INTRODUÇÃO

Para entender o que representa o Mercosul como projeto econômico e também como ideal político é indispensável fazer uma leitura histórica do processo das transformações na ordem política e econômica mundial que vem acontecendo nas últimas décadas. Dada a competição mundial torna-se imperativa a união dos países na formação de blocos a fim de aumentar os seus mercados e sobrevivência destes. Esse processo se justifica pelo fato de que as fronteiras nacionais já não constituem mercado suficiente para que as vendas nele realizadas sejam capazes de garantir o retorno dos vultosos gastos em pesquisa e desenvolvimento dos projetos de ponta da economia mundial. Por esse motivo, o mundo assiste hoje a uma intensa movimentação no sentido de integrar grandes espaços geoeconômicos, com destaque para a União Européia a associação entre o Japão e os países asiáticos de industrialização recente, a integração econômica da América do Norte, através do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (North American Free Trade Agreement) ou NAFTA.

A criação de blocos comerciais regionais constitui tendência que vem se consolidando. Nesse sentido, o MERCOSUL não é obra da natureza, é o resultado de um lento processo de amadurecimento histórico que, ao longo do tempo, levou seus países membros a essa tendência mundial de integração e ao ideal de um projeto de aproximação econômica e política no Cone Sul. O estabelecimento de um Mercado Comum entre os Estados partes, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai foi coroado com a assinatura do Tratado de Assunção, o chamado "Período de Transição" e a consolidação da União Aduaneira, com a celebração do Protocolo de Ouro Preto. Uma cronologia destes países membros do bloco, abrangendo seus cerca de duzentos anos de história independente, contribuirá para uma melhor compreensão do processo que levou à criação do Mercosul.

Por conseguinte estes países tiveram que tomar decisões em conjunto sobre inúmeras questões, desenvolver políticas comuns numa vasta gama de domínios da agricultura à cultura, da defesa dos consumidores à concorrência, do ambiente e da energia aos transportes e ao comércio. Por essa razão é necessário levar em consideração a importância da estrutura organizacional do MERCOSUL onde os componentes, ainda que lentamente, procuram dentre outras, resolverem as questões da política da defesa da concorrência como também das distorções derivadas de condutas que afetam a competitividade nos termos do Tratado. Ainda, na medida em que é consensual, reflete a disposição dos governos dos quatro sócios promoverem ações necessárias à conformação do mercado comum e formulação de políticas que possa consolidar a integração regional mercantilista.

2 ESTRUTURA ORGÂNICA DO MERCOSUL – DIREITO DA CONCORRÊNCIA NO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DO MERCOSUL

2.1 Apresentação

Antes de abordar diretamente a Estrutura Orgânica do Mercosul – Direito da Concorrência no Processo de Integração do Mercosul, imperiosa é a necessidade de se fazer uma retrospectiva histórica cuja finalidade é buscar uma melhor compreensão das transformações na ordem política e econômica mundial que vem acontecendo nas últimas décadas. Muitos historiadores afirmam que este processo teve início nos séculos XV e XVI com as Grandes Navegações e Descobertas Marítimas. Existe, como em quase tudo que se diz respeito da história, uma grande controvérsia em estabelecer-se uma periodização para estes cinco séculos de integração econômica e cultural, que se pode chamar de globalização, iniciados pela descoberta de uma nova rota marítima para as Índias e pelas terras do Novo Mundo.  Neste contexto histórico, o homem europeu entrou em contato com povos de outros continentes, estabelecendo relações comerciais e culturais. Porém, a globalização efetivou-se no final do século XX.

A história dividiu o século XX em duas fases bem distintas. A primeira marcada por uma crescente tensão entre as nações e por duas guerras mundiais; a segunda, caracterizada pela distensão entre as grandes potências e pela inviabilização dos conflitos armados, com a criação da ONU e da União Européia. Ocorreu, também, uma significativa retração do Estado no setor econômico e a desmontagem dos grandes modelos de intervencionismo político, neste final de século. A liberalização da economia inglesa, a desagregação do império soviético, a queda do muro de Berlim com a unificação das duas Alemanhas e a descentralização das economias escandinavas trouxeram profundas repercussões nos campos da economia, da política e, principalmente, no das concepções ideológicas, com a ocorrência de uma nova concepção de mundo, nascida da globalização.

Os conceitos que dividia esquerda e direita; conservadores e liberais; progressistas e reacionários desmantelaram-se. Em face de realidades econômicas mais complexas tudo perdeu sentido. O que antes dividia, agora faz da união o seu lema, pois, se antes o mundo era dividido em dois blocos por causa da guerra ideológica, agora passaria valer a guerra econômica, que ao invés de dividir, agrega. Dada a competição mundial torna-se imperativa a união dos países na formação de blocos a fim de aumentar os seus mercados e sobrevivência destes. Diante deste novo quadro, os países do Cone Sul não poderiam deixar de acompanhar esse processo de integração regional que está permitindo, nas principais regiões geoeconômicas do globo, a superação das limitações dos mercados nacionais, produzindo, nessas regiões, padrões de competitividade e desenvolvimento tecnológico. Esse processo se justifica pelo fato de que as fronteiras nacionais já não constituem mercado suficiente para que as vendas nele realizadas sejam capazes de garantir o retorno dos vultosos gastos em pesquisa e desenvolvimento dos projetos de ponta da economia mundial. Por esse motivo, o mundo assiste hoje a uma intensa movimentação no sentido de integrar grandes espaços geoeconômicos, com destaque para a União Européia a associação entre o Japão e os países asiáticos de industrialização recente, a integração econômica da América do Norte, através do NAFTA.

É impositiva a integração dos países do Cone Sul para a formação do MERCOSUL (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai), pois, caso não ocorresse o fosso tecnológico que os separa dos países do Primeiro Mundo seria aprofundado progressivamente. Portanto, a integração do MERCOSUL é necessária e deve ser estimulada por todos os países dele integrantes, por trazer benefícios para todos. (Revista Meio Jurídico, Ano IV 46, p. 34-35, 30/06/2001: O Tratamento das Marcas no Mercosul por Eva Hiag Adourian).

2.2 Processo de Integração Econômica na América Latina - Mercado Comum do Sul – MERCOSUL - Experiências Anteriores

A criação do Mercosul não representa uma ação diplomática isolada, mas sim o resultado de um longo processo de aproximação entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Durante a década de 1970, obstáculos de natureza política e econômica inviabilizaram o aprofundamento do processo de integração na América Latina. Exemplo disso foi a questão entre Brasil e Argentina sobre o aproveitamento dos recursos hídricos da Bacia do Prata, que durou anos. Na América Latina, por volta dos anos 50, já se via o interesse de uma integração regional através da constituição da Comissão Econômica para a América Latina - CEPAL. Era um organismo subsidiário da ONU, criado exclusivamente para tratar dos problemas da América Latina, o qual impulsionou a idéia de integração do continente sul-americano. Os Estados Unidos da América opunham-se frontalmente, entretanto, apesar da oposição, em 1960, instituiu-se a Associação Latino-Americana de Livre Comércio - ALALC, com a participação do México, mediante o Tratado de Montevidéu, que previa a liberação do comércio na região em um prazo de 12 anos, o que se constituiu no precursor do MERCOSUL, por finalidade precípua. Em 1975, quando da Conferência do Panamá, foi criado o Sistema Econômico Latino Americano - SELA, constituído por 25 países, os quais buscavam dar ao continente uma voz unânime no momento em que as discussões sobre a nova ordem econômica internacional mostravam-se abandonadas. Foi então, sob a influência do SELA que em 1980, os países signatários do Tratado de Montevidéu adotaram um novo tratado, o qual instituiu a Associação Latino Americana de Integração – ALADI. Tinha como objetivo maior a constituição de um mercado comum, operacionalizado através dos chamados Acordos de Alcance Parcial, celebrados entre dois ou mais países. Nesse contexto o MERCOSUL está compreendido no âmbito maior da ALADI, representando um acordo de Alcance Parcial desta.  Em seguida, Brasil e Argentina começaram a integrar-se e esta integração foi impulsionada por três fatores principais: a) a superação das divergências geopolíticas bilaterais; b) o retorno à plenitude do regime democrático nos dois países; e c) a crise do sistema econômico internacional. Em 1986, assinou-se a Ata para Integração Argentino-Brasileira, ocasião em que foi instituído o Programa de Integração e Cooperação Econômica - PICE, entre os dois países.

A Ata baseia-se nos princípios que mais tarde nortearam o Tratado de Assunção: flexibilidade, que permitiria ajustes no ritmo, objetivos, gradualismo, simetria (para que houvesse harmonização de políticas específicas que interferem na competitividade setorial) e equilíbrio dinâmico (que proporcionaria uma integração setorial uniforme). O mesmo pode-se dizer do Tratado de integração, Cooperação e Desenvolvimento celebrado entre Brasil e Argentina, em 1988, com vistas à criação de um mercado comum entre os dois países. Na oportunidade, foram assinados Protocolos (perfazendo um total de 24) sobre diversos temas, tais como: bens de capital, trigo, produtos alimentícios industrializados, setor automotivo, cooperação nuclear, transporte marítimo, transporte terrestre, entre outros. . Em dezembro de 1990, os Protocolos acima referidos foram consolidados em um só instrumento denominado Acordo de Complementação Econômica - ACE 14, firmado entre Brasil e Argentina, que constituiu o referencial adotado posteriormente no Tratado de Assunção. Esse Tratado foi revisto pelos dois países em 1990, daí resultando a disposição do Paraguai e do Uruguai em participarem do mesmo mercado comum, assim acompanhando a tendência internacional, foi firmado em 26 de março de 1991, o Tratado de Assunção para a Constituição do Mercado Comum do Sul – MERCOSUL, congregando os países do Cone Sul – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, o qual foi efetivamente estabelecido em 1º de janeiro de 1995.

2.3 As Etapas da Integração

O Mercado Comum do Sul - MERCOSUL - é um processo de integração entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, o Mercosul é hoje uma União Aduaneira, e seu objetivo final é evoluir à condição de Mercado Comum.

A criação de blocos comerciais regionais constitui tendência que vem se consolidando há décadas. Nesse sentido, o MERCOSUL representa tanto um esforço de integração econômica que aproxima seus países membros dessa tendência mundial quanto um projeto de aproximação política no Cone Sul. Ao integrar-se ao MERCOSUL, o Brasil ganha peso nas negociações internacionais, já que passa a negociar não mais individualmente, mas como bloco diante de outros blocos econômicos. Seu poder de negociação é, portanto, potencializado. O bloco também representa um mercado potencial de duzentos milhões de habitantes e um PIB acumulado de mais de um trilhão de dólares, o que o coloca entre as quatro maiores economias do mundo, logo atrás do Nafta, União Européia e Japão. Por essa razão, o MERCOSUL é hoje um dos principais pólos de atração de investimentos do mundo.

Existem cinco fases da cooperação econômica entre Estados: a) livre comércio - eliminação ou redução de tarifas aduaneira e restrições ao intercâmbio: por exemplo, o NAFTA (North America Free Trade Area); b) união aduaneira - implica o livre comércio já em funcionamento, além do estabelecimento de uma tarifa externa comum (TEC), servindo o Mercosul de exemplo; c) mercado comum - implica a união aduaneira, mais livre e circulação dos bens, serviços, pessoas e capitais, além de regras comuns de concorrência, citando-se como exemplo as Comunidades Européias antes de 1993; d) união econômica e política - pressupõe o mercado comum, e acrescenta um sistema monetário comum, uma política externa e de defesa comum, por exemplo, a União Européia depois de 1993, a partir do Tratado de Maastricht; e) confederação - etapa que pode, hipoteticamente, se seguir à união econômica e política, e que implicará, além dessa, a unificação dos direitos civil, comercial, e outros. (MARTINS, Eliane Maria Octaviano; MELLO, Lauro Mens de. Da concorrência desleal: o "dumping" e globalização) Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 259, 23 mar. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5003>. Acesso em: 08 jun. 2006.

2.4 Tratado de Assunção e seus Protocolos para a Constituição de um Mercado Comum entre a REPÚBLICA ARGENTINA, A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, A REPÚBLICA DO PARAGUAI E A REPÚBLICA ORIENTAL DO URUGUAI

O Tratado de Assunção previu duas etapas para a implantação do MERCOSUL: a provisória e a definitiva. Na primeira as instituições seriam provisórias, porque ainda se estaria procedendo à integração, enquanto, na segunda, as estruturas passariam a ser definitivas. Com a assinatura desse Tratado, iniciou-se o "período de transição" do MERCOSUL que se estendeu de março de 1991 a dezembro de 1994. Esse período foi caracterizado por dois elementos básicos: desenvolvimento de um Programa de Liberalização Comercial, constituído por reduções tarifárias progressivas, lineares e automáticas e pela negociação de políticas comerciais comuns. No Brasil, o Tratado de Assunção foi ratificado pelo Congresso por meio do Decreto Legislativo nº. 7, de 25.09.91 e promulgado pelo Decreto nº. 350, de 21.11.91. Muito embora o Tratado de Assunção seja um acordo internacional de cunho marcadamente econômico, sua assinatura significou a coroação de um projeto estratégico regional de natureza igualmente política.

O Tratado de Assunção, que define as bases para a criação do Mercado Comum, foi aditado por Protocolos Adicionais, dentre os quais se destacam: a) Protocolo de Brasília – 24/04/1993, que criou um mecanismo de solução de controvérsias, atuando como instrumento de controle sobre os Estados-Partes, para que estes não se desvirtuem dos compromissos assumidos; todavia, esse Protocolo não cria um verdadeiro tribunal judicial, mas apenas um mecanismo que confere a um tribunal arbitral provisório o poder de jurisdição, constituindo dessa forma um mecanismo jurisdicional não judiciário; b) Protocolo de Ouro Preto - 17/12/1994 assinado pelo Presidente Itamar Franco e pelos Presidentes Menen, da Argentina, Wasmosy, do Paraguai, e Lacalle, do Uruguai que supriu algumas falhas deixadas pelo Tratado de Assunção e estabeleceu a nova estrutura institucional do Mercosul destinada a vigorar durante o período de consolidação da União Aduaneira. Graças a este Protocolo, o MERCOSUL passou a contar, desde janeiro de 1995, com instituições próprias e definitivas, ou seja, órgãos de cunho permanente. Embora não tenha introduzido mudanças substanciais em relação ao que havia sido previsto pelo Tratado de Assunção, é através dele que o MERCOSUL passa a ter personalidade jurídica de direito internacional podendo praticar todos os atos que julgar necessários para garantir o seu funcionamento e alcançar os seus objetivos, fazendo representar internacionalmente como Bloco Econômico.

No contexto sul-americano o MERCOSUL encontra-se, desde 1995 na segunda fase de um atribulado processo integracionista, retratado numa união aduaneira imperfeita, almejando a consolidação de um mercado comum, o segundo do mundo. O fenômeno da globalização da economia provocou novas realidades na estabilidade formal e produtiva desse bloco, permitiu o início de uma série de negociações na área externa, não apenas com seus parceiros regionais, mas também com o restante dos países do Hemisfério (nas negociações da ALCA, onde o MERCOSUL atua como um bloco) e com outras regiões e países do mundo. No espaço sul-americano, o MERCOSUL é o exemplo mais bem-sucedido de conformação geoeconômicas, e está provando que pode ser uma ponte para uma integração mais ampla e mais profunda. (LUPATELLI JR, Alfredo; MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Mercosul: a atuação empresarial e os efeitos da globalização). JusNavigandi, 8,n.260,24mar.2004. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/ doutrina/texto.asp?id=5002>. Acesso em: 03 jun. 2006.

A adoção da fórmula de negociações conjuntas na área externa do Mercosul (4+1) deve-se, primordialmente, ao êxito do processo em si, tanto nos aspectos comerciais e econômicos como nos aspectos jurídico-institucionais. Os últimos dez anos têm significado especial para as relações econômicas da América Latina. Nesse período, ocorreram mudanças substantivas nos conceitos e nas práticas de integração latino-americana, com papel crescente atribuído aos processos sub-regionais de integração. Visões geopolíticas antiquadas abriram caminho para novas conformações "geoeconômicas".

2.5 Objetivos do MERCOSUL

O Tratado fundacional do MERCOSUL, assinado em Assunção (TA), de 26/03/91, tem como objetivo criar meios para ampliar as atuais dimensões dos mercados nacionais, condição fundamental para acelerar o processo de desenvolvimento econômico com justiça social. Trata-se de um acordo-marco que estabelece mecanismos destinados à formação de uma Zona de Livre Comércio e de uma União Aduaneira na sub-região. Nos termos do preâmbulo do TA, esse objetivo deve ser alcançado mediante o aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis, a preservação do meio ambiente e o melhoramento das interconexões físicas.

Esquematicamente, podem ser enunciados os objetivos fundamentais do MERCOSUL: a) fortalecimento dos participantes através de uma coesão econômica e social; b) ampliação dos mercados para colocação de novos produtos; c) aumento de especialização das empresas, com o incremento de novas tecnologias; d) liberdade de circulação de trabalhadores e de criação de empresas; e) melhoria da qualidade de vida de todos os cidadãos dos países integrados. (Revista Meio Jurídico, Ano IV 46, 30/06/2001 p. 36: O Tratamento das Marcas no Mercosul por Eva Hiag Adourian).

O TA menciona os objetivos gerais, propostas para chegar a um mercado comum com o firme compromisso pelos Estados-Membros de fortalecer o processo de integração: a) pretensão de alcançar o mercado comum e a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, da eliminação dos direitos aduaneiros e restrições não tarifárias à circulação de mercadorias ou de qualquer outra medida equivalente; b) estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC) e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros estados ou grupos de Estados, assim como, a coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais; c) coordenação das políticas macroeconômicas e sectoriais entre os Estados-Membros, dentre elas as políticas de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações, e outras que se acordem, com o fim de assegurar as condições adequadas de concorrência entre os Estados-Membros. (ENRIQUEZ PRADO, Martha: Tese de Doutorado, Direito da Concorrência no Processo de Integração do Mercosul p. 222-223).

A eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias entre os Estados-membros do MERCOSUL foi atingida em 31 de dezembro de 1994. Desde aquela data um país pode importar produtos de outro integrante da Zona sem pagar tarifas. Ora, como continua a haver tarifas para os países fora do grupo, conclui-se que os integrantes do grupo têm uma vantagem. A esta vantagem chamamos Preferência Tarifária ou Margem em Preferência. Com relação à Tarifa Externa Comum, esta também foi concretizada na mesma data que a eliminação de barreiras. Hoje, a importação de um produto proveniente de um mercado fora do Mercosul está sujeita à mesma alíquota tarifária nos quatro países. (FLORENCIO, Sergio Abreu e Lima; ARAUJO, Ernesto Henrique Fraga. Mercosul hoje p.28-29).

Com estes dois objetivos concluídos, o MERCOSUL já preenche os requisitos para ser considerado uma União Aduaneira. No tocante à Coordenação de políticas macroeconômicas, verifica-se que esta se divide em três esferas: a política cambial, política monetária e política fiscal. Sérgio Florêncio e Ernesto Araújo ressaltam que a importância de coordenação macroeconômica entre países em processo de integração fica bastante clara quando se considera a questão do câmbio, num ambiente onde não exista maxidesvalorização de sua moeda, o que estimulará intensamente suas exportações e reduzirá suas importações, causando desequilíbrio na balança comercial em desfavor dos parceiros. Estes últimos terão duas opções: ou absorverão as conseqüências da medida e as distorções decorrentes da diferença cambial, ou promoverão também desvalorização de suas moedas. (...) A coordenação de políticas cambiais implica que cada país aceita limites nas modificações que pode introduzir em sua taxa de câmbio, de modo a evitar desequilíbrios comerciais.

A coordenação de políticas macroeconômicas implica uma limitação de autonomia de cada país para conduzir sua política econômica e suas mudanças que não podem programar-se num curto período de tempo. Com relação à liberalização do comércio de serviços, tem-se em vista que os serviços são um tema muito recente no cenário das negociações comerciais internacionais. Somente a partir da década de 80 é que começaram a ganhar espaço no âmbito do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), mas ainda despertam controvérsias. Segundo Sérgio Florêncio e Ernesto Araújo, a liberalização do comércio de serviços consiste na eliminação das leis, normas e regulamentações nacionais que discriminam o fornecedor estrangeiro em favor do fornecedor nacional de determinado serviço, ou simplesmente proíbem a sua presença.

A livre circulação de trabalhadores visa fazer com que o trabalhador possa ter acesso aos empregos que o MERCOSUL cria no país vizinho, e não somente aos empregos que o MERCOSUL cria em seu próprio país de cidadania. Para que isto seja possível é necessário que haja uma harmonização das legislações trabalhistas e previdenciárias. Por fim, a livre circulação de capitais consiste nas facilidades e garantias dadas aos investidores dos países do MERCOSUL para suas aplicações no mercado dos parceiros. Com isto, observa-se que, para alcançar o estágio de Mercado Comum, o MERCOSUL ainda terá que concretizar a coordenação de políticas macroeconômicas, a liberalização do comércio de serviços e a livre circulação de mão-de-obra e capitais, temas estes que vêm sendo aos poucos aprimorados neste âmbito. (FLORENCIO, Sergio Abreu e Lima; ARAUJO, Ernesto Henrique Fraga. Mercosul hoje p. 30).

O MERCOSUL comporta tanto elementos de continuidade como de mudança em relação aos esforços integracionistas até hoje empreendidos no Continente. No plano regional, procura dar seguimento ao trabalho da ALALC (1960) e da ALADI (1980) e, no plano bilateral, busca aprofundar os princípios acordados entre Brasil e Argentina na Declaração de Iguaçu (1985), no Programa de Integração e Cooperação Econômica (1986), e no Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento (1988). O MERCOSUL resulta do novo modelo de desenvolvimento adotado pelos países que o integram, o qual se caracteriza pelo incentivo à abertura econômica e à aceleração dos processos de integração regional. Mediante a abertura de mercados e o estímulo à complementaridade entre as economias nacionais, os quatro países visam a obter uma inserção mais competitiva na economia internacional.

2.6 Estrutura Orgânica do MERCOSUL

A estrutura institucional do MERCOSUL foi definida, de forma transitória, pelo Tratado de Assunção, e de forma permanente pelo Protocolo de Ouro Preto. Essa estrutura orgânica possui características originais, que a diferenciam da de outros modelos de integração, como a União Européia. Em primeiro lugar, ela é intergovernamental, o que significa que são sempre os governos que negociam entre si, não existindo órgãos supranacionais. Por outro lado, as decisões no MERCOSUL são sempre tomadas por consenso, não existindo a possibilidade de voto.

Essas características têm significados e conseqüências importantes para o MERCOSUL. Elas definem, por um lado, a natureza flexível e gradual do processo, que não se encontra preso à rigidez de estruturas decisórias alheias à vontade ou à capacidade de compromisso dos governos envolvidos. Uma decisão adotada pelo MERCOSUL, na medida em que é consensual, reflete a disposição dos governos dos quatro sócios em sua plena aplicação. No plano jurídico, essa sistemática cria, por outro lado, a necessidade de adotar procedimentos nacionais para incorporação da norma acordada ao ordenamento jurídico nacional de cada Estado Parte. Prevendo a necessidade de um número mínimo de foros negociadores para levar a cabo as tarefas estabelecidas pelo Tratado de Assunção, foi criada, já em 1991, uma estrutura institucional provisória para o MERCOSUL. Em dezembro de 1994, com a aprovação do Protocolo de Ouro Preto, foram criados alguns órgãos novos e mantida a maioria dos órgãos transitórios criados anteriormente. A estrutura atual do MERCOSUL possui cerca de cinqüenta foros negociadores, alguns de natureza exclusivamente técnica, outros com funções políticas ou executivas.

No âmbito do MERCOSUL, de acordo com o art. 2º do Protocolo de Ouro Preto, os três órgãos com capacidade decisória, de natureza intergovernamental, são:

 CONSELHO DO MERCADO COMUM – CMC é o órgão máximo do MERCOSUL, ao qual cabe a condução política do processo de integração. O CMC é formado pelos Ministros das Relações Exteriores e da Economia dos países membros. O Conselho pronuncia-se mediante Decisões, que, de acordo como o art. 9º do Protocolo, são obrigatórias para os Estados membros. A presidência no Conselho é rotativa, em ordem alfabética, pelo período de seis meses. Podem reunir-se quantas vezes estime oportuno, mas deve fazê-lo, pelo menos, uma vez por semestre, com a participação dos Estados-Partes. O CMC tem as seguintes atribuições: a) velar pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e dos acordos firmados em seu âmbito; b) formular políticas e promover ações necessárias à conformação do mercado comum; c) exercer a titularidade da personalidade jurídica do MERCOSUL; d) negociar e firmar acordos com terceiros países, em nome do MERCOSUL; e) manifestar-se sobre as propostas encaminhadas pelo GMC; f) criar reuniões de ministros e outros órgãos que estimem pertinentes e pronunciar-se sobre os acordos que lhe são submetidos; g) designar o Diretor da Secretaria Administrativa do MERCOSUL; h) adotar decisões em matéria financeira e orçamentária.

GRUPO MERCADO COMUM – GMC é o órgão executivo do MERCOSUL coordenado pelos Ministérios de Relações Exteriores de cada país, que toma as providências necessárias ao cumprimento das decisões adotadas pelo Conselho e fixa programas de trabalho que assegurem avanços para o estabelecimento do Mercado Comum. É integrado por quatro membros por país.

O Grupo Mercado Comum pronuncia-se mediante Resoluções, também obrigatórias para os Estados-Partes (art.15). No Brasil, é composto pelo Sub-Secretário de Assuntos de Integração, Econômicos e de Comércio Exterior (MRE), pelo Diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, pelo Secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, pelo Secretário de Comércio Exterior e Secretário do desenvolvimento da Produção do MDIC e pelo Secretário de política Agrícola do Ministério da Agricultura. O GMC tem as seguintes atribuições: a) velar, nos limites de sua competência, pelo cumprimento do Tratado de Assunção, de seus Protocolos e Acordos firmados no seu âmbito; b) propor projetos de Decisão ao Conselho e tomar as medidas necessárias ao cumprimento dessas Decisões; c) fixar programas de trabalho que assegurem avanços para o estabelecimento do mercado comum; d) criar, modificar ou extinguir órgãos, tais como subgrupos de trabalho e reuniões especializadas; e) manifestar-se sobre as propostas ou recomendações que lhe forem submetidas pelos órgãos, no âmbito de sua competência; f) negociar, por delegação de Conselho e com base em mandatos específicos, acordos em nome do MERCOSUL com terceiros países, grupos de países ou organismos internacionais; g) aprovar o orçamento e a prestação de contas anual apresentados pela Secretaria Administrativa do MERCOSUL; h) eleger o Diretor e supervisionar as atividades da Secretaria Administrativa do MERCOSUL. No âmbito do GMC foram criados o Comitê de Cooperação Técnica; Subgrupos de Trabalho; Grupos Ad-Hoc, bem como Reuniões Especializadas de Ciência e Tecnologia, Turismo e Comunicação Social.

COMISSÃO DE COMÉRCIO DO MERCOSUL - CCM é o órgão encarregado de assistir ao Grupo Mercado Comum, pronuncia-se mediante Diretivas ou propostas, tendo dentre suas competências a de velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum pelos Estados-Partes para o funcionamento da União Aduaneira, bem como de acompanhar e revisar assuntos relacionados com as políticas comerciais comuns, com o comércio intra-MERCOSUL e com terceiros países.

É integrada por quatro membros por país, coordenada pelos Ministérios das Relações Exteriores. Deve reunir-se uma vez por mês ou sempre que solicitado pelo GMC. No Brasil, é composta pelo Chefe do Departamento de Integração Latino-Americana, do MRE, pela Diretora do Departamento de Negociações Internacionais, da SECEX, pelo Coordenador-Geral do Departamento de Economia Agrícola, do Ministério da Agricultura e pelo Secretário-Adjunto de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda. A Comissão de Comércio do MERCOSUL possui as seguintes atribuições: a) velar pela aplicação dos instrumentos comuns de política comercial intra-MERCOSUL e com terceiros países, organismos internacionais e acordos de comércio; b) pronunciar-se sobre as solicitações, apresentadas pelos Estados-Partes, relacionadas à aplicação da tarifa externa comum e dos demais instrumentos de política comercial comum; d) analisar a evolução dos instrumentos de política comercial comum para o funcionamento da união aduaneira e formular propostas a respeito; e) propor novas normas ou modificar as existentes relacionadas a assuntos comerciais e aduaneiros no MERCOSUL; f) propor a revisão das alíquotas de itens específicos da tarifa externa comum; g) estabelecer os comitês técnicos necessários ao adequado cumprimento de suas funções, bem como dirigir e supervisionar suas atividades.

Para sistematizar o intercâmbio de informações e solucionar os inconvenientes relacionados aos instrumentos de política comercial, a CCM instituiu o mecanismo de "consultas", atualmente regulado pela Diretiva 6/96, que é tema permanente de sua agenda. Essas consultas são questionamentos de procedimentos administrativos ou comerciais que os países fazem, uns aos outros, podendo ser apresentados nas reuniões ordinárias ou extraordinárias da CCM. Cada consulta deve ser respondida na reunião ordinária seguinte. Caso a argumentação apresentada pelo país consultado for satisfatória, ou a causa geradora da consulta tiver sido superada, a medida será dada por concluída. Se a resposta não for satisfatória, o país consultante pode retornar mediante a apresentação de um seguimento de consulta. Os temas devem ter uma solução satisfatória em um prazo máximo de três reuniões da CCM.

A utilização, por parte de um determinado país, não impede que o mesmo ingresse com o procedimento de reclamação (Protocolo de Ouro Preto) ou de Solução de Controvérsias (Protocolo de Brasília), sendo que, a interposição de um desses procedimentos, interrompe o tratamento da consulta no âmbito da CCM. Nesse contexto existem atualmente sete Comitês Técnicos, a saber: Tarifas, Nomenclaturas e Classificação de Mercadorias; Assuntos Aduaneiros; Normas e Disciplinas Comerciais; Políticas Públicas que Distorcem a Competitividade - Desativado; Defesa da Concorrência; Defesa Comercial e Salvaguardas; Defesa do Consumidor.

Com a finalidade de garantir a vigência simultânea nos Estados membros das normas emanadas dos órgãos do MERCOSUL, segue-se o procedimento regulado pelo art. 40 do Protocolo de Ouro Preto. Uma vez aprovada a norma e quando todos os Estados partes tiverem informado a incorporação da norma em seus respectivos ordenamentos jurídicos internos devem comunicar as referidas medidas à SECRETARIA ADMINISTRATIVA DO MERCOSUL que é o órgão de apoio operacional, com sede em Montevidéu-Uruguai, responsável pela prestação de serviços aos demais órgãos do MERCOSUL. Tem como atribuições: a) servir como arquivo oficial da documentação do MERCOSUL; b) publicar e difundir as decisões adotadas pelos seguintes meios: traduções autênticas de todas as decisões adotadas pelos órgãos pertencentes à estrutura institucional do MERCOSUL; d) editar o Boletim Oficial do MERCOSUL; e) organizar os aspectos logísticos das reuniões do CMC; do GMC e da CCM; f) desempenhar as tarefas solicitadas pelo CMC, pelo GMC e pela CCM; g) registrar as listas nacionais de árbitros e especialistas, bem como desempenhar outras tarefas determinadas pelo Protocolo de Brasília; h) comunicar o fato a cada Estado-Parte.

É bom lembrar que a COMISSÃO PARLAMENTAR CONJUNTA, órgão representativo dos Parlamentos dos Estados-Partes, tem como uma de suas funções procederem a incorporação das normas editadas pelos órgãos do MERCOSUL no âmbito interno de cada Estado. É incumbido, inclusive, de acelerar os procedimentos internos nos Estados partes para a pronta entrada em vigor das normas emanadas dos órgãos do MERCOSUL; Também poderá operar na harmonização das legislações, como conseqüência do avanço do processo de integração.

O FORO CONSULTIVO ECONÔMICO SOCIAL é o órgão de representação dos setores econômicos e sociais e será integrado por igual número de representantes de cada Estado parte, o artigo 29 definiu que "O Foro Consultivo Econômico Social terá função consultiva e manifestar-se-á mediante Recomendações ao Grupo Mercado Comum". Quanto às recomendações, propostas, juízos e opiniões, estes não têm força obrigatória, valendo apenas como conselhos, ou como a opinião do organismo que os efetua Foro Consultivo Econômico-Social, órgão de representação dos setores econômicos e sociais. Tem função consultiva. Nesse campo de ação do MERCOSUL, foram criadas as Reuniões de Ministros da Economia, da Educação, da Justiça, do Trabalho, da Agricultura, da Cultura, da Saúde, da indústria e Presidentes dos Bancos Centrais. (Revista Jurídica Consulex, Ano VI – nº. 127, 30/04/2002, p. 44-45).

3. DIREITO DA CONCORRÊNCIA NO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DO MERCOSUL

3.1. Antecedentes

Com intuito de demonstrar que o direito de concorrência desempenha um papel precursor num processo de integração, ressalvadas as devidas diferenças, fazer uma referência à integração consolidada pela União Européia serve de exemplo para traçar um paralelo e conhecer como são aplicadas as normas de concorrência determinadas no Protocolo de Defesa da Concorrência no MERCOSUL.

Durante séculos, a Europa foi palco de freqüentes guerras sangrentas. Assim, entre 1870 e 1945, a França e a Alemanha declararam guerra por três vezes, tendo por conseqüência elevadas perdas humanas. Vários dirigentes europeus convenceram-se de que a única forma de garantir uma paz duradoura entre os seus países era uni-los simultaneamente a nível econômico e político.

Em 1950, num discurso inspirado por Jean Monnet, o Ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Robert Schuman, propôs a integração das indústrias do carvão e do aço da Europa Ocidental. Deste projeto nasceu, em 1951, a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA) composta por seis membros: Alemanha Ocidental, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos. O poder de decisão sobre as indústrias do carvão e do aço nestes países foi colocado nas mãos de um órgão independente e supranacional denominado “Alta Autoridade". Jean Monnet foi o seu primeiro Presidente.

 

A CECA constituiu um êxito tal que, apenas alguns anos mais tarde, os mesmos seis países decidiram ir mais longe e integrar outros sectores das suas economias. Em 1957 assinaram o Tratado de Roma, que criou a Comunidade Européia da Energia Atômica (EURATOM) e a Comunidade Econômica Européia (CEE), com instituições autônomas e poderes para desenvolver uma estrutura independente da dos Estados-Membros. Os Estados Membros decidiram suprimir os obstáculos comerciais que os separavam e constituir um "mercado comum".

Em 1967, com a assinatura do Tratado de Bruxelas de 8 de abril de 1965 houve a fusão da instituições das três Comunidades Européias, com a finalidade de coordenar sua administração como se fosse uma, embora continuassem existindo os três Tratados. A partir deste momento passou a existir uma única Comissão e um único Conselho de Ministros, bem como o Parlamento Europeu. Inicialmente, os membros do Parlamento Europeu eram escolhidos pelos parlamentos nacionais, mas em 1979 realizaram se as primeiras eleições diretas, que permitiram aos cidadãos dos Estados Membros votarem pelo candidato da sua escolha. Desde então, têm se realizado eleições de cinco em cinco anos.

Finalmente, em 7 de fevereiro de 1992, celebrou-se O Tratado de Maastricht que introduziu novas formas de cooperação entre os Governos dos Estados Membros, por exemplo, nos domínios da defesa e da "Justiça e Assuntos Internos". Ao acrescentar esta cooperação intergovernamental ao sistema "comunitário" existente, o Tratado de Maastricht criou a União Européia (UE) e a Comunidade Econômica Européia (CEE) passou a denominar Comunidade Européia. Durante o período de formação da Comunidade Européia foram incorporando-se aos seis países que assinaram o Tratado de Roma, novos Estados-Membros que formam a Europa dos 15. (ENRIQUEZ PRADO, Martha: Tese de Doutorado, Direito da Concorrência no Processo de Integração do Mercosul p. 221).

A integração econômica e política entre os Estados Membros da União Européia implicam que estes países devem tomar decisões em conjunto sobre inúmeras questões. Por conseguinte, desenvolveram políticas comuns numa vasta gama de domínios da agricultura à cultura, da defesa dos consumidores à concorrência, do ambiente e da energia aos transportes e ao comércio.

No início, a ênfase foi colocada numa política comercial comum para o carvão e o aço e numa política agrícola comum. Ao longo do tempo foram sendo acrescentadas outras políticas para dar resposta a novas necessidades. Alguns objetivos políticos essenciais mudaram à luz da evolução das circunstâncias. Por exemplo, o objetivo da política agrícola já não é a produção do máximo de produtos agrícolas com um custo mínimo, mas sim apoiar as técnicas agrícolas que produzem alimentos sãos e de elevada qualidade, respeitando simultaneamente o ambiente. A necessidade de proteção do ambiente é agora tomada em consideração na elaboração do conjunto das políticas da UE. As relações da União Européia com o resto do mundo tornaram se igualmente importantes. A UE negocia acordos comerciais e de cooperação com outros países e está a desenvolver uma Política Externa e de Segurança Comum (PESC). (A História da União Européia http://europa.eu/abc/history/index_pt.htm, acesso em 05/06/2006)

Logo após a queda do socialismo no leste europeu e na União Soviética com os mercados internos saturados, muitas empresas multinacionais buscaram conquistar novos mercados consumidores, principalmente dos países recém saídos do socialismo. A concorrência fez com que as empresas utilizassem cada vez mais recursos tecnológicos para baratear os preços e também para estabelecerem contatos comerciais e financeiros de forma rápida e eficiente. Neste contexto, entra a utilização da Internet, das redes de computadores, dos meios de comunicação via satélite e outros que deram referência, ao conceito de política de defesa da concorrência.

 Do outro lado, encontra-se o MERCOSUL, iniciado pelo recente Tratado de Assunção (TA) de 1991, como um processo incipiente de integração e em fase de construção, com o objetivo de alcançar um mercado comum. Embora a realidade da União européia não possa comparar-se com a do MERCOSUL – com sistemas institucionais muito diferentes formal e materialmente, ambas, perseguem o objetivo ambicioso de estabelecer um mercado comum entre seus Estados-Membros. Assim como ocorre na União Européia, compete exclusivamente a cada Estado Membro a disciplina da concorrência e dos atos praticados no respectivo território, desde que os efeitos destes atos repercutam somente em seu âmbito interno. Neste sentido, é o que determina o art. 3º do "Protocolo de Defesa da Concorrência no MERCOSUL". Isto é, a competência para a aplicação das normas comunitárias por parte da "Comissão de Comércio do MERCOSUL" e do "Comitê de Defesa da Concorrência" (art.s 8º e 9º do Tratado) só será cabível se os efeitos do ato investigado tiverem repercussão além das fronteiras de um Estado Membro. Nos demais casos, cada Estado os atos se subsumirão aos diplomas internos. Os processos de abertura e de integração econômica não apenas significam a exposição da empresa à concorrência estrangeira, mas também às distorções derivadas de condutas que afetam a competitividade, que podem ter iguais ou piores efeitos sobre o intercâmbio comercial que as barreiras protecionistas, tarifárias e não-tarifárias, impostas pelo governo.

Quando se fala em concorrência, no marco de um processo de abertura ou de integração econômica, é necessário ter em consideração o papel importante que ela representa para o cumprimento estrito dos compromissos comerciais. Existem dois modelos básicos em matéria de Direito de defesa da concorrência: o europeu e o norte-americano. Na União européia, os objetivos sobre a adoção de uma política de livre concorrência, vinham sendo delimitados desde os tratados que fundaram essa Comunidade, em especial no Tratado da CEE, que em seu artigo 3º propôs a eliminação das restrições comerciais e os obstáculos ao livre movimento de pessoas, serviços e capitais entre os Estados-Membros para chegar a um mercado comum. Quanto ao MERCOSUL, verifica-se que desde o tratado de Montevidéu em 1960, já se realizava o conceito de mercado comum latino americano, tratando no artigo 15 questões atinentes a este objetivo atentando-se para a proteção da concorrência. Esse mesmo objetivo foi expresso no art. 1º do TA de forma a alcançar entre seus Estados-Membros a fusão dos mercados nacionais, num único mercado comum ou interior, mediante a supressão de barreiras e obstáculos à livre circulação de mercadorias, de serviços e fatores produtivos entre os Estados.

Na América Latina, o esquema protecionista, que há pouco tempo caracterizava a prática da soberania brasileira, isolava as empresas da concorrência estrangeira. Talvez por essa razão o tema da concorrência comercial não tenha chamado à atenção dos governos e dos diferentes agentes econômicos. Prova disso é a falta de antecedentes sobre a aplicação da legislação de concorrência e, conseqüentemente, a falta de desenvolvimento jurisprudencial e doutrinário sobre o tema. Porém os processos de integração e de abertura colocados em prática nos últimos anos demandam, com urgência, políticas sobre promoção da concorrência comercial. No MERCOSUL, nas próximas etapas de reforma da união aduaneira, um dos principais problemas a encarar é o tema do estabelecimento dos sistemas regulatórios e arbitrais, que devem operar com alto grau de previsão e, pela própria lógica da integração, será necessário colocar em marcha mecanismos de ordenação de matérias tão fundamentais como as políticas de concorrência.

No mundo, o tema está instituído, muitos países se inclinam a substituir os maltratos conhecidos do regime anti-dumping[1] por uma norma que garanta a concorrência, pela qual o eventual marco regulatório da concorrência, em suas duas formas anti-dumping e anti-monopólio, comece a perfilar-se gradualmente no programa de trabalho da Organização Mundial de Comércio. Na OCDE, Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico está-se levantando um importante trabalho técnico, e a posição do grupo dos sete - o eixo sete - tem dado um impulso político. A Comissão da União Européia apresentou ao Conselho da União Européia a proposta de que os membros da Organização Mundial do Comércio se comprometam a pôr em vigor leis em matéria de defesa da concorrência.

3.2 Normas de Defesa da Concorrência ou “antitrust” no MERCOSUL

Uma razão de base para aplicar as normas de defesa da concorrência ou direito antitrust, nos espaços de integração econômica é que, a partir da experiência da célere Sherman Act norte-americana de 1890, a grande maioria dos países foi estabelecendo em seus territórios, um sistema de economia de mercado avançado. Na União Européia os tratados fundacionais inseriram normas expressas sobre defesa da concorrência na Comunidade européia, o que não ocorre no âmbito do MERCOSUL, pois no Tratado de Assunção não existe menção específica aos monopólios. É impossível pensar que um processo de integração seja considerado apenas pelo aspecto econômico, pois, todos os seguimentos estão interligados e apesar de a defesa da concorrência exigir a intervenção pública para a adoção de normas que a protejam, as imperfeições dos mercados atingem diretamente os interesses do cidadão, que demandam soluções jurídicas.

A inexistência de um mecanismo que possibilite a aplicação direta das normas emanadas dos órgãos institucionais é um problema a ser resolvido no MERCOSUL, pois, este não possui órgãos supranacionais que tornem normas obrigatórias e aplicáveis de forma imediata nos Estados-Membros, havendo necessidade que essas normas sejam recepcionadas pela legislação interna (nacional) de conformidade com seus ordenamentos jurídicos e isso dificultará muito que a defesa da concorrência seja efetiva. O fator de o MERCOSUL não possuir um ordenamento jurídico capaz de tornar obrigatórias as normas provindas de suas instituições, de forma imediata e direta, pois depende de boa vontade dos governos dos Estados-Membros para executoriedade e a obrigatoriedade de tais normas, a omissão do TA de contemplar normas expressas no âmbito de defesa da concorrência foi suprida pela lógica da construção do mercado comum, levando os Estados-Membros a pensar em estabelecer normas antitrust, pois viram que essas normas eram imprescindíveis para assegurar as condições adequadas de concorrência e consolidar sua União Aduaneira.

Diante da necessidade de uma legislação a Decisão 21/94 do Conselho do Mercado Comum aprovou pautas gerais de harmonização para a defesa da concorrência. Com base nestas pautas A Comissão da Concorrência do Subgrupo de Trabalho nº. 10 do MERCOSUL, desenvolveu um conjunto de critérios denominado Pautas Gerais de Harmonização. Finalmente, com base nas decisões que antecederam, elaborou-se o Protocolo de Defesa da Concorrência, mais conhecido como Protocolo de Fortaleza (PF) que os Estados-Membros assinaram em 17/12/1996. O PF definiu um conjunto de procedimentos, a ser implementado num período de dois anos (sic), dirigido à harmonização das condições de concorrência nos mercados domésticos dos países membros.

Pelo Protocolo de Fortaleza as condições de livre concorrência das atividades econômicas no espaço integrado do MERCOSUL têm que ser iguais para todos os sujeitos econômicos. Entende-se que o sucesso da aplicação das normas contidas nesse protocolo dependerá da instrumentalização do mesmo para que, no futuro contribua a estabelecer um crescimento equilibrado e harmonioso das relações internacionais, incentivando a competitividade das empresas do MERCOSUL, assegurando o livre acesso ao mercado, não somente das empresas que funcionam em seu território, como de novas empresas de outros espaços econômicos, para uma melhor distribuição dos benefícios.

Em matéria de concorrência no âmbito do MERCOSUL todas as boas intenções esbarram no problema da repartição de competências. Possivelmente, nem a adoção de um Estatuto de Defesa da Concorrência solucione essa barreira, pois, verifica-se que a expressão “repartição de competências” tem relevância num sistema supranacional de integração, porque há transferência de poderes dos Estados-Membros aos órgãos comunitários e, no sistema adotado pelo Tratado de Assunção, de caráter intergovernamental e na ausência de um órgão jurisdicional, serão muitas as dificuldades para aplicar as normas de concorrência. Tudo indica que essas questões, se resolvidas, deverão ser dirimidas no âmbito das normas clássicas do direito internacional.

Finalmente, percebe-se que o modelo de controle de aplicação das normas de concorrência no MERCOSUL confiado ao Comitê de Defesa da Concorrência (órgão de natureza governamental integrado pelos órgãos nacionais da aplicação das normas de defesa da concorrência em cada Estado-Membro) que é um órgão de integração cooperativa e consensual, dificultará a aplicação das normas de defesa da concorrência, caso não seja reestruturado e dotado dos instrumentos necessários para a aplicação efetiva dessas normas.

Com o avanço contínuo do processo de integração econômica representado pelo MERCOSUL, cada vez mais se verá as autoridades nacionais, particularmente os juízes, defrontando-se com problemas pertinentes à questão do relacionamento entre duas ordens jurídicas: as regras do MERCOSUL, de um lado, e as normas de direito interno, de outro.

3.2.1 Âmbito de aplicação do Protocolo de Fortaleza

Examinando o aspecto normativo jurídico a implantação de um sistema de defesa da concorrência do MERCOSUL está previsto no at. 1º do Protocolo de Fortaleza, coexistindo com as normas de direitos antitrust internos de seus Estados Membros e delimita a âmbito de sua aplicação aos Estados-Membros.

As regras previstas no art. 2º desse Protocolo diz respeito “aos atos praticados por pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado ou por outras entidades que tenham por objetivo produzir ou produzam efeitos sobre a concorrência no âmbito do MERCOSUL e que afetem o comércio entre os Estados-Membros. O art. 3º prevê que o âmbito de aplicação dos direitos nacionais é de competência exclusiva de cada Estado-Membro, devendo este regulamentar os atos praticados nos respectivos territórios por pessoa física ou jurídica de direito público ou privado ou outras entidades nele domiciliadas, cujos efeitos sobre a concorrência se restrinjam a cada Estado-Membro.

3.2.2 Condutas restritivas da concorrência no Protocolo de Fortaleza

É importante registrar que no Protocolo de Fortaleza as condutas ou comportamentos anti-competitivos elencados não estão sistematizadas por categorias, isto é, não têm um tratamento diferenciado, como se fez no direito comunitário europeu. No Protocolo de fortaleza todas essas condutas recebem um tratamento unitário com caráter proibitivo, pois se proíbem absolutamente e se sancionam com multas. No Brasil já há uma experiência legislativa e toda uma estrutura administrativa voltada às questões da concorrência. Este ramo do direito, afim ao próprio Direito Econômico, possui suas raízes na própria Constituição Federal. No Brasil, a legislação começou no ano de 1928, foi prevista na Constituição de 1934, no art. 116 que possibilitava, através de lei especial e asseguradas as indenizações devidas, monopolizar certas atividades econômicas “de interesse econômico”. A primeira regulamentação sobre defesa da concorrência foi o Decreto-Lei nº. 869 de 18 de novembro de 1938. A Constituição de 1946 pela primeira vez consagrou a repressão ao abuso do poder econômico no art.148. Em 10 de setembro de1962, entrou em vigor a Lei 4.137, de repressão ao abuso do poder econômico e, em 1963, criou-se o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, com faculdade de investigação. A Constituição Federal de 1988, que garantiu o princípio da livre concorrência como princípio da ordem econômica, no Título VII em seu artigo 170, traz princípios gerais que subsidiam a norma ordinária, e os demais princípios aplicáveis, bem como a repressão ao abuso do poder econômico em seu artigo 173. Vale salientar, como já ressaltado alhures, a interdisciplinaridade do direito da concorrência por se tratar de fenômeno relacionado com as ciências econômicas.  A década de 90 apresenta o surgimento de um conjunto de diplomas preocupados em disciplinar a atividade econômica. Inicialmente, por meio do Decreto nº. 99.244 de 10 de maio de 1990 foi criada a Secretaria Nacional de Defesa Econômica para apurar, prevenir e reprimir os abusos do poder econômico, por meio do Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Em janeiro de 1991, surge a Lei nº. 8.158 fundamentada nas normas de defesa da concorrência leal. Finalmente, é criada a Lei 8.884/94 que transformou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE – em Autarquia e dispôs sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica e cujos princípios gerais estão subordinados aos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico, de acordo com o artigo 12.  Sendo assim, mais do que nunca, é mister a fixação da principiologia regente, de modo a solucionar questões hermenêuticas, sempre vivas, em situações de lacunas ou para a melhor aplicação e delimitação do sentido das normas, numa correta transposição entre o abstrato e o concreto. (http://www.sice.oas.org/ TUnit/STAFF ARTCLE/ tav01 conc agend a.asp).

Resta dizer, finalmente, que as condutas restritivas estão sujeitas a autorização. Para que a prática (conduta) seja autorizada, a parte deve submetê-la à apreciação do CADE, conforme determina o artigo 54, parágrafo 4 da Lei 8884/94.

3.2.3 Inaplicabilidade das normas

Apesar de identificar os principais problemas a serem tratados, de propor soluções ajustadas às peculiaridades do MERCOSUL (evitando, por exemplo, a criação de instâncias supranacionais) e de enfatizar a urgência das medidas ali acordadas, o protocolo não foi aplicado até o presente. A origem deste paradoxo pode ser explicada a partir do relato apresentado nas seções anteriores. Por um lado, as providências anunciadas em Fortaleza constituem um desdobramento natural dos compromissos firmados no Tratado de Assunção, cujo artigo primeiro estabeleceu metas ambiciosas para o processo de integração regional, envolvendo a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os países membros nas áreas fiscal e monetária, de comércio exterior, agricultura, indústria e serviços; ao lado da harmonização de legislações nacionais nas matérias que se fizerem necessárias. Portanto, a preparação de normas comuns para a defesa da concorrência está diretamente associada à agenda de implantação do MERCOSUL (cf. Tavares e Tineo, 1998; Peña, 2001). Mas, por outro lado, os signatários do protocolo de Fortaleza não revelaram qualquer preocupação quanto ao estado das instituições antitruste na região. No momento da assinatura do protocolo, o Brasil era o único país do MERCOSUL que possuía os instrumentos mínimos indispensáveis à implementação dos compromissos ali firmados. Paraguai e Uruguai até hoje não têm instituições antitruste, e a lei argentina só passou a tratar de fusões e aquisições depois de 1999. Entretanto, os procedimentos descritos no protocolo pressupõem a existência de agências antitrustes em todos os Estados Membros, ainda que, de fato, aqueles procedimentos sejam conflitantes com a natureza das funções cumpridas por tais agências.

Esta dicotomia entre o escopo normativo do protocolo e o estado das instituições nacionais implicou uma série de inconsistências que estão retardando a execução das metas definidas em Fortaleza. A limitação fundamental reside no processo decisório estabelecido para tratar os casos de dimensão regional, onde as autoridades nacionais antitrustes ficaram reduzidas à condição de conselheiras da Comissão de Comércio do MERCOSUL (CCM) (vide capítulo V do protocolo). Ao transferir o poder decisório à CCM, o protocolo trata os conflitos oriundos do processo de concorrência como se fossem disputas mercantilistas. Não por acaso, o artigo 2 estabelece que o âmbito de aplicação das normas abrange apenas eventos que tenham impacto sobre o comércio entre as partes. Desta maneira, permanecem impunes várias práticas comuns no setor de serviços, por exemplo, onde o poder monopolista de uma empresa estabelecida num país pode ser suficiente para impor restrições à qualidade dos serviços oferecidos no país vizinho, ou influir na estrutura de preços domésticos, sem provocar conseqüências evidentes nos fluxos de comércio. Além disso, o protocolo impede que as autoridades antitrustes cumpram uma função estratégica no processo de integração, que é a de cooperar com as contrapartes dos países vizinhos na promoção da eficiência produtiva e do interesse do consumidor em âmbito regional. De fato, são usuais conflitos transfronteiriços em que, de um lado, as autoridades antitrustes da região encontram-se unidas no combate a uma determinada prática; e, de outro, órgãos de governo, empresas ou associações privadas dos respectivos países estão aliados na defesa dos privilégios advindos daquela prática. O protocolo não contempla este tipo de conflito.

Uma das expectativas geradas pelo protocolo foi a de que ele iria permitir a abolição de medidas antidumping entre os membros do MERCOSUL. O principal usuário deste instrumento tem sido a Argentina que, entre março de 1991 e junho de 2000, abriu 41 investigações envolvendo os seus parceiros na região, das quais 38 afetaram o Brasil. Neste período, o Brasil iniciou dois processos contra a Argentina e dois contra o Paraguai que, tal como o Uruguai, não usou este tipo de medida até o momento (vide Tavares e outros 2001). No vocabulário antitruste, dumping é sinônimo de preço predatório, um tipo de conduta que costuma ser mais freqüente nos livros de micro economia do que no cotidiano da política de concorrência. Por outro lado, é sabido que a principal função das medidas antidumping é a de conceder proteção temporária às indústrias que não estão preparadas para enfrentar a concorrência de produtos importados. Assim, para abolir tais instrumentos, o obstáculo relevante a ser enfrentado pelos governos dos países do MERCOSUL é o de corrigir os desníveis de eficiência produtiva no interior da região. A contribuição potencial das autoridades antitrustes nesta tarefa é apenas indireta, ao estimular a coerência das políticas domésticas que afetam as condições de concorrência e ao tratar o interesse nacional de forma abrangente.

Assinalaram-se assimetrias e semelhanças entre a legislação da Argentina e a do Brasil. Por exemplo, a lei argentina ocupa-se somente das condutas anticompetitivas, enquanto a do Brasil inclui normas sobre controle de fusão e aquisição; a lei brasileira inclui o aumento abusivo do lucro, que não está na lei argentina. A lei brasileira inclui um mecanismo para pôr em atividade dentro do Direito medidas anti-dumping, quando o dumping tiver como objetivo uma manobra de dominação do mercado. Na Argentina, não se dispararia de forma automática um processo anti-dumping. Quanto à conformação dos órgãos de aplicação, no Brasil, são separadas institucionalmente as etapas de instrução e julgamento e, na Argentina, são juntas. Quanto às sanções, a Argentina inclui as prisões, não presentes no Brasil, enquanto a intervenção da empresa está na lei brasileira e não na argentina. Tanto na Argentina como no Brasil, as resoluções dos órgãos de aplicação somente são recorríveis perante o poder judicial; porém, no Brasil, isso ocorre no foro civil e, na Argentina, no foro penal econômico. Existem assim mesmo semelhanças nas competências legislativas e nas instruções para detectar infrações na tipologia dos sistemas jurídicos, em que se garante um amplo direito de defesa no âmbito administrativo. Ambos os sistemas contemplam o controle judicial da legalidade dos atos administrativos.

3.2.4        Sanções por infração às normas de defesa da concorrência

Este aspecto tem grande relevância, exige atenção até porque suscita a questão de saber que a legislação brasileira em matéria de concorrência, conforme a Lei 8884/94 contempla duas formas de sanções para as infrações à ordem econômica: a) as de natureza pecuniária (artigo 23) representadas por multas contra a pessoa jurídica da empresa (valor com base no faturamento bruto da empresa) e também contra o seu administrador (proporcionalmente à imposta à pessoa jurídica); e b) as de natureza não pecuniária (artigo 24), que envolvem medidas como a publicação de notícia sobre a ocorrência de prática anticoncorrencial, a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor, a proibição de participar em licitações e outras. Em que pesem existirem algumas diferenças, tais como o inciso XIV do artigo 6º do Protocolo - PA e o inciso XX do artigo 21 da Lei 8.884/94, onde a Lei nacional menciona justa causa comprovada, enquanto que o Protocolo só exige justa causa justificada, visto que as condutas são citadas exemplificativamente, não se apresenta maiores problemas para adoção, de imediato, do Protocolo no país.

Porém, como já exposto, o princípio da livre circulação de bens e serviços previstos no artigo 1º implica na garantia da livre concorrência, impondo o combate de prática da livre circulação tanto na esfera nacional como no âmbito da comunidade econômica. Por ora, na qualidade de Estados-Membros, apenas o Brasil e a Argentina já possuem legislações impeditivas e punitivas de atividades econômicas contrárias à livre concorrência. No âmbito da concorrência desleal, a regulamentação na Argentina é pela Lei 22.262/80, a chamada "Ley de Defensa de la Competência”. As sanções previstas pela legislação argentina podem ser multas, privação de liberdade, inabilitação temporária para o exercício da atividade.

Entretanto para que se atinja os fins propostos, mais que uma longa análise da Lei Argentina assoma-se mais interessante um exame comparativo das legislações: Existem semelhanças entre as duas legislações em decorrência de partirem da mesma fonte e de possuírem em regra, os mesmos objetivos. Porém a diferença mais sensível está em que a legislação argentina busca combater o conluio entre empresas, enquanto que a brasileira também se ocupa das ações individuais. Partindo-se de algumas das principais condutas típicas da infração das normas da concorrência a questão poderá ser passível de um estudo mais aprofundado, verificando-se a harmonização quanto à aplicação da legislação nas relações entre os dois países.

CONCLUSÃO

Por fim, cabe registrar e se ter em mente que o MERCOSUL constitui um processo de integração. Sendo um processo, está sempre acontecendo e implementando algum aspecto, seja econômico, político ou social. Cada vez vem alcançando patamares avançados de integração, tendo como paradigma a União Européia, que vem obtendo sucesso em seu processo de integração e na instituição das políticas comunitárias.

Há que se ressaltar que o ponto crucial do Mercosul não se restringe apenas a um espaço consumista de livre circulação, mas sim alcançar melhor qualidade de vida para os cidadãos, maior integração e desenvolvimento no âmbito econômico e social. Não se pode perder de vista o tema central que é o Protocolo de Fortaleza, mas reescrevê-lo de modo que forneça amparo jurídico adequado para a cooperação regional, bem como para os procedimentos da cooperação bilateral estabelecidos pelo Tratado de Assunção, particularmente aqueles previstos nos objetivos e os relativos ao controle de subsídios e à eliminação de medidas antidumping que devem ser de conhecimento público como medidas de rotinas usuais nos acordos de cortesia positiva.

Além disso, tal como faz regularmente a Comissão Européia, as autoridades, visando harmonizar a política de concorrência com outras políticas, poderiam divulgar com o objetivo explícito de provocar o debate público, questões sobre o direito de concorrência, como também os eventuais casos de conflitos de interesses nacionais e seus respectivos fundamentos. Estimular o progresso do direito antitruste nos Estados parte. Similar publicidade seria conferida aos impactos que examinados estariam provocando nos mercados domésticos do Paraguai e Uruguai, e eventualmente, com base na experiência acumulada, após haver resolvido um número razoável de casos importantes, as autoridades antitrustes apresentariam aos seus respectivos governos uma redação alternativa para o Protocolo de Fortaleza, que finalmente conteria as normas adequadas para regular a concorrência no MERCOSUL.

Portanto, para tratar as questões da concorrência no MERCOSUL em virtude dos efeitos extraterritoriais das leis de ambos os países – Argentina e Brasil, as condutas anticompetitivas e os atos de concentração com impacto regional, serão necessários, independentemente da evolução institucional do MERCOSUL nos próximos anos, prover outros trabalhos sobre política de concorrência e previsão de normas que ajudarão a superar a limitação do protocolo.

Obviamente que o MERCOSUL tem desafios extremamente complexos pela frente. Porém, o novo status internacional assumido mundialmente leva os operadores do direito à ousadia de afirmar que o caminho é correto, porém muito cedo para que seja lançada avaliação quanto ao sucesso do MERCOSUL. O momento é de questionamento e de coragem, inclusive no sentido de avaliar se realmente se quer a integração a esse nível de mercado comum. Imprescindível será repensar a atual estrutura legislativa e a possível criação de um tribunal supranacional. Há uma clarividência no sentido de perceber que somente há essa saída e o tempo necessário para programar será determinante para o êxito do Mercosul num mercado globalizado.

O futuro revelará se o Mercosul será uma verdadeira comunidade ou não passará de uma união aduaneira...

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Notas:

 

 

[1] O dumping sob a ótica da concorrência desleal caracteriza-se sob dois prismas: sob a ótica interna, é definido como a venda injustificada de mercadoria abaixo do preço de custo ( art.21, XVIII, Lei 8.884/94)e sob a ótica internacional, é entendido como a venda de produtos ao exterior a preços abaixo do valor normal praticado no mercado interno , inclusive na modalidade de drawbac. É um regime aduaneiro especial que consiste na restituição, suspensão ou isenção de tributos incidentes nas importações destinadas à fabricação, complementação, beneficiamento ou acondicionamento de produtos destinados à exportação.

 

Como citar o texto:

AMARO, Zoraide Sabaini dos Santos..Estrutura orgânica do Mercosul: direito de concorrência no processo de integração. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 200. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-internacional/1570/estrutura-organica-mercosul-direito-concorrencia-processo-integracao. Acesso em 15 out. 2006.

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