Como cediço, a união estável sedimentou-se na sociedade atual apenas em meados do ano de 1994, com a promulgação da lei 8.971/94, resultado, no entanto, de evolução histórica e social das relações afetivas. A dualidade “concubinato e casamento”, existente por séculos, deixou de reinar sobre os relacionamentos amorosos, abrindo espaço, desta feita, à união estável, que visava regulamentar, sobretudo, o casal informal (ou o concubinato desimpedido), cujo intuito de constituição de família transparecia de maneira pública, duradoura e contínua.

No princípio, muito se discutia quais características ou fatos podiam ser definidores de uma união estável: convivência de no mínimo 05 anos, coabitação, geração de filhos, etc., até chegar aos moldes atuais, onde não se questiona os pontos acima elencados, mas, sobremaneira, a affectio societatis, ou seja, a intenção de constituir família.

O mais preocupante, entretanto, gira em torno de alguns entendimentos doutrinários que pretendem equiparar a união estável ao casamento, o que, destaca-se, seria um retrocesso, um retorno aos idos pré-constituição de 1988, uma involução histórica, tendo em vista que a própria Constituição Federal (CF) elencou no art. 226, § 3º a união estável como uma entidade familiar após anos e anos de batalha patrimonial (digna, em muitos casos) dos concubinos desimpedidos.

Patrimonial sim, pois numa união estável não há qualquer obrigação pessoal que possa estar subjudice, eis que não há retificação de nome de solteiro no registro civil, fidelidade recíproca (a lei desobriga), presunção absoluta para reconhecimento de filhos, etc., mas tão somente partilha de bens amealhados e/ou conquistados na constância da união estável (art. 1660, 1725 e 1790, CC/02).

Vale relembrar: união estável e casamento são institutos diferentes, e assim merecem ser tratados. Em que pese parecer desnecessária e trivial, tal afirmativa não tem sido respeitada por alguns doutrinadores e conseqüentemente por alguns membros do Poder Judiciário, uma vez que reiterados julgados equiparando as duas supracitadas entidades familiares têm sido noticiados no meio jurídico.

À partir da própria Carta Magna, no art. 226, § 3º, vê-se que união estável e casamento são diferentes, eis que o trecho final do referido parágrafo apregoa que deve a lei facilitar a conversão do primeiro no segundo, ou seja, o Estado deverá prover meios para que os companheiros possam casar-se e tornarem-se cônjuges.

Ora, se a própria CF induz sua preferência ao casamento, impondo ao Estado a facilitação na conversão da união estável, é de se concluir que não podem ser considerados como uma só entidade.

Há de se evidenciar, por outro lado, o princípio da igualdade material (ou substancial), o qual preconiza que, parafraseando Rui Barbosa, os desiguais devem ser tratados desigualmente, na medida em que se desigualam. O fato de união estável e casamento constituírem espécies do gênero entidade familiar não se pode concluir que são iguais. A desigualdade é patente, notadamente no que tange a (in)formalidade e capacidade de proteção estatal, mas, principalmente, a vontade.

Os componentes de uma união estável possuem a vontade de permanecerem como companheiros, mas não como casados, pois, caso o quisessem, a lei os confere facilidade para a conversão. O Estado (neoliberal, diga-se de passagem) não possui poder de imiscuir-se na vontade de seu administrado, ditando acerca de seu relacionamento amoroso, afinal, equiparar a união estável ao casamento é o mesmo que impor uma vontade não querida pelos companheiros. È como se a lei civil infraconstitucional impusesse que os evangélicos são, na verdade, católicos (á despeito da liberdade de crença elencada no art. 5º, VIII, CF). De plano vê-se a estranheza neste exemplo, todavia, transferindo as premissas para o caso em análise, com as devidas proporções, a violação ao texto constitucional é a mesma, afinal, o gênero “religião” teve suas espécies “catolicismo” e “evangelismo” misturadas ou confundidas.

A falta de critérios objetivos para caracterização de uma união estável (já que as relações afetivas são, por natureza, subjetivas) dá azo a diversas interpretações teratológicas, ao passo, por exemplo, de confundir um simples namoro com uma união estável, o que vem sendo erroneamente entendido no mundo jurídico, o que gera direito patrimonial para um mero namorico. Por certo a lei não pretendeu tal fato, mas vez, infelizmente, acontecendo.

Deve-se ter sempre em mente é que a união estável tem como pano de fundo basilar a intenção de constituir uma família, o que, por certo, não é de fácil verificação, sendo resolvido, portanto, no caso a caso. A análise de forma isolada de critérios objetivos como tempo, coabitação, publicidade, habitualidade, etc. não servem como parâmetros definidores de uma união estável se analisados de forma isolada.

Conclui-se, por derradeiro, que não há inconstitucionalidade no texto normativo do Código Civil de 2002 ao tratar de forma diferente cônjuges e companheiros, mesmo sabendo que à união estável não fora direcionado proteção equivalente à que o casamento recebera, afinal: a desigualdade é clarividente e, por conseguinte, necessária.

 

Data de elaboração: dezembro/2007

 

Como citar o texto:

JÚDICE, Lucas Pimenta..União Estável x Casamento: o retrocesso na equiparação. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 256. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/1871/uniao-estavel-x-casamento-retrocesso-equiparacao. Acesso em 10 fev. 2008.

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