A doutrina nacional muito já comentou sobre os requisitos de habilitação nos procedimentos de licitação, notadamente a partir dos requisitos legais previstos nos artigos 28 e 30 do estatuto próprio. Contudo, os procedimentos específicos para a contratação de serviços de setores submetidos a controles e regras governamentais devem ser guiados por cuidados específicos, respeitando as peculiaridades de cada setor.

Naturalmente, todo pensamento sobre tal habilitação advém originariamente do texto constitucional, já que na matriz do nosso ordenamento há o reconhecimento de que o procedimento de compras seja antecedido de edital, “com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações” (art. 37, XXI CF).

De forma a regulamentar tal dispositivo, trouxe a Lei 8.666, de 1993, requisitos fundamentais de deveriam ser atingidos por todo e qualquer licitante para os fins de sua habilitação jurídica, além das qualificações, tudo na forma da redação contida no art. 27.

Ocorre que, na sistemática introduzida a partir daquele artigo 27, a própria redação legal não deixa dúvidas quanto a adoção de cuidados adicionais na habilitação jurídica e qualificação técnica das licitantes, em razão das atividades específicas a que se pretenda contratar.

Isto porque, na forma do direito positivo, a habilitação jurídica exigirá dos licitantes, entre outros elementos, a “autorização para funcionamento expedido pelo órgão competente, quando a atividade assim o exigir” (art. 28 Lei 8.666, de 1993).

Ora, neste sentido, a lei expressamente reconheceu que nos setores regulados, deve o órgão ou empresa responsável pela licitação exigir dos potenciais participantes a demonstração do cumprimento das exigências específicas de cada setor. Tal orientação coaduna-se ainda com o novel Código Civil, dada a existência de capítulo próprio para as sociedades dependentes de autorização (arts. 1123/1125 CC 2002).

Neste sentido, além da documentação explícita no art. 28 da Lei 8.666/93, impõe-se aos licitantes de apresentação de certidão expedida pela Agência ou departamento competente da autorização de funcionamento e de que está regular no cumprimento das imposições regulatórias, como nas reservas técnicas e seus ativos garantidores e com as Taxas do setor específico.

Ainda neste sentido, dentre os requisitos técnicos do art. 30 da Lei n° 8.666/93, cabe ao órgão ou empresa responsável pela licitação adequar ao serviço que contrata a verificação da “aptidão para desempenho de atividade pertinente (...) com o objeto da licitação” (inciso II) e “prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial” (inciso IV).

Ora, na quase totalidade dos setores regulados, além da autorização de funcionamento das pessoas jurídicas, os modelos de serviços a serem disponibilizados passam também por controle, seja através de prévio registro ou de mínimos padrões de arquivamento das condições técnicas que serão empregadas.

Não se pode esquecer que a impossibilidade da execução dos serviços diretamente pelo Estado operou uma profunda revolução no Direito, especialmente Administrativo, eis que não mais trataria apenas com a noção clássica de serviço público, regido por conceitos diametralmente opostos as atividades orientadas pela livre iniciativa. Surgem os serviços econômicos de interesse geral da sociedade, exigindo um forte contorno regulatório recheado de padrões técnicos mínimos.

Assim, numa licitação para contratação de determinada cobertura de seguros ou de assistência médica, imperiosa a exigência editalícia do registro e regularidade das pessoas jurídicas licitantes, bem como dos produtos por elas a serem ofertados.

Mais do que sugestões técnicas, estas diretrizes devem servir como imposições na elaboração dos editais e visam dar mais segurança da prestadora a ser contratada, mesmo porque, como afirmado, trata-se de serviço sujeito à regulação estatal com várias nuances de sua atividade que, a priori, não são do conhecimento preciso do órgão responsável pelo certame.

Se houve por parte do legislador e demais setores governamentais a eleição de setores como relevantes para a regulação com o controle técnico daquele mercado específico, todas aquelas exigências são cabíveis, necessárias e prudentes para a segurança dos licitantes e, por via de conseqüência da própria administração que o contrata.

Guardadas as devidas proporções, seria como um determinado ente político licitar para a contratação de remédios e medicamentos sem a necessidade de observar os atestados de validação interna expedidos pela Vigilância Sanitária nacional.

Vários são os exemplos de contratantes que ficaram sem os serviços que licitaram por incapacidade posterior da pessoa jurídica contratada, sendo que a grande maioria destes casos poderia ser evitada com uma melhor redação das exigências editalícias. Agir nesta orientação, mais do que a conduta do bom administrador, privilegia o Princípio Constitucional da Eficiência, evitando o desgaste de rompimento futuro da contratação no curso do seu prazo.

Uma vez postas tais exigências no ato convocatório nunca demais recordar que os licitantes para satisfazer as condições de habilitação devem não só cumprir as exigências legais, mas também as do edital, sendo que a falta de quaisquer deles conduz para a incapacidade de participar daquele certame.

Ou, como nas palavras da melhor doutrina “o direito de licitar, ainda que abstrato, não é absoluto. É um direito condicionado, também na acepção definida pela doutrina processualista. O direito de licitar se subordina ao preenchimento de certas exigências, previstas na lei e no ato convocatório. Essas exigências se referem quer à pessoa do licitante quer à proposta por ele formulada. A Lei e o ato convocatório estabelecem certos requisitos como indispensáveis para a disputa. A esses requisitos podemos denominar de condições do direito de licitar” (Marçal Justen F°. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. SP, Dialética, 2000, 7ª ed., p. 302).

Exatamente por isto, devem tais exigências figurar no edital de abertura do procedimento externo, através de requisitos claros, e não ficarem para eventual ponderação posterior na fase de habilitação. Vale lembrar que a análise administrativa da habilitação deve ser feita sem qualquer discricionariedade, devendo o agente público ater-se às exigências legais e editalícias e o seu cumprimento.

Por todos estes motivos, deve o administrador e o setor jurídico que o apóia agir com máxima acuidade na elaboração das regras prévias ao licitar serviços submetidos à regulação, prestigiando a segurança jurídica do contrato que pretendem estabelecer, bem como a matiz constitucional da Eficiência.

 

Como citar o texto:

BELTRÃO, Irapuã.Licitação de serviços regulados: qualificação dos licitantes. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 214. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/1694/licitacao-servicos-regulados-qualificacao-licitantes. Acesso em 1 fev. 2007.

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