diapasão, cabe a nós, pensadores do direito, interpretar e estudar formas mais centradas e justas de se manejar o novo mecanismo constitucional, cuidando para que tais manejos não venham a mitigar o acesso a justiça e a usurpar da pessoa o direito a ampla defesa e ao devido processo legal, resgatando assim segurança jurídica.

3. SÚMULA VINCULANTE E SUA APLICABILIDADE:

A abordagem do tema apresentado limita-se a sua apresentação como fonte abstrata do direito processual civil, bem como, quanto sua aplicabilidade e eficácia frente às diversas hipóteses de conflitos com princípios balizadores de nosso ordenamento jurídico-processual, impondo soluções de aplicabilidade à este dispositivo proposto pelo artigo 103-A da Constituição Federal, encampado pela Emenda Constitucional nº 45.[8]

A visão apresentada pelo legislador constitucional com o advento da Súmula Vinculante é sim merecedora de elogios, pecou ele apenas no que diz respeito a aplicabilidade do referido comando constitucional no âmbito no ordenamento processual jurídico atual, haja vista que da forma como foi proposto, não há espaço para a argumentação das partes, impossibilitando a defesa nos casos de subsunção do fato concreto à possíveis normas vinculadas.

A imposição vinculante de entendimentos jurisprudenciais como forma indiscutível e insuscetível de argumentação, deve ser havida no âmbito de nosso atual ordenamento jurídico-processual com certo cuidado, pois a prática paulatina de tal atitude feriria completamente do Estado Democrático de Direito.[9]

É certo que a intenção originária do artigo 103-A da Constituição Federal, era a de apresentar ao atual ordenamento jurídico mecanismos que iria imprimir uma macha mais célere e eficaz ao andamento processual, bem como, repelir os inúmeros entendimentos diversos a respeito de mesma matéria, o que acarreta uma imensurável insegurança jurídica do âmbito da sociedade em geral.

Ocorre que apesar de toda boa intenção da norma constitucional, o que se deve priorizar são os princípios processuais balizadores de nosso ordenamento jurídico-brasileiro, os quais serão fortemente mitigados com a aplicação da Súmula Vinculante da maneira como foi inicialmente proposta pelo legislador constituinte.

3.1 A Subsunção da Súmula Vinculante ao Caso Concreto:

A norma proposta pelo legislador constitucional teve a livre intenção de propiciar aos brasileiros uma celeridade no julgamento das lides, bem como, um balizamento dos entendimentos sobre determinadas matérias, resgatando dessa forma a segurança judicial e propondo à sociedade uma máquina jurídica mais eficaz e atuante.

Ao pesquisarmos sobre o tema, esbarramos em várias argumentações que demonstram outros rumos que podem ser tomados com a aplicação imediata do referido mecanismo, rumos estes que poderão causar injustiças no seio da sociedade e retirar da pessoa o direito a ampla defesa e ao devido processo legal, haja vista que os usos e costumes existentes no âmbito da atual sociedade brasileira, não são os mesmo havidos no inter das sociedades norte-americana, de onde provem tal norma.

Balizando esta posição, o Professor Alexandro Sormani, retrata dizendo:

... Não é demais dizer que o efeito vinculante buscou luzes no sistema norte-americano. Lá, para a funcionalidade do sistema judicial -- que também possui salutar morosidade, as decisões da Suprema Corte Americana gozam de efeito vinculante em relação aos demais órgãos judiciais. É o chamado stare decisis. Lembrando que em um sistema em que a lei não é a única fonte primária do direito, resta clara a necessidade do efeito vinculante das decisões judiciais. No entanto, no Brasil, onde a jurisprudência é apenas uma fonte de apoio e não uma fonte criadora do direito, a adoção de súmulas vinculantes pode causar inconsistências e dificuldades no funcionamento judicial...[10] (grifou-se)

Partindo desse diapasão, percebam que o legislador constituinte, apenas fez uso de regulamentação externa eficaz, sem analisar os efeitos que tais dispositivos proporcionariam no seio da atual sociedade brasileira. Para alicerçar a posição basta fazermos uma comparação entre o ramo do direito norte-americano e o ramo do direito brasileiro, onde aquele tem base anglicana, e visa o julgamento por “amostragem”, enquanto este, tem base romana, na qual apresenta uma minunciosidade de critérios e princípios que visa regulamentar o bem individual, caso a caso.

Além disso, vale ressaltar que o ordenamento jurídico norte-americano, é composto por várias constituições espalhadas pelos diversos Estados de sua região, onde o anseio de cada sociedade é melhor apresentado e discutido pelo judiciário. Já no Brasil, existe apenas uma constituição que dita normas para todos os Estado de sua federação.

Com isso surge outra preocupação, pois os anseios sociais sofridos pela população do Estado do Rio Grande do Sul, não são os mesmos anseios vividos pela população do Estado do Acre, por exemplo. Vejam que nosso país possui uma vasta e híbrida população que têm usos e costumes diferenciados entre si, sendo assim, como podemos impor a esta imensa população uma só convicção ditatorial, a princípio, imutável?

A proposta que podemos apresentar para esta regulamentação é que o Supremo Tribunal Federal sumule de seu entendimento, desde que este somente vincule as decisões e atos administrativos nos Estados em que seus Tribunais encampem, pois os Tribunais de Justiça estaduais estão mais próximos de suas populações, vivenciando o dia a dia da pessoa natural, bem como normificando e impondo regras aos mesmos diariamente.

Percebam que dessa forma a justiça seria mais palpável e o Poder Judiciário de cada Estado resgataria sua autonomia fazendo o seu papel de guiar a população dentro dos ditames da lei.     

Vejam que a intenção contida no mecanismo é a de beneficiar o andamento processual, ocorre que, para que haja tal resultado, muitas serão as barreiras a serem derrubadas dentro do atual ordenamento processual, pois, como já dito, toda formação jurídico-processual brasileira é alicerçada em princípios que por si só acabam por detalhar demais o processualismo vigente. A implantação desse novo mecanismo ditatorial contrapõe todo este aparato processual, pois apresenta atalhos que atropelam vários princípios processuais.

4. SÚMULA VINCULANTE x ARGUMENTAÇÃO:

4.1 A forma de Reclamação perante a Suprema Corte:

A Reclamação interposta perante a Suprema Corte, tem como fundamento o § 3º do artigo 103-A da Constituição Federal[11], e poderá ser proposta contra ato administrativo ou decisão judicial que contrarie Súmula Vinculante.

Tal mecanismo visa uma celeridade no julgamento das ações, através de sua utilização, suprimindo dessa forma outros remédios processuais corriqueiramente utilizados para subsunção da norma ao caso concreto.

Este é o cerne do dispositivo normativo apresentado, pois é através deste mecanismo que a Suprema Corte por intervir diretamente nas lides iniciais, apresentando de imediato seu entendimento a respeito do assunto em tela, impondo assim sua decisão ditatorial.

Num primeiro momento, esta forma de atuação do Estado assusta, pois da forma que foi proposta a aplicação da Súmula Vinculante, não há espaço para argumentação da norma sumulada, o que nos leva a crer estarmos entrando em um mundo Kelziano, onde o direito é apenas norma posta, sem levar em consideração os fatos e valores, o que por conseguinte vai de encontro com todo o ordenamento civil vigente.

4.2 A Forma de Modificação e Cancelamento das Súmulas Vinculantes:

Como dita o § 2º do artigo 103-A da Constituição Federal, a Súmula Vinculante poderá ser revista ou cancelada, “mediante provocação daqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade”.[12]

Esta disposição propicia uma certa segurança quanto ao conteúdo proposto pelas Súmulas Vinculantes, além do mais, oferece respaldos para o debate e aprimoramento de novas normas balizadoras, afinando o entendimento jurídico sobre a matéria e apresentando uma justiça mais célere e eficaz.

É esse ponto que devemos explorar, pois como já dito acima o Brasil é um país muito extenso e híbrido, onde encontramos diversas etnias. Para que esse mecanismo venha somar em nosso ordenamento jurídico atual, devemos imprimir uma cautelosa análise sobre as formas de aplicabilidade para que assim o mesmo não venha beneficiar demasiadamente uma parte da sociedade, prejudicando imensuravelmente à outra.

5. MARCOS TEÓRICOS:

Apesar de se tratar de tema muito precoce, vários são os pronunciamentos a respeito do caso aqui exposto.

Os jurisconsultos do direito processual civil, que até então se pronunciaram a respeito do tema, apresentaram duas diferentes correntes de pensamento, uma defende a proposta encampada pela Súmula Vinculante, alegando que ela não feriria nenhum princípio constitucional, por se tratar apenas de vinculação de norma amplamente discutida e alicerçada pelos Superiores Tribunais, baseando tal entendimento no princípio da legalidade; outra, que ataca a proposta apresentada, alegando ser inconstitucional e inaplicável ao direito brasileiro, levando em consideração o princípio do devido processo legal, o princípio do livre convencimento do juiz,  o princípio da ampla defesa, entre outros.

5.1 Corrente Pró:

Dentre vários operadores e manipuladores do direito processual civil, podemos citar, Paulo Edurado Razuk[13], que expõe o seguinte pensamento:

As súmulas, tal qual as normas legais, são proposições jurídicas genéricas, aplicáveis a um número indeterminado de casos. Na tarefa de aplicá-las, cabe ao juiz subsumir os fatos às normas ou súmulas genéricas, criando a norma concreta para decidir o caso em espécie. Por conseguinte, ao aplicar uma súmula, o juiz atém-se à proposição genérica nela contida, não fazendo o cotejo dos casos que motivaram a sua edição com o caso em julgamento.

É uma operação lógico-dedutiva, de encontrar-se a norma genérica no ordenamento jurídico e aplicá-la ao caso concreto.

Coisa inteiramente diferente é o stare decisis da common law, instituto próprio do direito anglo-saxônico. Stare decisis é a política que requer que as Cortes subordinadas à Corte superior que estabeleceu o precedente sigam-no e que não disturbem um ponto estabelecido.

Desse modo, estabelecido o precedente do caso, a Corte continuará a aderir àquele precedente, aplicando-o a casos futuros nos quais os fatos relevantes para fins decisórios sejam substancialmente iguais, ainda quando as partes não são as mesmas.

A doutrina do stare decisis não comporta a edição de súmulas, que contenham proposições jurídicas genéricas. Encontrados os precedentes, faz-se o cotejo dos fatos relacionados aos casos anteriores com o fato objeto do caso em julgamento. É uma operação lógico-indutiva, em que a regra geral é extraída pelo aplicador do exame dos casos anteriores, mediante a comparação dos fatos, para aplicá-la ao caso concreto.

Verifica-se então que o precedente vinculante da doutrina do stare decisis, pertencente ao sistema jurídico da common law, nada tem a ver com a súmula vinculante do direito brasileiro, que constitui uma excrescência no sistema jurídico romano-germânico, do qual o Brasil sempre fez parte.(grifou-se)

Além desse, outros são os doutrinadores que defendem a proposta elencada no artigo 103-A da Constituição Federal, tais quais:

Alexandre Sormani, que, a respeito do tema tem a seguinte posição:

O dispositivo introduzido pela reforma trouxe claramente que o efeito vinculante é atribuído à súmula e, portanto, ao resultado de uniformização de jurisprudência do Tribunal e não a uma decisão isolada. Não será vinculante toda e qualquer súmula, mas somente aquela que, em se tratando de matéria constitucional, houver de receber tal efeito mediante decisão de dois terços dos ministros do STF. Obviamente, os votos pela vinculação ou não da súmula -- como todo voto judicial -- deverá ser fundamentado, sob pena de nulidade. Na fundamentação, o ministro estabelecerá se o caso tem a justificativa de pacificar os conflitos sobre a matéria, de modo que a atribuição do efeito vinculante não é de natureza arbitrária, mas sim fundamentada. O mesmo se diga na votação para a conversão das súmulas já existentes, autorizada pelo artigo 8º da Emenda Constitucional 45/04.[14] (grifou-se)

Também ressalta o Ministro Carlos Velloso dizendo:

No sistema judicial norte-americano, que garante aos indivíduos, de modo amplo, a tutela jurisdicional, todos os tribunais estão vinculados às decisões da Suprema Corte, nos casos em iguais estados de fato em que a decisão da Suprema Corte foi tomada. Isso, sem dúvida, proporciona segurança jurídica.[15] (grifou-se)

Apesar da defesa apresentada pelos conspícuos doutores do direito, a segurança pretendida ainda está longe de ser formalizada, deixando a convicção de que, mais valeu a intenção do legislador constitucional, do que o próprio dispositivo em si.

5.2 Corrente Contra:

Rebatendo a aplicabilidade e eficácia da Súmula Vinculante, outros pensadores do direito vêm trazendo suas redações com a seguinte afinação:

Cláudio Sinoé Ardenghy dos Santos, saudoso mestre gaúcho, expõe os seguintes dizeres:

...“Nos termos da lei” não faz que haja presente uma presunção de materialidade do encimado parágrafo, tendo, ao nosso ver, aplicação imediata. Claro que ficará condicionada a apreciação do recurso extraordinário a 2/3 dos Ministros do Supremo sobre a existência repercussão geral. Surge, guardadas as devidas proporções, a antiga questão do que seja relevância ou repercussão geral, ficando estes termos ao alvedrio da Suprema Corte, a qual não poderá o Ministro-relator fulminar o recurso extraordinário de plano, devendo levar à apreciação de todos os Ministros!

Assim nasce nosso entendimento que as alterações não melhorarão em nada a função precípua do STF, ou alcançou seu objetivo de reter o acúmulo de recursos extraordinários exatamente pela falha de redação do legislador. Enxovalhou o sistema do devido processo legal violando a celeridade na criação teratológica da malfadada Emenda 45. [16] (grifou-se)

Defendendo a ineficácia da aplicabilidade da Súmula Vinculante, trazemos o pensar do Dr. Félix Soibelman, que coloca a seguinte posição:

A verticalização da justiça através de jurisprudência contraria o brocardo "nom exemplis sed legibus judicandum est" (deve-se julgar segundo as leis e não por outros casos), consoante o que se conclui que os arestos do STF não deveriam possuir o condão de impor o que a Reforma do Judiciário impôs pela súmula vinculante.[17] (grifou-se)

Nesse mesmo diapasão Maria Tereza Sadek expõe de forma clara suas posições dizendo:

A súmula vinculante (stare decisis) é vista por seus defensores como indispensável para garantir a segurança jurídica e evitar a multiplicação, considerada desnecessária, de processos nas várias instâncias. Tal providência seria capaz de obrigar os juízes de primeira instância a cumprir as decisões dos tribunais superiores, mesmo que discordassem delas, e impediria que grande parte dos processos tivesse continuidade, desafogando o Judiciário de processos repetidos. Seus oponentes, por seu lado julgam que a adoção da súmula vinculante engessaria o Judiciário, impedindo a inovação e transformando os julgamentos de primeiro grau em meras cópias de decisões já tomadas. Dentre os que contestam tal expediente, há os que aceitam a súmula impeditiva de recurso, um sistema em que o juiz não fica obrigado a seguir o entendimento dos tribunais superiores do STF, mas permite que a instância superior não examine o recurso que contrarie a sua posição. [18] (grifou-se)

Percebam que o tema em tela, por ser algo novo em nosso ordenamento jurídico, acaba por confundir o posicionamento dos preclaros estudiosos do direito.

A percepção havida até então, é que, muito embora a intenção do legislador constitucional brasileiro foi a de propiciar uma forma mais célere e eficaz de tramites processuais, pecou ele em fazer uso de normas externas não compatíveis com nossa base jurídica, acabando por dificultar ainda mais os tramites processuais, levando em conta ainda que sua efetivação e aplicabilidade esbarrará de forma brusca e imprudente nas primordiais pilastras de nosso ordenamento jurídico processual civil.

5.3 Sugestões de Lege Ferenda

Diante das diversas argumentações supra citadas e mencionadas passamos a abordar hipótese que serviriam como respaldo à suprir as diversas incógnitas até aqui elencadas, e assim darmos os primeiros passos em busca do objetivo maior, qual seja, a tentativa de aplicação do novo comando constitucional dentro de nosso ordenamento romano-germânico, haja vista os usos e costumes já eminentes no seio de nossa tão extensa e híbrida sociedade brasileira.

Partindo do estudo imprimido sobre o tema, sugerimos duas hipóteses de emolduração da aplicabilidade da Súmula Vinculante, frente ao escopo processual civil brasileiro atual.

A primeira seria a hipótese do legislador constitucional delimitar regionalmente a esfera de atuação da Súmula Vinculante, como já dito acima, através da encampação das mesma pelos Tribunais de Justiça estaduais, bem como, apresentar formas mais concretas de discutibilidade no que diz respeito a subsunção das Súmulas Vinculantes aos casos concretos, possibilitando às partes, o resguardo direito a ampla defesa e ao devido processo legal.

Isso se fundamenta pelo fato de que da forma como foi proposta a matéria sumulada, a mesma “nunca” poderá ser discutida em inferior instância, retirando das partes o direito ao devido processo legal e a ampla defesa, haja vista que, pelo simples ato de contrapor a vinculação da súmula, a parte vencida que tiver ao seu lado norma regulamentar vinculada, certamente recorrerá à Suprema instância, usurpando dessa forma a autoridade estatal do magistrado, ferindo assim o princípio do livre convencimento do juiz.[19]

A segunda, mais penosa e radical, seria a modificação dos atuais conceitos propostos pelos princípios processuais civis brasileiros, de forma a encaixá-los na nova norma constitucional apresentada pelo legislador constituinte. Digo a mais penosa e radical, porque o dispositivo vinculante apresentado pelo artigo 103-A, apesar de necessária ao arcaico direito processual civil brasileiro, se aplicado da forma como foi proposto, traria uma confusão judicial generalizada, pois estaríamos impondo a sociedade, normas que mudariam seus usos e costumes, andando na contra-mão da formação das Leis, as quais servem para regular a vida em sociedade, fazendo-se valer dos usos e costumes de uma população, e não para comandá-la de forma ditatorial.

Percebam que tal forma de legislar se assemelha muito com a temida, e já experimentada, Ditadura, onde as leis serviam, não para regular os usos e costumes existentes no âmbito da sociedade, mas sim, para ditar regrar que obrigavam a sociedade a andar por caminhos não quistos.

Diante desta verdade, podemos dizer que da forma com que foi possa a aplicabilidade da Súmula Vinculante, as partes certamente se sentiriam furtadas em seu direito de ação/defesa, pois a subjetividade da estimulação do judiciário, frente ao fato concreto, seria fortemente minorada, tendo em vista que, se a redação proposta pela Súmula, vincula as decisões de inferior instância, dificilmente as partes terão oportunidade de discutir fatos que vão de encontro com tal redação, mitigando desta forma o acesso à justiça e retirando da pessoa, o direito de discutir o fato jurídico concreto que contra-põe norma vinculada, acabando por impedir a argumentação, com isso extinguindo tal direito ab ovo.

Outro ponto que devemos ressaltar é a forma com que o Estado tentou resolver o problema da insegurança jurídica e da lentidão dos julgamentos processuais. A reforma legislativa em nada ajudará na resolução do caso em tela, o correto seria que o Estado, ente este que avocou para si o Poder-Dever de julgar os conflitos sociais, ampliassem sua esfera de atuação material, criando inúmeras varas e câmaras cíveis, com diversos juízes, onde tramitassem poucos processos, o que por conseguinte diminuiria as falha processuais e aceleraria o processamento e julgamento das lides de acordo com a lei vigente e os usos e costumes de cada região. Esta seria a correta modificação a ser feita, pois a legislação brasileira em vigor é muito rica e detalhada, o que propiciaria uma justiça mais centrada e exemplar para todo mundo. Mas o Estado achou por bem tomar outros caminhos, talvez pelo fato de que este proposto seria mais penoso, monetariamente falando.       

Para finalizar, poderíamos dizer que o legislador constitucional, muito se antecipou ao propor vinculação sumular das decisões do Supremo, frente aos casos concretos em trâmite em inferior instância, isso provocou uma mitigação profunda no direito das partes, no que diz respeito a estimulação do Poder Judiciário frente a pretensão resistida. O correto seria, que a doutrina e a jurisprudência agisse no sentido de apresentar à população esta nova forma de tramitação processual, o que por sua vez manipularia os conceitos e por conseguinte, abriria espaço para a introdução da norma vinculada, a qual teria plena eficácia, haja vista que a formação acadêmica e pedagógica dos atuais jurisconsultos e manipuladores do direito, proporcionalizaria uma vasta probabilidade de aplicabilidade e efetivação da Súmula Vinculante no âmbito do direito processual civil.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Várias foram as argumentações expostas sobre o tema e todas têm sua razão de ser, mas o fato é que ordienamente a sociedade brasileira busca no Poder Judiciário uma segurança que ele não pode oferecer, frente à este anseio, o legislador constitucional entendeu por bem propor o mecanismo em comento, cuja aplicação fere profundamente vários princípios basilares do atual ordenamento jurídico processual, além disso a sociedade brasileira ainda não está preparada para assimilar a veiculação de tal dispositivo, pois apesar de toda a evolução havida no âmbito da sociedade, a efetivação proposta pela Súmula Vinculante irá impor aos cidadãos uma forma de justiça muito brusca, que, ao invés de resgatar a segurança judicial, poderá perdê-la de vez.

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MORAES, Alexandre. Súmulas Vinculantes. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005.

[1] SORMANI, Alexandre. Súmula Vinculante Dispositivo não suprime liberdade de convicção do juiz. Consultor Jurídico, mar. 2005. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/33583,1>. Acesso em: 02 set. 2005.

[2] BRASIL. Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004. Altera dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103-B, 111-A e 130-A, e dá outras providências.  Senado Federal. Disponível em: < http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/>. Acesso em: 16 ago. 2005.

[3] MORAES, Alexandre. Súmulas Vinculantes. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. p. 505.

[4] Apud  “BRASIL. Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004”

[5] SGARBOSA, Luís Fernando. A Emenda Constitucional nº 45, a súmula vinculante e o livre convencimento motivado do magistrado. Um breve ensaio sobre hipótese de inaplicabilidade. Jus Navigandi, abr. 2005. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/imprimir.asp?id=6884>. Acesso em: 01 jul. 2005

[6] Neste sentido: MARCATO, Antonio Carlos, Código de Processo Civil interpretado, p. 365.

[7] Neste sentido: CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria Geral do Processo, p. 68.

[8] Apud  “BRASIL. Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004”

[9] Neste sentido: Apud “CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel,”  p. 70

[10] SORMANI, Alexandre. Súmula Vinculante Dispositivo não suprime liberdade de convicção do juiz. Consultor Jurídico, mar. 2005. Disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/33583,1>. Acesso em: 02 set. 2005

[11] Apud  “BRASIL. Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004”

[12] Apud  “BRASIL. Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004”

[13] RAZUK, Paulo Eduardo. Súmula vinculante: novidade no direito brasileiro? In Tribuna do Direito, junho de 1998, p. 10

[14] SORMANI, Alexandre. Súmula Vinculante Dispositivo não suprime liberdade de convicção do juiz. Consultor Jurídico, mar. 2005. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/33583,1>. Acesso em: 02 set. 2005.

[15] VELOSO, Carlos Mário da Silva. Do poder judiciário: como torná-lo mais ágil e dinâmico – efeito vinculante em outros temas. Revista dos Tribunais, ano 6, nº 25, out./dez. 1998. p.10.

[16] SANTOS, Cláudio Sinoé Ardenghy dos. A Emenda 45 – Uma Breve Análise da Coisa Julga e Outros Aspectos. Páginas de Direito. José Maria Tesheiner, ago. 2005. Disponível em: http://www.tex.pro.br     /wwwroot/01de2005/ aemenda45eacoisajulgada_claudio.htm>. Acesso em: 02 set. 2005.

[17] SOIBELMAN, Félix. Súmula vinculante na Emenda Constitucional nº 45/2004 . Jus Navigandi,  Teresina, a. 9, n. 618, 18 mar. 2005. Disponível em: . Acesso em: 02 set. 2005.

[18] SADEK, Maria Tereza. Judiciário: mudanças e reformas. USPEstudos avançados, v.18, nº 51, p. 91-92, maio/ago. 2004.

[19] Neste sentido: Apud “CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel,”  p. 68

 

Como citar o texto:

FUMAGALI, Robson..A súmula vinculante como fonte abstrata do Direito Processual Civil. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 189. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/1429/a-sumula-vinculante-como-fonte-abstrata-direito-processual-civil. Acesso em 31 jul. 2006.

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