1. Introdução

 

Este trabalho tem por objeto fazer um estudo da Lei de Improbidade Administrativa.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 4º, reza que quem praticar atos de improbidade será punido. Posteriormente, em 1992, esse artigo foi regulamento pela Lei objeto do nosso estudo, a qual exemplifica quais condutas podem ser consideradas atos de improbidade administrativa, as sanções aplicáveis, os sujeitos, além de aspectos não estudados neste trabalho, como o procedimento administrativo, a prescrição da ação, dentre outros.

Passemos aos aspectos que importam.

 

2. Perspectivas da Lei nº 8.429/92

Podemos encontrar em todo território nacional, traços de um governo democrático, marcado por instituições que são constantemente fiscalizadas, no intuito de controlar toda a atividade dos agentes públicos, para que estes possam ser responsabilizados caso haja um desvio comportamental maléfico para o organismo social durante o exercício de suas funções.

Sabemos que o Constituinte originário desejou a criação de um micro-sistema jurídico de combate à improbidade, tanto é que resultou na criação da referida lei de improbidade. A presença extensiva da impunidade no Brasil, muitas vezes, diminui o crédito dos meios de punição dos atos ímprobos, mas isso não inviabiliza a aplicação das sanções cominadas ao ímprobo.

A esperança na contenção da improbidade deve ser mantida. A análise da eficácia não deve ser feita apenas com a aferição da aplicação das sanções aos casos concretos, mas, também, com o reconhecimento de possíveis alterações comportamentais dos agentes públicos no meio social, resultando numa consciência coletiva de que a probidade deve ser sempre almejada, para se alcançar benefícios em prol da coletividade.

De acordo com Garcia e Alves,

a atuação dos legitimados à propositura da ação de improbidade, em especial o Ministério Público, vem estimulando a ideologia participativa, sendo freqüentes as representações ofertadas por cidadãos noticiando a prática de atos de improbidade; os meios de comunicação social têm dispensado maior atenção ao tema, sendo comum a divulgação dos ilícitos e a cobrança de medidas eficazes a cargo das autoridades competentes; as investigações e o ajuizamento de ações certamente são sentidos pelos ímprobos, os quais se vêem diante de um sistema normativo com potencialidade para coibir seus ilícitos e puni-los; e, ainda, são freqüentes as recomendações à administração, o que, além de prevenir a prática de ilícitos, evita o deflagrar do desgastante processo de aplicação das sanções cominadas. Esses fatores, por certo, serão sopesados por ocasião do procedimento eletivo, momento adequado para uma paulatina depuração da estrutura organizacional do Estado (GARCIA, ALVES, 2004, p. 209-210).

De qualquer modo, é perceptível uma pequena mudança. Essa evolução mínima já se torna marco para proporcionar uma maior concretude da esperança de algum dia termos uma Administração Pública dotada de probidade e comprometida com o bem-estar da população.

Apesar desse estímulo, não podemos nos contentar com tão pouco. A improbidade é positiva e operante, ou seja, ela não se torna menos incidente com a simples previsão de cominação de sanções. Ações efetivas devem ser providenciadas rapidamente e efetivamente, para que o enfrentamento do desvio de poder não atrapalhe ainda mais as bases construtivas da probidade administrativa.

Vale dizer que, dentro do cenário de combate à improbidade administrativa, merece posição de destaque o Ministério Público, já que a sociedade, descontente com os maus gestores, procura o Promotor de Justiça para denunciar os administradores desonestos e exigir providências. Isso é prova que atualmente os cidadãos não aceitam a desonestidade de forma pacífica. Obviamente que a imprensa, instrumento formador de opinião pública, teve certa influência neste processo, ao tempo em que esteve denunciando agentes públicos ímprobos e acompanhando todo trabalho desenvolvido pelo Órgão Ministerial.

 

3. Atos de Improbidade Administrativa

Passaremos, agora, ao estudo dos atos, das espécies de improbidade administrativa. A Lei Federal nº 8.429/92 vêm proteger a probidade administrativa por meio da repressão jurisdicional cível a três espécies de atos tidos como ímprobos.

A tutela atual censura o enriquecimento ilícito no exercício de cargos, funções e empregos públicos, como também aos atos causadores de prejuízo ao erário e atentatórios aos princípios da Administração Pública.

Para cada modalidade prevista no caput dos arts. 9º, 10 e 11, a lei arrola situações exemplificativas. Assim sendo, mesmo que um ato seja imprevisto nos incisos desses artigos, o mesmo se constituirá em improbidade caso se acomode à definição do caput de enriquecimento ilícito, prejuízo ao patrimônio público e atentado aos princípios da Administração Pública. Vale ressaltar que a configuração desta última hipótese é residual.

3.1 Atos que importam enriquecimento ilícito

O mundo capitalista em que vivemos clama pela realização de bons negócios, com resultados financeiros sempre positivos. Existe uma busca comum para a obtenção de incremento patrimonial, seja para subsistência, seja para a aquisição de supérfluos.

A forma de aquisição desses patrimônios é controlada pelo Direito. Quando uma pessoa adquire bens de forma honesta, não existe uma violação aos valores éticos, sociais ou jurídicos defendidos pela sociedade. Porém, quando a aquisição é oriunda de manobras ilícitas, esses valores são violados, necessitando de uma resposta repressiva do Estado.

Quando esse tipo de auferição patrimonial ilegal é encontrada no âmbito da Administração Pública toda situação se agrava. Por isso que o art. 9º da Lei 8.429/92 expressa sua vontade de coibir os atos de improbidade administrativa que importem em enriquecimento ilícito.

O agente público não pode ser beneficiado com vantagem patrimonial imerecida durante o exercício de sua função pública, de acordo com as idéias Rita Tourinho (2005). Para ele, somente é permitido desfrutar de vantagens previstas em lei.

Tanto é assim que o caput do referido artigo 9º expressa o seguinte, “constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art.1° desta lei, (...)”.

Ao analisarmos o caput do artigo, podemos constatar a presença da expressão “vantagem patrimonial indevida”. Sabemos que essa expressão deverá ser interpretada extensivamente, para abarcar todo tipo de recebimento que afronte o padrão jurídico da probidade administrativa, não importando se é exercido, incluindo a prestação positiva ou negativa, de forma direta (sem a presença de intermediários) ou indireta (terceiro agindo e revertendo para o agente público posteriormente).

A vantagem indevida é resultado da utilização imprópria da função pública, com o intuito de alcançar benefícios privados, para o próprio agente público, não necessitando que esse benefício seja expresso em valor monetário.

Rita Tourinho (2005), nesse sentido, traz a seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que já me manifestou considerando ato de improbidade administrativa o conserto de máquina particular às expensas do erário:

Administrativo. Improbidade. Conserto de máquina particular. 1. Constitui ato de improbidade administrativa realizar conserto de máquina particular às expensas do erário. 2. Apelação desprovida. (Apelação Cível 70003340270. Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Rel. Des. Araken de Assis, j. em 21.11.2001).

Assim, podemos dizer que todo o enriquecimento que não for contemplado pela contraprestação imposta por determinação legal, pelo desempenho normal das atividades paga ao agente público, constitui vantagem indevida.

Com isso, vemos que o aspecto moral da obtenção da vantagem é sempre levado em conta. A noção de legalidade circula nessa seara, onde a censura legal tem como alvo o desvio ético do agente, não se fazendo necessário que o ato praticado seja considerado ilícito. Ou seja, o ato não precisa ser ilícito, mas se extrapolar o limite legal imposto será considerado como ímprobo.

Geralmente, o enriquecimento ilícito de agentes públicos no exercício de suas funções é relacionado com a corrupção, onde muitos autores possuem a idéia comum de que a corrupção é responsável por gerar a alteração da função pública, em troca da retribuição de ordem material. Convém afirmar que nesses casos somente cabe a modalidade dolosa e que independe da ocorrência de prejuízo ao erário.

O art.9º, em questão, exemplifica doze hipóteses de casos de improbidade administrativa na modalidade de enriquecimento ilícito. Evidenciaremos cada uma das hipóteses, mas sem aprofundar muito no assunto, para não nos distanciarmos do objeto de estudo desse trabalho.

O art.9º, I, refere-se ao recebimento de vantagem econômica de qualquer natureza pelo agente público, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente dado por terceiros que tenham interesse passível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições daquele agente agraciado.

O inciso II, por sua vez, aborda o recebimento de vantagem econômica pelo agente público para a prática de ato específico, qual seja facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem imóvel ou móvel ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art 1.º da LIA por preço superior ao valor de mercado.

No art. 9º, III, reporta-se o recebimento de vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o favorecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado.

Já o art. 9º, IV, vem considerar enriquecimento ilícito a utilização de bens públicos de qualquer natureza, sejam eles, máquinas, materiais ou equipamentos, ainda que não integrados ao patrimônio público, mas à serviço dele ou do trabalho de agentes públicos, em obra ou serviço particular, proveito do próprio agente público.

O inciso V, do mesmo artigo, aborda o recebimento de vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio (taxa cobrada por proteção policial), de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem.

Pelo art. 9º, VI, pune-se o recebimento de vantagem econômica, direta ou indireta, pelo agente público, através de falsidade ideológica em mediações ou avaliações de obras ou serviços públicos, ou sobre dados de bens adquiridos pela Administração Pública.

O inciso VII, do artigo em análise, por sua vez, reporta-se àquele agente público que, apesar de ter como fonte exclusiva de rendimento os vencimentos ou subsídios do cargo, venha a adquirir bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público, excluindo, desse caso, o eventual ganho de herança, prêmio lotérico ou situação parecida.

Na hipótese do art. 9º, VIII, expressa-se regra proibitiva com função preventiva, valorizando a exclusividade, a isenção, a neutralidade, pela vedação ao agente público da aceitação de emprego ou comissão ou o exercício de atividades de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica, cujos interesses tenham a potencialidade de amparo por ação ou omissão decorrente das suas atribuições.

Já o inciso IX, reprime o agente público que recebe vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza. A lei visa desestimular a atividade mediadora na liberação ou aplicação de verbas públicas remunerando o agente, pouco importando que haja ou não a liberação ou aplicação pretendida, ou que estas sejam lícitas ou ilícitas.

 

O art.9º, X, prevê a hipótese do agente público que recebe vantagem econômica, de qualquer natureza, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado. Basta receber a vantagem para se caracterizar a conduta ímproba.

O inciso XI, no seu turno, faz referência ao agente público que incorpora ao seu patrimônio, por qualquer forma, bens, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art.1º da lei.

Na última hipótese exemplificativa de enriquecimento ilícito, prevista no art. 9º, XII, o legislador condena o uso, em proveito próprio, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no primeiro artigo da LIA. A ocorrência da conduta prevista aqui é comum, já que os administradores públicos não fazem questão de possuírem a noção de que não são donos do patrimônio público, mas apenas gerenciadores dos bens e interesses pertencentes à coletividade.

3.2. Atos que causam prejuízo ao erário.

 

Os atos de improbidade administrativa que causam lesões ao erário são tratados pelo art.10, da Lei 8.429/92. O legislador teve o objetivo claro de não excluir de sua apreciação os casos em que o administrador público pensa que a coisa pública é coisa de ninguém.

Da mesma forma que o artigo anterior, o caput do art.10 traz o núcleo da conduta que caracteriza a improbidade administrativa, e, nos quinze incisos, opta por enunciar os casos exemplificativamente.

O caput, em questão, diz que “constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art.1º da lei”.

O prejuízo ao patrimônio público, expresso no art.10, poderá ocorrer da ação ou omissão do agente público, que em desrespeito ao princípio da eficiência, descumpre o seu dever jurídico de realizar suas atividades visando o maior benefício para os administrados.

Podemos dizer, então, que o agente público é punido nos casos em que atue com dolo ou culpa. Há dolo quando o agente tem consciência de que o seu ato viola o Direito, enquanto que na culpa, o administrador público quer agir de determinada forma, e assim o faz, mesmo sabendo que possivelmente o ato praticado seja capaz de produzir uma contrariedade ao Direito posto.

De acordo com as palavras de Rita Tourinho,

o dolo não é necessariamente a má-fé. O desvio de finalidade, em que o agente busca interesse público diverso daquele previsto na norma legal de competência, pode caracterizar um comportamento doloso, decorrente do espírito patrimonialista ou personalista de administrar, apesar de não se ajustar a idéia comum de má-fé (TOURINHO, 2005, p. 174).

 

Por outro lado, para se caracterizar a culpa, devemos nos atentar a imprudência e negligência do agente público agressor do princípio da eficiência. Rita Tourinho (2005), na mesma obra, repassa a idéia de que a imprudência ocorre quando a conduta é realizada sem as devidas cautelas, enquanto que na negligência a pessoa, por preguiça ou indolência, não age ou se comporta de modo diverso daquele que deveria agir.

Assim, incidirá a norma do art.10 da LIA tanto para os agentes públicos que causarem prejuízo ao erário conscientemente, quanto para aqueles que, mesmo não tendo previsto o dano ao erário, agem de forma imprudente ou negligente.

Para a lei, está evidenciada a lesão ao erário quando ocorrer perda, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação, por ação ou omissão, dolosa ou culposa. Nesse artigo, conforme salientar Wallace Paiva Martins Júnior,

cuida-se de hipóteses de atos lesivos ao patrimônio público que, por obra do comportamento doloso ou culposo do agente público, causaram bônus indevido ao particular e impuseram ônus injusto ao erário, independentemente de o agente público obter vantagem indevida (MARTINS JÚNIOR, 2001, p. 238).

Com isso, constatamos que ocorre, normalmente, uma concessão de vantagem indevida para um terceiro alheio à Administração Pública, em detrimento desta. Porém, nada impede a ocorrência simultânea de infrações tipificadas no art. 9.º (enriquecimento ilícito) e no art.10 (prejuízo ao erário) da referida lei. Neste caso, porém, prevalece a improbidade, na modalidade enriquecimento ilícito, visto que a improbidade mais grave absorve a menos grave.

Vale dizer, existe corrente minoritária que define como requisito caracterizador das infrações previstas no art.10, a necessidade de uma efetiva demonstração de dano causado ao patrimônio público, salvo nas hipóteses, do mesmo artigo, em que o prejuízo é presumido.

O já citado Wallace Paiva Martins Júnior (2001, p. 239) faz parte dessa minoria e, para consubstanciar o que foi afirmado, diz que “lesão sem repercussão patrimonial não configura esta espécie de improbidade administrativa, podendo consistir, conforme o caso, em enriquecimento ilícito ou atentado aos princípios da Administração Pública”.

Analisaremos, agora, as hipóteses trazidas pelos incisos do art. 10 da Lei 8.429/92, começando pelo inciso I, que aborda a hipótese do agente público que facilita ou concorre para que a pessoa física ou jurídica incorpore, ao seu patrimônio, bens, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1.º da lei.

O artigo 10, II, é bem parecido com o inciso anterior, porém o objeto jurídico não é a apropriação, mas o uso de bens, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades da Administração Pública pelo particular, sem a observância dos requisitos legais exigíveis. Assim, aquele agente público que permite a ocorrência dessa situação, acaba por provocar dano patrimonial, enquadrando-se na hipótese mencionada.

O inciso III, por sua vez, faz referência à doação de bens, verbas, rendas ou valores do patrimônio público à pessoa física, jurídica ou ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistenciais, sem a observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie.

Na hipótese trazida pelo art.10, IV, podemos ver que se trata do subfaturamento. Permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades elencadas no art. 1.º da lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao mercado, implica em lesão ao erário, justamente porque o preço empregado não representa a realidade do valor do bem.

Já no inciso seguinte, ocorre o contrário, ou seja, o superfaturamento. É comum no Brasil a realização de contratos superfaturados com a Administração Pública. Em função disso, tratou o legislador de reprimir, em seu inciso V, o agente público permissivo ou facilitador da aquisição, permuta ou locação de bens ou serviços por preço superior ao de mercado.

O art.10, VI, cuida da realização de operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitação de garantia insuficiente ou inidônea. A vida financeira do Estado é exaustivamente regulada por lei, então, para o seu devido funcionamento, é indispensável a observância desses preceitos legais.

O inciso VII estabelece que a concessão de benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares é ato lesivo ao erário. A concessão irregular implica num maior gasto público e numa economia maior para o particular, que deixou de pagar aquilo que deveria.

Nesse sentido, Rita Tourinho (2005) traz à tona um caso concreto decidido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, foco jurisprudencial de grande importância para o Brasil. Trata-se de uma ação civil pública, onde o Prefeito municipal, sem autorização legislativa, concedeu redução e anistia de juros e correção monetária de IPTU. Foi caracterizada lesão aos cofres municipais, com a conseqüente obrigação de ressarcimento.

O art.10, VIII, caracteriza a improbidade administrativa na modalidade lesão ao erário, para os casos em que agentes públicos frustram a licitude do processo licitatório ou que, então, fazem a dispensa indevida dele.

O inciso IX, no seu turno, afirma que constitui ato de improbidade administrativa ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento. O pagamento de qualquer despesa necessita de uma verificação comprobatória da pertinência.

Segundo o art.10, X, existe censura para os administradores públicos que agem negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público. A negligência na arrecadação implica em perda patrimonial. No que concerne à conservação do patrimônio público, o que está em jogo é algo além das receitas públicas, ou seja, abarca os bens, valores, interesses e direitos pertencentes às entidades administrativas e à própria sociedade, que devem ser preservados para evitar qualquer tipo de perda ou perecimento.

O inciso XI, também, evidencia duas situações. Além de dispor sobre a liberação de verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes, trata da influência para a aplicação irregular de verbas públicas.

O conteúdo do art.10, XII, deve ser analisado de forma extensiva, já que seu conteúdo engloba as demais modalidades previstas nesse artigo. Deste modo, pratica improbidade administrativa o agente público que permite, facilita ou concorre para que terceiro enriqueça ilicitamente. O acréscimo patrimonial do terceiro, em detrimento dos cofres públicos, é requisito necessário para a configuração da improbidade nessa modalidade. Nestes casos, nada impede que o agente público concorra judicialmente com o terceiro, já que foi o responsável pela auferição patrimonial indevida e pelo prejuízo ao patrimônio público.

Podemos perceber, em outra hipótese exemplificativa trazida pelo art.10, XIII, que causa prejuízo ao erário o agente público que permite que terceiros utilizem, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição da Administração Pública, como também do trabalho do servidor público, empregados ou terceiros por ela contratados. O inciso em questão condena o clássico exemplo de prefeitos que realizam obras, em suas propriedades privadas, utilizando material ou equipamento públicos.

Por fim, trazemos as duas últimas hipóteses do art. 10, acrescentadas pela Lei n° 11.107/05, que são os incisos XIV e XV, ambos fazendo referência a tipos de celebração de contrato. No primeiro inciso, comete improbidade administrativa na modalidade prejuízo ao erário, quem celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei. Já no segundo, comete a mesma modalidade de improbidade quem celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.

3.3. Atos que atentam contra os princípios da Administração Pública

A realidade polifacética do mundo jurídico implica numa situação em que a lei nem sempre é capaz de ditar, de modo completo, o único comportamento viável à plena satisfação do interesse público. Então, em algum momento, é capaz da lei conferir uma margem de liberdade para que o administrador, diante do caso concreto, possa escolher qual a solução mais adequada à satisfação legal.

Porém, mesmo com essa atividade discricionária, o administrador público deverá sempre atender aos princípios que norteiam a Administração Pública, fazendo com que o campo de liberdade de atuação seja reduzido, limitado. Essa abertura para uma atuação mais pessoal não poderá repercutir na prática de atos visando a satisfação de interesses próprios ou de grupos econômicos ou políticos.

Assim, a discricionariedade não pode se tornar meio para mascarar atos irregulares dos agentes públicos. O administrador público deverá levar em conta a supremacia do interesse público, bem como o conteúdo dos demais princípios inseridos no contexto da Administração Pública, para que seus atos atendam e propiciem benefícios para a sociedade como um todo.

Vale dizer, porém, que o art.37, caput, da CF, não submete apenas a atividade discricionária à observância dos princípios. Assim, seja discricionário ou vinculado, o exercício de qualquer função administrativa está atrelado ao dever de seguir todos os princípios da Administração Pública.

Dessa forma, antes de enumerarmos os atos que atentam contra os princípios da Administração Pública, é necessário trazer, ao presente trabalho, determinadas considerações sobre o que seriam princípios, sua finalidade e quais os escolhidos pela Carta Magna para compor o arcabouço dos princípios regentes da gestão do interesse público.

3.3.1 Princípios constitucionais da Administração Pública

Os princípios têm grande importância no mundo jurídico. De acordo com a acepção jusnaturalista, seriam preposições supremas, de natureza universal e necessária, próprias da razão humana e cuja observância independe de normas. Já para os positivistas, os princípios seriam alicerces básicos de todo sistema jurídico e seriam utilizados para limitar e direcionar a aplicação do Direito, podendo ser implícitos ou expressos.

Hoje em dia, os princípios deixaram de ser meros complementos das regras, passando a ser vistos como formas de expressão da própria norma, ou seja, os princípios possuem caráter normativo, sendo marcados por um acentuado grau de imperatividade. Vale ressaltar que os princípios atinentes à atividade estatal estão inseridos na nossa Constituição Federal vigente. Enfocaremos um por um mais adiante.

Como diretrizes comportamentais, os princípios têm a função de promover uma maior unidade ao sistema, devendo ser aplicados conjuntamente com as regras, acarretando um dever positivo para o agente – atuar para alcançar essa diretriz – e um negativo – não realizar qualquer ato que afronte tais valores. Com isso, percebemos que qualquer ato de agente público que destoe de algum princípio administrativo tem como consequência a ilegitimidade.

Existem aqueles que consideram os princípios normas jurídicas primárias ou superiores, hegemônicas em relação às demais normas jurídicas constitucionais e inconstitucionais, repassando valores transcendentais da sociedade e da própria Carta Magna.

A aplicação de regras resume-se a subsunção da norma ao fato, porém, quando falamos de princípios, estamos a realizar uma atividade de concreção, densificando os valores incidentes no caso, fazendo um exercício de ponderação e buscando a solução mais justa para o caso concreto.

Com a concepção de que os princípios são espécies de normas jurídicas, podemos esclarecer que, dentro da esfera administrativa, todos os atos dos agentes públicos pressupõem conformidade com as regras e princípios que os informam, determinando um grau de obrigatoriedade bastante apurado.

Se os fatos são harmônicos entre si e consoante com o Direito, estando presente os valores que vigem no nosso ordenamento jurídico, estará demonstrada a probidade. Porém, descumprida a regra ou inobservados os princípios, temos a configuração da improbidade, associada também com a potencialidade lesiva em detrimento dos interesses tutelados, operação esta que será realizada com a utilização do princípio da proporcionalidade.

Em razão da própria postura legislativa adotada, que considera como improbidade a mera violação dos princípios regentes da Administração Pública, novas perspectivas para a compreensão da probidade devem ser buscadas.

A Constituição Federal de 1988 traz em seu art. 37, caput, que a Administração Pública será regida pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Estes são de fundamental importância, visto que condicionam a atuação dos poderes públicos, além de regularem a aplicação de todas as normas jurídicas vigentes.

Além dos princípios expostos no caput do art.37, existem os denominados implícitos, que, de qualquer forma, acabam atuando conjuntamente com os primeiros. Por esse motivo, será importante fazer uma análise dos princípios trazidos pela Constituição Federal, sejam eles implícitos ou explícitos.

3.3.1.1 Princípio da Legalidade

No que tange ao princípio da legalidade, podemos dizer que é o fundamento e a essência do Estado de Direito. A Administração Pública só pode atuar de determinada forma se a norma jurídica confere subsídio para isso. Ao contrário do que ocorre em relação aos entes de Direito Privado, que podem fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, à Administração Pública somente é dado fazer o que a lei previamente autoriza.

Significa, também, relação de subordinação ou vinculação legal ao ordenamento jurídico. O administrador público que desrespeita o princípio da legalidade no exercício de sua função, ou seja, na gestão dos negócios públicos, acaba por praticar improbidade administrativa, já que seu ato arbitrário contraria o vértice dos princípios constitucionais reguladores da Administração Pública.

3.3.1.2 Princípio da Impessoalidade

Já o princípio da impessoalidade, de acordo com Pazzaglini Filho (2002), caracteriza-se pela objetividade e neutralidade da atuação da Administração Pública, que tem por único propósito legal o atendimento do interesse público, ou seja, impõe ao agente público, no desempenho de sua função estatal, comportamento sempre objetivo, neutro e imparcial. Tal princípio deve ser sempre visto sob dois aspectos: dita, o primeiro, que o administrador não pode prejudicar nem beneficiar pessoas determinadas, devendo praticar os seus atos de acordo com o interesse público. O segundo aspecto orienta que as ações da Administração não devem ser imputadas à pessoa do administrador, já que este age dentro de uma relação de imputação com a Administração Pública. Esses dois aspectos são derivações do princípio da isonomia e da finalidade, respectivamente.

3.3.1.3 Princípio da Moralidade.

O princípio da moralidade tenta transparecer a idéia de que toda conduta administrativa deve ser baseada na moral, ou seja, os valores morais da sociedade devem ser utilizados pela Administração Pública para a consecução do interesse coletivo. A decisão do agente público deve atender aos anseios que o organismo social, em determinado momento, considera como moralmente adequado e aceito.

Este princípio ganha enorme importância quando se investigam atos da Administração formalmente legais, mas que, em sua substância, não vislumbram o interesse da coletividade, resultando no chamado desvio de finalidade. Devemos observar, porém, que para alguns doutrinadores, o desvio de finalidade é vício de legalidade, sendo este o entendimento que prevalece no Brasil.

3.3.1.4 Princípio da Publicidade

Por sua vez, o princípio da publicidade nos remete à idéia de acesso difuso da coletividade aos movimentos e dados da Administração, seja pela publicação na imprensa oficial e/ou comum, seja pela prestação de contas de seus atos, ou pelo fornecimento de informações de interesse geral ou particular, quando solicitadas nos órgãos públicos, sob pena de responsabilidade. A publicidade tem o condão de conferir transparência à gestão da coisa pública, permitindo seu controle interno e externo, buscando a maior divulgação possível dos seus atos. Este princípio tentar extirpar do nosso ordenamento qualquer tipo de ocultamento dos assuntos de interesse geral da nação. Vale dizer que apenas as divulgações dos órgãos oficiais (jornal, público ou privado, destinado à publicação dos atos estatais) produzem efeitos jurídicos.

Ao falarmos do princípio da publicidade, não podemos deixar de mencionar sobre a questão do sigilo, expresso no art.5°, inciso XXXIII da CF, que afirma “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestados no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

O inciso em questão é de fundamental importância para a sociedade, visto que pode ser considerado como um instrumento de controle da atividade estatal, já que transforma a prestação de contas num direito coletivo, evidenciando a participação popular.

Porém, a ressalva encontrada nesse inciso é, muitas vezes, interpretada em desfavor do interesse público, pois quem tem o poder de classificar um documento é o próprio Governo, ou seja, é ele quem julga a oportunidade e conveniência de divulgar determinado conteúdo, ou não. O sigilo acaba por distorcer o papel do Estado, impedindo a consecução do objetivo de construir uma sociedade solidária.

Assim, o Estado pode muito bem deixar de tornar público algo que não queira, impedindo que a coletividade tenha acesso à determinada informação. Tal situação não deve ocorrer, uma vez que não se pode tentar afastar a participação popular da própria formatação do Estado Democrático de Direito.

Com isso, concordo com aqueles que pensam que essa ressalva deva ser interpretada em consonância com os demais dispositivos e princípios adotados pela Constituição Federal. A análise isolada de tal dispositivo configuraria numa incompatibilidade com as regras presentes na nossa democracia.

3.3.1.5. Princípio da Eficiência

Continuando a análise dos princípios da Administração, deparamo-nos com o princípio da eficiência, adicionado pela Emenda Constitucional de n.º19/98 ao caput do art.37 da CF. Tal princípio reflete no dever do agente público em promover uma boa administração, ou seja, de sempre aplicar as medidas ou soluções de acordo com as regras do ordenamento jurídico. Trata-se de princípio relacionado ao modelo gerencial adotado pela administração pública moderna, onde se priorizam os resultados e qualidade dos serviços prestados pelo Estado. A prestação deve ser realizada com presteza, perfeição e rendimento funcional, almejando resultados benéficos e satisfatórios para a coletividade.

3.3.1.6 Princípio da Razoabilidade e Proporcionalidade

De uma forma geral, o princípio da razoabilidade está constantemente associado ao princípio da proporcionalidade, sendo que ambos derivam do princípio da legalidade. A razoabilidade nos remete à idéia de coerência das ações administrativas em face do fato ou do motivo que a originou. Tenta passar uma noção de atitude justa. Já a proporcionalidade, em linhas gerais, significa adequação, a compatibilidade da atitude da Administração Pública em relação ao fato que ensejou sua manifestação.

As palavras de Pazzaglini Filho descrevem tais princípios da seguinte forma:

A razoabilidade significa a justeza, a coerência da ação administrativa em face do fato ou de motivo que a originou. A proporcionalidade, por sua vez, significa a adequação, a compatibilidade e a suficiência da resposta administrativa ao fato ou motivo que a ensejou (PAZZAGLINI FILHO, 2003, p. 38).

Abrimos um parêntese neste tópico para ressaltar que o estudo aprofundado do princípio da proporcionalidade será realizado no próximo capítulo.

3.3.1.7 Outros princípios relacionados ao tema

Por seu turno, o princípio da probidade administrativa repassa o dever que é exigido de todo agente público no desempenho de sua função, ou seja, o dever de agir com honestidade, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes para proveito pessoal ou de terceiros.

O princípio da supremacia do interesse público transparece a idéia de que o interesse público deve prevalecer diante de interesse privado. É a base de todo o Direito Público. O interesse público é aquele voltado para os beneficiários da atuação administrativa, envolvendo os interesses difusos e coletivos. O princípio da supremacia do interesse público está relacionado com o da indisponibilidade do interesse público pela Administração, que reflete a noção de que o gestor público deve cuidar sempre do interesse público, não podendo dispor de tal interesse.

Por fim, o princípio da motivação revela que toda conduta da Administração Pública deve ser motivada, ou seja, que a Administração, para a consecução do interesse público, deverá motivar sempre todos os seus atos, para que a sociedade e o controle jurisdicional possam analisar e controlar tudo aquilo que for decidido.

3.3.2 Dos atos, em espécie, atentórios aos princípios da Administração Pública.

O sistema repressivo da improbidade administrativa tem o seu art.11 como a grande novidade trazida contra o comportamento omissivo ou comissivo violador dos princípios que regem a Administração Pública e dos deveres impostos ao agente público.

De acordo com Martins Júnior,

se o agente público não enriqueceu ilicitamente nem causou prejuízo ao erário, ações ou omissões que atentem contra os princípios da Administração Pública (não somente os do art. 37 da CF, mas os inerentes ao sistema, exemplificativamente arrolados no art.11, caput, da Lei Federal nº 8.429/92) são censuradas, porquanto revelam o desvio ético de conduta, a inabilitação moral do agente público para o exercício de função pública. Trata-se de norma residual ou de encerramento (MARTINS JÚNIOR, 2001, p. 260).

Como podemos perceber, os casos de improbidade administrativa que não forem enquadrados tanto no art.9º quanto no art.10, serão, residualmente enquadrados pelo art.11. Exige-se, assim, uma conduta sempre ética do agente público, para que ele não seja taxado como ímprobo.

O artigo 4º, já citado neste trabalho, vem expressar a obrigação de todo o agente público de velar pelos princípios administrativos constitucionais, procurando defender os valores que sempre devem nortear a gestão da coisa pública.

O art.11, caput, afirma que “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”, ou seja, a conduta do administrador público deve sempre levar em conta os princípios administrativos, sejam eles implícitos ou explícitos. E mais, exige-se do agente público a adoção de postura exemplar e de respeito à sociedade, agindo com ética e boa-fé.

Os incisos do mesmo artigo, da mesma maneira que nos arts. 9º e 10, trazem hipóteses exemplificativas dos casos de improbidade administrativa. Porém, ao analisarmos as hipóteses do art.11, vemos que cada inciso trata da infringência de determinado princípio administrativo. Passaremos ao estudo desses casos.

De maneira semelhante ao que ocorre com o enriquecimento ilícito, a improbidade administrativa do tipo infringência de princípios da Administração Pública só opera na modalidade dolosa, descartando, desse jeito, os casos envolvendo culpa.

Os incisos I, II, V e VI, ou seja, praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência; retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; frustrar a licitude de concurso público; e deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; respectivamente, representam casos de improbidade administrativa por violação do princípio da legalidade.

Já a hipótese do inciso IV, referente à negativa de publicidade dos atos oficiais, constitui violação do princípio da publicidade. Causam improbidade administrativa por violação do princípio da moralidade as hipóteses previstas nos incisos III e VII, que são aquelas que abordam a revelação de fato ou circunstância que deva permanecer em segredo e de que se tenha conhecimento em razão das atribuições; ou revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço da mercadoria, bem ou serviço.

Apesar dessa delimitação, nada impede que um caso implique em violação de mais de um princípio, seja ele explícito ou implícito. Diante dessa afirmação, Rita Tourinho (2005, p. 192) expressa seu entendimento da seguinte forma, “com efeito, a hipótese do inc. I pode também constituir violação ao princípio da supremacia do interesse público, assim como as situações constantes dos incs. II e V podem revelar a afronta ao princípio da eficiência”.

Ainda pairando sobre as idéias da referida autora, torna-se relevante afirmar que para a ocorrência dessa modalidade de improbidade, é necessário, no mínimo, que o agente público tenha a consciência que sua ação estaria por quebrar o dever de lealdade no trato da coisa pública, ofendendo, assim, o princípio da moralidade administrativa. Para se evidenciar a improbidade, basta que o gestor público tolere a violação principiológica.

3.3.3 Sujeitos dos atos de Improbidade Administrativa

3.3.3.1 Sujeito passivo

De uma forma geral, a violação de uma norma jurídica posta não implica somente em lesão ao bem jurídico tutelado, mas, também, ao ataque de direito de outrem. Nesses casos, denomina-se sujeito passivo o titular desse bem jurídico ameaçado ou lesionado pela conduta ilícita praticada.

Nos atos específicos de improbidade administrativa, o próprio art. 1.º da LIA optou por elencar os sujeitos passivos de tais atos, verbis:

Art. 1.º. Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Territórios, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta Lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público, bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Como observamos, os artigos supra citados determinam a punição, na forma de lei, dos atos de improbidade praticados por qualquer agente público contra a Administração Pública.

A Administração Pública direta por ser tida como aquela abarcada pelo poder Executivo e seus órgãos. A indireta, no seu turno, é integralizada por autarquias (incluindo as agências reguladoras e agências executivas, que atuam sob regime especial), empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas.

O rol dos sujeitos passivos inclui, também, as empresas incorporadas pelo Poder Público; as empresas para cuja criação o erário público concorreu com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual; as entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo fiscal ou creditício de órgão público; entidades cuja criação ou custeio despendeu ou despende do erário público a parcela de menos de 50% do patrimônio ou receita anual. Esta última situação ocorre frequentemente com as parcerias firmadas entre órgãos públicos e a iniciativa privada.

Como vimos, o enquadramento dos sujeitos passivos dos atos de improbidade administrativa foi enfocado pela lei, culminando na delimitação do conjunto de entes administrativos e pessoas jurídicas acima elencados.

3.3.3.2 .Sujeito ativo

Para definirmos o conceito de sujeito ativo dos atos de improbidade administrativa, é preciso determinar o real significado do vocábulo agente público. De acordo com Maria Sylvia Zanella di Pietro (2000), agente público seria toda pessoa física que presta serviço ao Estado ou às pessoas jurídicas da administração indireta.

A definição legal (Lei nº 8429/92) abrangeu toda pessoa que está envolvida com a Administração Pública, da seguinte forma:

Art.2.º. Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Assim, estão sujeitos às sanções previstas na Lei 8.429/02, todos que possuem vínculo com a Administração Pública, inclusive terceiros que não são agentes públicos, mas que acabam se beneficiando com o ato ímprobo.

Desse jeito, podemos dizer que os políticos que exercem mandato através do voto, os funcionários aprovados em concurso público, as pessoas nomeadas para cargos de comissão, bem como os contratados pelo serviço público, podem incidir em improbidade administrativa caso venham praticar ato ilícito.

Rita Tourinho, referindo-se à Antônio José de Mattos Neto, afirma que

a Lei de Improbidade deve ser interpretada em harmonia com o art.70 da Constituição Federal,resultando que qualquer pessoa física, jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie, ou administre dinheiros, bens, e valores públicos ou pelos quais a União responde, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária,estarão alcançadas pelo império da Lei de Improbidade (MATTOS NETO apud TOURINHO, 2005, p. 144).

A referida autora concorda, ainda, com o alcance da incidência legal em atos judiciais, legislativos e ministeriais típicos. Então, podemos dizer que tanto o juiz que vende sentença, quanto o parlamentar que é agraciado com bens móveis ou imóveis, cometem ato ímprobo, tornando-se sujeito ativo da improbidade administrativa, também.

Vale salientar, que a incidência da improbidade administrativa não vai de encontro às regras da imunidade parlamentar, já que a imunidade refere-se à responsabilidade criminal. Maria Sylvia Zanella di Pietro (2001) diz que como a improbidade administrativa não constitui crime previsto no Código Penal, nada obsta a incidência da LIA.

Porém, cabe dizer que o administrador público não será responsável por ato de improbidade praticado por outro administrador, a não ser que o agente ímprobo seja seu subordinado, e ele opte em negligenciar em descobri-lo, ou ser complacente com o ato praticado, ou seja, não impedir que o mesmo aconteça.

3.4 O terceiro beneficiário

Nada impede que um terceiro atue conjuntamente com o agente público para a realização de um ato de improbidade administrativa. No Brasil, tal situação é bastante encontrada em relações entre gestores públicos e empresários, tendo o intuito de beneficiar, principalmente, a iniciativa privada.

Então, esse terceiro, agindo como cúmplice ou co-autor, ou até mesmo pelo simples fato de beneficiar-se com a conduta ímproba, torna-se sujeito ativo, por equiparação legal, do ato de improbidade administrativa, de acordo com o art. 3.º da Lei 8.429/92.

O artigo em análise expressa que o partícipe é aquele que induz ou concorre, de qualquer forma, para a prática do ato de improbidade administrativa, ou seja, aquele que influencia, auxilia, colabora, participa, de algum jeito, preparando ou executando o ato ímprobo. Tal situação remete às diretrizes traçadas pelo art.29 do Código Penal, que aborda o concurso de pessoas ou de agentes. O referido artigo transparece a idéia de que qualquer pessoa que concorra para o crime incide nas penas cominadas, na medida da sua culpabilidade.

Nesses casos, a pessoa pode até mesmo, como vimos anteriormente, ser estranho à Administração Pública. Casos comuns são aqueles que a linguagem popular intitula de “testa de ferro” ou de “agente laranja”.

O renomado autor Luiz Alberto Ferracini (1999), aduz que terceiro beneficiário é todo o participante que concorre à produção da improbidade administrativa, podendo fazê-lo de diversos modos e em diversos momentos e não somente através da indução ou concorrência para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiando de alguma maneira.

A questão da possibilidade de pessoa jurídica configurar como terceiro beneficiário é discutido atualmente. De acordo com Rita Tourinho,

apesar de a Lei de Improbidade trazer sanções de cunho pessoal, existem sanções perfeitamente aplicáveis às pessoas jurídicas, tais como: perda dos valores acrescidos ilicitamente ao seu patrimônio, reparação de danos, multa civil, proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário. Assim, as pessoas jurídicas poderão figurar como terceiros beneficiados de atos de improbidade administrativa. Porém, entendemos ser possível a utilização da teoria da desconsideração da personalidade jurídica em determinados casos (TOURINHO, 2005, p. 157-158).

Concluímos o tópico, e o capítulo, afirmando que os sócios podem figurar, também, no pólo passivo da relação processual, caso haja a desconsideração da pessoa jurídica.

4. Conclusão

Terminadas as considerações sobre o alcance terminológico da improbidade, bem como as modalidades dos atos e seus sujeitos, pode-se afirmar que a Lei n.º 8.428/92, mais conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, é instrumento hábil a combater o ato ímprobo, já que é a responsável por definir os atos, sujeitos e sanções de improbidade administrativa.

Esperamos que a Lei seja não só o instrumento hábil no papel, mas também na prática e que consiga assustar os administradores desonestos e corruptos que povoam o país, causando a diminuição de prejuízos sociais com tantos desvios de verbas destinadas à saúde, segurança, educação, para atender a interesses egoístas exclusivamente pessoais.

5. Referências

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2000.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2001.

FERRACINI, Luiz Alberto. Improbidade Administrativa. 2º ed: São Paulo, Aga Júris: 1999.

GARCIA, Emerson. e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 2.º ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004

MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001

PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de Improbidade Administrativa Comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal. Legislação e jurisprudência atualizadas. 1° ed. São Paulo: Atlas, 2002

TOURINHO, Rita Andréa Rehem Almeida. Discricionariedade Administrativa: ação de improbidade & controle principiológico. 1º ed. 2° tir. Curitiba: Juruá, 2005

 

Data de elaboração: agosto/2010

 

Como citar o texto:

SILVEIRA,Clariana Oliveira da..Lei de Improbidade Administrativa: das perspectivas sociais, atos e sujeitos de improbidade. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 14, nº 752. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/2165/lei-improbidade-administrativa-perspectivas-sociais-atos-sujeitos-improbidade. Acesso em 18 fev. 2011.

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