RESUMO: As desapropriações confiscatórias são uma das formas de intervenção do Estado no Direito de Propriedade, expropriando o imóvel objeto de plantações de culturas psicotrópicas, sem nada pagar. O presente artigo, visa comparar as diversas formas de desapropriações, definir a natureza jurídica das desapropriações de glebas que cultivam essas espécies, definir a finalidade da expropriação, explicar o que se entende por plantas psicotrópicas e os procedimentos desapropriatórios legais.

Palavras–chave: confisco, drogas, transcendência penal.

 

1. INTRODUÇÃO

Dentre as diversas espécies de desapropriações, a que chama a atenção pela sua peculiaridade é a confiscatória, pelo não pagamento de indenização ao expropriado, prevista no artigo 243 da Constituição Federal, regulamentado pela Lei 8.257 de 26 de novembro de 1991 e no Decreto 577, de 24 de junho de 1991, gerando diversas discussões sobre a sua natureza jurídica. Esse tema, de poucos pronunciamentos doutrinários, tem se consolidado na jurisprudência dos Tribunais, principalmente no TRF da 5º Região, onde possui jurisdição na área do ciclo da maconha.

Ao analisar o artigo 243 da Constituição, bem como a lei e o decreto supracitados, encontram-se pontos interessantes sobre a destinação que deve ser dada ao imóvel, objeto da desapropriação, e a definição legal do que vem a ser essas plantas ditas psicotrópicas. O inquérito e o processo judicial são fases que compõem o procedimento expropriatório. Quanto ao processo judicial, da desapropriação do art. 243 da Constituição Federal, será aplicado subsidiariamente o Código de Processo Civil, no que se refere aos recursos.

Mas é na prática dos Tribunais que se encontram questionamentos como: da culpa in vigilando do proprietário do imóvel que foi encontrado a cultura ilegal, a área da propriedade que realmente deve ser desapropriada, entre outros temas que serão versados neste trabalho. Por outro lado, será questionado, também, o princípio da individualização da pena, o princípio de intranscendência penal, do direito de família, do princípio da presunção da inocência e o direito daqueles que, de boa fé, se envolveram com o criminoso.

2. ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE AS DESAPROPRIAÇÕES

A doutrina dominante define a desapropriação como sendo um procedimento pelo qual o Poder Público ou seus delegados, retira compulsoriamente a propriedade de alguém, através prévio e justo pagamento de indenização. A Constituição de 1988 instituiu as seguintes espécies de desapropriação: as declaradas de utilidade pública, necessidade pública e a de interesse social, mediante prévia e justa indenização (art. 5º, XXIV); efetuada em nome da política urbana, em que a indenização é justa, mas não prévia, porque é pagável através de título de dívida pública (art. 182 e seus parágrafos); a realizável para fins de reforma agrária, mediante justa indenização e não prévia, pois pagável em títulos de dívida agrária (art. 184), e, ainda, a desapropriação de glebas devido ao cultivo ilegal de plantas psicotrópicas (art. 243), cuja desapropriação é considerada por alguns autores como um confisco ou penalidade àqueles que praticarem a atividade criminosa de cultivar ilegalmente plantas psicotrópicas.

O procedimento da expropriação abordada é diferente das demais espécies de desapropriação, pois a fase declaratória não se inicia com o ato declaratório, mas limita-se a atos de polícia e atividades de preparação à ação expropriatória ou fase executória sepultando, assim, a declaração de utilidade pública, necessidade pública ou interesse social. Com a localização do cultivo de plantas psicotrópicas, a Polícia Federal – a quem cabe a competência de verificar e localizar essas culturas – após efetuar o inquérito e o recolhimento de dados necessários, comunicará ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e ao representante judicial da União para promoverem a ação judicial de expropriação, disciplinada pela Lei nº 8.257, de 26 de novembro de 1991e regulada pelo Decreto nº 577, de 24 de junho de 1992.

O cultivo de plantas psicotrópicas, sem a devida autorização da autoridade sanitária competente caracteriza-se por ilícito que acarretará na desapropriação sem direito à indenização e a perda da propriedade decorre do descumprimento de preceito legal. Se o proprietário, o possuidor ou ocupante por qualquer título que cultivar plantas psicotrópicas, não tem direito à indenização; não há que se falar em pagamento prévio, ou através de TDAs ou TDPs, nem a pagamento de juros, de honorários ou benfeitorias.

Outra peculiaridade desse instituto é quanto a sua destinação. Nas demais espécies de desapropriações, o ato declaratório de desapropriação deverá conter a destinação que será dada ao imóvel, enquanto que, nessa espécie, não há ato declaratório, a sua destinação já está definida na Constituição Federal de 1988, na Lei 8.257, de 26.11.91, e no Decreto nº 577, de 24.06.92, que regulam a matéria, ou seja, "para o assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos".

A retrocessão ocorre quando o expropriado reivindica o imóvel expropriado por não ter sido dada a destinação determinada no ato expropriatório ou outra de fim público. Os imóveis expropriados, por cultivarem plantas psicotrópicas, após o trânsito em julgado da sentença expropriatória, serão incorporados provisoriamente ao patrimônio da União para depois serem transferidos, definitivamente, a terceiros, mas que se não lhes for dado o fim legalmente determinado, não sofrerão os efeitos do instituto de retrocessão, visto que a própria Lei 8.257, de 26.11.91, no parágrafo único do artigo 15 diz que, se não puder ter, em cento e vinte dias, após o trânsito em julgado da sentença, a destinação prevista no art. 1º desta lei, o imóvel ficará incorporado ao patrimônio da União, até que sobrevenham as condições necessárias ao seu uso.

A lei que regula a matéria não prevê a possibilidade do emprego da retrocessão pelo expropriado, ficando o imóvel incorporado ao patrimônio da União até quando presente a possível utilidade. Não haverá caducidade no que tange ao prazo de promover a desapropriação do art. 243 da Carta Magma, posto que a lei que regula essa espécie silencia a respeito. A competência para legislar sobre a desapropriação é unicamente da União, como dispõe o art. 22, inciso II da Constituição Federal (TJDF, RDA 39/208). Mas, no que tange à competência para promover a desapropriação, cada espécie terá a sua peculiaridade. Contudo, na confiscatória só a União tem competência de promovê-la.

3. NATUREZA JURÍDICA DA DESAPROPRIAÇÃO DE GLEBAS QUE CULTIVAM PLANTAS PSICOTRÓPICAS

A desapropriação, segundo Pietro (2002), é forma originária da propriedade. A propriedade é originária quando nasce de uma relação direta entre o sujeito e a coisa, havendo transferência do título de propriedade independe de relação precedente ou conseqüente. Para que isto ocorra, é necessário:

a. que o juiz declare a desapropriação da gleba que cultiva ilegalmente plantas psicotrópicas sem analisar, em nenhum momento, se o título é justo ou injusto, e se este é ou não de boa -fé;

b. que após o trânsito em julgado da sentença expropriatória, o imóvel seja incorporado ao patrimônio da União, sem que ocorra a impugnação do oficial do registro de imóveis no ato de transcrição do imóvel, por se tratar de cumprimento de preceito legal (art. 7º do Decreto nº 577, de 24/06/92 e art. 15 da Lei 8.257, de 26/11/91);

c. que a desapropriação não seja invalidada, mesmo que após o trânsito em julgado verificar-se que o ato fora contra quem não era o proprietário, consubstanciando-se no entendimento do artigo 4º da Lei 8.257/91, quando este permite que para se processar a expropriação, basta a comprovação da responsabilidade pela cultura de plantas psicotrópicaso pelo possuidor da gleba a qualquer título

d. que os ônus reais e obrigacionais que recaem sobre a gleba expropriada, extinguem-se com a desapropriação. Tal entendimento encontra fundamento na própria Lei 8.257/91, art. 17, quando diz que a expropriação de glebas que cultivam plantas psicotrópicas prevalecerá sobre direitos reais de garantia, sendo assim, é clara a extinção desse direito no processo expropriatório. Quanto aos direitos obrigacionais, a Lei silencia, não deixando qualquer possibilidade de discussão a respeito do pleito ou de proliferar esses direitos após o processo expropriatório.

Como a desapropriação incide sobre o bem, a sua natureza jurídica é indiscutivelmente de direito real. A desapropriação abordada incide sobre glebas ( terreno próprio para cultura), portanto, sobre um bem imóvel e é de direito real.

A desapropriação estudada é uma forma de confisco ou sanção? Entende-se como confisco quando se retira o bem do expropriado e como pena pela sanção imposta ao expropriado decorrente do plantio de cultura ilícita. Carvalho Filho (2004) a nomeou de desapropriação confiscatória. A jurisprudência também tem entendido como sanção, observado no seguinte julgado: "A expropriação de terras previstas no art. 243 da Constituição Federal tem natureza jurídica de pena, visando sancionar o uso da propriedade para o cultivo de plantas ilícitas". TRF – 5ª Região D.J de 17.04.95.

4. FINALIDADE DA EXPROPRIAÇÃO DE TERRAS QUE CULTIVAM PLANTAS PSICOTRÓPICAS

A expropriação de glebas devido ao cultivo ilegal de plantas psicotrópicas possui duas finalidades a saber: mediata, cuja finalidade está em reprimir o cultivo, produção e tráfico ilícito de entorpecente, crimes definidos na Lei nº 6368, de 21 de outubro de 1976; imediata, quando a lei destina as terras expropriadas ao assentamento de colonos para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos dando, assim, uma função social a terra, com a produção desses bens.

A repressão e os objetos aprendidos desses crimes são transformados em benefício para a sociedade, atingindo esses, também, os bens apreendidos em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, que são confiscados para serem revertidos como contribuição ao tratamento e recuperação de viciados, bem como, para o aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, atitudes preventivas e repressão desse crime, conforme versa o parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 8.257/91.

5. A DEFINIÇÃO LEGAL DAS PLANTAS PSICOTRÓPICAS

Plantas psicotrópicas são aquelas que possuem, em sua composição, substâncias entorpecentes ou que determinam dependência física ou psíquica, segundo especifica o artigo 2º da Lei 8.257/91 e o artigo 2º do Decreto nº 577. A lei define as plantas psicotrópicas de forma limitada, mas delega ao Ministério da Saúde, através da sua Divisão de Vigilância Sanitária de Medicamentos, competência para enumerá-las, conforme Portaria nº 028 de 13 de novembro de 1986.

A cultura dessa plantas não se caracteriza apenas pelo plantio, mas, também, pelo preparo da terra para a sua semeadura ou para a colheita (art. 3º da Lei 8.257/91). Entretanto, não será considerada ilegal quando obtiver prévia autorização, através de licença, do órgão sanitário do Ministério da Saúde (Serviço Nacional de Fiscalização e Farmácia do Ministério da Saúde), que ocorre quando a finalidade for terapêutica ou científica (artigo 2º, §2º da Lei 6.368/76). Assim sendo, não incidirá a expropriação das terras cujo cultivo dessas plantas obtenham permissão prévia do Ministério da Saúde e cumpra com os preceitos legais e regulamentares. Essas observações são importantes para a caracterização do ilícito e incidência dos efeitos da expropriação, com o início do inquérito policial. Hoje, a localização das plantações é feita hoje de diversas maneiras, notadamente por meios tecnológicos sofisticados com a utilização do GPS via satélite.

6. DOS PROCEDIMENTOS

O procedimento dessa desapropriação é bastante peculiar, uma vez que a fase declaratória não existe, o que há é uma fase administrativa caracterizada por atos administrativos e de polícia que visam à propositura da ação judicial de expropriação. A segunda fase não fica adstrita a concordância do expropriado, pois nem mesmo existe discussão sequer de indenização quanto mais em relação à justa. A propositura da ação judicial de expropriação, presentes os elementos de convicção apresentados no inquérito, será obrigatória.

O judicia,l previsto na Lei nº 8.257/91, tem caráter sumário. A petição inicial obedecerá aos requisitos fixados no Código de Processo Civil (art. 282), não havendo nem oferta de preço, nem juntada de exemplar do diário oficial, como se exige para os demais casos de desapropriações. O juiz, ao ordenar a citação, já nomeia o perito, tendo este o prazo de oito dias para entregar o laudo. O prazo de contestação e para indicar assistentes técnicos é de dez dias a contar da juntada do mandado, cabendo ao juiz designar a audiência de instrução e julgamento dentro do período de quinze dias contados da data da contestação.

Se o juiz conceder ao expropriante a imissão liminar na posse do imóvel, deve proceder a realização de audiência de justificação, na qual será exercido o contraditório. Encerrada a instrução, a sentença deve ser proferida em cinco dias, e contra ela cabe apelação. Ao transitar em julgado a sentença, será incorporado o imóvel ao acervo da União. Nenhum direito de terceiro pode ser oposto ao expropriante como consta da Lei nº 8.257/91.

6.1 O Inquérito e o Laudo Técnico

A Polícia Federal é a competente para elaborar o inquérito policial e o recolhimento dos dados que a autoridade policial julgar necessários para instruir o processo da desapropriação confiscatória, cujo prazo a lei não fala e na prática não é observado qualquer exigência a esse respeito. O relatório técnico, a cópia do inquérito policial e os demais documentos formarão processo que será remetido ao órgão da Procuradoria da União, representante judicial da União, a fim de ser ajuizada ação expropriatória.

O inquérito policial contém o dia da localização, o local da propriedade, a área do plantio ou semeadura, a quantidade da colheita ou previsão dela, espécie da planta, vias de acesso, qualificação e nome das pessoas encontradas no local, fotocópia e mapa da localidade. As documentações que normalmente acompanham o inquérito são: o termo de declaração das pessoas encontradas (geralmente que trabalham, com carteira assinada, para o proprietário ou possuidor), auto de incineração, auto de apreensão dos bens móveis encontrados, solicitação ao tabelião do cartório de imóvel as informações necessárias à especificação e registro do imóvel, laudo de exame de constatação da substância vegetal. A autoridade policial deverá incinerar a plantação, após recolher quantidade suficiente para o exame pericial, lavrando-se o auto circunstanciado.

O relatório técnico deverá ser elaborado no prazo de oito dias e conterá:

a. a caracterização do imóvel onde foi localizada a cultura ilegal das plantas psicotrópicas, mediante indicação, pelo menos, da denominação e das confrontações das vias de acesso;

b. descrição da área onde localizada a cultura;

c. comprovação da existência de cultivo ilegal;

d. indicação e qualificação do proprietário ou do possuidor do imóvel, bem como de todos os seus ocupantes e de outras pessoas nele presentes no momento da lavratura do auto de apreensão;

e) relação de bens móveis encontrados na área e apreendidos.

A caracterização da área de localização do imóvel é toda a extensão de terra pertencente ao responsável pelo cultivo de plantas psicotrópicas, e não apenas a faixa onde fora encontrado o plantio. Esta foi a decisão do TRF da 5º Região, 13308/PE, cujo conteúdo segue: "se o constituinte pretendesse restringir a extensão da norma que dispõe a cerca da expropriação de terras onde encontram-se plantios de cannabis sativas, teria utilizado expressões usuais, como [a porção da gleba onde foram localizadas plantas psicotrópicas] ou designação semelhante".

Outra Turma desse mesmo tribunal, adiante, julgou ao contrário, qual seja: “expropriação das glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas e não de toda a área de terras pertencentes ao responsável...”. Surge, assim, novo entendimento de que a expropriação se daria na porção de terra onde feito plantio, e não de toda a propriedade do responsável pelas culturas.

As indicações das vias de acesso têm importância fundamental para que se dê a expropriação do imóvel correto, bem como para indicar ou não a culpa in vigilando do proprietário do imóvel quando, por exemplo, a área que foi localizada o plantio ilegal, por circunstâncias diversas, encontra-se em local de difícil acesso para o proprietário ou possuidor, mas para o seu vizinho de terreno limítrofe essa possibilidade inexiste. A culpa in vigilando será tema discutido mais adiante, porém esse exemplo é uma das formas de se demonstrar a importância de se determinar a localização do imóvel onde foi encontrado o cultivo de plantas psicotrópicas, bem como a sua descrição e acesso para servir de matéria de defesa do réu.

A relação dos bens encontrados e apreendidos na área, será necessária para a concretização do confisco dos mesmos, cujo resultado da venda ou utilização deles será revertido para o tratamento de viciados, fiscalização, controle, prevenção e repressão do tráfico de substâncias entorpecentes, como preceitua o parágrafo único do artigo 1º da Lei 8.257/91.

6.2 O Processo Judicial de Expropriação

O rito do processo é especial e está disciplinado pela Lei n. 8.257/91 com a subsidiariedade do Código de Processo Civil. A petição inicial além de obter os requisitos próprios desse instituto de expropriação deverá atender aos requisitos do artigo 282 do CPC. O juízo competente para decidir as desapropriações de glebas que cultivam plantas psicotrópicas será a Justiça Federal no foro da localidade da coisa, conforme o artigo 95 do Código de Processo Civil e art. 109, inciso I da Constituição Federal.

O sujeito ativo será sempre a União, representada pela Advocacia – Geral da União, através de suas Procuradorias Regionais, localizadas nos Estados, segundo disposto no artigo 9º da Lei Complementar nº 73, 10/02/93 e art. 131 da Constituição Federal. O sujeito passivo será o possuidor, posseiro ou ocupante por qualquer título que cultive ilegalmente plantas psicotrópicas. Verifica-se que essa desapropriação não está restrita à propriedade, mas também à posse. Se não for comprovada a posse ou propriedade do imóvel não constituirá óbice ao procedimento expropriatório, pois basta o indício da semeadura ou plantio para se constituir o ilícito.

O objeto da expropriação do art. 243 da Constituição vigente será o imóvel em que for localizada a cultura ilegal de plantas psicotrópicas.

O pedido nessa espécie de desapropriação deverá conter:

I – o pedido de deferimento da desapropriação;

II – o pedido de imissão na posse;

III – o chamamento do Incra ao processo;

IV – o requerimento para citação do réu.

Os documentos indispensáveis à propositura da ação serão: o inquérito, o laudo técnico e o registro do imóvel.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) não tem legitimidade para figurar na relação processual como parte ou assistente, porque, de acordo com o artigo 6º do Decreto nº 577/92, o INCRA apenas terá o poder de imitir-se na posse do imóvel expropriado, em nome da União, para executar a reforma agrária, bem como indicar assistente técnico.

Recebida petição inicial pelo juiz, este mandará citar o réu no prazo de cinco dias, nomeará perito judicial para que elabore laudo de resposta aos quesitos no prazo de oitos dias e poderá, liminarmente, mandar intimar o INCRA para, em nome da União, imitir-se na posse do imóvel.

A lei omite-se a respeito da presença do Ministério Público no processo de desapropriação confiscatória. Mesmo assim, alguns doutrinadores entendem ser obrigatória presença do Parquet, por entender que a desapropriação é matéria de fundamento constitucional, sendo indiscutível o interesse público, baseando-se no artigo 82, III do CPC.

A citação se processará na forma do Código de Processo Civil, que será por carta com aviso de recebimento, oficial de justiça ou edital, casos elencados no artigo 221. A citação por carta é muito raro devido à localização do réu ser em área rural, não atendido pelos serviços de correio. Nesses casos a citação far-se-á por oficial de justiça. É muito comum a utilização de carta precatória para a execução da citação. O edital far-se-á quando o réu estiver em lugar incerto ou não sabido. O edital obedecerá à regra do artigo 232, incisos III e IV do CPC.

A contestação, nesse tipo desapropriatório, não terá restrição quanto à matéria que deve servir de defesa, vez que a lei silencia a respeito. No entanto não terá cabimento a retrocesso nessa espécie de desapropriação.

O prazo para a contestação e indicação de assistente técnico será de dez dias, a contar da data da juntada do mandado de citação aos autos (art. 8º da Lei 8.257, de 26/11/91). Não se aplicam, nas desapropriações, os efeitos da revelia previstos no artigo 319 do CPC, pois o juiz, mesmo na falta de contestação, está adstrito à norma constitucional.

A culpa in vigilando, que é passível de argumentação, é matéria que se discute se o proprietário ou possuidor teve ou não a culpa pelo cultivo ilegal, visto que, ficou impossibilitado de exercer o poder de vigia sobre as terras apontadas pelo cultivo ilegal ou se houve a negligência, por desleixo ou desinteresse, deixou de vigiar a terra ou de dar a função social à mesma. O proprietário tem o dever de vigilância, presumindo-se a sua culpa, o máximo que o proprietário pode fazer é comprovar que o cultivo se deu por terceiros, isentando-se de pena no juízo penal.

O TRF da 5ª Região decidiu, conforme AC n. 171053-PE, pelo improvimento da desapropriação de um caso por considerar que não foi observado dolo ou culpa do proprietário, uma vez que o cultivo estava sendo realizado sem o conhecimento do proprietário que, em face da escassez de água, em certo período do ano, deslocava-se para outras regiões, ficando impossibilitado de suportar os encargos de manter um empregado para vigiar suas terras durante a ausência. Assim sendo, a decisão daquela corte foi pelo improvimento da desapropriação, já que não poderia imputar a culpa in vigilando ao proprietário.

A audiência de instrução e julgamento será marcada para os quinze dias seguintes da data da juntada da contestação (art. art. 9º da Lei 8.257, de 26 de novembro de 1991). Não havendo contestação, esse prazo começará a ser contado da preclusão do tempo dado ao réu para contestar. Para a audiência de instrução e julgamento, cada parte poderá indicar até cinco testemunhas. Sendo vedado o adiamento da audiência, salvo motivo de força maior, devidamente justificado. Se a produção da prova oral não puder ser exibida na mesma audiência, o adiamento não poderá ser para data posterior de três dias (art. 11, 12 e seu parágrafo único da Lei 8.257/91). A sentença será prolatada no prazo de cinco dias (art. 13 daquela lei). Essa sentença terá a natureza condenatória e põe termo à desapropriação no primeiro grau de jurisdição.

6.3 Imissão de Posse

Imissão de posse é a transferência da posse do bem objeto da expropriação. Não será a transferência da propriedade, mas apenas o da posse. No caso da Lei e Decreto em apreço, a imissão será requerida pelo representante judicial da União, na petição inicial, e será concedida, ou não, pelo juiz, liminarmente, no ato de recebimento da exordial. Não há, na lei, prazo para o juiz conceder a liminar, nem menciona urgência na imissão de posse. Nesse caso, o juiz, ao mandar imitir a União na posse, não terá muita discricionariedade, apenas cumprir o pedido da União concedendo a imissão de posse, não sendo necessário o depósito prévio.

A decisão liminar que o juiz conceder é interlocutória, cabendo embargos consoante dispõe o artigo 522 do CPC. Porém, o artigo 10 da lei que regula a matéria, ao referir-se à liminar que concede a imissão da posse, garante ao expropriado o direito ao contraditório e audiência de justificação, descaracterizando aquele recurso. A imissão na posse será feita pelo INCRA, órgão que recebe os poderes legais, para em nome da União, imitir-se na posse, bem como, adotar as medidas cabíveis e indicar assistente técnico. O INCRA será responsável em apresentar relatório circunstanciado da situação do imóvel, inclusive após o trânsito em julgado da sentença de desapropriação, onde tomará as providências necessárias à incorporação do imóvel à União e a posterior reforma agrária.

6.4 Os Recursos

O recurso cabível à sentença de desapropriação confiscatória não será nada mais que apelação, nos termos do art. 513 do CPC. Mesmo com a ausência de apelação os autos serão enviados ao Tribunal de 2º grau – remessa ex ofício – para serem apreciados.

7. CONCLUSÃO

A desapropriação é uma das mais violentas formas de intervenção do Estado na propriedade, notadamente a confiscatória (sem pagamento de indenização) decorrente de semeadura de plantas psicotrópicas, prevista no art. 243 da Constituição Federal, regulamentado pela Lei nº 8.257/91 e pelo Decreto 577/91; e outra que está a caminho, em tramitação no Congresso Nacional, em vias de aprovação, conseqüente de exploração de mão-de-obra escrava praticada pelo proprietário ou empregador.

A desapropriação por si só encerra uma violência do Estado em retirar a propriedade do verdadeiro dono e incorpora-la ao seu patrimônio, sob justificativa de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, fundamentado no art. 5º, XXIV, da Constituição Federal, cujo artigo é descumprido e desrespeitado no que tange, principalmente, ao pagamento e à sua forma. Nem sempre a indenização é justa em relação ao preço, nem o pagamento é prévio ou em dinheiro. A maior parte do todo é pago em TDPs (no caso de desapropriação urbana) ou TDAs (no caso de desapropriação rural) os quais, no ato da sua emissão, já representa uma desvalorização em torno de quatro quintos do valor de face e, por conseqüência, um prejuízo maior para o desapropriado. Portanto, na realidade, a desapropriação por si só, representa um confisco indireto e camuflado para atender muitas vezes a interesses espúrios de governantes ou às pessoas ligadas a eles, sob a égide de interesses sociais.

No caso de desapropriações de áreas rurais, nas quais são exigidos índices de produtividade inalcançáveis para medir a função social da propriedade, sem levar em consideração as dificuldades climáticas ou econômicas criadas pelo próprio governo, é mais um artifício oficial usado para tornar a propriedade mais vulnerável a essa confiscação indireta, pondo em xeque a garantia constitucional do direito de propriedade, a relativização desse direito, perigo à Democracia e a paz social.

A outra desapropriação confiscatória, objeto de Proposta de Emenda Constitucional – PEC, transitando no Congresso Nacional, é também outra forma de sanção aplicada ao proprietário que explora mão-de-obra escrava. Mas o que vem a ser exploração de mão-de-obra escrava nessa proposta? Nesse caso, não é a interpretação clássica da escravidão. Pelo que se interpreta, basta um empresário passar por dificuldades financeiras e atrasar o pagamento de salários e recolhimentos de contribuições sociais e já estaria implícito e caracterizado o uso de escravidão. Poder-se-ia também considerar, numa interpretação extensiva, até o próprio salário mínimo como um instrumento de escravidão.

Nunca, em tempo algum, a propriedade privada individualizada no Brasil sofreu tanta limitação, interferência e risco de sobrevivência institucional como na atualidade, inclusive com outra forma de confisco ilegal, representado pelo esbulho de movimentos ditos sociais, incentivados pelo governo. Sendo a propriedade privada uma extensão da personalidade do indivíduo, princípio reconhecido ao longo da sua história, deveria ter uma melhor tutela do Estado, pois graças ao respeito a esse instituto a civilização ocidental chegou ao nível de desenvolvimento que se verifica hoje.

Nos países onde a propriedade foi coletiva, prevaleceu o atraso e pouco se desenvolveu. O que se sente por trás desses mecanismos postos em prática na atualidade pelos governantes do país, é a transformação da propriedade privada individual em propriedade coletiva em nome do interesse ou função social, caminhando, assim, para trás, porque o capitalismo por mais que seja criticado ainda é a melhor forma de produção de bens e geração de riquezas.

Muito bem colocado foi um artigo publicado recentemente por uma revista no qual descreve dois brasis: um, que nada recebe de benefício do governo, ao contrário, recebe uma carga pesadíssima de impostos, taxas e exigências burocráticas para funcionar, que produziu riquezas equivalentes a 24 bilhões de dólares num ano, gerando empregos, renda e benefícios sociais; e outro consumista, que recebeu 26 bilhões de reais dos cofres públicos, que nada produziu, chora e passa fome, que é representado pelos assentamentos de uma reforma agrária mal planejada e pessimamente executada, que retira mais gente do campo do que põe, trazendo-a para periferia das grandes cidades e fomentando o crescimento da violência. Qual desses brasis cumpriu melhor a função social? Por que destruir um sistema de produção que já provou sua eficiência para implantar outro que tem se mostrado inadequado de produzir num modelo globalizado, quando os dois sistemas se completam? O interno, voltado para culturas de abastecimento e consumo, o externo para culturas de exportação?

Por fim, entende-se que a desapropriação confiscatória, objeto deste trabalho, agride o direito de propriedade com a supressão do bem do seu verdadeiro dono, sem indenização, que nem sempre é o criminoso que plantou espécies psicotrópicas sem a devida autorização legal; fere o princípio da presunção da inocência, impondo a pena aos familiares do criminoso como se fossem cúmplices; contraria o princípio de intranscendência penal, porque ultrapassa a pessoa do criminoso; e espanca a teoria da propriedade mínima familiar, com o confisco total da propriedade. Representa, ainda, um retrocesso nesse direito em relação às Ordenações Filipinas, que no Livro V, capítulo XXXV, condena o latrocida a perder as mãos, a vida, mas preserva a propriedade dos criminosos desde que tenham “descendentes legítimos”. Como se vê, penaliza apenas ao criminoso, com a própria vida, mas respeita a individualidade da pena, o direito de propriedade e o direito de sucessão.

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Como citar o texto:

CALHEIRA, Gileno..Desapropriação confiscatórias. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 203. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/1607/desapropriacao-confiscatorias. Acesso em 4 nov. 2006.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.