SUMÁRIO: 1. O CADE. 2. A livre concorrência. 3. O controle preventivo do CADE. 4. O controle de conduta do CADE. 5. O processo de atuação do CADE no controle das práticas abusivas. 6. O caso da concentração Nestlé/Garoto. Considerações Finais. REFERÊNCIAS.

1. O CADE

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, foi criado em 1962, pela Lei 4.137, apesar de já ter sido instituído desde 1942 pelo Decreto-lei n. 7.666, com a denominação Comissão Administrativa de Defesa Econômica, onde tinha a função de verificar a prática de atos que atentassem contra os interesses da economia nacional. A Lei 4.137/62 não modificou as funções do CADE, ao contrário, além de recepcionar as disposições do Decreto-lei, ela aumentou a sua área de atuação, a exemplo da instituição da multa administrativa, embora houvesse a subordinação ao Poder Executivo.

Mas, foi com a Lei 8.884, de 11 de janeiro de 1994, que o CADE se tornou uma Autarquia Federal, passando a ser mais autônomo – pois a sua atuação se dava juntamente com a Secretaria de Direito Econômico (SDE), conforme dispunha a Lei n. 8.158/91 – , e tendo um maior poder de atuação, o que possibilitou uma aceleração na resolução dos casos de sua competência.

Embora tenha a denominação de conselho, o CADE funciona como um tribunal administrativo vinculado ao Ministério da Justiça, onde as decisões advêm de um conselho administrativo composto por sete conselheiros.

O CADE é um órgão administrativo que, apesar de suas decisões estarem sujeitas ao controle e apreciação do Poder Judiciário, possui autonomia para analisar, investigar, fiscalizar e prevenir quaisquer abusos que venham a ser cometidos contra o poder econômico, ou seja, “com essa nova sistemática, ampliada sua competência, o CADE passou a atuar de forma preventiva e repressiva, respectivamente, ora proibindo certas negociações e intervindo nos possíveis efeitos maléficos de atuação empresarial, ora fiscalizando e punindo os responsáveis por constatados malefícios à ordem econômica.”[1]

2. A livre concorrência

Para André Ramos Tavares, a livre concorrência é “a abertura jurídica concedida aos particulares para competirem entre si, em segmento lícito, objetivando o êxito econômico pelas leis de mercado e a contribuição para o desenvolvimento nacional e a justiça social.”[2]

A Constituição de 1988 dispõe sobre o princípio da livre concorrência no seu art. 173, § 4º: “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”, sendo um princípio da ordem econômica e financeira que visa garantir a concorrência igualitária (a chamada situação de concorrência perfeita, sem as falhas de mercado), objetivando o equilíbrio e desenvolvimento do mercado, bem como a proteção ao consumido.[3]

O abuso do poder econômico se manifesta através dos cartéis, trustes, monopólios privados, oligopólios, concentrações, dentre outros, que impedem não só o livre exercício da concorrência, ou seja, a concorrência perfeita, como também o exercício da livre iniciativa, outro princípio básico da ordem econômica.

3. O controle preventivo do CADE

O controle preventivo do CADE, também conhecido como controle estrutural, constitui o controle feito aos atos de concentração (fusão, participação, incorporação entre as empresas), verificando se os mesmos trarão prejuízos ou benefícios à livre concorrência, assim disposto no caput do art. 54 da Lei n. 8.884/94, in verbis:

Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do Cade.

Essa análise se dará aos atos de concentração entre empresas onde uma das partes do negócio tenha acima de 20% do domínio de mercado, ou que tenha faturamento bruto anual superior a quatrocentos milhões de reais, conforme alude o § 3º do artigo acima descrito.

Mas, nem sempre a concentração econômica será considerada um ato prejudicial ao mercado, se atender a pelo menos três dos critérios dispostos no parágrafo 1º do mesmo art. 54, o que poderá ter a aprovação do CADE. Caso não atenda, ou seja, se o CADE entender que não houve o cumprimento das exigências da Lei, o ato será desconstituído, de forma total ou parcial, através de qualquer ato ou providência que elimine os efeitos danosos causados à ordem econômica, podendo ser através de distrato, ou da cisão da sociedade, bem como na venda de ativos, conforme preceitua o § 9º do art. 54 da Lei.

4. O controle de conduta do CADE

O controle de conduta, que corresponde ao controle da conduta anticoncorrencial, diz respeito a repressão às práticas que atentam contra a ordem econômica, dispostas no art. 20 da Lei 8.884/94, práticas essas que a Resolução nº 20 do CADE distinguiu em práticas restritivas horizontais, que são aquelas que visam “reduzir ou eliminar a concorrência no mercado, seja estabelecendo acordos entre concorrentes no mesmo mercado relevante com respeito a preços ou outras condições, seja praticando preços predatórios”[4], e as práticas restritivas verticais, que são práticas que geram a detenção de poder econômico, o que prejudica a concorrência, tais como a fixação de preços de revenda, a venda casada, os acordos de exclusividade, dentre outros.

5. O processo de atuação do CADE no controle das práticas abusivas

A atuação do CADE consistirá numa análise econômica feita nos atos praticados pelas empresas, sejam atos abusivos ou atos de concentração, ou seja, quaisquer atos que digam respeito aos atos de concorrência, verificando a possibilidade de prejuízos ou benefícios que estes atos possam trazer ao mercado.

Junto ao CADE atuam a Secretaria de Acompanhamento Econômico, vinculada ao Ministério da Fazenda, e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, vinculada ao Ministério da Justiça. As suas funções consistem em elaboração de pareceres, depois da análise dos casos, que serão repassados ao CADE, e este, por sua vez, os julgará, utilizando critérios técnicos. Todos esses órgãos compõem o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDF).

6. O caso da concentração Nestlé/Garoto

A título de ilustração, com exemplo da atuação do CADE nos atos de concentração, tem-se o caso da aquisição da Garoto pela Nestlé.

A empresa Nestlé, em fevereiro de 2002, submeteu à análise da SEAE, da SDE e do CADE, a intenção da aquisição da empresa Garoto.

Após recebimento do parecer pela SEAE, e análise de concorrentes e cliente, com fundamento na Lei 8.884/94 e no Guia para Análise Econômica de Atos de Concentração Horizontal da SDE/SEAE, a SDE concluiu que essa fusão geraria uma grande concentração no mercado relevante de chocolate de consumo imediato, de caixas de bombons, de ovos de páscoa, bem como geraria um monopólio no mercado de cobertura de chocolate líquida, pois somente a Nestlé e a Garoto oferecem este produto no mercado, o que poderia ocasionar um aumento no preço desse e de outros produtos, não dando opção ao consumidor senão ao pagamento desse preço elevado.[5]

Na análise feita pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, a mesma elaborou um quadro comparativo para mostrar a relevância dessa fusão (disponível em www.mj.gov.br), concluindo que esse ato geraria uma grande barreira às empresas que pretendessem adentrar nesse mercado, bem como àquelas que já se encontram nele, como a Lacta, pois seria impossível concorrer com a Nestlé, além de afetar também o lado social, pois haveria risco de fechamento da fábrica da Garoto em Vila Velha/ES, o que causaria o desemprego de muitas pessoas.

A SDE concluiu que a forma proposta seria inviável para o mercado, e impôs que as empresas (Nestlé/Garoto) expusessem ao CADE outras alternativas que fossem condizentes com a política de mercado.

O secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, José Tavares de Araújo Jr, concluiu que, diante de um cenário multilateral marcado por instituições recém-criadas na maioria dos países e pela carência de mecanismos para enfrentar conflitos de interesses derivados da crescente globalização do processo de competição capitalista, decisões como a do caso Nestlé-Garoto fortalecem não apenas os instrumentos necessários à sustentação do crescimento econômico do país, mas também a credibilidade de nossas políticas públicas no plano internacional.”[6]

Considerações finais

O CADE exerce papel importante num cenário do mercado chamado livre concorrência. É um organismo que tutela não só a concorrência perfeita, como também o consumidor. De certo que, a defesa da concorrência em nosso país não pode ser considerada totalmente perfeita, mas o CADE vem atuado de forma brilhante para combater as falhas existentes no mercado, os abusos cometidos pelas empresas, as condutas ilícitas, enfim, no intuito de manter o equilíbrio do mercado, o que pode ser constatado no volume excessivo de decisões proferidas por ele.

O mercado vem crescendo substancialmente – o que pode ser causado pelo efeito globalização – e esse crescimento traz não só benefícios, mas também conseqüências graves que podem causar grandes prejuízos a uma certa região, ou até mesmo para o país. É nesse ponto que o CADE intervém utilizando técnicas próprias, baseadas em normas específicas (Lei 8.884/94 e Resolução nº 20 do CADE) que impõem regras, bem como sanções à essas infrações.

REFERÊNCIAS

AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional. São Paulo: Atlas, 2006.

ARAUJO JR, José Tavares de. A decisão do CADE e o seu contexto histórico. Disponível em: . Acesso em: 24 mai 2007.

BRASIL, Ministério da Justiça. Secretaria de Direito Econômico. Secretaria de Direito Econômico (SDE) conclui análise da operação de aquisição da Garoto pela Nestlé. Brasília: SDE, 2002.

BRASIL. Lei n. 8.884, de 11 de junho de 1994. Transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Disponível em www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 24 mai 2007.

CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. O perfil do CADE na legislação antitruste. Revista de Direito Econômico. Brasília, n. 24, jul/set 1996. Disponível em:. Acesso em: 24 mai 2007.

FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Admissibilidade de atos que limitam a concorrência. Revista de Direito Econômico. Brasília, n. 26, set/dez 1997. Disponível em:. Acesso em: 24 mai 2007.

STUBER, Walter Douglas; NOBRE, Lionel Pimentel. A atual atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE no Brasil. Revista de Direito Econômico. Brasília, n. 26, set/dez 1997. Disponível em:. Acesso em: 24 mai 2007.

TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2006.

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[1] Revista de Direito Econômico, , set/dez 1997.

[2] TAVARES, 2006.

[3] idem

[4] AGUILLAR, 2006, p. 236.

[5] Conclusões do caso dadas pela Secretária de Direito Econômico, Elisa Silva Ribeiro Batista Oliveira.

[6] ARAUJO JR, 2007.

 

 

Elaborado em janeiro/2013

 

Como citar o texto:

BOUÉRES, Valéria..O papel do CADE e sua intervenção diante da fusão Nestlé/Garoto. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1110. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-economico/2717/o-papel-cade-intervencao-diante-fusao-nestlegaroto. Acesso em 11 out. 2013.

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