Resumo: a função social é um dos princípios que regem a ordem econômica (art. 170,. III - CF). Como elemento intrínseco ao direito de propriedade funciona como limite à vontade do proprietário, e extrínseco, como restrição a este, submetendo-se à força do interesse público que se sobrepõe ao privado. O índice de produtividade que é usado como instrumento para aferir se a propriedade é ou não produtiva, se cumpre ou não sua função social, é usado como ferramenta político-ideológico para que sejam desapropriadas, cada vez mais, propriedades produtivas. A função social não será alcançada se o Estado não disponibilizar Política Agrícola como sustentação econômica da propriedade, o que é, inclusive, preconizada pela Constituição Federal de 1988, art.187, incisos I a VIII, §§1º e 2º., mas não é efetivada. A simples mudança de titularidade do bem, sem que seja instituída a Política Agrícola, não faz com que a propriedade alcance sua função social.

Palavras - Chave: função social, política agrícola, desapropriação.

1. INTRODUÇÃO

O grande problema na distribuição de terra no Brasil é definir qual modelo de reforma agrária que se quer implantar: se a social-democrata ou a capitalista; e qual o melhor meio de produzir: se individual ou coletivo. Para os críticos à reforma agrária conduzida e tutelada pelo Estado, é inviável e indesejável por que: a) se gasta muito do tesouro e tem um resultado pífio. Torna-se insustentável manter os assentados indefinidamente tutelados; b) é politicamente conflituosa e as condições para a sua execução não são aplicáveis em condições democráticas normais, uma vez que contém uma dimensão confiscatória; c) solapa o funcionamento dos mercados de arrendamento e de compra e venda de terras, dificultando o acesso à terra por potenciais demandantes mais eficientes e alimentando a burocracia frequentemente corruptas; d) carrega um componente coercitivo que enseja contestações judiciais encarecendo o processo, retardando o assentamento e prejudicando os potenciais beneficiários; e) é pautado pela lógica do conflito, uma vez que só são desapropriadas propriedades rurais objeto de ocupações de terra ou tensões sociais desvalorizando-a e afugentando investimentos privados; f) na prática constitui uma doação do Estado, pois os trabalhadores assentados não pagam pela terra recebida, conforme estabelece os §§ 3º e 4º, do art. 18, da Lei nº. 8.629 de 25 de fevereiro de 1993; g) muitas vezes a escolha da terra ou dos beneficiários é feita por ingerências políticas, gerando ineficiência econômica e baixa competitividade; h) não cria condições para competitividade do setor reformado, ainda mais pelo fato da atual liberalização dos mercados agrícolas e modernização tecnológica; i) limita o acesso à terra com os conflitos agrários e violência rural; j) restringe-se tão-somente à distribuição de terra, dando pouca ênfase ao desenvolvimento produtivo dos assentados, uma vez que não existe política agrícola; l) não oferece opção de saída para os produtores agrícolas ineficientes, seja porque sua implementação foi acompanhada por medidas restritivas ao funcionamento dos mercados de arrendamento e compra e venda, seja porque não incorporou a questão do trabalho não-agrícola; m) integra o rol de políticas típicas do modelo de desenvolvimento por substituição de importações, que penaliza os pequenos agricultores e o setor agrícola, protege segmentos economicamente ineficientes e não responde aos imperativos da liberalização comercial.

 O novo modelo de reforma agrária, preconizado pelo Banco Mundial e implantado experimentalmente a partir do governo de Fernando Henrique, com a continuidade do governo Lula, consiste numa ação estatal que combina transação patrimonial privada e política distributiva. Transação patrimonial, por se trata de um financiamento concedido para a compra e venda voluntária entre agentes privados, uma típica operação mercantil, e pelo fato de que os proprietários são pagos em dinheiro e a preço de mercado, enquanto os compradores assumem integralmente os custos da aquisição da terra e os custos de transação. Política distributiva, porque há transferência de recursos, parte a fundo perdido em proporção variável conforme o caso, para investimentos em infra-estrutura e produção agrícola. Trata-se de mera relação de compra e venda de terras entre agentes privados financiada pelo Estado, que concede subsídio maior ou menor conforme o caso.

Segundo o Banco Mundial, existem duas características fundamentais que diferenciam o Modelo de Reforma Agrária de Mercado e o modelo desapropriacionista-estatal: a primeira seria a de que a reforma agrária de mercado tem como objetivo fortalecer a livre iniciativa, selecionar agentes capazes ao empreendedorismo, estimular o mercado de compra e venda de propriedades rurais, trazer paz, valorizar a terra e atrair capital de investimento privado. Enquanto o outro seria totalmente contrário a estas propostas. A segunda característica seria a de que o modelo de reforma agrária de mercado tem um caráter negocial e voluntário, ao passo que o outro seria coercitivo, posto que baseado num ato discricionário do Estado, a desapropriação.

A desapropriação para reforma agrária é uma das mais violentas intervenções do Estado na propriedade rural, desestruturadora da família, injusta com o expropriado porque este não recebe um preço que possa repor o seu patrimônio, Torna-se mais injusta, ainda, por motivo de se implantar um modelo de reforma agrária inviável. A desapropriação não é o melhor remédio para que a propriedade rural alcance sua função social. A receita é a implantação da Política Agrícola para que a propriedade seja lucrativa e possa oferecer emprego àqueles que não têm qualificação para ser empreendedores ou que propicie aos assentados, suporte para que se tornem novos proprietários rurais. Não efetivando a política agrícola não há que se pensar em desapropriação porque não adianta mudar de titularidade da terra por que tudo continuaria igual. Os assentamentos, também, não fariam com que a terra alcançasse função social, e aí como fica, seriam também desapropriados?

O direito de propriedade nasce como um direito natural e se consolida na lei. É um elemento estruturador da família e extensão da personalidade do indivíduo. Todos têm o direito de acesso a terra. Seja de forma direta, conquistada pelo trabalho ou pelo trabalho transformado em riqueza poupada, ou através de programas alternativos do governo, tais como: Banco da Terra, Cédula da Terra e outros já existentes no governo.

Para responder perguntas e apontar possíveis soluções, o tema, objeto deste trabalho, foi escolhido levando-se em consideração a relevância social, atualidade temática e a importância da pesquisa para a ciência, em virtude da singularidade como é abordada a função social da propriedade e a política agrícola.

Poucos doutrinadores se preocuparam em destacar que a ausência de uma política agrícola fosse responsável pela propriedade não alcançar sua função social. Preferiram interpretar como desidioso o proprietário e prescrever a desapropriação como remédio sancionatório para o faltoso.

Inicialmente, tido como fácil pelo autor e entendendo tratar-se de um assunto que dominasse plenamente pela sua experiência na área, constatou logo adiante que se enganara com essa possível vantagem ao consultar o conteúdo bibliográfico de algumas obras e perceber de pronto que a sua bagagem de conhecimento se constituía em mais um componente de dificuldade.

Por almejar fazer um bom trabalho, teve que se despir de pré-conceitos, munir-se de livros doutrinários clássicos, de documentos de fontes seguras e credenciadas, consultar sites de órgãos oficiais, pesquisar textos elaborados por mestres ou doutores nas áreas especializadas, principalmente, no que tange aos dados mais atualizados, uma vez que estes se acham na maioria das vezes disponíveis para o grande público de forma simulada, dissimulada e contraditórias, nos labirintos da burocracia, fornecidos, talvez, para confundir a opinião pública.

As dificuldades encontradas cingiram-se à doutrina intoxicada de ideologia, a separação de informações tendenciosas das supostamente verdadeiras, à delimitação do tema em virtude de ser multifacetado de problemas sociais, econômicos, políticos, ideológicos, principalmente, morais, e da sua interdisciplinaridade com outras áreas do Direito, como: Civil, Constitucional, Trabalhista, Administrativo, Agrário e Tributário.

 Este trabalho não pretende exaurir o assunto, apenas dar contribuição como base para que outros sejam aperfeiçoados no futuro, trazendo a lume fatos, informações, dados e esclarecimentos sobre a função social da propriedade rural e a política agrícola. Explicar como o índice para aferir a produtividade é usado como instrumento político-ideológico para desapropriar propriedades produtivas, mostrar as injustiças que são cometidas contra o proprietário e o ônus imposta à sociedade pelo Estado para implantar um modelo de reforma agrária inviável, e apontar soluções opostas à desapropriação.

No capítulo Função Social da Propriedade Rural será demonstrada os requisitos constitucionais contidos no art. 186 e os respectivos incisos de I a IV, para que a propriedade seja considerada produtiva e cumpra a sua função social, os índices utilizados para aferir a produtividade e aplicados indevidamente para provocar desapropriações em terras produtivas.No capítulo referente a Política Agrícola, provar-se-á que o Estado não a efetiva contrariando dispositivos da Constituição Federal no art. 187 e seus respectivos incisos de I a VIII e os §§ 1º e 2º, o que impossibilita que a propriedade rural cumpra a sua função social e seja desapropriada; mostrará que os planos plurianuais não são efetivados dificultando as previsões e causando prejuízos aos produtores; que a falta de seguro agrícola leva os produtores a insolvência com perdas acumuladas comprometidos pelos financiamentos bancários, os quais caucionam através de garantias de dois terços do patrimônio, trazendo por conseqüência a impossibilidade de garantias a novos financiamentos: para renovação das frotas de veículos agrícolas, ampliação de áreas plantadas, o que reduz a produção e produtividade ficando expostos a mais desapropriações.

Mostrará que com a carga tributária girando entre 42 a 52% e juros bancários a taxas exorbitantes, torna-se inviável qualquer atividade agrícola, o que leva os produtores ao endividamento bancário, hoje, em torno de R$30 bilhões; demonstrará que a legislação trabalhista impede que se abram novas vagas de trabalho impelindo os desempregados ao êxodo para as grandes cidades, transformando-os em “soldados de reserva” e levando-os à informalidade ou ao subemprego. Exporá que a falta de política agrícola impõe prejuízos aos produtores, somente no último triênio alcançou o total de 35 milhões de toneladas de grãos; que a rentabilidade do produtor é baixíssima, no caso do cacau, por exemplo, alcançou na safra 2005/05 a cifra irrisória de R$10,91 de renda bruta por hectare, o que torna a sobrevivência do produtor impossível e a dívida agrícola impagável.

2. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL

A propriedade rural cumpre sua função social quando atendida simultaneamente os requisitos contidos no art. 186, e os respectivos incisos de I a IV, da Constituição Federal, e considerada produtiva quando explorada de forma racional e adequadamente, atinge graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, cujos índices são fixados pelo INCRA, de acordo com o §1.º, da Lei n.º 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. O Grau de Utilização da Terra – GUT, para efeito do caput do art. 6.º, dessa Lei, deverá ser igual ou superior a 80%, calculado pela relação percentual entre a área efetivamente utilizada e área aproveitável total do imóvel; quanto ao Grau de Eficiência de Exploração – GEE da terra, disposto no § 2º, do mesmo artigo, deverá ser igual ou superior a 100%, e será obtido de acordo com a sistemática constantes dos incisos I a III, desse parágrafo, a seguir explícito[2]:

I      para produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;

II.          para exploração pecuária, divide-se o numero total de Unidades Animais – (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Micorregião Homogênea.          

III.        a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo, dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100, determina o grau de eficiência na exploração.

Considerar-se-ão áreas efetivamente utilizadas aquelas plantadas com produtos vegetais, com pastagens artificiais e nativas, exploração extrativa vegetal ou florestal, exploração de florestas nativas, as que estejam sob processos técnicos de formação ou recuperação de pastagens ou de cultura permanentes, tecnicamente conduzidas e devidamente comprovadas, mediante documentação e Anotação de Responsabilidade Técnica (ART).

Nos casos de consórcio ou intercalação de pastagens ou rotatividade de culturas, efetiva-se a utilização com a maior área usada no ano considerado, de acordo com o § 3.º e seus respectivos incisos de I a V e em concordância com os §§ 4.º e 5.º desse artigo (6º). Porém, no § 7º, a lei dispõe que não perderá a qualificação de propriedade produtiva os imóveis que, por razões de força maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens, tecnicamente conduzida e devidamente comprovadas pelo órgão competente, deixar de apresentar, no ano respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a espécie[3].

Visando corrigir as distorções no grau de utilização da propriedade e estabelecer novos parâmetros para medir o índice de produtividade rural, o deputado Xico Graziano[4] apresentou o projeto de lei de n.º 6.820, ainda em tramitação no Congresso, propondo modificação na Lei n.º 8.629, que regulamentou dispositivos constitucionais referentes à política agrícola e fundiária e à reforma agrária, bem como, estabeleceu, confirmando legislação anterior, os conceitos do Grau de Utilização da Terra (GUT) e do Grau de Eficiência na Exploração (GEE) para a análise do aproveitamento da terra no país.

Na sua justificativa declarou que esses dois conceitos-chave têm sido confundidos e aplicados conjuntamente na análise dos processos de desapropriação para fins de reforma agrária. Mas, atualmente, o governo quer alterar para cima os atuais índices de produtividade que servem para definir o GEE, argumentando estarem eles ultrapassados pelo avanço da tecnologia. A proposta governamental estabeleceu forte polêmica, basicamente porque se apresenta em momento em que a agropecuária passa por um processo de perda de rentabilidade, devido à queda dos preços das comodities e à baixa da taxa de câmbio, combinada com elevação de custos de produção.

A polêmica existente sobre o cálculo que caracteriza a propriedade produtiva da terra está equivocada em sua origem, segundo ele. Não se pode, face ao avanço da tecnologia nos últimos trinta anos, adotar um único índice, o GEE - (Grau de Eficiência na Exploração), mesmo estabelecido regionalmente, capaz de averiguar se a terra está ou não produtiva. O cálculo do GEE deriva da comparação entre os níveis de produtividade física do imóvel, com parâmetros fixados pelo poder público (INCRA).

Critica que o princípio do sistema está equivocado, antigo, primário e simplista, que facilita desvios e falcatruas, pois surge de uma conta matemática. Se, nas contas do INCRA, o GEE de uma propriedade for menor que 100% (99,9%, por exemplo), ela pode ser destinada para desapropriação. Trata-se de um número cego, com base em notas fiscais ou de vacinação de rebanhos considerando-se apenas o último ano.

O sistema que agora propõe, baseia-se em laudo completo de avaliação que considera certamente os níveis de produtividade, mas não de forma exclusiva e estática, depende, também, do nível de tecnologia e das condições do solo e clima. Pois, uma propriedade rural, altamente intensiva em capital/tecnologia, trabalha com elevada produtividade, enquanto outra propriedade, que escolha tecnologia branda, estará com sua produtividade menor. Acontece que os custos também serão distintos, nada assegurando que a alta tecnologia e a conseqüente elevada produtividade traga maior retorno financeiro, face aos custos da produção.

Idêntico raciocínio vale para a classe de capacidade de uso do solo: fazendas melhor aquinhoadas pela natureza obtêm retorno de produtividade acima daquelas menos privilegiadas. Adotar um mesmo índice para avaliar o caráter produtivo de todas as propriedades significa aceitar uma ditadura tecnológica no campo, contrariando frontalmente o princípio fundamental da livre iniciativa, contido no art. 1.º, inciso IV, da Carta Magna, que é a do proprietário decidir o que produzir e as quantidades necessárias que o mercado demanda, a fim de obter resultados positivos à comercialização do que produz.

Aumentar o índice de produtividade vigente para medição da terra produtiva servirá apenas para agravar a tensão no campo, sem resolver o problema da produtividade rural. Além do mais, existe a questão do mercado, que não se considerava à época que foi elaborado o Estatuto da Terra, em 1964. Tal procedimento sinalizará que os agricultores devem elevar sua produção, aumentando a oferta de produtos no mercado e por conseqüência baixar rentabilidade do seu negócio. Sem demanda no mercado quem garante que os preços não lhes arrebentarão o bolso? Aí o proprietário rural se vê entre diversas situações: se aumenta a produção e produtividade e falta mercado, o governo garantiria a comercialização comprando-a ao custo de produção com prescrever a Constituição? Isto não tem acontecido e levado muitos produtores a quebrarem. Se não aumenta a produção cai nas garras do MST, como sair desta?

A definição sobre o cálculo da terra produtiva não deve ser simplista. Por isso, entende o proponente, Xico Graziano, que o projeto de lei modifica a forma de cálculo, exigindo um laudo mais complexo, que leve em consideração a classe de capacidade de uso do solo, o clima, o nível de tecnologia e a situação do mercado. Essa visão de atribuir índices fixos de produtividade sem considerar os recursos naturais e a economia rural, facilita a desapropriação de imóveis rurais em áreas infertéis, como foi feita na serra da Bodoquena, em MT, que transformados em assentamentos, tornaram-se uma tragédia social.

Nesse projeto de lei, o deputado critica a forma dos assentamentos rurais sem infra-estrutura, propõe o prazo de cinco anos para que se realizem esses investimentos, conceda os títulos de posses aos assentados para que se libertem da tutela do Estado e dos movimentos sociais; transforme efetivamente os “sem-terra” em novos produtores rurais, tirando-os das condições de quase – funcionários amparados pelo poder público demandando dinheiro do Tesouro há mais de 20 anos, como acontece atualmente com alguns assentamentos, e que esses cumpram sua função social[5].

Na ótica de Fabiana Vezzali[6], os grandes proprietários rurais que utilizam o argumento econômico para defender suas fazendas contam também com outro aliado: índices de produtividade desatualizados. São esses os números que determinam se uma propriedade rural alcança ou não o mínimo de sua capacidade produtiva. Os índices, porém, foram calculados em 1980 e não refletem o expressivo aumento da capacidade de produção agropecuária conquistado pelos avanços tecnológicos nas últimas décadas. A revisão desses valores tende a ampliar os números de propriedades rurais que poderão ser reivindicadas para reforma agrária, levando-se em conta apenas a questão econômica.

Os novos cálculos feitos pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) foram negociados com o Ministério da Agricultura, mas esperam desde abril de 2005 pela assinatura do Presidente da República. A proposta dos índices das lavouras considerou os dados médios da Pesquisa Produção Agrícola Municipal (PAM), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do período de 1999 a 2003. No caso dos índices de produção pecuária, o ajuste foi feito a partir dos dados do Censo Agropecuário de 1995/1996. Para considerar a diversificação da produção brasileira, o ministério também propõe a inclusão de 37 novos itens na tabela de índices de rendimento de produtos agrícolas. Atualmente, a lista tem 38 produtos vegetais e sete extrativos, vegetais e florestais. Segundo o ministério, o índice atual de produtividade para lavouras de soja nos estados do Paraná e São Paulo é de 1,90 tonelada por hectare. Com a nova proposta, o índice subiria para 2,9 toneladas por hectare, o equivalente a 48,34 sacas por hectare[7].

A apresentação da tabela atualizada dos índices de produtividade agropecuária pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), conforme Verena Glass[8], não foi bem recebida nem pelo setor ruralista, nem pelo próprio Ministério da Agricultura. A reivindicação dos movimentos sociais para aumentar o índice de produtividade é antiga e a proposta foi questionada por João de Almeida Sampaio Filho, presidente da Sociedade Rural Brasileira, que reagiu negativamente à nova tabela, afirmando que “se está buscando formas de desapropriar fazendas (...)”. A União Democrática Ruralista (UDR), segundo o jornal O Estado de S. Paulo, também teria dito que a proposta do MDA seria mal-intencionada, e que o momento é delicado, já que os produtores rurais passam por dificuldades em função da seca e da queda dos preços das commodities agrícolas.

A perspectiva da revisão dos índices de produtividade para cima foi comemorada pelos movimentos sociais, por se tratar de uma reivindicação do MST e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), sendo vista como um importante mecanismo para a realização da reforma agrária. Para o coordenador nacional da CPT, Antônio Canuto, a proposta do MDA é uma resposta urgente em um país onde se exige muito do trabalhador e os fazendeiros querem cada vez menos responsabilidades. Agora, os movimentos esperam a concretização da nova tabela, afirma Canuto[9].

A instituição do índice em patamares elevados para medir a produtividade da propriedade rural é um perigo para a democracia, coloca em risco a propriedade e traz insegurança à paz social. Usado como instrumento ideológico por grupos, dentro e fora do governo, que manobram o setor rural, fere frontalmente os princípios constitucionais da propriedade privada e da livre concorrência, retirando do proprietário o arbítrio de decidir pela oportunidade e conveniência de colocar o seu produto no mercado na medida adequada à demanda. Aumentar o índice de produtividade sem levar em consideração a potencialidade de compra interna e externa do produto, bem como, sem considerar a política cambial e fiscal, é impor ditatorialmente um risco nem sempre suportável pelo produtor, levando-o em muitos casos à insolvência. Depreende-se pelo regozijo dos representantes dos movimentos sociais e manifestação de protesto dos produtores rurais, que o aumento do índice de produtividade para medir a função social é mais um instrumento criado pelo Estado visando desapropriar a propriedade produtiva.

De acordo com o art. 186, inciso II, da Constituição Federal, outro requisito a ser observado para que a propriedade rural alcance sua função social é o cumprimento das disposições que regulam as relações de trabalho. Numa análise teórica da política trabalhista atual do País, pode-se perceber uma grave distorção no mercado de trabalho na agricultura, com a mão de obra sendo cara para o empregador, embora o salário recebido pelo trabalhador seja baixo[10].

Essa situação tem vários componentes, segundo o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, sendo o mais importante é que, ademais dos encargos trabalhistas, existe o custo administrativo para gerir as contas dos encargos, pagamentos e controles. Atinge mais ao pequeno e ao médio empregador, cujas despesas incidem sobre o setor produtivo diminuindo o salário e aumentando o custo para o empregador, sem que isto gere receita para o governo.

Não é de estranhar, que a informalidade no mercado de trabalho sazonal agrícola seja muito maior do que no mercado de trabalho agrícola permanente, e mais do que a do mercado de trabalho urbano. Quanto mais elevada for a carga fiscal sobre o salário – definida como a diferença entre o custo salarial e o salário que vai para o bolso do trabalhador -, menor o incentivo das empresas para utilizarem tecnologias intensivas em mão-de-obra e maior o incentivo delas para a contratação informal. Ou seja, impostos que incidem sobre a folha de salário, além das contribuições para a seguridade social, tendem a reduzir a criação de empregos e aumentar a informalidade[11].

Nos últimos 20 anos ocorreram várias mudanças relevantes com implicações na relação de trabalho como novas regras trabalhistas da Constituição Federal de 1988: abertura da economia, estabilização, aumento de carga tributária e choques externos. Enquanto na Constituição as leis trabalhistas passaram por um aprofundamento do modelo social-democrata, a economia mundial e brasileira caminhavam para um modelo de mercado liberal. O aumento do desemprego e da informalidade no Brasil respondeu a essa combinação de alterações no ambiente econômico e ao aprofundamento da regulação das relações de trabalho, além de outros fatores, como: elevação da carga fiscal sobre a folha de salários e o aumento do valor real do salário mínimo na segunda metade dos anos 90[12].

Parece ficar claro[13]: quanto mais as instituições interferem no contrato de trabalho, retira das empresas a capacidade de se adaptarem às inovações. Se por um lado, essa interferência preserva a taxa de estabilidade dos trabalhadores empregados, por outro, provoca aumento da taxa de desemprego e de informalidade, assim como, queda do investimento e da eficiência produtiva, o que por sua vez, tende a reduzir o crescimento da empresa e sua capacidade de empregar e pagar salários. A flexibilização do trabalho é importante no mercado globalizado, mas traz insegurança aos trabalhadores. Qualquer proposta neste sentido deve considerar a segurança dos mesmos, bem como, os altos custos das demissões para os empregadores.

Na agropecuária, o valor agregado de direitos dos trabalhadores nos momentos de bonança dos negócios, com a rigidez da legislação trabalhista atual, torna-se um flagelo para os empregadores nos momentos de dificuldades econômicas para manter os empregados ou mesmo despedi-los para conter a sangria de suas economias, levando-os, não raras vezes, a inviabilidade das atividades e a insolvência.

A propriedade rural que se centra na terra como bem de produção, deve desempenhar função social com maior rigor do que outros bens. O imóvel rural revela uma destinação centrada na produção de riquezas e criação de empregos[14]. Deve gerar lucro para que o proprietário possa explorá-la de forma racional e adequada, preservar o meio ambiente, cumprir suas obrigações trabalhistas, e promover o seu bem-estar e de seus trabalhadores.

3. POLÍTICA AGRÍCOLA

Para que ocorra a função social da propriedade não depende exclusivamente da vontade ou poder do proprietário rural, é indispensável a participação do Estado disponibilizando uma política agrícola planejada e executada de acordo com os dispositivos constitucionais e regulamentação da lei, com a participação dos produtores e trabalhadores rurais, dos setores de comercialização, de armazenagem, transportes, conforme dispõe o art. 187, da Carta Magna, seus respectivos incisos e parágrafos[15]:

I.         os instrumentos creditícios e fiscais;

II.        os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização;

III.      o incentivo à pesquisa e à tecnologia;

IV.      a assistência técnica e extensão rural;

V.        o seguro agrícola;

VI.      o cooperativismo;

VII      a eletrificação rural e irrigação;

VIII.    a habitação para o trabalhador rural;

§ 1.º Incluem-se no planejamento agrícola as atividades agroindustriais, agropecuárias, pesqueiras e florestais.

§  2.º  Serão compatibilizadas as ações de política agrícola e de reforma agrária

A atividade agrícola é definida pela Lei n.º 8.171, de 17 de janeiro de 1991, que regulamentou o art. 187 da Constituição Federal, no seu inciso I, como processos físicos, químicos e biológicos, onde os recursos naturais envolvidos devem ser utilizados e gerenciados, subordinando-se às normas e princípios de interesse público, de forma que seja cumprida a função social e econômica da propriedade.

Estabelece a lei que o setor agrícola é constituído pelos segmentos da produção, insumos, agroindústria, comércio, abastecimento e afins, os quais respondem diferenciadamente às políticas públicas e às forças de mercado (inciso II) e, como atividade econômica, a agricultura deve proporcionar, aos que a ela se dediquem rentabilidade compatível com a de outros setores da economia (inciso III).

Dentre os objetivos de política agrícola, conforme dispõe o art. 3.º vale destacar diversos incisos, dos quais o primeiro é um dos mais importantes, que atribui ao Estado a função de planejamento que será determinante para o setor público e indicativo para o setor privado, destinado a promover, regular, fiscalizar, controlar, avaliar atividade e suprir necessidades, visando assegurar o incremento da produção e da produtividade agrícolas, a regularidade de abastecimento interno, especialmente alimentar, e a redução das disparidades regionais[16].

Cabe, ainda, ao Estado promover os meios necessários para investimentos ao setor e sistematizar sua atuação com ações de médio e longo prazo para reduzir as incertezas; buscar a descentralização da execução dos serviços públicos com outros entes, cabendo a estes assumirem suas responsabilidades na execução da política agrícola, compatibilizando-a com as de reforma agrária e assegurando aos beneficiários desta o apoio à sua integração ao sistema produtivo (incisos VI e VII).

São ações e instrumentos de política agrícola, contidos nos seguintes incisos, do art. 4º, da referida lei:

I – planejamento agrícola;

II – pesquisa agrícola e tecnológica;

III - assistência técnica e extensão rural;

IV – proteção do meio ambiente, conservação e recuperação dos recursos naturais;

V – defesa da agropecuária;

VI – informação agrícola;

VII -  produção, comercialização, abastecimento e armazenagem;

VIII – associativismo e cooperativismo;

IX – formação profissional e educação rural;

X – investimentos públicos e privados;

XI – crédito rural;

XII – garantia da atividade agropecuária;

XIII – seguro agrícola;

XIV – tributação e incentivos fiscais;

XV – irrigação e drenagem;

XVI – habitação rural;

 XVII – eletrificação rural;

 XVIII – mecanização agrícola;

XIX – crédito fundiário.

O Conselho Nacional de Política Agrícola (CNPA), vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), composto de diversos órgãos representativos dos segmentos agropecuários, têm atribuições de orientar a elaboração do Plano de Safra, propor ajustamento ou alterações na política agrícola, manter sistema de análise e informação sobre a conjuntura econômica e social da atividade agrícola. O CNPA contará com uma secretaria executiva e sua estrutura funcional será integrada por Câmaras Setoriais, especializada em produtos, insumos, comercialização, armazenamento, transporte, crédito, seguro e demais componentes da atividade rural. O Conselho terá, ainda, atribuições de coordenar a organização de Conselhos Estaduais e Municipais de Política Agrícola, com as mesmas finalidades, no âmbito de suas competências. A ação governamental é concorrente entre a União, Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios[17].

Os planos de safras e planos plurianuais considerarão as especificidades regionais e estaduais, de acordo com a vocação agrícola e as necessidades diferenciadas de abastecimento, formação de estoque e exportação. Causa espécie que a Lei n.º 8.171 trate da proteção ao meio ambiente e da conservação dos recursos naturais no capítulo VI e nada fala sobre a defesa agropecuária seja vegetal ou animal no inciso VII. Os poucos artigos que continham foram vetados, quando se sabe que a defesa é imprescindível na preservação do meio ambiente e das culturas permanentes ou temporárias. Por falta ou ineficácia dela, a lavoura cacaueira foi dizimada de forma criminosa pela vassoura-de-bruxa, e os rebanhos bovinos das fronteiras brasileiras foram contaminados recentemente pela febre aftosa causando prejuízos incalculáveis aos produtores sem que houvesse ressarcimento ou indenização aos mesmos pelo Estado.

O crédito rural, instrumento de financiamento da atividade rural, previsto no art. 48, será suprido por todos os agentes financeiros sem discriminação entre eles, mediante aplicação compulsória, recursos próprios livres, dotações das operações oficiais de crédito, fundos e quaisquer outros recursos, com objetivo de estimular os investimentos rurais, armazenamento, beneficiamento e instalação de agroindústria; favorecer o custeio oportuno e adequado da produção e incentivar a introdução de métodos racionais no sistema de produção visando o aumento da produtividade e melhoria de qualidade de vida das populações rurais, conservação do solo e preservação do meio ambiente. No art. 52, a lei dispõe que o poder público assegurará o crédito especial e diferenciado aos produtores rurais assentados em área de reforma agrária[18].

Não obstante a imperiosa necessidade de disponibilizar financiamento para o setor rural, a dotação orçamentária vem caindo a cada ano, e ter sido reduzida de 3% para 0,3% nos últimos vinte e cinco anos. A decisão do governo foi incondicionada e ao sabor do fluxo de caixa do Tesouro Nacional. Todavia, tem áreas que não comportam cortes como a da sanidade animal e vegetal, uma vez desatendida ocorrem fatos graves com a agricultura e a pecuária citados acima e até em seres humanos e animais silvestres. Por sua vez a renda da atividade rural depende de aporte de recursos para operações oficiais de crédito, formação de estoques reguladores, financiamento de operações de venda, prorrogação de parcelas de financiamentos vencidos. Alocação desses recursos deve ser compatível com a magnitude do setor na economia nacional cujos percentuais se expressam: 30% do PIB, 39% das exportações e 37% dos empregos[19].

A oferta de créditos a juros compatíveis para o setor rural não acompanha o aumento da área plantada. A relação entre um e outro caiu de R$3,64 por hectare na safra 1995/06 para R$0,98 na safra de 2006. Ela está diretamente vinculada com a adimplência das suas operações. Como o endividamento rural é muito alto, falta-lhe garantia para pleitear o aumento dos financiamentos e condições para negociar juros menores. A redução de financiamento implica em área menor plantada, falta de investimento em tecnologia e uso de insumos para aumentar a produtividade. Por conseqüência, tem-se menor produção, menor produtividade e não poder alcançar o índice mínimo exigido para não ser desapropriado, ainda, os concorrentes ocuparem esses espaços, tanto no mercado interno quanto no externo[20].

O seguro agrícola é previsto no art. 56 e instituído para cobrir prejuízos decorrentes de sinistro que atinjam bens fixos e semifixos ou semoventes, bem como, àqueles decorrentes de fenômenos naturais, pragas, doenças e outros que atinjam plantações, extensivos às atividades pesqueiras e florestais. O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (PROAGRO), instituído pela Lei nº. 5.969, de 11 de dezembro de 1973, assegurará ao produtor rural apenas da exoneração de obrigações financeiras relativas a operação de crédito rural de custeio, cuja liquidação seja dificultada pela ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam bens, rebanhos e plantações, bem como, indenizações dos recursos próprios utilizados pelo produtor rural em custeio rural, quando ocorrer perdas em virtude dos eventos citados anteriormente.

Os recursos do PROAGRO constituído de recursos de fonte de produtores e de outras fontes para cobrirem, total ou parcialmente, os financiamentos de custeio rural. Cabe a Comissão Especial de Recursos (CER) decidir em única instância administrativa sobre a apuração dos prejuízos e a respectiva indenização[21].Esses dispositivos jamais tiveram eficácia, na realidade o PROAGRO beneficiava somente os agentes financeiros que vendiam o serviço, e as seguradoras que lucravam com o premio.

Quando ocorria algum sinistro dificilmente os produtores conseguiam levantar a indenização a fim de pagar os financiamentos. Estes eram renegociados, na maioria de vezes, em condições desfavoráveis aos produtores, decorrendo daí um estoque de dívida quase impagável, no limite de 30 bilhões de reais, conforme levantamento feito pela Comissão da Agricultura da Câmara dos Deputados. Esse valor representa mais de dois terços do volume de recursos anunciados para o Plano da Safra 2005/06[22].

Para cobertura de riscos na produção aprovou-se a Lei do Seguro Rural nº. 10.823, de 19.12.03, disponibilizando-se para 2005 o valor de 10 milhões de reais para subvenção do prêmio de seguro, e o Dec. nº 5.782 de 23 de maio de 2006, que estabeleceu o limite de R$32.000,00 de subvenção ao prêmio para cada beneficiário, por ano civil. Mas as operações só começaram a ser feitas em novembro daquele ano, com gastos apenas de R$2,3 milhões, importância insignificante diante das perdas causadas pela seca que provocou a queda de renda do setor em 28 bilhões, sendo 10 na soja, 4 no milho e o restante nas demais atividades. Para 2006, o orçamento previsto para a subvenção correspondeu a 45 milhões de reais. Comparativamente com o valor alocado pelos americanos em 2003, que teve um prêmio de U$3 bilhões para um valor de cobertura de U$40 bilhões, é um valor ínfimo[23].

A incidência tributária na agricultura e nos produtos alimentares no Brasil é uma das mais altas e burocráticas no mundo. Estudo da Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), conforme relatório de 31.10.05, concluiu que 29% dos domicílios brasileiros, em 1966, ainda situavam-se abaixo da linha de pobreza. Destes, 11% classificados como indigentes por não terem condições mínimas de adquirirem alimentos capazes para suprir os requisitos mínimos calóricos e protéicos recomendados. Com o crescimento da renda per capita, a partir do Plano Real, com estabilidade da economia e queda dos preços dos alimentos, o total da população indigente caiu de 32 milhões em 1990 para 21 milhões em 1999[24].

Levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) aponta que de 1998 a 2004 foram editadas cerca de 220 mil normas tributárias no País, equivalendo a 55 novas regras por dia útil. Somente com a mudança da sistemática de cobrança do PIS e Cofins, que deixaram de ser cobradas cumulativas pela Lei nº. 10.833/03, trouxe interpretações diferentes gerando, em dois anos, 150 alterações jurídicas, o que eleva mais ainda o custo de produção[25].

No estudo da CEPAL observou-se que a participação dos gastos com alimentação nas famílias mais pobres é ainda, em média, superior a 50% do rendimento familiar. Nesse contexto, políticas públicas redutoras de preços dos alimentos apresentam grande potencial de melhoria do bem-estar das populações mais pobres. Um dos instrumentos mais eficazes para atingir esse objetivo é a desoneração da carga tributária dos produtos alimentares, particularmente dos impostos indiretos, principalmente o ICMS com carga fiscal bruta de 25,22%; o PIS/PASEP 3,16%; a Cofins 7,83%; o IPI  7,17%; o ISS 1,76% e o IOF 1,72%.

A participação dos tributos indiretos no total da receita tributária brasileira, nos anos noventa, foi predominante sobre bens e serviço, cuja participação nesta década tem oscilado entre 46% e 52% da receita total contra 40% e 45% na década de 80. Este crescimento deveu-se basicamente a um aumento na arrecadação de impostos cumulativos especialmente como base de cálculo do PIS e Cofins. Tais formas de tributar são prejudiciais à eficiência econômica, pois distorcem os preços relativos e induzem empresas a integrarem verticalmente sua produção, com conseqüente elevação de custos e preços, levando uma redução de competitividade dos produtos nacionais em relação aos estrangeiros, com queda de produção e emprego. Essa situação é ainda agravada pelas dificuldades de obtenção de crédito que perpassam todo o setor agropecuário[26].

A tributação dos alimentos nos Estados Unidos se dá à semelhança dos outros bens sobre os quais incide imposto de consumo, através do imposto sobre vendas, de competência dos estados. Hoje, só 11 estados mantêm cobrança de imposto sobre vendas de alimentos, sendo a alíquota mais alta a fixada em Tennessee (8,25%) e a mais baixa de Carolina do Norte (4%). Porém, a manutenção de cobrança do imposto tem sido alvo de debates contrários à sua manutenção, pelo reconhecimento da regressividade sobre a renda da maioria dos indivíduos de baixa renda. A dificuldade tem sido encontrar uma forma de compensar os estados com outra renda com a renuncia da tributação[27].

O estudo conclui que a isenção tributária sobre os alimentos, seria um forte instrumento de combate à pobreza, além dos efeitos positivos na distribuição de renda e na melhoria do rendimento das populações mais pobres. Ainda, sem menosprezar os reflexos que essa política de isenção tributária teria em toda cadeia produtiva alimentar, com aumento do consumo e produção, com a conseqüente geração de emprego e renda[28].

As máquinas agrícolas não sofriam incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) até julho de 1999. A partir de agosto desse ano, por meio do Dec. nº. 3.102 , de 30.06.99, passaram a ser tributadas a 1% a cada mês subseqüente até atingir a alíquota de 5% a partir de dezembro de 1999. Elas também são tributadas com PIS/Cofins (2,65% em 1966 e 1998) e com ICMS (alíquota de 7%), diferentemente de automóveis em serviço de táxi na área urbana que gozam de isenção de impostos.

As perdas da agricultura no último triênio alcançaram a ordem de 35 milhões de toneladas de grãos em decorrência da seca[29] quando medidas pela safra esperada e realizada.

Anteriormente, de 1996 e 2002, apenas por conta das perdas ocorridas entre o plantio e a pré-colheita, nas culturas de arroz, feijão, milho, soja e trigo, o País deixou de colher cerca de 28 milhões de toneladas de grãos. As perdas não ocorrem apenas na fase que vai da semeadura até o momento imediato que antecede a colheita. Também há perdas durante a colheita e na pós-colheita, por falta de rede de armazenagem, máquinas desreguladas, operadores incapacitados, principalmente por estradas mal conservadas e inadequação do transporte utilizado.

Um estudo inédito do IBGE[30] - os Indicadores Agropecuários 1996 – 2002 - analisou e quantificou as perdas dos principais grãos da agricultura brasileira e reúne uma série de informações suas e de outros institutos. O trabalho se divide em duas partes: na primeira analisa a quebra de safras ocorridas da semeadura até antes da colheita, entre 1996 a 2002; na segunda, sistematiza a origem e o destino dos principais grãos brasileiros (arroz, feijão, milho, trigo e soja). O estudo mostra que, se as perdas da primeira fase são resultantes de fatores mais incontroláveis, como clima e doenças, as perdas durante a colheita e pós-colheita são decorrentes do modus operandi e os meios utilizados para armazenar e transportar os produtos.

No Brasil, cerca de 70% das cargas são deslocadas por meio rodoviário, o menos vantajoso para longas distâncias. Estudos de viabilidade econômica sustentam que o transporte rodoviário é o mais adequado para distâncias inferiores a 300 km, o ferroviário para distâncias entre 300 e 500 km, e o fluvial, para acima de 500 km. Segundo a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), o prejuízo com derrame de grãos em conseqüência de estradas mal conservadas chega a R$2,7 bilhões a cada safra[31]. Por falta de armazéns, o Brasil se viu forçado a exportar, em 2003, 53 mil toneladas de trigo na época da safra, e ter que importar na entressafra para atender a demanda interna[32].

A rentabilidade do setor agrícola é o mais baixo possível como pode ser observado no trabalho de pesquisa efetuada por Thomas Hartmann[33], membro da Comissão Nacional do Cacau, cujo resultado é emblemático para a agropecuária. Citando fonte da CEPLAC, considerando a produção atual de 16 arrobas de cacau por hectare e todo custo representado por mão-de-obra remunerada pelo salário mínimo, à época, em R$ 300,00, o produtor de cacau da Bahia não teve rentabilidade na safra sequer para seu sustento, muito menos da sua família. De acordo com os seus cálculos a renda bruta por hectare produzido na safra 2002/2003 foi de 731,69 decrescendo a cada ano progressivamente até a safra 2005/2006 com o resultado pífio de R$10,91 de renda bruta por hectare. A crise no setor rural é tão séria que Pedro Malan[34], quando presidente do Banco Central, em 1993, declarou que não precisaria ser especialista em agricultura para saber que a seqüência de planos a partir de l986 teve efeito desastroso para o campo. E, Fernando Henrique, quando Ministro da Fazenda, dizer que os bancos oficiais captavam recursos a custo zero e emprestavam a juros de mercado. Qualquer medida que tomasse na direção de corrigir essa distorção afetaria os bancos oficiais. Porém, o maior prejuízo causado ao produtor é a insegurança em relação ao futuro da sua atividade com invasão de propriedade e ameaças feitas pelos movimentos sociais, desvalorizando-as e afastando os investimentos, com a complacência das mais altas autoridades do governo.

4. CONCLUSÃO

É quase unanimidade entre os doutrinadores que o remédio para solucionar a questão da função social da propriedade é a desapropriação e não a Política Agrícola.  Esta deve ser ofertada pelo Estado como prescreve a Constituição. Eles não analisam, também, sob o aspecto ideológico como o índice de produtividade é aumentado e usado para medir a função social da propriedade, objetivando tornar o maior número possível de propriedades produtivas em improdutivas, vulneráveis, portanto, à desapropriação para a reforma agrária. Muito menos dão ênfase à defesa da norma Constitucional de se respeitar à livre iniciativa, o Estado de Direito, não condenando as invasões das propriedades como instrumento expropriatório, e ao arbítrio dos proprietários de se resolverem o que plantar e o que vender, obrigando-os a cultivare4m produtos que não demandam o mercado, apenas para não sofrerem desapropriação. Mas, levando-os a caírem na armadilha da insolvência com operações bancárias para cobrirem os prejuízos decorrentes da falta da Política Agrícola e da inadequação entre produção/consumo.

Para que a função social da propriedade seja alcançada, não adianta mudar a titularidade da propriedade com a desapropriação, é necessária a efetivação da política agrícola. Isto ocorrendo, e se a função social não for alcançada, aí sim, caberia a desapropriação como ultima ratio, porque não se deve permitir que, mesmo no sistema capitalista, a propriedade rural seja usada como reserva de capital e não cumpra sua função social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas:

 

 

[2] BRASIL. Lei N.º 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Diário Oficial da União de 26.2.1993. Disponível em:< www.presiencia.gov.br> Acesso em: 15 ago. 2006

[3]Ibidem.

[4] BRASIL. Congresso. Câmara. Projeto de Lei n.º 6820 de 2006. Altera Lei n.º 8.629, de 25 fev., 1993, que regulamenta dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária. Disponível em: <www.xicograziano.com.br/projeto%202.htm.>. Acesso em 23 set. 2006

[5] BRASIL. Congresso. Câmara. Projeto de Lei n.º 6820 de 2006. Altera Lei n.º 8.629, de 25 fev., 1993, que regulamenta dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária. Disponível em: <www.xicograziano.com.br/projeto%202.htm.>. Acesso em 23 set. 2006

[6] VEZZALI, Fabiana. Regras protegem a grande propriedade e retardam a reforma agrária. Disponível em: www.reporterbrasil.com.br/exibe/php?id=662. Acesso em 23 set.2006.

[7] Idem, Ibidem.

[8]GLASS, Verena. MDA divulga índices de produtividade. Disponível em: . Acesso em 23 set. 2006

[9] Idem, ibidem, loc. cit.

[10] IPEA. Instituições Trabalhista e Desempenho do Mercado de Trabalho no Brasil. In: Brasil: o estado de uma nação. Acessível em: < www.ipea.gov.br/Destaques/brasil 2/14_CAP_4pdf.> Acesso em: 27 set. 2006.

[11] Ibidem.

[12] IPEA. Instituições Trabalhista e Desempenho do Mercado de Trabalho no Brasil. In: Brasil: o estado de uma nação. Acessível em: < www.ipea.gov.br/Destaques/brasil 2/14_CAP_4pdf.> Acesso em: 27 set. 2006.

[13] Ibidem, loc. cit.

[14] FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2006, p. 221.

[15] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Rio de Janeiro: Roma Victor, 2002.

[16] BRASIL. Lei n. 8.171, de 17 de janeiro de1991. Disponível em < www.senado.gov.br>. Acesso em:15 jan.2006.

[17] BRASIL. Congresso, Senado, subsecretaria de Informações Lei nº.  8.171, de 15 de janeiro de1991. Disponível em < www.senado.gov.br>. Acesso em:15 jan.2006.

[18] BRASIL. Congresso, Senado, subsecretaria de Informações Lei nº.  8.171, de 17 de janeiro de1991. Disponível em < www.senado.gov.br>. Acesso em:15 jan.2006.

[19] Associação Brasileira de Agrobusiness (ABAG). Proposta do agronegócio para o próximo presidente. Caderno Especial, 2006. Disponível em www.abagrp.com.br/jornal/abag. Acesso em: 24 out. 2006

[20] Associação Brasileira de Agrobusiness (ABAG). Proposta do agronegócio para o próximo presidente. Caderno Especial, 2006. Disponível em www.abagrp.com.br/jornal/abag. Acesso em: 24 out. 2006

[21] BRASIL. Congresso, Senado, subsecretaria de Informações Lei nº.  8.171, de 17 de janeiro de1991. Disponível em < www.senado.gov.br>. Acesso em:15 jan.2006.

[22] Associação Brasileira de Agribusiness (ABAG). Proposta do agronegócio para o próximo presidente. Caderno Especial, 2006. Disponível em www.abagrp.com.br/jornal/abag. Acesso em 24 out. 2006.

[23] CEPAL. O problema da tributação sobre os produtos alimentares e na agricultura e sua importância para a população brasileira. In: Incidência tributária na agricultura e nos produtos alimentares: impacto da desoneração sobre preços ao consumidor e na sua renda. Relatório Final 31 de out. 2005. . Acesso em: 22 ago, 2006.

[24] Ibidem.

[25] Associação Brasileira de Agribusiness (ABAG). Proposta do agronegócio para o próximo presidente. Caderno Especial, 2006. Disponível em www.abagrp.com.br/jornal/abag. Acesso em 24 out. 2006.

[26] CEPAL. O problema da tributação sobre os produtos alimentares e na agricultura e sua importância para a população brasileira. In: Incidência tributária na agricultura e nos produtos alimentares: impacto da desoneração sobre preços ao consumidor e na sua renda. Relatório Final 31 out. 2005. Disponível em . Acesso em: 22 ago, 2006.

[27] Ibidem.

[28] Ibidem.

[29] IBGE, Indicadores Agropecuários 1996-2003. Disponível em: 

[30] Ibidem.

[31] Ibidem.

[32] Ibidem.

[33] HARTMANN, Thomas. Produtor de cacau perde rentabilidade. Disponível em . Acesso em 26 out. 2006.

[34] CNA, Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária. Entenda a crise na agricultura. Disponível em < cna.org.br/cna/publicação/noticia.wsp?tmp.noticia=9062-56k. Acesso em: 22 ago. 2006.

 

Como citar o texto:

CALHEIRA, Gileno..Função social da propriedade rural x política agrícola. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 214. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-agrario/1680/funcao-social-propriedade-rural-x-politica-agricola. Acesso em 28 jan. 2007.

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