Resumo: A presente digressão insere-se no cenário mundial contemporâneo, permeado pelo fenômeno que passou a consubstanciar-se em elemento integrador entre os estados-nações, a “globalização”,caracterizadas por um grande número de relações negociais, travadas a nível internacional. Neste cotejo, os países começaram a firmar normas hábeis a reger as relações de cunho econômico, político e outras de forma a reger as negociações que travavam. Consequentemente, estas normas passaram a ter ingerência, de diferentes formas, sobre os ordenamentos jurídicos nacionais. Assim, objetiva-se analisar os efeitos destas premissas internacionais sobre as leis nacionais. Utilizou-se , nesta atividade, das teorias que explicam e justificam estes eventos. Cumpre ressaltar que tais ensinamentos teóricos são reflexos do momento histórico em que se inserem. Pesquisa bibliográfica foi o meio utilizado para tanto. Conclui-se pela necessidade de uma uniformização jurídica no que toca as relações internacionais, o que ocorre, atualmente, a passos tímidos,  visíveis apenas a níveis regionais.

Sumário. 1 Introdução. 2 Teorias fundamentadoras da ingerência do direito internacional em ordens jurídicas nacionais: Variação conforme o momento histórico 3 O pensamento moderno positivista e sua inserção na pretensa uniformização do cenário jurídico internacional. 4 Perspectiva legal disciplinadora das relações entre as leis nacionais e as normas firmadas internacionalmente, no ordenamento jurídico brasileiro: Teoria jurídicas fundamentadoras. 5 Conclusão. 6 Bibliografia.

1 Introdução 

As normas jurídicas auferem os fins a que visam a partir do momento no qual lhe são impingidos efeitos jurídicos, isto é, quando são aplicadas a alguma realidade social.

Os resultados variam de acordo com os sujeitos das relações regidas pela lei firmada, bem como do momento histórico em que se situa.

No que toca as normas jurídicas internacionais a situação é igual, porém, carente de uniformidade. Os ordenamentos jurídicos nacionais e contemporâneos, por serem autônomos e independentes, então criadores destas normas, diferem no que concerne a respectiva inserção destas no cenário nacional, ora a nível de lei ordinária, ou então de emenda constitucional, o que dificulta a concretização da tão necessária e propugnada por Kant, “sociedade jurídica universal”.

O que leva a firmar, de forma indevida, o que Hobbes relatava existir nas relações internacionais, a prevalência do interesse dos países mais fortes.

Um exemplo claro disso, é a hegemonia americana dos Estados Unidos no Sistema econômico Mundial, o que faz com que esse país tenha prevalência nas relações internacionais. (FIORI, 2007)

O que se tem na atualidade regendo o tema em análise é uma decorrência das teorias fundamentadoras da relação indivíduo-estado. Portanto, nas linhas que se seguem citar-se-ão estas teorias, em cotejo com os seus respectivos efeitos na realidade em que esta digressão se insere.

Impera dizer, que as premissas jurídicas citadas nas linhas anteriores, foram propugnadas por autores pertencentes as escolas hermenêuticas do jusnaturalismo e do positivismo jurídico.

Empós analisar-se-á o cenário jurídico nacional de forma a permitir a compreensão acerca de quais propugnações teóricas são prevalentes no ordenamento jurídico brasileiro.

2 Teorias fundamentadoras da ingerência do direito internacional em ordens jurídicas nacionais: variação conforme o momento histórico

As teorias que regem as relações entre os nacionais ou entre estes e o Estado, são as mesmas a justificar a necessidade de uma uniformização dos efeitos da norma internacional sobre ordens jurídicas nacionais.

A concepção atual de Estado passou por inúmeras fases até chegar ao Estado democrático de direito contemporâneo. Diversas teorias foram confeccionadas com vistas fundamentar e a limitar o poder estatal.

O ponto em comum entre todos estes ensinamentos é o fato de variarem conforme o momento histórico em que se enquadram.

Não remontar-se-á um cenário histórico sem limites neste ensaio.

Partir-se-á, no presente tópico, das teorias jusnaturalistas que permearam a transição entre o absolutismo estatal e o liberalismo.

Remonta a história, a existência de diversos ordenamentos e fontes de produção jurídica, especificamente a época do feudalismo, sob a égide do império.

È neste contexto histórico que se instauram os germes da monarquia absoluta.

Norberto Bobbio discorre de forma magestral, sobre a transição que então se instaurava da sociedade medieval ao feudalismo:

Contra a sociedade pluralista medieval, as grandes monarquias absolutas do início da idade moderna se formam através de um duplo processo de unificação:

1)Como unificação de todas as fontes de produção jurídica na lei como expressão da vontade do soberano. Dessa forma são gradualmente rejeitadas as fontes tradicionais do direito: ao costume atribuem-se efeitos jurídicos somente quando for reconhecido pela lei; a ciência do direito é cada vez mais considerada unicamente como um complexo de opiniões que, mesmo valiosas nunca são vinculatórias; A jurisdição se reconhece o poder meramente secundário e derivado de aplicar as normas jurídicas de ordem relativa;

2) unificação de todos os ordenamentos jurídicos superiores e inferiores ao Estado no ordenamento jurídico estatal, cuja expressão máxima é a vontade do príncipe. (BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. 2ª Edição, Tradução: Alfredo Fait, São Paulo, Mandarim, 2000)

Surge então o Estado absolutista. Observe que, nesse modelo de estado, o príncipe se confundia com o próprio Estado, não havendo limites ao seu poder.

Assim, existia a necessidade de uma fundamentação para tal poder.

Surgem, então, os ensinamentos de Thomas Hobbes e de Nicolau Maquiavel.

Para Hobbes, existia um estado de natureza no qual os indivíduos viviam de forma desordenada, em permanentes guerras, o que reclamaria a figura de um estado de sociedade governado por um soberano, em que seriam depositados os poderes de todas as pessoas em prol de um bem maior. (BOBBIO, 2000)

Existiriam assim dois contratos, um em que os indivíduos abdicariam de todas as suas liberdades em prol de um bem maior, e outro, criador da concepção abstrata de Estado. Desta forma, os chefes de estado não poderiam ser cobrados pelo pacto. (JEVEAUX, 2006)

Nicolau Maquiavel estende o poder do príncipe, ao pugnar pela inexistência de limites éticos ou morais aos comandos deste. (BOBBIO, 2000)

O governante então, só precisaria respeitar a lei natural que justificou a instauração do estado.

Releva mencionar, que com a aplicação das teorias absolutistas jamais poderia uma norma internacional se sobrepor a um comando estatal interno.

Ocorre que, com o germinar da Revolução Francesa, perante os pensadores liberais,  começou a questionar-se os abusos que poderiam advir da grande quantidade de poder depositada na figura do governante.

Locke entendia, assim como Hobbes, que existiu no passado um estado natural entre os homens, de constantes guerras. Assim, da mesma forma que o teórico absolutista acreditava na existência de dois contratos, um entre os indivíduos que instituía a sociedade civil, e outro que submetia a atuação do estado, que necessariamente seria criado, a vontade do corpo social, Locke propugnava. (BOBBIO, 2000)

No entanto, para Locke, com a instauração do Estado de sociedade seriam garantidas as liberdades naturais que o homem possuía no estado de natureza, entre estas, a que este mais defendia o direito de propriedade.

Nesta linha de raciocínio, a norma jurídica internacional só teria valia se assim fosse acordado entre os estados. No entanto, existiria óbice a tal postura no momento da conformação da norma com o pacto celebrado entre a sociedade, ou seja, com a respectiva inserção do que foi acordado em ordenamentos nacionais.

Já Rousseau, apesar de admitir a existência de um contrato social fundamentador das ordens jurídicas internas vigentes, entendia que este instrumento havia se consubstanciado em virtude da alta insegurança que reinava entre os particulares, não porque o homem seria essencialmente mau, como asseverava Hobbes.

Nesta vertente teórica, o interesse público sobrepõe-se ao privado, sendo assim, limitado o poder do soberano. No entanto, como se vê, existe a ausência de uma proteção aos direitos individuais em face do estado.

O contrato equivaler-se-ia a lei civil, que seria o instrumento de manutenção do acordo de vontades firmado entre o povo.

Ocorre que, a aplicabilidade da teoria de Rosseau restaria inviável ao plano internacional, haja vista que, para a integração dos países do mundo, deveria ser formado um corpo político entre estas nações, no caso, através de um contrato, o que implicaria na reforma dos direitos individuais em cada ordenamento jurídico. Os ordenamentos internos com seu poder de autodeterminação e imutabilidade não acatariam tal premissa. (JEVEAUX, 2006).

O problema da ausência de proteção dos direitos individuais viria a ser sanado por Emanuel Kant.

Para este cientista do direito, o estado de natureza era um estado ideal, e o contrato social que marcaria a transição para a sociedade civil teria um cunho racional, uma vez que o homem necessariamente deveria instituir o Estado.

No entanto, a transição para a sociedade civil devia respeito as liberdades individuais naturais, uma vez que, seria firmado pelo consenso de todos, através de um ideológico contrato.

Contudo, conservador que era, Kant devido a sua incompreensão do contrato social como um dado histórico, não acatava a modificação da ordem interna pelos governados. (BOBBIO, 2000)

Aduzia ainda, que o estado de natureza verificava-se, de forma real, na ordem jurídica internacional, portanto, as relações entre as nações só se tornariam estáveis, a partir do momento em que se formasse uma federação, com a conjugação dos esforços de todas. (JEVEAUX, 2006)

Ensinava ainda, que os antagonismos entre os países do mundo ocasionavam guerras, e a associação destes por meio de um corpo político iria assegurar uma paz perpétua e a garantia dos interesses das pessoas que os governavam. (BOBBIO, 2000)

Note-se, que todas as teorias jusnaturalistas procuravam explicar, de forma detalhada, apenas a relação entre o estado e seus membros. No entanto, para estes filósofos, as mesmas razões que teriam justificado a criação do Estado, demandavam a necessidade de um ordenamento jurídico universal, que garantisse os interesses dos países do mundo, bem como, o das pessoas que estes representavam.

3 O pensamento moderno positivista e sua ingerência na pretensa uniformização do cenário jurídico internacional

Com o advento da revolução industrial tornou-se necessária uma certa segurança jurídica nas relações econômicas. O Estado deveria manter-se neutro em face das relações negociais que se travavam, devendo estas ser regidas apenas pelo império da lei.

Surgem então as teorias de estado positivistas, que, diferentemente das teorias jusnaturalistas, abordam de forma ampla as relações entre os países no cenário internacional, além dos preceitos que deveriam reger estas relações.

A dissociação do positivismo do jusnaturalismo possui, no entanto, uma linha tênue, uma vez que diversos ensinamentos dos últimos teóricos foram assimilados pelos pretensos defensores do império da lei.

JEVEAUX dispõe neste sentido, dando as linhas gerais do exposto no parágrafo anterior:

Resumidadamente, de Hobbes herdou-se a idéia de soberania externa, a ser afirmada em face de outros Estados, de Locke, a proteção de direitos individuais pré-existentes ao Estado, e de Rousseau, o regime de representação da vontade coletiva e a soberania popular daí decorrente. (JEVEAUX, 2006)

Relata ainda, o saudoso autor, a importância que a doutrina positivista teve em face das relações travadas entre países:

Pode-se dizer, destarte, que, se houve uma corrente de maior importância da norma internacional, em termos de auto-afirmação em face dos Estados participantes de tratados e convenções, isso ocorreu mais no positivismo que no jusnaturalismo. Porque, se o Estado é uma criação do direito e deve conduzir-se conforme as suas disposições, a ordem internacional não depende de um contrato social mundial para se fazer valer, mas tão-somente de uma estrutura normativa mundial que confira validade universal a suas normas. E, sendo cada Estado um sujeito de direitos e obrigações em face dos demais Estados, deve ele obediência ao que foi estabelecido: pacta sun servanda, agora não mais para a verificação dos pactos societatis ou subjectiones, e sim para a conformação com a ordem jurídica internacional. Grifos do autor (JEVEAUX, 2006).

Verdadeiras mudanças nos ordenamentos jurídicos internos se operaram com a ingerência das teorias positivistas. Contudo, o que interessa no presente momento são os ensinamentos destes teóricos relacionados à influência das normas internacionais nos ordenamentos jurídicos nacionais.

As teorias de estado em análise, no que diz respeito ao tema do presente ensaio, variam conforme o entendimento pela existência ou inexistência de planos normativos diversos, entre os ordenamentos nacionais e as normas internacionais, ou na existência de graus hierárquicos distintos para estes preceitos legais. (JEVEAUX, 2006)

Dividem-se, portanto, em dualismo e monismo.

Para Jeveaux, os dualistas acreditavam que:

Para essas teorias, em essência, existiam duas ordens jurídicas coexistentes, internacional ou nacionais, diferenciadas na fonte (vontade de um Estado ou vários Estados), nos sujeitos (Indivíduos ou Estados) e no conteúdo (subordinação ou coordenação). (JEVEAUX, 2006)

Um dos teóricos do dualismo, Triepel, entendia que a ordem jurídica internacional seria diversa dos ordenamentos nacionais, uma vez que, uma (internacional ), era firmada entre Estados, tendo, portanto conteúdo supranacional, enquanto a outra era emanada pelo próprio poder estatal para as pessoas que representava.

Destarte, uma norma internacional apenas seria introduzida em ordens nacionais se houvesse uma recepção desta, através do processo adequado, sendo que, deveria ser realizada uma transformação da norma de forma a adaptar-se as leis nacionais.

Mais moderado, Anzilloti, outro doutrinador dualista, também acreditava que as normas internacionais e nacionais estavam em planos normativos diversos.

No entanto, para este teórico, o direito internacional, tendo cunho contratual, possuía condicionamento diverso dos direitos nacionais, e assim, poderia ser aplicado diretamente pelos nacionais. (JEVEAUX, 2006).

Apesar das teorias dualistas explicarem, de forma detalhada, o objeto de discussão contemporânea no qual se situa este trabalho, isto é, a relação entre normas nacionais e internacionais, muitas críticas foram dirigidas a estes, especificamente, no que diz respeito ao fato da aposição das normas em planos normativos distintos. Aceitar tais premissas seria recusar a integração normativa, portanto, burocratizar o direito internacional.

Para os doutrinadores monistas, o complexo normativo interno poderia ser complementado por normas jurídicas internacionais, contudo, estas se situariam em graus hierárquicos distintos, ora com a prevalência das normas nacionais,  ora, das internacionais.

Estes ensinamentos buscavam a integração dos ordenamentos jurídicos e, ao mesmo tempo, a submissão destes as leis normativas soberanas internas. Arnaldo Vasconcelos dispõe neste sentido:

A doutrina monista identifica Direito com direito positivo estatal. O direito é criação do Estado, fazendo-se revelar pela lei em sentido material, cujo conceito abrange desde a Constituição até o aviso administrativo. A soberania torna-se a fonte única de produção do direito. (VASCONCELOS, 1996)

Segundo Jellinek e Wenzel, monistas radicais, a recepção das normas internacionais emanaria do direito interno de cada país, funcionando, assim, como auto-limitação das respectivas soberanias, o que funcionaria como fator justificador da prevalência das normas nacionais. (JEVEAUX, 2006)

A sobreposição mencionada no parágrafo anterior independia do caráter cronológico de cada norma, isto é, do seu momento de criação.

Já Kelsen, um dos monistas moderados, pensava de forma diversa.

Apesar de expressar em sua teoria pura do direito acerca da complementaridade entre o direito internacional e nacional, entendia que, em certas situações a norma internacional pode se sobrepor a nacional ou vice-versa, através da regra do later in time rule:

Se o Direito internacional e o direito Estadual formam um sistema unitário, então a relação entre eles tem de ajustar-se a uma das duas formas expostas. O direito internacional tem de ser concebido, ou como uma ordem jurídica delegada pela ordem jurídica estadual e, por conseguinte, como incorporada nesta, ou como uma ordem jurídica total que delega nas ordens jurídicas estaduais, supra ordenada a estas e abrangendo-a a todas como ordens jurídicas parciais. Ambas estas interpretações que intercede entre o Direito Internacional e o Direito Estadual representam uma construção monista. A primeira significa o primado da ordem jurídica de cada Estado, a segunda traduz o primado da ordem jurídica internacional. (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª Edição, Tradução: João Batista Machado, Coimbra, Editora Coimbra, 1984.)

No entanto, Kelsen reconhecia a existência de Constituições que adotam a regra da transformação, isto é, em que as normas nacionais prevalecem.

Jeveaux, recorrendo aos trabalhos de Mariângela Ariosi e de Celso Duvivier de Albuquerque Mello, tece critica em relação às teorias monistas, delineada da seguinte forma:

No que diz respeito ao monismo com primazia do direito interno, fala-se que ele reduz o direito internacional a um simples direito estatal, negando a sua autonomia.

(...) Essa teoria não seria suficiente para explicar a continuidade dos tratados quando a Constituição é alterada, no sentido do monismo moderado, ou quando ela  é substituída por outra, em processos revolucionários, desde que eles não caducam pela simples ocorrência destes acontecimentos.

Quanto ao monismo com primazia do direito internacional, trata-se de uma versão “a-histórica” da criação normativa, porque os Estados antecedem a ordem internacional do tempo. Além disso, o voluntarismo não pode servir de fonte de uma ordem jurídica cujo fundamento de validade é hipotético, e portanto não pode ser submetido à aceitação, e uma norma fundamental hipotética não resolve a hierarquia entre normas concretas. (JEVEAUX, 2006)

Ante o exposto, no presente tópico depreende-se que nenhuma das teorias positivistas da norma jurídica, tampouco, as jusnaturalistas, explicaram de forma completa o objeto do presente trabalho.

Portanto, é fácil concluir que as regulamentações teóricas e legais, relacionadas às negociações firmadas entre os países do mundo, ante o fenômeno da Globalização, são pouco expressivas, se compreendermos pela disformidade dos ordenamentos jurídicos no que concerne a esta questão.

Antônio Correia de Lacerda delimita, de forma genérica, em que consiste a globalização, fator que justifica a importância deste fenômeno, a ser ponderado na presente análise:

A globalização implica uma nova correlação de forças no cenário internacional. A conseqüência é que as decisões de política econômica envolvem escolhas cada vez mais difíceis, dada a complexidade das estruturas econômicas e financeiras dos Estados nacionais.

A grande contradição é que embora a globalização aparentemente seja conduzida pelo setor privado, o diferencial que tem permitido aos países serem bem sucedidos na difícil tarefa do desenvolvimento, é justamente o papel do Estado e seu poder de articulação junto aos atores principais do processo. (LACERDA, 2007)

O conteúdo esboçado nos parágrafos anteriores (ausência de uniformidade) poderá ser auferida no próximo tópico, momento em que se demonstrará que no cenário jurídico brasileiro, especificamente, no que diz respeito a sua relação com as normas internacionais, ora se utiliza da teoria monista, ora da dualista.

4 Perspectiva legal disciplinadora das relações entre as leis nacionais e as normas firmadas internacionalmente, no ordenamento jurídico brasileiro: Teorias jurídicas fundamentadoras.

No ordenamento jurídico brasileiro não existem disposições legais que atestem qual escolha foi realizada para fundamentar as relações internacionais em que o país participa, se as teorias da norma jurídica dualistas ou monistas.

Alguns dispositivos legais, como o § 2º, do Artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, apenas reconhece o que ambas as teorias apregoam, que as normas jurídicas internacionais têm o poder de completar os complexos normativos nacionais. Veja-se o § 2º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

§ 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Memorável doutrinador comenta esta questão da seguinte forma: “O dispositivo em comento limita-se a reconhecer a completitude do ordenamento jurídico, em especial da constituição e de forma mais abrangente em conteúdo, para além dos direitos humanos”. (JEVEUAX, 2006)

O que existe no ordenamento jurídico brasileiro de mais concreto, em relação à opção por uma das duas teorias positivistas apresentadas por este paper, são as decisões dos pretórios nacionais, que vem se consolidando no sentido apregoado pelo monismo moderado, isto é, o tratado, devidamente recepcionado, equiparar-se-á a uma lei ordinária, prevalecendo aquele que for mais recente.

Renomado jurista brasileiro apóia esta linha de raciocínio, citando, inclusive, o exemplo dos Estados Unidos, local onde ocorre opção similar a da jurisprudência de nossos tribunais:

Abstraída a constituição do Estado, sobrevive o problema da concorrência entre tratados e leis internas de estatura infraconstitucional.

(...) Noutros, entre os quais o Brasil contemporâneo, garante-se-lhes apenas um tratamento paritário, tomadas como paradigma as leis nacionais e diplomas de grau equivalente.

[...]

De tal modo, em caso de conflito entre tratado internacional e lei do congresso, prevalece nos Estados Unidos o texto mais recente. (REZEK, 2002, p. 97-98)

Destarte, a teoria da norma jurídica que vem disciplinando as relações objeto do presente ensaio, dentre o cenário jurídico brasileiro, é a dualista, e isto se dá em virtude da ausência de regulamentação especifica neste sentido pela Constituição Federal de 1988 acerca da questão.

5 Conclusão.

Ante o exposto, é pertinente concluir pela ausência de uniformidade, no que concerne à influência das normas internacionais sobre os ordenamentos jurídicos internos.

Nota-se, inclusive, que tal verdade dificulta as relações negociais travadas entre os países, na contextualização do mundo globalizado.

Isto nos leva a afirmar que uma regulamentação específica, em caráter detalhado, revela-se necessária. Além do que, deveria existir uma uniformização jurídica internacional destas normas.

Como estas leis não existem, é lógico afirmar que, no âmbito internacional, encontra-se de forma clara o Estado de Natureza propugnado por Thomas Hobbes, no qual os países mais poderosos economicamente prevalecem nas relações internacionais.

É um tanto ideológico imaginar a formação de uma “sociedade jurídica universal”, assim como ensinava Kant, mas, posturas neste sentido, deveriam ser implementadas, ao menos, nos blocos regionais que estão sendo instaurados na modernidade, como o MERCOSUL.

Referências

BRASIL.Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado, 1988.

BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. 2ª Edição, Tradução: Alfredo Fait, São Paulo, Mandarim, 2000.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução: Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, Campus, 1992.

FIORI, JOSÉ LUÍZ. O poder americano e as mudanças do sistema mundial, no início do século XXI. Disponível em www.unifor.br, acesso em : 10/11/2008.

JEAVEAUX, Geovany Cardoso. Os efeitos das normas internacionais nos ordenamento jurídicos nacionais. Brasília a. 43 n.172 out/dez. 2006.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª Edição, Tradução: João Batista Machado, Coimbra, Editora Coimbra, 1984.

LACERDA, Antonio Côrrea. Economia Internacional: riscos e oportunidades. Disponível em www.unifor.br, acesso em : 10/11/2008.

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 9ª Edição, São Paulo, Saraiva, 2002.

VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da Norma Jurídica. 4ª Edição, São Paulo, Malheiros, 1996.

 

Data de elaboração: janeiro/2009

 

Como citar o texto:

SOARES, Glauber Benício Pereira..Efeitos das normas internacionais nos ordenamentos jurídicos nacionais: análise histórica, teórica e legal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 10, nº 530. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-internacional/1966/efeitos-normas-internacionais-ordenamentos-juridicos-nacionais-analise-historica-teorica-legal. Acesso em 25 mai. 2009.

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