RESUMO

O estudo monográfico empreendido teve como idéia central levantar os pontos relevantes da construção da constitucionalização da União Européia. Procedeu-se à exposição dos antecedentes históricos que culminaram com a formação das Comunidades Européias, que, por sua vez, originaram, posteriormente, a União Européia, atualmente composta de vinte e sete Estados-membros. As tentativas de implementação de uma constituição para a entidade foram indicadas, focando-se a atual fase de ratificação do documento aprovado pela Convenção Européia e assinado em 19 de outubro de 2004. Após a caracterização do Projeto de Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, ou seja, o apontamento de sua estrutura e das principais novidades trazidas, examinaram-se as ratificações por meio de referendo já efetuadas. Percebendo a suspensão dos procedimentos de ratificação, chegou-se a formular uma proposta de solução consistente na reforma do texto por uma nova Convenção mais democrática, seguida da retomada das ratificações, inclusive com a repetição das consultas populares nos países que obtiveram resultado negativo. Se, depois da adoção destas medidas, não fosse lograda a unanimidade, defendeu-se a implementação de uma forma especial de cooperação capaz de permitir a entrada em vigor do documento em tela.

Palavras-chave: Integração, União Européia; Constituição Européia.

1. INTRODUÇÃO

A evolução da União Européia, inicialmente, teve o seu plano de integração baseado no substrato econômico para os países durante o período do pós-guerra, e, hodiernamente, revela uma mudança de paradigma ao priorizar a união na diversidade, com vistas à formação de um marco jurídico comum entre os Estados-membros. A idéia de uma constituição supranacional, que permita a prescrição de normas dirigentes e imperativas, com aplicação direta no ordenamento jurídico interno de cada Estado, torna imperiosa a realização de uma investigação detida de todo o procedimento realizado para a realização deste escopo. O exame da problemática tratada reveste-se de importância no que tange à constatação da novel conjuntura internacional, vislumbrada na formação de uma forma extraordinária e mais bem sucedida forma de integração já constatada. A experiência da União Européia exerce um fascínio, um entusiasmo de grande monta naqueles que têm como objetivo empreender tentativas de atuação na seara internacional, especificamente no que tange ao Direito de Integração. Destarte, a curiosidade de analisar o caso concreto de integração européia, sobretudo no que atine à próxima etapa que busca ser implementada mediante a vigência da Constituição Européia norteou a consecução do presente trabalho. Inicialmente, serão tecidas breves considerações a respeito do histórico da integração européia e seus antecedentes, com o fito de situar e contextualizar a gênese do fenômeno. A indicação das ampliações sofridas pela União Européia serve de base para o ingresso no estudo do histórico da constitucionalização da entidade. Além disso, serão examinadas a forma de elaboração e a estrutura do Projeto que estabelece uma Constituição para a Europa, bem como seus domínios de vigência, indicando-se, ainda, as principais novidades apresentadas pelo documento. Em seguida, proceder-se-á ao estudo das ratificações já realizadas pelos Estados-membros, focando-se a situação atual de suspensão dos procedimentos devido aos resultados negetivos obtidos em dois países. Desta forma, impende realçar que a verificação de como vem sendo desenvolvido o procedimento de elaboração e ratificação do projeto em apreço acarreta uma melhor aferição das deficiências e dos acertos do modelo europeu de integração.

 

2. DESENVOLVIMENTO 2.1. A CONSTRUÇÃO DA INTEGRAÇÃO A soberania, entendida como poder absoluto e perpétuo

1, e o domínio econômico individualizado foram aspectos fundamentais para o desenvolvimento e consolidação dos Estados europeus. Todavia, a Europa foi palco de implacáveis guerras que devastaram o seu território e dizimaram milhares de cidadãos. Ressalte-se que não apenas as divergências a caracterizam, mas também o compartilhamento de nuances culturais que sobremaneira influenciaram outros povos2 . Merecem especial atenção os projetos de unidade elaborados por pensadores tais como o de Kant e o do Abbé de St. Pierre. Este propôs uma santa aliança entre os Estados (dezoito soberanias cristãs), a fim de “encontrar meios práticos de resolver sem Guerra todas as controvérsias futuras entre eles, tornando assim perpétua a Paz”3 . Kant, a seu turno, parte do trabalho do Abade e faz uma proposta de Paz Perpétua 4. Como concretização dos ideais dos teóricos5 , houve uma tentativa de criação de uma federação. O Ministro francês das Relações Exteriores, Aristides Briand, proferiu, na Sociedade das Nações, em 05 de setembro de 1929, o discurso que propunha a federação da União Européia. A formação do BENELUX, com a assinatura do acordo de união aduaneira entre Bélgica, Holanda e Luxemburgo em 1944, foi a efetivação de uma parcela da proposta integracionista. Em 19 de setembro de 1946, Winston Churchill discursou6 , na Universidade de Zurique, acerca da defesa da criação dos Estados Unidos da Europa. Em seguida, a formação do Conselho da Europa foi mais um sinal da ânsia pela ação conjunta verificada na Europa ocidental. Este Conselho surgiu em 1947, sendo um importante órgão político de cooperação entre Estados com caráter democrático. A 2ª Grande Guerra7 foi o ponto fulcral a possibilitar a aproximação de alguns dos Estados europeus, que se conscientizaram de que, na nova conjuntura que se formava, o continente em exame não mais era o protagonista. Foi sob a égide das suas conseqüências que a aspiração integracionista tornou-se robusta e se efetivou. De fato, o advento de duas novas potências, quais sejam, os Estados Unidos da América e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, causou uma alteração da posição hegemônica da Europa na esfera internacional 8. Este fato de natureza externa, aliado a um outro de cunho interno, a saber, a existência de conflitos intra-europeus, ensejou a implementação do movimento pró-união. A implementação do Plano Marshall, advindo da Lei de Assistência Exterior, de 16 de abril de 1948, foi de suma importância, tendo em vista que estabeleceu a Organização Européia de Cooperação Econômica (OECE), cujo “objetivo fundamental era facilitar a distribuição da ajuda e contribuir para a cooperação econômica e para a liberalização das transações comerciais”9 . A conjugação dos motivos elencados proporcionou a mobilização e a organização dos países fundadores (Bélgica, Luxemburgo, Holanda, República Federal da Alemanha, Itália e França), mediante o ideal integracionista manifestado, com veemência, por Robert Schuman, Jean Monnet, Konrad Adenauer e Alcide de Gaspari. Diante da proposta de solidariedade10 apresentada, teve lugar a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA), instituída por meio do Tratado de Paris, firmado em 18 de abril de 1951, e composta por Bélgica, Alemanha Federal, Luxemburgo, França, Holanda e Itália. O embrião desta Comunidade foi a Declaração Schuman11 , com a posterior implementação de um mercado comum, destinado a expandir a economia dos Estados-membros, bem como a aumentar a quantidade de emprego e o nível de vida nesses países. Esta iniciativa, mesclada com a previsão de personalidade jurídica da comunidade12 , foi o primeiro passo da concretização do elo pela paz entre os países europeus. Em continuidade ao projeto de aprofundamento das bases da cooperação européia, em 25 de março de 1957, em Roma, os Estados-membros da Comunidade Européia do Carvão e do Aço firmaram os Tratados que criaram a Comunidade Econômica Européia (CEE) e a Comunidade Européia de Energia Atômica (Euratom). Além dos tratados constitutivos das três comunidades, houve, outrossim, a ratificação de tratados de revisão, a saber: o Ato Único Europeu (efetuou reformas nas três Comunidades), assinado em 17 e 28 de fevereiro de 1986, respectivamente, em Luxemburgo e em Haia, passando a vigorar em 1° de julho de 1987; o Tratado de Maastricht13 ou da União Européia (TUE), assinado no dia 07 de fevereiro de 1992, em Maastricht, que entrou em vigor em 1° de novembro de 1993; o Tratado de Amsterdam, assinado em 02 de outubro de 1997, para vigorar a partir de 1° de maio de 1999 e o Tratado de Nice, que, após a assinatura em 26 de fevereiro de 2001, rege a União desde 1° de fevereiro de 2003.

2.2. AS AMPLIAÇÕES Como já explanado, a iniciativa da integração foi levada a cabo pelos países componentes do BENELUX, em conjunto com França, Itália e República Federativa da Alemanha. Contudo, a própria Declaração Schuman já indicava a proposta de enlarguecimento da Comunidade, de forma a abarcar outros países europeus interessados no crescimento econômico, no desenvolvimento e na manutenção da paz. Nesse diapasão, o êxito da Comunidade Econômico Européia, que acarretava grandes vantagens para os seus membros, levou ao progressivo ingresso de novos Estados-nações, em busca de compartilhar a pujança proporcionada pela cooperação.

2.2.1 Primeira Ampliação O primeiro grupo de países a demonstrar interesse em aderir ao projeto europeu de integração foi composto por Reino Unido, Dinamarca, Irlanda e Noruega. O Reino Unido, consoante atesta a história, sempre se mostrou reticente em aceitar diminuir a sua política de bem-estar e independência-soberania, em prol de uma fixação de objetivos comuns. Assim, houve a recusa inicial da proposta formulada por Robert Schuman e Jean Monet, causando a exclusão deste país no momento exordial da dinâmica integracionista. Em que pese a postura separatista assumida no começo, o Reino Unido pleiteou a adesão à Comunidade Econômica Européia em 1961. Ocorre, porém, que as incompatibilidades existentes com a França impediram o transcurso célere da operação de adesão, visto que o então presidente francês, Charles de Gaulle, insistia em se opor ao escopo britânico, ao argumento de que “Londres não seria mais do que um Cavalo de Tróia de Washington”14 . Enfim, após a superação dos empecilhos impostos, sobretudo após a assunção de Georges Pompidou na França, o Reino Unido, ao lado da Dinamarca e da Irlanda, ingressou na Comunidade Econômica Européia em 1° de janeiro de 1973 (o Ato de Adesão foi firmado em 22 de janeiro de 1972, em Bruxelas). O procedimento interno da entrada do Reino Unido dispensou, num primeiro momento, a manifestação popular, tendo em vista que a decisão foi pautada tão-somente na autorização do Parlamento Britânico. Todavia, posteriormente (após a ascensão dos trabalhistas), foi organizado um referendo que, em conformidade o decisum parlamentar, afirmou, por 67% dos votos, o ideal europeu em 05 de junho de 1975.      A Irlanda, por sua vez, submeteu a sua adesão a referendo popular em 1972. A consulta resultou na aprovação do ingresso por 83% dos votantes.  A Dinamarca agiu da mesma maneira e, em setembro de 1972, sua inserção foi aclamada por 63,5 % do eleitorado. A trajetória da Noruega, entretanto, distou das demais, pois a sua população, sobretudo temendo o abalo da indústria pesqueira, recusou, em referendo realizado em 23 de setembro de 1972, por 53,9% dos votos, a adesão à Comunidade Econômica Européia. O primeiro ministro, Trygve Bratelli, enfrentou uma crise política após o resultado contrário a seus objetivos, o que ocasionou a sua demissão.

   2.2.2 Segunda e a Terceira Ampliações Já com nove membros, a CEE passou a analisar as propostas de adesão de mais três países, Grécia, Portugal e Espanha, que requereram o ingresso, respectivamente, em junho de 1975, em março e em julho de 1977. A Grécia não enfrentou grandes dificuldades para atingir a sua meta. As negociações duraram cinco anos até que, em 1° de janeiro de 1981, foi efetivamente incorporada à CEE, após a assinatura do Tratado de Adesão em 28 de maio de 1979. A falta de tensões em relação a esta adesão não significou que inexistiram especulações a respeito dos impactos econômicos que poderiam ser produzidos. Com efeito, “Os setores que preocuparam, de forma mínima, foram a agricultura e a frota comercial, aprimeira, por sua possível concorrência com Itália e França, e a segunda por seu grande tamanho”15 . No tocante à Espanha e a Portugal, a tranqüilidade não foi verificada. Vale lembrar que esses foram os países europeus que mais tardiamente obtiveram a implementação do regime democrático16 . As negociações para a adesão iniciaram-se em 1979. A França mostrou-se insegura em relação à plausibilidade da incorporação pleiteada e, por isso, impôs vários percalços à conclusão da terceira ampliação. A Comunidade enfrentava uma crise interna ocasionada pela necessidade de definir a produção de recursos e a política agrária.  A resolução desse impasse ensejou a assinatura do Tratado de Adesão em 12 de junho de 1985 e o ingresso dos países da Península Ibérica a partir de 1° de janeiro de 1986. Rosa Júlia Plá Coelho esclarece o motivo do tardio ingresso desses três países: “(...) a Grécia, apesar de ter sido associada desde 1961, permaneceu com sua adesão congelada durante o período da “ditadura dos coronéis” (1967-1974) o mesmo óbice que retardou a adesão experimentada por Portugal, sob a “ditadura salazarista” (1926-1974) e pela Espanha, governada pelo general Francisco Franco (1938-1975)” 17. Antes de se examinar a quarta ampliação, cabe aduzir que, em 03 de outubro de 1990, houve uma peculiar espécie de ampliação, ocasionada pela fusão da República Democrática Alemã com a República Federal da Alemanha, embora o número de Estados-membros tenha se mantido inalterado. Como assevera Paulo Casella, houve: “aumento populacional de cerca de 16 milhões de habitantes, ampliação territorial equivalente a 108.000km² e uma série de problemas”18 .

2.2.3 Quarta Ampliação Nos anos de 1992 e 1993, a “Europa dos 12” recebeu novo requerimento de ingresso, desta vez da Finlândia, da Suécia, da Noruega e da Áustria. Novamente, o referendo popular foi a via utilizada para a obtenção da aprovação da incorporação. Sendo assim, o sim foi a resposta na Áustria, na Finlândia e na Suécia. Entretanto, no mesmo sentido da consulta anteriormente realizada, a população norueguesa rechaçou a nova tentativa de ingresso na Comunidade. Assim, a partir de 1° de janeiro de 1995, Suécia, Finlândia e Áustria passaram a compor a União.

 

2.2.4 A Grande Ampliação A despeito do marcante conflito entre as tendências a aprofundar a integração e a de aumentar o número de Estados-membros, esta última vigorou e, outra vez, deu-se uma ampliação da União Européia: a maior e mais polêmica. Trata-se do ingresso de dez países da Europa Central e Oriental (PECO’s), a saber: Chipre, Estônia, Eslováquia, Eslovênia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia e República Tcheca. Antonio Hornero19 indica quatro fatores que diferenciam esta ampliação das demais: o elevado número de participantes, a heterogeneidade das suas políticas, a diversidades econômicas e a diferença entre os sistemas sociais. O começo formal das negociações foi em 31 de março de 1998. Já a assinatura do Tratado de Adesão foi feita em Atenas, em 16 de abril de 2002, e a conclusão das operações deu-se em Copenhague, no mesmo ano. O Tratado passou a vigorar a partir de 1° de maio de 2004, momento em que dez novos membros passaram a compor a União Européia, que, doravante, veio a possuir vinte e cinco Estados-membros.

2.2.5 A Nova Ampliação Apesar de a Bulgária, a Romênia e a Turquia também terem iniciado as negociações concomitantemente aos países recém ingressos, a adesão dos dois primeiros foi efetivada em 2007, ao passo que a entrada da Turquia ainda demandará maiores discussões até que se concretize.

2.3. HISTÓRICO DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO O alargamento20 e o recebimento de novas e mais consistentes competências foi delineando a necessidade de elaboração de um texto normativo idôneo a exercer o papel de uma constituição. Para cumprir este desiderato, o Parlamento Europeu tomou a iniciativa de redigir um projeto de tratado que seria uma norma única a reger o funcionamento das comunidades. Em 14 de fevereiro de 1984, então, o Projeto Spinelli foi submetido à apreciação do pleno do Parlamento e obteve aprovação. Os Estados-membros à época, entretanto, não deram relevância à proposta, que quedou, por conseguinte, inerte, à espera de ratificação21 . O Spinelli foi sucedido pela Proposta Luster22 ; pelo Primeiro Informe Colombo, cuja aprovação ocorreu em 17 de julho de 1990; pelo Segundo Informe Colombo23 ; e pelos Informes Herman24 . O tratado de revisão assinado em 26 de fevereiro de 2001, na cidade de Nice, na França, trouxe em anexo a Declaração 23, a respeito do futuro da Europa. Ela inaugurou o calendário de medidas direcionadas às alterações institucionais indispensáveis à concretização de um espaço transparente e democrático, composto de novos membros e regido por textos normativos mais claros e simplificados. Deste modo, o Conselho Europeu, reunido na Bélgica em 14 e 15 de dezembro de 2001, preparou a Declaração de Laeken, determinando-se a convocação de uma Convenção 25 sobre o futuro da Europa, bem como sua composição, duração e os métodos a serem utilizados nos trabalhos.  Inaugurada em 28 de fevereiro de 2002, a Convenção realizou sessões plenárias, assim como reunião do Praesidium26 , todos os meses27 , no prédio do Parlamento Europeu em Bruxelas. Subdividida em 11 grupos de trabalho 28 e 3 círculos de discussão29 , cumpriu a sua tarefa com a finalização efetuada no dia 10 de julho de 2003. Em seguida, em 18 de julho, o Presidente da Convenção entregou o resultado dos trabalhos, o Projeto pelo qual se estabelece uma Constituição para a Europa, ao então Presidente do Conselho Europeu, o Primeiro Ministro Italiano Silvio Berlusconi. Em 04 de outubro do mesmo ano, realizou-se uma Conferência Intergovernamental (CIG)30 na qual se travaram amplas discussões a respeito das questões mais importantes. Mais tarde, nos dias 17 e 18 de junho de 2004, no Conselho Europeu de Bruxelas, chegou-se, enfim, a um acordo no que atine à adoção do Projeto. Por conseguinte, a assinatura do Tratado foi feita em Roma, no dia 29 de outubro de 2004, momento em que se deu a adoção política da Constituição Européia.

2.4. O PROJETO DE CONSTITUIÇÃO EUROPÉIA O Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, conforme consta do seu artigo IV-437, revoga os tratados anteriores, ou seja, os tratados constitutivos, revisionais e de adesão. Possui 448 (quatrocentos e quarenta e oito) artigos, 36 (trinta e seis) Protocolos, 2 (dois) Anexos, 49 (quarenta e nove) Declarações e está dividido em quatro partes, além dos preâmbulos. O Projeto tem uma peculiaridade, consistente na existência de dois preâmbulos, quais sejam: um para introduzir o tratado em si e outro iniciando a Carta de Direitos Fundamentais31 . A Primeira Parte apresenta os valores, os objetivos e os princípios que norteiam a atividade da União e a relação entre ela e os Estados-membros. Há, outrossim, as previsões da personalidade jurídica e de seus símbolos, bem como disposições sobre a vida democrática e sobre a estrutura institucional e competencial da UE. Por fim, constatam-se as regras referentes à adesão e à retirada dos Estados, além da suspensão de direitos dos membros. A Parte II traz a Carta de Direitos Fundamentais da União. A Terceira 32 tem como título Políticas e Funcionamento da União, nela, constando normas que atinem à ação interna e à competência da EU, disposições fiscais, institucionais, sobre política econômica e monetária, política social, agricultura e pesca, proteção dos consumidores, transportes, energia, desenvolvimento tecnológico, indústria, turismo, ação externa e funcionamento da UE, dentre outras temáticas. Finalmente, há a Quarta Parte (Disposições Gerais e Finais) que versa a respeito da derrogação dos Tratados anteriores, da ratificação e da entrada em vigor, do procedimento de revisão, do âmbito de aplicação e da duração do tratado constitucional.   O Projeto, em sendo uma Constituição, tem como uma de suas características a rigidez. Ademais, trata-se de um documento muito extenso, rico em detalhes e em normas que regulam os procedimentos institucionais da UE, tendo caráter analítico e hipertrofiado. Destarte, o texto deveria ser claro, conciso e taxativo, sobretudo por se propor a reger, até o momento de sua elaboração, vinte e cinco Estados e o funcionamento de um ente dotado de competências cada dia mais diversificadas. Considerando que o Projeto de Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, em entrando em vigor, será uma norma jurídica, calha perscrutar quais serão, a partir da vigência, os seus âmbitos de aplicação pessoal, territorial, temporal e material. Neste ponto, verbera Hans Kelsen:

(...) A vigência de todas as normas em geral que regulam a conduta humana, e em particular a das normas jurídicas, é uma vigência espaço-temporal na medida em que essas normas têm por conteúdo processos espaço-temporais. Dizer que uma norma vale significa sempre dizer que ela vale para um qualquer espaço ou para um qualquer período de tempo, isto é, que ela se refere a uma conduta que somente se pode verificar em um certo lugar ou em um certo momento (se bem que porventura não venha de fato a verificar-se)33 .

Nesta linha, o âmbito de aplicação espacial ou territorial das normas advindas do documento em exame pode ser aferido da leitura do quanto disposto no artigo IV-440 34, in verbis: Como visto, a nova normativa constitucional destina-se aos países membros e regiões a eles submetidas, bem como aos territórios ultramarinos que, devido à especificidade das relações travadas com os Estados da União, tenham um regime especial denominado de associação. No tocante ao domínio temporal, a entrada em vigor, à luz do artigo IV-447.2, está prevista para o dia 1° de novembro de 2006, salvo se, até esta data, não houver o depósito de todos os instrumentos de ratificação, caso em que o Tratado vigorará a partir do primeiro dia do segundo mês seguinte ao do depósito do instrumento de ratificação do Estado signatário que proceder a esta formalidade em último lugar. O termo ad quem da vigência, com fulcro no artigo IV-446, não está estabelecido, o que significa que o Tratado vigorará por período de tempo ilimitado. Já quanto ao âmbito de aplicação pessoal, estão sujeitos aos ditames da Constituição Européia todas as instituições, organismos e Estados-membros da União, além dos cidadãos europeus, isto é, os nacionais de cada país que a compõe, visto que o Direito Comunitário tem aplicação direta. A Carta de Direitos Fundamentais, todavia, só lhes será aplicada quando estiver em atuação o Direito da União. Trata-se, pois, de uma limitação material imposta ao elemento pessoal da aludida Carta, o que é plenamente possível, já que “este domínio de validade pode ser limitado ou ilimitado”35 . No que concerne ao âmbito material, pode-se elencar uma miríade de aspectos a serem regulados pela futura constituição, dentre os quais se destacam a estrutura competencial e orgânica da União Européia; os instrumentos normativos a serem utilizados; as esferas política (interna e externa), econômica, jurídica, educacional, cultural, comercial, financeira, sócio-ambiental e tecnológica; além dos valores e objetivos da União. As principais novidades trazidas pelo texto, segundo informações apresentadas pelos documentos oficiais dos Estados-membros, notadamente da França e da Espanha, quando da divulgação do Projeto para seus cidadãos, bem como pela doutrina são: a inclusão da Carta de Direitos Fundamentais, de forma a caracterizar a estrutura corriqueira de grande parte das constituições hodiernamente vigentes36 ; competências exclusivas, compartilhadas e de apoio, coordenação ou complemento; participação dos Parlamentos Nacionais no controle do princípio da subsidiariedade; decisões do Conselho Europeu e do Conselho de Ministros tomadas por maioria qualificada; presidência do Conselho Europeu com duração de dois anos e meio; fortalecimento da Política Externa e de Segurança Comum; previsão de um Ministro Europeu das Relações Exteriores; Direito de Petição; reforço dos poderes do Parlamento Europeu; previsão da Personalidade Jurídica da União Européia; criação de novos atos normativos 37; previsão expressa do direito de retirada voluntária38 .

2.5. O PROCEDIMENTO DE RATIFICAÇÃO Após a assinatura efetuada em Roma em 29 de outubro de 2004, procedeu-se ao início da ratificação do documento por cada Estado-membro, pela via parlamentar ou por referendo39 , nos termos do que dispõem as respectivas Constituições40 . Os instrumentos de ratificação deverão ser depositados junto ao Governo italiano, já que foi na Itália onde se realizou a adesão política ao Projeto, à luz do que preceitua o artigo IV- 447.1 do Tratado. Na Espanha, o procedimento foi precedido de manifestação do Tribunal Constitucional41 a respeito da necessidade de se proceder a uma reforma na Constituição Espanhola de 1978. Realizou-se o referendo não vinculante sobre a ratificação do Tratado que Estabelece uma Constituição para a Europa no dia 20 de fevereiro de 2005 e o resultado da consulta popular foi um expressivo “sim” (76,73% dos votantes, com 42,32% de participação - 14,2 milhões de espanhóis). A última etapa do procedimento na Espanha foi a decisão parlamentar que editou a Lei Orgânica 1/200542 , datada de 20 de maio, que autorizou a ratificação do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa. Na França, os preparativos para a ratificação do Tratado começaram no mesmo dia de sua assinatura, 29 de outubro de 2004, quando o Presidente Jacques Chirac, nos termos do art. 54 da Constituição Francesa, provocou o Conselho Constitucional, a fim de obter um pronunciamento acerca da precisão de se proceder a uma revisão da Constituição francesa, de forma a adequá-la à novel normativa comunitária. O Conselho decidiu, em 19 de novembro de 2004, que a ratificação do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa seria feita após a devida revisão da Constituição de 1958. Realizado no dia 29 de maio de 2005, o referendo obteve 54, 77% dos votos contra a ratificação, ao passo que contra 45,33% foram a favor. O referendo na Holanda, realizado em 1º de junho de 2005, também obteve resultado negativo, a saber: com 62,8% de participação dos eleitores, a negação à ratificação foi vitoriosa, por 61,6% dos votos. Por fim, os referendos anteriores não influenciaram a ratificação luxemburguesa, visto que 56,52% dos cidadãos votaram a favor.    2.6. A SITUAÇÃO HODIERNA E AS OPÇÕES POSSÍVEIS Os resultados negativos fizeram com que, no Conselho Europeu realizado em Bruxelas, nos dias 16 e 17 de junho de 2005, os Chefes de Estado e de Governos dos membros da UE decidissem permitir a suspensão do desenrolar das ratificações nos demais países, com vistas a provocar um debate mais profundo a respeito do tema. Foi a implementação do Plano D, a ensejar diálogo e debate. O Reino Unido, a Dinamarca, a Polônia, a Suécia, a República Tcheca, a Irlanda e Portugal cancelaram as datas previstas para os referendos e para as ratificações parlamentares, a fim de adaptar o calendário a uma maior possibilidade de reflexão sobre a temática. Não obstante, vale lembrar que também o Tratado de Maastricht enfrentou dificuldades para obter a ratificação43 . A Constituição Européia pode seguir o mesmo caminho44 . A existência de empecilhos em relação à ratificação não torna menos importante ou até mesmo inviável a reflexão a respeito dos rumos da União Européia, visto que “mesmo diante desses entraves, deparamo-nos, no mínimo, com um inédito processo de transição político jurídica” 45. Destarte, a fase posterior à alteração do texto seria dar prosseguimento aos procedimentos de ratificação, realizando-se, inclusive, nova votação na Holanda e na França. Se, após o término das tentativas de ratificação do PTC for repetida a rejeição nos países citados ou houver novo resultado negativo, desde que não ultrapasse um quinto dos Estados componentes da União46 , a melhor solução a ser adotada seria a implementação da uma forma especial de cooperação, tendo por base a cooperação reforçada atualmente já em vigor no ordenamento comunitário47 . Nesta linha, os vinte Estados-membros ou mais que tiverem ratificado o tratado passariam, então, a ser regidos pela nova normativa comunitária. Os Estados candidatos a compor a União Européia, teriam a obrigação de aceitar ratificação da Constituição Européia como requisito para a aprovação da adesão, como aconteceu recentemente com Bulgária e Romênia. Os países que a rejeitaram, de outra forma, restariam sob a vigência do Tratado de Nice, até que a experiência prática demonstrada pela cooperação fosse suficiente para elidir eventuais dúvidas e receios existentes. Isto permitiria, enfim, a ratificação e a uniformidade de tratamento normativo na União Européia, não descartando, ainda, a hipótese de se proceder a uma nova modificação do texto já vigente, com vistas a sanar eventuais deficiências e a melhor adequar o texto à realidade. A aplicação de duas velocidades normativas na União Européia prioriza, à luz do que preleciona Habermas48 , a manutenção da integração, de modo a evitar a quebra do processo de união comunitária e constituir mais uma superação de um percalço49 imposto à trilha comunitária. 3. CONCLUSÃO Diante das explanações expendidas, chega-se às seguintes conclusões: 1. As Comunidades Européias foram criadas por fatores externos e internos, sob manto da solidariedade e dos imperativos econômicos da globalização que exsurgiu do pós-guerra, levando à origem, com o Tratado de Maastricht, da União Européia (UE). 2. O desenvolvimento e o sucesso das atividades desempenhadas sob o quadro comunitário levou à aceitação e à afirmação da entidade no cenário internacional, comprovando o sucesso da iniciativa. Este fato encetou a adesão de outros países, totalizando, hodiernamente, vinte e cinco Estados-membros. 3. As ampliações sucessivas conduziram à necessidade de se adequar a estrutura institucional e o funcionamento da União Européia, trazendo a lume a importância da adoção de um texto constitucional como documento normativo. 4. Neste sentido, os principais projetos que marcaram a tentativa de constitucionalização foram o Projeto Spinelli (1884), a Proposta Luster (1989), o Primeiro Informe Colombo (1990), o Informe Oreja Aguirre (1993) e os Informes Herman (1996). 5. Malgrado a existência destas propostas, foi a Declaração de Laeken (2001) que lançou as bases da elaboração de uma constituição e culminou na inauguração da Convenção Européia em 2002. 6. O resultado da Convenção foi o Projeto de Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, assinado em Roma, no dia 29 de outubro de 2004. Após esta data, iniciaram-se os procedimentos de ratificação pelos Estados-membros, de acordo com as respectivas disposições constitucionais nacionais. 7. A Constituição Européia apresenta um aporte de novidades identificadas pela doutrina e pelos governos dos Estados-membros. São elas: a previsão de uma Carta de Direitos Fundamentais com natureza vinculante; a novel classificação das competências da União; a participação dos Parlamentos Nacionais no controle do princípio da subsidiariedade; a adoção da maioria qualificada para a tomada de decisões no Conselho Europeu e no Conselho de Ministros; a presidência do Conselho Europeu com duração de dois anos e meio; o fortalecimento da Política Exterior e de Segurança Comum; a previsão de um Ministro Europeu das Relações Exteriores; o direito de petição; o reforço dos poderes do Parlamento Europeu; a previsão de personalidade jurídica da União Européia; a criação de novos instrumentos normativos; a previsão expressa do direito de retirada. 8. A Constituição Européia, quando em vigor, revogará os tratados anteriores e refundará a União Européia. O documento em apreço é composto 448 artigos, 36 Protocolos, dois Anexos, 49 Declarações e está dividido em quatro Partes. Pode-se afirmar que se trata de um texto extenso, rico em detalhes e não cumpriu a contento o desiderato de clarificar e simplificar os tratados existentes. 9. Os países que previram a ratificação pela via parlamentar e assim já o fizeram foram: Lituânia, Hungria, Eslovênia, Grécia, Itália, Eslováquia, Áustria, Alemanha, Letônia, Chipre e Malta. 10. A ratificação referendária, por sua vez, foi efetuada pela Espanha e por Luxemburgo. França e Holanda empreenderam esforços para lograr êxito no procedimento de ratificação, mas as consultas populares realizadas, respectivamente, em 29 de maio de 2005 e 1° de junho de 2005, obtiveram resultados negativos. 11. No que concerne à questão francesa, algumas questões foram aventadas como de grande relevância na influência da negativa de ratificação, a saber: a parcimônia no tratamento dos temas sociais; a oposição à introdução da Terceira Parte na Constituição Européia; o descontentamento com a política de Jacques Chirac e Jean-Pierre Raffarin; a aversão à entrada da Turquia na União Européia; o reafloramento do nacionalismo defensor da soberania francesa e a insatisfação com a União Européia. 12. Na Holanda, podem ser elencados os seguintes fatores como determinantes do “não”: a falta de representação dos interesses holandeses; o nacionalismo consubstanciado na rejeição da transferência de mais poderes à União Européia; a oposição ao livre mercado; a defesa da conservação de medidas progressitas adotadas no país, tais como a permissão da prática da eutanásia, do uso de drogas e do aborto; a insatisfação com a rapidez das ampliações ocorridas e em andamento na União, sobretudo com arrimo à adesão turca. 13. Dos 27 países componentes da União Européia, 15 já efetuaram a ratificação. Contudo, a obtenção de resultados negativos fez com que o Conselho Europeu autorizasse a suspensão dos procedimentos de ratificação. Esta medida objetivou estimular a instauração de um aceso debate a respeito da temática, o que caracteriza o denominado Plano D. 14. Consigne-se, ainda, que a Declaração 30 prevê que se no prazo de dois anos contados da assinatura do Tratado dois quintos dos Estados-membros já tiverem ratificado e algum país tenha encontrado dificuldade em fazê-lo, o Conselho analisará a questão. Neste trabalho, propôs-se que o Conselho pode realizar uma nova Convenção Européia com a finalidade de reforçar os direitos sociais, retirar a Terceira Parte e tentar minorar o déficit democrático da União. 15. Após a implementação dessas medidas, deve haver o prosseguimento das ratificações, inclusive com a revotação nos países dissidentes. Se, contudo, a unanimidade não for lograda, a solução encontrada foi a de adotada ser implementada da uma forma especial de cooperação em relação ao Tratado pelo qual se estabelece uma Constituição para a Europa. Isso permitiria a existência de duas velocidades normativas na União Européia. Destarte, a União Européia logrou construir a mais sólida forma de integração já constatada. Ultrapassando a mera união econômica e rumo à união política, a construção da constitucionalização demonstra uma mudança de paradigma no seio da entidade e revela uma vontade comum de aperfeiçoar o marco normativo que a rege. A paralisação do procedimento de ratificação da Constituição Européia não deve ser interpretada como um óbice intransponível à adoção do Projeto, mas, sim, como uma oportunidade de melhor difusão do seu teor junto à população de cada Estado-membro, de modo a propiciar o debate profícuo e permitir a correção das imperfeições do documento, culminando na sua plena adoção pela unanimidade dos países ou pela instituição de duas velocidades normativas na União Européia. Trata-se de um desafio ao Direito da Integração

4. REFERÊNCIAS   

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WITTE, Bruno de. Entry into force and Revision. In Ten Reflections on the Constitutional Treaty for Europe. Edited by Bruno de Witte.Florence: European University Institute. Robert Schuman Centre for Advanced Studies on Academy of European Law, 2003.

1 Conceito de Jean Bodin apud MELLO, Celso A. A soberania através da história, p.11.

2 Paulo Borba Casella fala em ideais vivificadores da idéia de ocidente e de civilização, que seriam: a razão, que “exprimir-se-ia no legado helênico do logos, o método intelectual pelo qual se compreende a realidade; (...) o poder, estaria intimamente ligado à concepção estritamente pessoal da relação do homem com a divindade, o legado judaico cristão; (...) o suum cuique tribuere, o elemento romano”. (CASELLA, Paulo Borba. União Européia: instituições e ordenamento jurídico, p. 64.)

3 SAINT-PIERRE, Abbé de. (Charles Irinée Castel de Saint-Pierre). Projeto para tornar Perpétua a Paz na Europa, p. 03.

4 A obra de Kant é explicada por Paulo Casella, que identifica quatro pontos principais na teoria kantiana: “(i) states basically leave their external relations in a state not yet regulated by law, or rather in a provisory legal condition; (ii) the state of nature is a state of war and a state of injustice (...); (iii) such condition being unjust, States have the dutty to leave such condition and establish a federation of states (...); (iv) such federation does not constitute a sovereign power, originating a Superstate above the constituent states (...)” (Vide CASELLA, Paulo Borba. Pax perpetua – a review of the concept from the perspective of economic integration, p. 76). Mais tarde, John Rawls, com uma visão contemporânea, parte da proposta kantiana e tece uma abordagem acerca de uma utopia realista consistente na sociedade de povos liberais (não necessariamente européia), baseada no pluralismo, na democracia, na justiça política e na liberdade, como o escopo de distribuir tipos de sucesso: “a conquista de justiça política e social para todos os seus cidadãos, assegurando suas liberdades básicas, a plenitude e a expressividade da cultura cívica, assim como bem-estar econômico decente de todo o seu povo” (Vide RAWLS, John. O direito dos povos, p. 58).

5 Além de Kant e do Abbé de St. Pierre, também se debruçaram sobre o ideal de união da Europa Pierre Dubois, Victor Hugo, Auguste Comte e Saint Simon.

6 Após exaltar as características, peculiaridades da Europa e o triste caminho trilhado pelo continente, Churchill sustentou a viabilidade de se criar “a kind of United States of Europe”. Sugeriu, dessarte, a união e recriação da família européia, que deveria ser iniciada mediante a parceria entre França e Alemanha.

7 Como ensina Eduardo Nunes Campos, “Da guerra resulta, certamente, um novo mundo, com características econômicas, políticas e militares distintas das que prevaleciam até então”. (CAMPOS, Eduardo Nunes, O lugar do cidadão nos processos de integração: o déficit social da Comunidade Européia e do Mercosul, p.73.) Ressalte-se, por oportuno, que a idéia de unificação não apareceu neste período, mas é acalentada, de acordo com a ponderação histórica de Ricardo Seitenfus, desde “a epopéia romana e a de Carlos Magno”. A manutenção da paz, como motivação subjacente à busca da união, tampouco é uma novidade do século XX. (SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais, p. 304).

8 Conforme expõe Truyol y Serra, a perda da hegemonia remonta à Primeira Guerra: “En conjunto, la guerra de 1914-1918 tendría como consecuencia el desplazamiento de Europa como centro del mundo político-internacional; más aún, iniciaria el fin de la que cabe llamar ‘era europea’. (Vide TRUYOL Y SERRA, Antonio. La sociedad internacional, p. 82).

9No original:(...) Su objetivo fundamental era facilitarla distribución de la ayuda y contribuir a la cooperación económica y a la liberalización de las transaciones comerciales”.(cf. HORNERO, Antonio Calvo. Organización de la Unión Europea , p.31).

10 Sobre solidariedade, calha apresentar a lição de Goffredo Telles Júnior: “A solidariedade tem suas raízes, é certo, em fatos do passado e do presente. Mas sua causa final, seu princípio motor está no futuro”. (Vide TELLES JÚNIOR, Goffredo. O povo e o poder, p. 37).

11 Calha destacar trecho do discurso proferido, em 09 de maio de 1950, pelo então Ministro francês das Relações Exteriores, Robert Schuman, fundamental para o desenvolvimento do projeto de colaboração pacífica entre esses países: “A missão atribuída à Alta Autoridade comum consistirá em, nos mais breves prazos, assegurar: a modernização da produção e a melhoria da sua qualidade; o fornecimento nos mercados francês, alemão e nos países aderentes de carvão e de aço em condições idênticas; o desenvolvimento da exportação comum para outros países; a harmonização no progresso das condições de vida da mão-de-obra dessas indústrias.”Declaração Schuman de 09 de maio de 1950. Disponível em: http://europa.eu.int/abc/symbols/9-may/decl_pt.htm. Acesso em 22 de julho de 2005.

12 Previsão no bojo do artigo 6° do Tratado, in verbis: “A Comunidade tem personalidade jurídica. Nas relações internacionais, a Comunidade goza da capacidade jurídica necessária para exercer as suas funções e alcançar os seus objetivos. (...)”.

13 Insta frisar que o Tratado de Maastricht, além de ser revisional, é constitutivo, visto que criou a União Européia, baseada nas Comunidades Européias e composta de três pilares, quais sejam, a Comunidade Européia, a Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e a cooperação em Justiça e Assuntos Internos (JAI). Destaque-se que, enquanto o primeiro pilar é firmado na supranacionalidade, os demais são construídos com base na interestatalidade. O caráter interestatal é explicado por Marcílio Toscano Franca Filho: “Por estarem, tradicionalmente vinculados à noção de soberania, todos os processos decisórios nessas matérias ainda têm de resultar da unanimidade entre os Estados-membros, embora a União Européia pretenda, gradualmente, adotar a execução de decisões comunitárias”.(FRANCA FILHO, Marcílio Toscano. De Paris a Amsterdam: Os caminhos da experiência comunitária européia, p. 153).

14 SEITENFUS, Ricardo. Ob. Cit., p. 309.

15 VIEIRA, José Ribas (org). A Constituição Européia: o projeto de uma nova teoria constitucional., p. 94.

16 No que tange à Espanha, Raimundo Bassols Jacas expõe algumas sanções que às quais ela foi submetida por causa do seu regime ditatorial, tais como a exclusão deste país nas Nações Unidas em 1946 e o fechamento das fronteiras francesas em relação à Espanha. No entanto, o autor indica qual foi a mais forte condenação, proveniente da Assembléia Geral da ONU, em 21 de dezembro de 1946: “La recomendación de que se sancionase a España con la retirada de embajadores fue aprobada por 34 países, con 13 abstenciones y 6 votos contra (...)”. (cf. JACAS, Raimundo Bassols. España en Europa: Historia de la adhesión a la CE. 1957-85, p. 10).

17 COELHO, Rosa Júlia Plá. Mecanismos de Proteção dos direitos fndamentais na União Européia, p. 69.

18 CASELLA, Paulo Borba. Ob. Cit., p. 170.

19 No original: “(...) esta ampliación va a ser muy diferente de las realizadas hasta ahora, debido a los siguientes factores: 1. el elevado número de países que desean incorporarse a la Unión, 2. la heterogeneidad de sus políticas, 3. la diversidad de sus economias, y 4. la diferencia de sus sistemas sociales.(Vide HORNERO, Antonio Calvo. Ob. Cit., p. 69).

20 Atualmente, a União Européia é composta de 27 membros.

21 Maricruz Arcos Vargas observa que a peculiaridade da iniciativa em apreço foi a adoção de aspectos federais que sobrepujaram a estrutura de organização internacional até então em vigor: (...) ésta es la primera ocasión en la que se pretende dar un “salto cualitativo” superando la tradicional estela de reformas a través del funcionalismo. Se habla de una “Unión Europea” formada por los Estados, en la que las normas que se adopten tengan la forma y denominación de “leyes” y en la que las instituciones representen las distintas legitimidades en presencia pero respondiendo a una estructura federal mucho más que a una estructura de organización internacional. (cf. VARGAS, Maricruz Arcos. El proceso constituyente: propuestas y actores. In BOHÓRQUEZ, Rosário Leñero; CORONA, Esperanza Gómez; VEJA, Pablo Gutiérrez (coords.). Una Constitución para la Ciudadanía de Europa: Estudios sobre el Proyecto de Tratado por el que se instituye una Constitución para Europa, p.73). Rosa Plá Coelho, por sua vez, explana que este Projeto “atribuía um amplíssimo rol de poderes ao órgão responsável pela sua proposição, visando ulteriormente a instaurar o federalismo como forma de integração (...)”. (Vide COELHO, Rosa Júlia Plá. Mecanismos de Proteção dos direitos fundamentais na União Européia, p. 52).

22 Apresentada em 02 de agosto de 1989, pelo euro-parlamentar Sr. Luster. Foi examinada pela Comissão de Assuntos Institucionais do Parlamento e culminou na aprovação de uma resolução que decidia dar início ao processo de firmamento das bases constitucionais da entidade. Destaca Ignácio Granado Hijelmo que, com vistas à execução desta resolução, a Comissão referida obteve, em 13 de março de 1990, autorização para confeccionar um informe sobre as “Orientações do Parlamento Europeu relativas a um Projeto de Constituição para a União Européia”: En ejecución de estas decisiones, la Comisión de Asuntos Institucionales pidió autorización el 23-1-90 para elaborar un Informe sobre las Orientaciones del Parlamento Europeo relativas a un Proyecto de Constitución para la Unión Europea, siendo autorizada para ello con fecha 13-3-90 y así lo comunica el presidente del Parlamento Europeo en la sesión plenária de 2-4-90. (cf. HIJELMO, Ignacio Granado. La Constitución para la Unión Europea como proyecto normativo y como problema jurídico, p. 22).

23 Publicado em outubro do mesmo ano de 1990, consistiu numa proposta de resolução sobre o informe provisório elaborado em nome da Comissão de Assuntos Institucionais sobre as orientações do Parlamento Europeu relativas a um projeto de constituição para a União Européia. A redação final do documento, todavia, somente foi publicada em 14 de julho de 1993, sob o nome de Informe Oreja Aguirre.

24 Como pontua Maricruz Arcos Vargas, “(...) esta importante iniciativa de la Comisión de Asuntos Institucionales no tuvo más trascendencia que la que le otorgó el hecho de que en 1996 el Pleno del parlamento tomara nota de la misma”(cf. VARGAS, Maricruz Arcos. Ob. Cit., p.74).

25 A Convenção Européia, sob a presidência de Valéry Giscard d’Estaing e vice-presidência de Giuliano Amato e Jean-Luc Deahaene, foi composta por 15 representantes dos Chefes de Estado ou de Governo dos Estados-Membros (1 por Estado-Membro), 13 dos Chefes de Estado e de Governo dos países candidatos à adesão (1 por país candidato), 30 dos Parlamentos nacionais dos Estados-Membros (2 por Estado-Membro), 26 dos Parlamentos nacionais dos países candidatos à adesão (2 por país candidato), 16 do Parlamento Europeu, 2 da Comissão Européia . Contou, ainda, com convidados observadores que foram os representantes do Comitê Econômico e Social, do Comitê das Regiões, do Provedor de Justiça Europeu e dos parceiros sociais. Os países candidatos puderam participar da Convenção Européia, consoante previsto na Declaração de Laeken, sob a condição de não bloquear um eventual consenso formado pelos integrantes. 

26 Órgão com papel impulsionador dos trabalhos.

27 Com exceção do mês de agosto de 2002.

28 De acordo com o Relatório da Presidência da Convenção, os grupos de trabalho foram os seguintes: Subsidiariedade; Carta de Direitos Fundamentais; Personalidade Jurídica; Papel dos Parlamentos Nacionais; Competências Complementares; Governo Econômico; Ação Externa; Defesa; Simplificação; Liberdade, Segurança e Justiça e Europa Social. 

29 Os círculos de discussão foram com os seguintes temas: Tribunal de Justiça, Processo Orçamentário e Recursos Próprios.

30 Rosa Plá Coelho explica que as Conferências Intergovernamentais “são responsáveis pelo trato e equacionamento das questões de fundo da União Européia, bem como preparam os documentos que servirão de base à reforma dos Tratados”. (cf. COELHO, Rosa Júlia Plá. Ob. Cit., p. 45).

31 No primeiro, faz-se alusão ao passado europeu - marcado por dolorosas experiências - e à necessidade de manutenção da união e do progresso democrático e social em prol da paz, da justiça e da solidariedade no mundo. Além disso, merecem destaque as referências à história, à identidade e à diversidade dos povos da Europa. Há, ainda, menção à gratidão à Convenção Européia por ter elaborado o projeto da presente Constituição, em nome dos cidadãos e dos Estados da Europa. Deste modo, os cidadãos são referidos expressamente como sujeitos mediatos do procedimento de confecção do texto. O segundo preâmbulo, por sua vez, é o referente à Carta de Direitos Fundamentais da União Européia, proclamada em Nice, em dezembro de 2000. Este preâmbulo não é o original, pois sofreu algumas modificações, mas mantém a essência do primeiro. Nele, os povos da Europa decidem compartilhar um futuro pacífico baseado em valores comuns. Há, assim, clara demonstração da mudança de paradigma da União Européia, que deixa de se dedicar apenas aos assuntos econômicos, financeiros e monetários para se debruçar sobre os valores indivisíveis e universais. Insta destacar que não há referência ao Cristianismo como herança européia ou como referência histórica inesquecível. A laicidade foi a opção feita para o Projeto, o que, como ensina Abraham Barbero Ortega, revela que “a UE não é uma União baseada em critérios religiosos. Os países que a integram compartilham os valores da liberdade e democracia. São valores que transcendem  fronteiras religiosas e que são a base necessária para a convivência em nossas sociedades”. No original: “la UE no es una Unión basada en criterios religiosos. Los países que la integran comparten los valores de libertad y democracia. Son valores que trascienden fronteras religiosas y que son la base necesaria para la convivencia en nuestras sociedades”. (Vide ORTEGA, Abraham Barrero. La mención explícita de la herencia cristiana en el proyecto constitucional europeo. In BOHÓRQUEZ, Rosário Leñero; CORONA, Esperanza Gómez; VEJA, Pablo Gutiérrez (coords.). Una Constitución para la Ciudadanía de Europa: Estudios sobre el Proyecto de Tratado por el que se instituye una Constitución para Europa, p. 114). Os preâmbulos assumem, pois, a função explicada por Kelsen, para quem: “(...) Ele tem antes um caráter ideológico do que jurídico. (...) O preâmbulo serve para dar maior dignidade à constituição e, desse modo, maior eficácia” . Em geral, legitimam a Constituição, antecipando o seu conteúdo. Seriam, portanto, materialmente constitucionais, visto que deles é possível extrair princípios de caráter geral e valores que compõem e norteiam a ordem jurídica adotada pela Lei Maior. Isso ocorre, por exemplo, no Preâmbulo da Constituição Brasileira de 1988, como se vê no seguinte trecho: “(...) assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos (...)”. Têm eles, ainda, a tarefa de nortear a interpretação.

32 O seu conteúdo foi interpretado como materialmente não constitucional, visto que traz previsões que extrapolam o âmbito de abordagem de uma constituição. De acordo com o entendimento de Laurent Joffrin, por exemplo, ao inserir as políticas da União em um texto constitucional, a Convenção Européia as tornou intangíveis. Essa característica serviu, inclusive, como fundamento para os defensores da não ratificação da Constituição Européia, como ocorreu na França, caso a ser explanado adiante. Para este autor, “La troisième partie, qui expose les politiques de l’Union, n’a rien à faire dans une Constitution, laquelle doit seulement décrire un cadre fait de principes généraux et de règles de gouvernement. En l’ajoutant au traité, la Convention a rendu intangible une politique particulière, d’inpiration libérale, qui enferme les peuples d’Europe dans un avenir écrit par d’avance.(cf. JOFFRIN, Laurent. Le vote en cinq questions. In Le Nouvel Observateur, n° 2116, 26 mai/1° juin, 2005, p. 24.). A este argumento de intangibilidade contrapõe-se o de que a inclusão de normas extraconstitucionaisna constituição pode acarretar o fenômeno inverso, consistente na perda da força normativa dos preceitos. É neste sentido a colocação de Gomes Canotilho: A substantivação excessiva de uma constituição, onde por vezes avultam pedaços de “utopia concreta”, implica, de facto, sérios riscos, o principal dos quais é o do esvaziamento da sua força normativa perante a dinâmica social e política. No entanto, o processo e a forma só têm sentido, num estado democrático, quando relacionados com um certo conteúdo. Uma lei fundamental não pode ser completamente asséptica sob o ponto de vista substantivo (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1337). Em artigo específico sobre a Constituição Européia, Canotilho assevera que: “É previsível (...) que ao sobrecarregar-se um texto com economias e políticas, se introduza numa constituição aquilo que ela não deve ter: a instabilidade e a mutabilidade das trocas econômicas e das políticas públicas”. (Vide CANOTILHO, J.J. Gomes. A Constituição Européia entre o programa e a norma.).Para Jacques Delors, ex-presidente da Comissão Européia, uma rejeição do documento devido à impropriedade da terceira parte seria ilógica, pois, no final das contas, seria ela mesma que restaria, já que traduz o conteúdo das regras atuais, conforme trecho de entrevista concedida à revista francesa Le Nouvel Observaterur: Cette troisième partie exist parce qu’il fallait bien mentionner les traités existants, c’est-à-dire les régles du jeu qui son maintenues. Ces traités, la France les a déjà tous signé et ratifiés! (...) On vote non à cause de la troisième partie du traité constitutionnel et au bout du compte, que reste-t-il?La troisième partie! Quelle logique! (cf. DELORS, Jacques. Ils vous mentent!, in Le Nouvel Observateur, n° 2112, p.p. 7 e 8). Na mesma linha, segue explicando Laurent Joffrin: (...) les partisans du non oublient à dessein que la troisième partie est déjà en application depuis longtemps (parfois depuis plus de quarante ans!), qu’elle a déjà une force juridique supérieure à celle des lois nationales et que son adjoction au texte ne change rien au fonctionnement de lUnion.(cf. JOFFRIN, Laurent. Le vote en cinq questions. In Le Nouvel Observateur, n° 2116, 26 mai/1° juin, 2005, p. 24).

33 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, p. 13.

34 Artigo IV-440.o Âmbito de aplicação territorial. 1.   O presente Tratado é aplicável ao Reino da Bélgica, à República Checa, ao Reino da Dinamarca, à República Federal da Alemanha, à República da Estônia, à República Helênica, ao Reino de Espanha, à República Francesa, à Irlanda, à República Italiana, à República de Chipre, à República da Letônia, à República da Lituânia, ao Grão-Ducado do Luxemburgo, à República da Hungria, à República de Malta, ao Reino dos Países Baixos, à República da Áustria, à República da Polônia, à República Portuguesa, à República da Eslovênia, à República Eslovaca, à República da Finlândia, ao Reino da Suécia e ao Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte.2.   O presente Tratado é aplicável à Guadalupe, à Guiana Francesa, à Martinica, à Reunião, aos Açores, à Madeira e às ilhas Canárias, em conformidade com o artigo III-424.o. 3.   O regime especial de associação definido no Título IV da Parte III é aplicável aos países e territórios ultramarinos cuja lista consta do Anexo II. O presente Tratado não é aplicável aos países e territórios ultramarinos que mantenham relações especiais com o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte não mencionados na referida lista. 4.   O presente Tratado é aplicável aos territórios europeus cujas relações externas sejam asseguradas por um Estado-Membro.

35 Idem, p. 15.

36 Não se deve olvidar que as primeiras constituições surgidas das revoluções liberais tinham justamente a função de delimitar o exercício do poder do Estado frente aos governados, com vistas a garantir o respeito aos direitos individuais (função garantista da constituição), e, deste modo, a Constituição Européia seguiu a estrutura das demais.Para Marco Aparicio Wilhelmi, necessário é averiguar se a Constituição Européia também cumpre essa função: (...) preguntarnos sencillamente sobre si el texto propuesto es o no una Constitución. Y para allar la respuesta en lo que nos deberemos fijar es, antes de nada, en si estamos ante un texto que sirva como herramienta constitucional, esto es, si tiene la capacidad de asegurar los derechos y las libertades de las personas y de los grupos a partir de la suficiente limitación de los poderes políticas que crean. En otras palabras, si se trata de una Constitución que sirve como Constitución. (cf. WILHELMI, Marcio Aparicio. Repensar los topoi del constitucionalismo. Cuestiones para el debate sobre el proceso constituyente europeo. In BOHÓRQUEZ, Rosário Leñero; CORONA, Esperanza Gómez; VEJA, Pablo Gutiérrez (coords.). Una Constitución para la Ciudadanía de Europa: Estudios sobre el Proyecto de Tratado por el que se instituye una Constitución para Europa, p.53).Blanca Rodríguez Ruiz afirma que “Não há Constituição sem direitos fundamentais. Ou melhor, sem direitos fundamentais não há sistema jurídico constitucional, sistema cujo objetivo último é, precisamente, garantir uma série de direitos fundamentais”. No original: “No hay Constitución sin derecho fundamentales. O mejor, sin derechos fundamentales no hay sistema jurídico-constitucional, sistema cuyo objetivo último es, precisamente, garantizar una serie de derechos fundamentales” (cf. RUIZ, Blanca Rodríguez. La Carta de Derechos Fundamentales de la Unión Europea: acordes y desacuerdos. In BOHÓRQUEZ, Rosário Leñero; CORONA, Esperanza Gómez; VEJA, Pablo Gutiérrez (coords.). Una Constitución para la Ciudadanía de Europa: Estudios sobre el Proyecto de Tratado por el que se instituye una Constitución para Europa, p.179).

37 A Constituição Européia (artigo I-33) traz uma divisão tripartite dos atos jurídicos, a saber: atos legislativos, atos não legislativos e atos não obrigatórios.

38 A cada membro é dada não só a faculdade de desvincular-se voluntariamente da União, como também de solicitar nova adesão a ser submetida ao procedimento previsto para os novos pedidos de ingresso, é dizer, como se o país nunca tivesse feito composto o quadro dos Estados-membros. Esta regra procedimental é de suma importância, já que busca “evitar que alguns Estados-membros possam chegar a abusar deste mecanismo de retirada, por exemplo, tratando de se eximir temporariamente do cumprimento de determinadas obrigações”. No original: “(...) evitar que algunos Estados miembros puedan llegar a abusar de mecanismo de la retirada, por ejemplo, tratando de eximirse temporalmente del cumplimiento de determinadas obligaciones (...). (Vide ESPANHA. Ministerio de Asuntos Exteriores y de Cooperación. Tratado por el que se establece una Constitución para Europa: breve análisis, p. 50).

39A utilização deste mecanismo da democracia semidireta propicia, como preleciona Jürgen Habermas, uma maior oportunidade de atuação efetiva do cidadão na decisão de adoção da Constituição Européia. Com efeito, o referendo é aclamado como uma forma de possibilitar ao povo recobrar a soberania e participar da produção legiferante. In verbis: “(...) European-wide referenda would give citizens broader opportunities and more effective to participate in the shaping of policies.”(cf. HABERMAS, Jürgen. Why Europe needs a Constitution, p. 09). Paulo Bonavides, contudo, destaca algumas desvantagens do instituto: “o desprestígio das câmaras legislativas, conseqüente à diminuição de seus poderes; (...) ausência de debates; os abusos de uma repetição freqüente ao redor de questões mínimas, sem nenhuma importância, que acabariam provocando o enfado popular (...)”, dentre outras. (Vide. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política, p. 286).

40 Os países que, de acordo com as respectivas Constituições, previram a ratificação do Projeto pela manifestação do Parlamento foram os seguintes: Lituânia, Hungria, Eslovênia, Letônia, Estônia, Finlândia, Suécia, Alemanha, Bélgica, Áustria, Eslováquia, Itália, Malta, Grécia e Chipre. Até a presente data, apenas Estônia, Finlândia, Suécia e Bélgica ainda não o ratificaram.Os Estados-membros que adotaram o referendo (consultivo ou vinculante) como meio de votação da ratificação foram Espanha, França, Holanda, Luxemburgo, Portugal, Irlanda, Reino Unido, Dinamarca, Polônia e República Tcheca. No entanto, somente Espanha, França Holanda e Luxemburgo já procederam à adoção do referendo.

41 O Tribunal, na Declaração 1/2004, de 13 de dezembro de 2004, concluiu e declarou serem negativas as hipóteses a ensejar colisão normativa entre os dois diplomas estudados.

42 Lei Orgânica 1/2005: (...) Se autoriza la ratificación por España del Tratado por el que se establece una Constitución para Europa, firmado en Roma el 29 de octubre de 2004. Disposición final única.(...).

43 Isto decorreu do fato de este tratado aprofundar a integração e inaugurar determinadas políticas e conceitos anteriormente vinculados à noção de Estado-nação soberano, tais como política econômica, cidadania e moeda comum. Sofreu o resultado negativo do referendo realizado na Dinamarca (que somente encetou a ratificação após pequenas modificações no texto) e a inicial oposição alemã quanto à sua constitucionalidade. Ademais, ensejou a realização de reformas constitucionais na Espanha, na França e em Portugal como pressupostos da ratificação. Mesmo após estes percalços, o Tratado da União Européia logrou a plena ratificação e conseguiu ser um marco na história da Constituição.

44 A crise proporciona a redefinição da iniciativa européia e acarreta, outrossim, uma oportunidade de sanar os aspectos deficientes no procedimento de elaboração do Tratado. A reflexão sobre as orientações do PTC no que tange aos aspectos sociais é imprescindível. A retirada da Terceira Parte é outra opção, visto que em nada alterará, materialmente, o ordenamento jurídico, mas, de outra banda, satisfará os defensores do “não”, que aceitarão as normas já em vigor, embora destituídas do status constitucional. Por fim, a aproximação do cidadão em direção à União e à Constituição Européia é imprescindível.

45 VIEIRA, José Ribas (org). A Constituição Européia: o projeto de uma nova teoria constitucional., p. 6.

46 Conforme previsão no PTC.

47 A implementação deste mecanismo no âmbito da Constituição Européia significaria, portanto, o “estabelecimento de um novo marco de relações entre os Estados-membros que permaneceriam na “velha” União Européia e os que se integrariam na “nova” União Européia”. No original: “(...) establecimiento de un nuevo marco de relaciones entre los Estados miembros que permanecieran en la“vieja” Unión Europea y los que se integraran en la “nueva” Unión Europea”. (cf. ESPANHA. Ministerio de Asuntos Exteriores y de Cooperación. Tratado por el que se establece una Constitución para Europa: breve análisis, p. 74). Saliente-se, por oportuno, que a proposta aqui aventada permite a manutenção de todos os países na União Européia, diferentemente do quanto defendido, por exemplo, por Giscard d’Estaing, presidente da Convenção Européia: “We have to abrogate the treaties that exist. If a country says that it does not like the new treaty, there’s no existing structure for them to clig to, they cannot seek to refuge in the old agreement”. (Apud WITTE, Bruno de. Entry into force and Revision, p. 213). Seria uma flexibilidade impressa à integração, como forma de assegurá-la. Para o aprofundamento das formas de flexibilidade (flexibility as desirable element of integration system), recomenda-se a leitura do artigo de Jo Shaw (SHAW, Jo. Flexibillity in a ‘Reorganised’ and ‘Simplified’ Treaty, p.190 e ss), que elenca a cooperação reforçada, os acordos internacionais entre os Estados-membros e as derrogações como formas de flexibilixação.

48 Para este autor, “In any case, a Europe of two or three speeds is preferable to one that breaks up or crumbles away.”(cf. HABERMAS, Jürgen, Why Europe needs a Constitution,p. 10).

49 Paulo Borba Casella põe em destaque a capacidade de superação dos percalços pela União Européia: “(...) as crises continuam ocorrendo, mas a continuidade do processo de integração é resguardada pela existência de mecanismos institucionais para viabilizar a superação de sucessivos impasses, utilizando o modelo econômico-institucional (...)” (Vide CASELLA, Paulo Borba. Soberania, Integração Econômica e Supranacionalidade, p. 90).

 

Como citar o texto:

FILHA, Manuelita Hermes Rosa Oliveira.Do Tratado de Paris à Constituição Européia: o desafio da construção da constitucionalização da União Européia. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 251. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-internacional/1835/do-tratado-paris-constituicao-europeia-desafio-construcao-constitucionalizacao-uniao-europeia. Acesso em 30 out. 2007.

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