O mundo globalizado apresenta-nos uma realidade nova à qual precisamos nos adequar. Essa nova realidade ultrapassa apenas os conhecimentos científicos, mas adentra na seara cultural, organizacional e nos conceitos de cidadania, direitos mínimos e de soberania dos Estados.

A reflexão sobre os efeitos do processo de unificação ou globalização deve ser acompanhada atentamente pelos cidadãos porque mais cedo ou tarde os reflexos diretos e indiretos baterão à nossa porta quer queiramos ou não, e se apresentarão com contornos de realidade.

A idéia conceitual de soberania não encontra unanimidade dentre os pensadores, porém há alguns pontos convergentes que possibilitam uma definição ainda que incompleta, fiquemos então com a definição de José Eduardo Faria (01) que entende soberania como "poder independente, supremo, inalienável e exclusivo do Estado".

A soberania dos Estados tem sofrido um processo, ao longo da história, de mudança contínua. Hodiernamente entende-se soberania sobre dois prismas: o interno e o externo. O Interno é intrinsecamente ligado à supremacia do poder de mando dentro do Estado, trazendo-o como ápice da pirâmide, que garante a independência e autonomia da Nação, haja vista que o Estado é soberano, superior a tudo na ordem interna. O ponto de vista interno caracteriza-se pela necessidade de sociabilidade com as outras nações, principalmente por motivos econômicos.

A análise da soberania extranacional é o ponto crucial para a construção de um novo conceito de soberania, principalmente em razão da globalização, que trouxe a transmissão quase que instantânea de informações capazes de modificar toda estrutura econômica e cultural de um país em questão de segundos, modificando padrões de cultura até então considerados estáticos.

A invasão e ocupação não ocorrem somente pelo envio de tropas, mas de hoje de maneira mais sutil e eficaz pela disseminação de informações através dos meios de comunicação que alçaram um patamar de poder concorrente com o Estado, o que é preocupante. A soberania não é ameaçada tão-somente pela invasão ou pela guerra, mas pela dominação ideológica e econômica.

Não há como impedir o processo de globalização, simplesmente porque a negativa de nele participar implica na desestruturação e destruição da economia do Estado dissidente. Neste contexto, o Estado deve buscar alternativas para manter sua soberania, como a associação com outros Estados, criando entidades com finalidades políticas, econômicas e sociais, para realçar sua importância internacional e política. Esta tendência pode ser vislumbrada na formação de blocos como a Unia Européia (EU) o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), o Acordo de Livre Comércio entre as Américas (ALCA) e tantos outros. Todos eles com objetivos econômicos.

Através da formação de grupos unidos com interesses similares é possível resistir às investidas de desnacionalização e subordinação dos Estados superpotentes. Obviamente, para a formação dos blocos é necessária uma cessão de parcela de soberania, porque haverá necessariamente uma divisão de atribuições, funções e cargos entre os países acordantes, de sorte que sempre haverá um líder e os liderados, ressaltando que líder não tem poderes ilimitados, devendo pautar-se pelo bem estar geral do bloco à que está ligado, sob pena de dissolução do pacto de união.

Mais do que uma união cultural e social os Estados buscam, na formação dos blocos, uma união econômica para proteger-se de desestabilidades futuras e para fortalecer-se no campo negocial internacional. Então a cessão de soberania de um Estado, juntamente com os demais formadores do bloco, tornará todos Estados membros mais soberanos porque os colocarão em condições equânimes em relação aos demais blocos, fornecendo condições de discutir e impor suas vontades pelo seu valor econômico enquanto bloco consumidor ou fornecedor. A relação custo-benefício justifica e torna necessária esta cessão de soberania.

Podemos observar na União Européia exemplo claro de cessão de soberania em razão de sobrevivência econômica e comercial, onde como observa Ives Gandra Martins (02) "o direito comunitário prevalece sobre o Direito local e os poderes comunitários (Tribunal de Luxemburgo, Parlamento Europeu) têm mais força que os poderes locais. Embora no exercício da soberania, as nações aderiram a tal espaço plurinacional, mas, ao fazê-lo, abriram mão de sua soberania ampla para submeterem-se a regras e comandos normativos da comunidade. Perderam, de rigor, sua soberania para manter uma autonomia maior do que nas Federações clássicas, criando uma autêntica Federação de países."

A não associação não implica em garantia de manutenção da soberania. O Estado não mais é soberano absoluto, nem mesmo perante seus cidadãos. Não raro observa-se que o Brasil vê-se obrigado a fazer o que órgãos internacionais ou países mais poderosos desejam, por inúmeras razões, explicitado as de ordem econômica, a exemplo do Fundo Monetário Internacional (FMI).

A pressão econômica tem força muito superior à armada, porque sua lesividade para uma nação acarreta caos econômico e social, como pudemos observar no "panelaço" na Argentina, onde a guerra civil praticamente instalou-se, causando, inclusive mortes, saques, atentados e sentimento de anarquia geral. Não se pode conceber mais a idéia de liberdade total de escolha de um país sobre os rumos econômicos que deva tomar, porque essa liberdade encontra respaldo apenas no campo teórico totalmente dispare do campo prático.

O Estado moderno sofre inúmeras pressões, inclusive a possibilidade de conflito armado diante de decisões a serem tomadas. Nem sempre o melhor para o Estado pode ser feito sem acarretar prejuízos de ordem econômica (bloqueios e sanções) e até mesmo sociais (guerras ou ameaças de confronto). Neste contexto, os reflexos das decisões são profundamente analisados levando em conta a reação dos outros Estados e possíveis sanções, sendo fatores limitadores da liberdade do Estado fáticos e intransponíveis.

Pode-se concluir que o novo conceito de soberania está intrinsecamente ligado ao poderio econômico. De modo que a soberania que não é ilimitada e o Estado não é totalmente independente na realidade hodierna. E, diante disto faz-se necessário que o Brasil forme um bloco econômico para resguardar sua soberania e seus interesses econômicos, sob pena de ficar para trás e tornar-se eternamente subordinado no plano internacional, excluído das benesses da globalização e secundarizado no plano comercial mundial.

NOTAS:

(01) FARIA, José Eduardo. O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, p. 17, 1999.

(02) MATINS, Ives Gandra (Coord.), O Estado do Futuro. São Paulo: Pioneira, p. 15, 1998.

.

 

Como citar o texto:

ALMEIDA, Dayse Coelho.Soberania e Globalização são conciliáveis?. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 1, nº 61. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-internacional/193/soberania-globalizacao-sao-conciliaveis. Acesso em 21 jan. 2004.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.