A importância da forma no estudo do negócio jurídico é fundamental uma vez que sem forma, não há negócio jurídico. É a forma que possibilita a exteriorização do negócio jurídico, essencial para que a sociedade possa apreender a declaração de vontade dos sujeitos envolvidos no negócio.

O presente trabalho abordará a forma como elemento de existência do negócio jurídico. Segundo a teoria tricotômica do negócio jurídico, a análise do negócio deve passar por três planos, o da existência, o da validade e o da eficácia.

            Veremos as principais características de cada um dos planos e em seguida, passaremos a analisar a forma, como um dos elementos necessários para a existência do negócio.

            Apesar de estar inserida como elemento de existência, abordaremos também as consequências trazidas pela forma no campo da validade do negócio jurídico. Isto porque, a falta de observância de determinado formalismo pode acarretar a nulidade do negócio jurídico.

            Veremos que a exigência de uma determinada forma especial pode derivar da vontade das partes ou da própria lei, sendo que as consequências de sua inobservância poderão variar conforme sua origem ou conforme o caso.

            Por fim, abordaremos  a aplicação e interpretação das normas que estabelecem formas especiais para determinados negócios jurídicos. Analisaremos se tais normas são inderrogáveis, excepcionais e se devem ser interpretadas restritivamente. Em decorrência de tal análise poderemos verificar quais as consequências da inobservância destas normas.

1.                  Negócio Jurídico

Na definição de negócio jurídico, verificamos que a doutrina se divide entre os voluntaristas e objetivistas. Segundo os voluntaristas, o negócio jurídico seria um ato de vontade  que visa produzir efeitos. A declaração de vontade seria, assim, a manifestação de vontade destinada a produzir efeitos jurídicos tutelados pelo ordenamento jurídico. Para os voluntaristas é a vontade dos efeitos (jurídicos ou práticos) que caracteriza o negócio jurídico.

Já segundo os objetivistas, o negócio jurídico seria o preceito que tira sua validade da norma abstrata superior (auto-regramento da vontade). Seria portanto o comando concreto ao qual o ordenamento jurídico reconhece eficácia vinculante. A atenção neste caso estaria voltada aos efeitos do negócio jurídico (função) e não a vontade das partes (gênese). O negócio jurídico seria o meio pelo qual o ordenamento jurídico confere aos indivíduos  o poder de regular suas relações mútuas, dentro dos quadros das normas gerais.

Antônio Junqueira de Azevedo[1] critica ambas as posições, afirmando que a vontade não é elemento necessário para existência do negócio jurídico e, portanto, não poderia ser elemento definidor deste.  Como exemplo, ele  menciona casos em que as partes querem um efeito mas declaram outro – que gera a possibilidade de conversão em outro negócio jurídico. Por outro lado, critica visão objetivista, segundo a qual não se explicaria a existência de negócios nulos ou anuláveis, pois não estando de acordo com o ordenamento, não seriam por ele recepcionados, não podendo, portanto, ser considerados negócio jurídico. Segundo ele, portanto, as definições oferecidas pelos voluntaristas e objetivistas não revelam a estrutura do negócio jurídico.

A definição do negócio jurídico deve,  segundo Antônio Junqueira de Azevedo,  ser formulada de um ponto de vista estritamente estrutural, não se preocupando em saber como ele surge ou atua, mas sim o que ele é.

O negócio jurídico estruturalmente analisado conforme teoria tricotômica, passa pelos três planos de análise, o da existência, o da validade e o da eficácia, conforme veremos adiante.

2.   Declaração de vontade e manifestação de vontade

AZEVEDO[2] classifica a declaração de vontade como a manifestação de vontade que, pelas circunstancias (circunstâncias negociais)  é vista socialmente como destinada a produção de efeitos jurídicos.

Em regra, são atribuídos ao negócio jurídico os efeitos manifestados como queridos (se respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia). De maneira geral, portando, coincidem os efeitos atribuídos pelo direito (efeitos jurídicos) e os efeitos manifestados como queridos (efeitos manifestados). Porém, tal coincidência pode não ocorrer, se faltarem, por exemplo, requisitos de validade do negócio.

É comum encontrarmos como parte da definição de negócio jurídico a expressão “ato lícito”. Porém, não seria correto afirmar que o negócio é um ato licito[3]. Se licito ou ilícito é qualificação que se dá a certos fatos jurídicos, conforme sejam aprovados ou reprovados pelo ordenamento jurídico. A qualificação do fato não pode fazer parte de sua estrutura. A qualificação é sempre extrínseca à composição interna do fato, por isso podem existir negócios ilícitos, como por exemplo o segundo casamento do bígamo e compra e venda de entorpecente. Nos casos citados,  não é pelo fato de serem ilícitos e nulos que perdem o caráter de negócio jurídico, pois continuarão existindo como negócio, porém serão qualificados como nulos ou anuláveis. Isso demonstra o erro de se colocar a licitude como uma das características definidoras do negócio jurídico.

Em relação a vontade dos agentes, segundo a teoria tricotômica seguida por AZEVEDO[4], o negócio jurídico não deve ser visto como um  ato de vontade e sim como ato socialmente visto como ato de vontade destinado a produzir efeito jurídicos.

Tal perspectiva muda completamente a visão do neógio, pois passa da análise psicológica da vontade do agente para análise social. Assim, o negócio não é o que o agente quer e sim o que a sociedade vê como a declaração de vontade do agente. A análise do negócio passa portanto pelo prisma social e propriamente jurídico.

AZEVEDO[5] sustenta que apesar da sua definição ser menos objetiva, nem por isso ele esquece dos efeitos que resultam do negócio. Esses efeitos, porém, não estão presos, como normas, a outras normas, mas são relações jurídicas que o ordenamento jurídico atribui ao negócio em conformidade com os efeitos manifestados como queridos, quando respeitados os pressupostos de existência, validade e eficácia.

Dessa forma, segundo a concepção estrutural do negócio jurídico, ele seria o fato jurídico que por causa de suas circunstancias é visto socialmente como declaração de vontade, conjugada com o exame de sua projeção nos três planos (existência, validade e eficácia). Tal visão resolve o tão debatido papel da vontade e da causa do negócio jurídico.

Segundo a teoria tricotômica, vontade e causa não fazem parte do negócio jurídico. O negócio existe independente delas (plano existência); elas são apenas meios de correção do negócio pois, agindo fora dele, no plano da validade e eficácia, evitam efeitos não queridos (não queridos subjetivamente pelo agente – vontade, ou não queridos objetivamente pela ordem jurídica  – causa).

3.   Elementos de Existência do Negócio Jurídico

Elemento do negócio jurídico é tudo aquilo que compõe sua existência no campo do direito.

Primeiramente será preciso definir qual negócio jurídico estamos analisando, se  a categoria abstrata final, se alguma categoria intermediaria ou se o negócio particular.

Os elementos gerais são aqueles comuns a todos os negócios. Os elementos categoriais, são os próprios de cada tipo de negócio e os elementos particulares, aqueles que existem em um negócio determinado, sem serem comuns a todos os negócios ou a certo tipo de negócio.

Dentre os elementos gerais, temos os intrínsecos (constitutivos), que são  aqueles indispensáveis à existência de todo e qualquer negócio e os extrínsecos (pressupostos) que, apesar de não fazerem parte integrante do negócio, são indispensáveis à sua existência, servindo para sua  identificação.

Os elementos intrínsecos seriam a forma, objeto e circunstâncias negociais. Os extrínsecos seriam agente, lugar e tempo.

A forma seria o tipo de manifestação que veste a declaração (escrita, oral, mímica, silencio), o objeto seria o conteúdo do negócio (cláusulas, fim manifestado) e as circunstancias negociais seriam o quid, que faz com que uma manifestação de vontade seja vista socialmente como destinada à produção de efeitos jurídicos. É o que resta da declaração de vontade, despida da forma e objeto.

            Além dos elementos gerais, existem os elementos categoriais, que não resultam da vontade das partes, mas da ordem jurídica (lei, doutrina e jurisprudência). Eles se dividem em elementos categoriais essenciais (inderrogáveis), que  servem para definir a categoria do negócio jurídico e caracterizam a sua essência, como por exemplo o consenso sobre coisa e preço na compra e venda. Cabe ressaltar que se faltar um elementos categorial essencial, aquele negócio específico não existirá como negócio daquele tipo, mas poderá ser convertido em outro negócio (conversão substancial).

 

Os elementos categoriais naturais (derrogáveis) são aqueles que  podem ser afastados pela vontade das partes sem que isso mude o tipo de negócio, como por exemplo a responsabilidade pela evicção no contrato de compra e venda.

 

Os elementos particulares, por sua vez, são sempre voluntários, não são próprios de todos os tipos de negócio ou de toda categoria de negócios. Podemos citar como elementos particulares a condição, o termo, o encargo, a cláusula penal.

4.         Requisitos de validade do negócio jurídico

O negócio jurídico é o único fato jurídico que passa pela análise do plano de validade. A declaração de vontade – manifestação de vontade vista socialmente como destinada a produzir determinados efeitos jurídicos - não pode contrariar o ordenamento jurídico, sob pena de nulidade do negócio.

            Válido é, portanto, o adjetivo dado ao negócio jurídico que está conforme as regras jurídicas. Desta forma, requisitos de validade são as características que  os elementos devem ter.

            Entre os elementos gerais intrínsecos, para que o negócio seja válido a declaração de vontade tomada como um todo deverá ser: resultante de um processo volitivo, querida com consciência da realidade, escolhida com liberdade e deliberada sem ma-fé. O objeto, deverá ser lícito, possível e determinado ou determinável e a forma, por sua vez, deverá ser livre ou conforme previsto em lei.

            Ainda no plano da validade, em relação aos elementos gerais extrínsecos, temos como requisitos que o agente seja capaz e legitimado para o negócio, que o lugar seja apropriado e tempo útil para aquele negócio específico.

Quanto aos elementos categoriais inderrogáveis, os requisitos de validade precisam ser desenvolvidos especialmente para cada tipo de negócio, não existindo regras gerais para todos os negócios. Já os elementos categoriais derrogáveis  não possuem requisitos de validade.

Dentre os elementos particulares, a falta de requisitos pode levar a nulidade não só da condição em si, mas de todo o negócio jurídico, como no caso de condições ilícitas (que sejam contrárias a lei ou aos bons costumes). Em outros casos, os requisitos de validade levarão a nulidade apenas da condição, como na hipótese de condição de não fazer coisa fisicamente impossível.

5.         Fatores de eficácia do negócio jurídico

A eficácia típica do negócio jurídico é a eficácia dos efeitos manifestados como queridos. A exceção a tal regra é a possibilidade de eficácia de negócios nulos e ineficácia de negócios válidos.

Fatores de eficácia são extrínsecos ao negócio, logo, não integram o negócio, mas participam na obtenção dos resultados. Os fatores de eficácia podem ser divididos em fatores de atribuição de eficácia em geral – sem os quais o ato não produz praticamente nenhum efeito, fatores de atribuição de eficácia diretamente visada, segundo os quais o ato produz exatamente os efeitos visados e os fatores de atribuição de eficácia mais extensa, que visam ampliar eficácia a terceiros ou erga omnis.

6.               Elementos constitutivos do negócio jurídico: circunstâncias negociais, forma e objeto.

Conforme verificamos, os três elementos da declaração de vontade são as circunstancias negociais, a forma e o objeto. Tais elementos não existem separadamente, sendo indissolúveis.

Se tivermos apenas forma e objeto, estaremos diante de uma simples manifestação e não de um negócio jurídico. Para que tenhamos uma declaração de vontade é essencial que estejam presentes as circunstâncias negociais. Assim, podemos dizer que as circunstâncias negociais são o elemento definidor da declaração de vontade.

Circunstâncias negociais, segundo definição de AZEVEDO[6], seriam o  conjunto de circunstâncias que formam uma espécie de esquema, ou padrão cultural, que entra a fazer parte do negócio e faz com que a declaração seja vista socialmente como dirigida à criação de efeitos jurídicos. É um modelo cultural de atitude que em um momento em determinada sociedade faz com que certos atos sejam vistos como dirigidos à produção de efeitos jurídicos.

O negócio é, portanto, o que socialmente se vê como manifestação de vontade dirigida a produção de efeitos jurídicos. O direito depois, nos planos da validade e eficácia, irá avaliar se esses efeitos serão validos e eficazes.

Objeto do negócio jurídico é todo o conteúdo do negócio, podendo ser todo formado pelas partes, ou  resultar de outras fontes (lei).

A forma do negócio jurídico, que será analisada adiante,  é o meio pelo qual o agente expressa a sua vontade.

7.               Histórico da forma

No Direito Romano as formas tipificadas não tinham função de revelar o conteúdo do ato. Eram cerimonias precisas, com valor mágico e espiritual. A declaração de vontade era inábil a criar relação jurídica, que  necessitava de repetição literal de fórmulas e ritos. A forma, portanto, era vista como o próprio negócio, não existindo como categoria autônoma. A observância da forma teria o mesmo efeito vinculante que o aprisionamento. O atendimento aos requisitos formais criava um vínculo real, embora invisível e, portanto mágico, entre os contratantes.

A forma, e não o acordo, era a efetiva fonte da obrigação. A chamada stipulatio era a efetiva vontade das partes e só podia ser aferida por meio da pronuncia de palavras rituais. A importância dada a forma diminuiu no curso da história e os romanos chegaram nos séculos II e I a.C a aceitar que as obrigações nasciam diretamente do mero acordo em casos específicos (como a venda).

Justiniano atenuou o rigor formal e permitiu que o documento comprobatório da presença das partes fosse suficiente para a validade da stipulatio.

Os bizantinos trouxeram o consenso para o primeiro plano e viam a forma como simples requisito exigido para que fosse legalmente concluído o contrato. A forma, predominantemente  escrita passou a ser vista como mero complemento do contrato, destinada não mais a criar o vinculo jurídico, mas sobretudo, a provar sua existência.

Direito Comum Europeu, a Espanha, no Reino de Castela, em 1348  consagrou pela primeira vez no direito privado europeu a ideia geral de contrato. A efetiva abolição da forma deu-se em primeiro lugar por força da influencia dos canonistas que afirmaram o princípio do pacta sunt servanda, declarando todos os contratos passíveis de tutela por meio de ação.

No Brasil, o Código Comercial de 1850 estabelecia o princípio da liberdade de forma. Não havia previsão de forma ad substatiam (para que o negócio pudesse ser considerado concluído). A prova escrita somente seria exigível ad probatitonem e quando a lei dispusesse nesse sentido.

Na Consolidação das Leis Civis, o regramento só exigia forma específica para alguns contratos. Porém, na pratica, todos os contratos típicos estavam sujeitos a observância de alguma formalidade. Na realidade, portanto, o formalista era a regra.

Diversos projetos trataram da matéria e afinal, Bevilacqua decidiu por fim a distinção entre exigências formais ad substantiam e ad probationem. Consagrou a liberdade de forma como princípio e dispôs que o comprimento da forma prevista em lei seria sempre requisito de validade. Dessa forma no Código Civil de 1916 não havia nem um caso em que a forma fosse exigida a título probatório.

No código atual, a Parte Geral exige escritura pública para todos os negócios que objetivem a constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis com valor superior a 30 (trinta) salários mínimos, bem como se as partes decidirem condicionar a validade do negócio a sua celebração.

A Parte Especial, por sua vez, exige escritura pública para constituição de renda, pacto antenupcial e a cessão de direito à sucessão aberta. A forma  escrita é exigida para os contratos de doação, fiança, transação e constituição de penhor especial.  

O art. 107 do Código Civil prevê que a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente exigir.

Podemos observar, portanto que no Direito contemporâneo a obtenção de acordo é indubitavelmente mais importante do que o cumprimento de dado requisito formal. Todavia, em determinadas situações, a falta de um requisito formal pode levar a nulidade do negócio jurídico.

8.               Forma ad substantiam e ad probationem

A forma ad probationem é aquela utilizada apenas para provar um ato, podendo portanto ser substituída por outro meio de prova.  A forma ad substantiam por sua vez,  não pode ser substituída e não tem apenas o papel de provar o ato.

Segundo ASCENSÃO[7] a previsão geral para a falta de forma prevista em lei é a nulidade do ato. Porém tal consequência só poderá ser aplicada se a forma for ad substantiam e não apenas ad probationem. Em princípio, toda a norma é ad substantiam.  Porém se resultar claramente da lei que a forma exigida é apenas para prova de declaração, então admite-se que forma legal é ad probationem e, portanto, sua inobservância poderá ter outras consequências que não a nulidade.

 

9.               Forma do negócio jurídico

Conforme observamos anteriormente, forma é o meio pelo qual o agente expressa a sua vontade.[8] O Direito não pode se ocupar da vontade que permanece intima, não exteriorizada. Forma é  elemento de existência do negócio jurídico. Não há, portanto, negócio jurídico sem forma, uma vez que não pode haver negócio jurídico sem que, de alguma maneira, a vontade tenha deixado de ser um fenômeno interno. Por isso mesmo, segundo nosso ordenamento, a reserva mental é irrelevante, salvo se o destinatário tinha conhecimento (art. 110 do Código Civil).

No direito contemporâneo a forma não figura como simples elemento de existência dos negócios jurídicos. Apesar da liberdade formal ser a regra, a validade de alguns negócios jurídicos necessita de forma especial.

Portanto, para ter tutela jurídica, a declaração de vontade deve ser querida (sem vícios) com plena consciência, escolhida de maneira livre e deliberada sem o propósito de prejudicar terceiros.

Cabe ao plano da validade aferir se a declaração de vontade atende a tais requisitos. Nulidade e anulabilidade são consequenciais  que dependem da orientação política seguida por dado ordenamento.

No caso do Brasil, o art. 104 do Código Civil estabelece que a validade do negócio jurídico requer:

“III - forma prescrita ou não defesa em lei.”

O art. 166 do Código Civil, por sua vez,  define que é nulo o negócio jurídico quando:

“IV - não revestir a forma prescrita em lei.

 V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para sua validade.”

            Portanto, segundo nosso ordenamento, quando a legislação prevê a forma específica para determinados negócios jurídicos, tal formalismo será requisito de validade.  

O cumprimento de formalidades tem caráter nitidamente acessório e somente é exigido excepcionalmente. No Direito brasileiro é fácil precisar os casos em que a forma específica é exigida.

ZANETTI[9] faz uma classificação segundo a função desempenhada pela exigência formal. Analisa, portanto qual a razão que justifica a forma imposta pela lei.

Na função assecuratória as partes podem estipular forma específica para o negócio jurídico, como por exemplo a exigência de escritura pública para contrato de empreitada. Caso não seja obtida a escritura, o negócio será nulo nos termos do art. 109 e 166, V e VI do Código Civil. A escritura pública, neste caso,  será requisito de validade do negócio, por definição das partes.

Parte da doutrina defende que as partes possam condicionar também a existência do negócio à adoção da escritura pública[10]. Seria este o intuito do art. 109 do Código Civil ao prescrever que a forma seria a "substancia do ato".

Para ZANETTI[11], esta não é a correta interpretação do Código, que em sua Parte Geral trata a forma como requisito de  validade e não como elemento de existência. O próprio art. 109 usa o termo "valer". Não há razão, portanto,  para se afastar o art. 104, III que deixa clara que a forma prescrita em lei é requisito de validade.

Porém, admite o autor que as partes possam de maneira clara condicionar a formação (existência) do negócio a determinada forma, mas tal vontade não pode ser presumida, ela deve ser expressa.

A teoria do negócio jurídico foi desenvolvida para assegurar e não violentar a vontade das partes. O princípio da autonomia privada confere às partes não apenas o poder de determinar os efeitos decorrentes do vínculo, mas também estabelecer a forma que deve ser empregada para que o contrato seja valido ou, eventualmente, venha a existir.  

A função de acautelamento, seria por sua vez aquela atribuída a exigência formal que garante as partes uma oportunidade adicional para refletir a respeito da conveniência de celebrar dado contrato. Considera-se que sendo maior a formalidade, as partes refletirão mais do que se fosse possível a forma verbal simplesmente. Tal função pode estar direcionada a proteger ambas ou uma das partes – acautelamento bilateral e unilateral.  

O acautelamento bilateral no direito brasileiro, pode ser observado na confecção de escritura pública, sempre exigida para os negócios que envolvem constituição ou transferência de direitos reais sobre bens imóveis (art. 108 do Código Civil), no direito real de superfície  (art. 1360 do Código Civil), na transferência de direito sobre sucessão aberta (art. 1793 do Código Civil), no pacto antinupcial (art.1653 do Código Civil) e  na adoção ( art. 843 do código Civil).

A Lei de Arbitragem 90307/96 exige que a  convenção de arbitragem, cláusula ou compromisso deve ser escrita. Para contratos por adesão, o art. 4, paragrafo 2o da Lei de Arbitragem estabelece que a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente ara essa cláusula.

Segundo ZANETTI[12], apesar artigo 4 da Lei de Arbitragem falar em eficácia da cláusula, a sanção pela inobservância da forma prescrita é aquela prevista na Parte Geraldo Código Civil:  nulidade. Segundo o autor, estaríamos no plano da validade e não da eficácia.

O art. 1438 do Código Civil que trata de penhores especiais exige forma escrita e contratos gratuitos também possuem exigências formais, como a doação que precisa ser escrita e, se recair sobre imóveis de valor acima de 30 salários mínimos, será por escritura pública. O objetivo da forma nestes casos é proteger o doador contra a conclusão precipitada do contrato.

O silêncio também pode ser visto como declaração de vontade. Em princípio ele é ambíguo e apenas terá relevância jurídica quando o silente, tendo o dever ou ônus de falar, silencia.  Para que o silêncio seja interpretado como declaração de vontade deverão estar presentes dois requisitos:  que as circunstâncias criem para alguém o ônus ou dever de ser manifestar a fim de evitar a realização do negócio e  que essa pessoa não se manifeste.

Importante ressaltar que o ônus de manifestação não pode ser criado unilateralmente por um das partes em detrimento da outra.

10.       Princípio da liberdade da forma

Nathalia Masson faz uma reconstrução do conceito de forma, adotando-o numa perspectiva cada vez mais dinâmica e instrumental, mantendo valor jurídico da certeza do direito e de sua aplicação.

Todo negócio jurídico tem forma, já que a forma é indispensável para identificar a existência do negócio para terceiros. Mas não é essa forma que interessa ao estudo do negócio jurídico e sim aquela forma específica prevista em lei e que se não for observada acarreta a nulidade. Com a forma vinculada, as partes adquirem conteúdo e certeza. Do contrário, o conteúdo poderia restar ambíguo.

Na Itália, muito se discutiu a respeito da existência ou não do princípio da liberdade das formas.

Aqueles que defendem sua inexistência, baseiam-se no art. 1325 do Código Civil italiano. Ele contem duas fattispecie: uma fraca e uma forte. A fraca seria representada por três elementos: acordo, objeto e causa, enquanto a forte seria representada por esses três  elementos, mais a forma. Na fraca, a forma não tem relevância jurídica. Na forte, por sua vez, a forma apenas descreve a estrutura do negócio, não tendo poder de vetar ou comandar o negócio.

Para os que defendem a existência do princípio, alegam que ao declarante é dada a chance de decidir qual a forma que manifestará sua vontade e tornar conhecido o conteúdo do seu programa negocial.

Para Nathalia Masson[13], o princípio existe, ainda que implicitamente e pode ser deduzido da analise de outros princípios e normas. Mas não podemos esquecer que existem formas vinculadas e formas livres, e não há prevalência de uma sobre a outra no sistema do ordenamento jurídico. Juntas, a forma vinculada e a forma livre completam o sistema.

11.       Excepcionalidade, inderrogabilidade e impossibilidade de interpretação extensiva das normas que estabelecem formas legais

Segundo definição de Ascensão[14] não há ato sem forma. Forma seria a maneira de exteriorizar um ato e forma negocial a forma de exteriorizar um negócio jurídico.

Para leigos, o que não está escrito não tem valor. Porém a declaração de vontade vale por si só, mesmo que seja verbal ou por sinais. A exceção é a previsão de norma requerendo forma específica para determinados atos.

Ascensão diferencia negócios solenes ou formais dos negócios não solenes ou informais, que permitem qualquer forma.  Critica o termo “formal” porque pareceria que para os outros atos a forma não existe, quando na verdade ela sempre existe.

Enquanto a forma pertence a estrutura do negócio (maneira que ele se revela), a formalidade é exterior, podendo ser anterior ou posterior a celebração.

A forma voluntária estaria presente quando o autor voluntariamente usa forma mais solene do que a que está obrigado. A forma convencional seria semelhante à voluntária,  pois também não está prevista em lei mas, neste caso, existe um acordo entre as partes que impõe a utilização daquela forma.

Caso a estipulação não seja observada as partes não estarão vinculadas, pois presume-se que elas não queriam se vincular. Porém, se as circunstâncias permitirem afastar tal presunção, o negócio será valido e eficaz. Neste caso, as partes terão derrogado ou revogado o acordo sobre a forma estipulado, afinal, a estipulação sobre a forma também está sujeita ao princípio da liberdade de forma.

A forma legal, por sua vez, tem  previsão em lei. Sua existência estaria justificada na maior reflexão das partes, na segurança do negócio jurídico, na prova dos atos, no propósito da lei de dificultar certos negócios desfavoráveis, mas que não chegam ao ponto de serem proibidos.

Segundo ASCENSÃO[15], a forma legal é obrigatória. As normas que estabelecem requisitos formais para determinados  negócios jurídicos não seriam normas inteligentes pois não estariam suscetíveis de nenhuma restrição do interprete. Devem ser aplicadas sob pena de nulidade do ato.

Conforme visto, no Brasil entende-se que a regra geral é liberdade de forma para os negócios jurídicos. Ou seja, as partes podem escolher a forma que desejam utilizar para declarar sua vontade. Contudo, para alguns tipos de negócio jurídico, a lei exige uma forma especial. A questão que se coloca é se tais normas que preveem formas específicas para os negócios jurídicos são inderrogáveis, excepcionais e, consequentemente, de interpretação restritiva.

Humberto Theodoro Junior[16] e Caio Mario[17] , como a maior parte da doutrina brasileira, consideram a regra geral a liberdade de forma, sendo que a declaração de vontade dependerá de forma especial se prevista expressamente. O negócio solene seria, portanto, a exceção.

Seguindo esse pensamento, tais normas seriam inderrogáveis pois teriam conteúdo imperativo, sendo que sua violação acarretaria sempre a nulidade do negócio ou sua inexistência. Seriam por sua vez excepcionais, pelo fato de contrariarem o princípio da liberdade da forma enquanto expressão da autonomia privada. Por consequência, a sua interpretação deveria ser restritiva.

Logo, a forma seria um limite imposto à autonomia privada, conforme maioria da doutrina brasileira.

Nathalia Masson[18] por sua vez, propõe uma visão distinta, uma interpretação de tais normas conforme a constituição, seguindo o pensamento de PERLINGIERI[19], que tenta desmistificar o caráter excepcional  das normas que estabelecem forma vinculada a determinados atos.

Segundo PERLINGIERI,[20] é importante verificar a ratio que a norma exprime. O valor que ela representa para o ordenamento. Dessa maneira, nem todas as normas que prescrevem formas legais para validade e eficácia dos atos são normas de ordem pública. Serão de ordem pública aquelas que em razão da sua importância e dos valores em si armazenados representem os princípios e valores de relevância constitucional, como os de tutela, garantia e promoção da dignidade da pessoa.

A natureza inderrogável de uma norma que versa sobre a forma de um ato não existe a priori, somente a posteriori, porque é resultado de uma interpretação que leve em conta os interesses e os valores tutelados pela normativa, a intensidade de sua relevância e as garantias que protege.

Assim, o que decide o caráter cogente da norma não são elementos formais e extrínsecos, mas sim os aspectos substanciais ligados ao tipo de interesse tutelado e a finalidade em concreto perseguida pela norma. Necessário, portanto, interpretar conforme a Constituição Federal, que é o ápice do ordenamento jurídico.

Conforme afirmado por Karl Larenz[21] “o texto nada diz a quem já não entenda alguma coisa daquilo de que ele trate”.

PERLINGIERI[22] defende que a interpretação não pode ser arbitrária.  Ela encontra limites nos princípios constitucionais e o papel do interprete é estabelecer hierarquia de valores e interesses. São por exemplo inderrogáveis as normas que privilegiam, em qualquer situação, os sujeitos débeis e suas relações com sujeitos com força contratual, assim como as normas que possuem evidente relação com os interesses e valores tutelados constitucionalmente. Não são inderrogáveis, portanto, as normas que a lei ordinária diz que são e sim aquelas que, após uma análise conforme preceitos constitucionais, sejam classificadas como protetoras de interesses primordiais para aquele ordenamento. A Ordem Pública pode, portanto, autorizar a conservação e eficácia de um ato, ainda que ausente um requisito formal.

A maioria dos autores defende o caráter excepcional das normas que determinam forma especial para os negócios jurídicos, pois entende que a prescrição de uma forma específica derroga o princípio da liberdade da forma e o princípio da autonomia privada. Tais norma impedem que as partes decidam sobre a formalidade, o que representaria um limite de liberdade. Ao mesmo tempo porém, se reconhece a necessidade social de que alguns negócios tenham formas particulares, para garantir maior segurança jurídica.

Ainda segundo PERLINGIERI[23], uma leitura constitucional de tais normas não autorizaria uma vinculação absoluta das formas por  três razões:

a)      Autonomia negocial não pode ser interpretada apenas como livre iniciativa econômica. Ela tem vários fundamentos que ensejam analise do ato, sujeitos, contudo, finalidade, etc.

b)      Autonomia negocial não é um valor em si, um dogma. Nem tudo que a limite é excepcional. Pode ocorrer que a autonomia negocial prevaleça mesmo havendo forma prescrita para o caso. Em outros casos a forma não estará prevista em lei de forma taxativa, mas poderá decorrer da natureza do bem, características dos sujeitos, desde que tal forma esteja em harmonia com o sistema como um todo.

c)      A forma não deve ser concebida sempre como um limite. Ela á um instrumento de tutela de interesses, podendo atuar na proteção da pessoa humana. Nenhuma norma é, por si só, em matéria de forma, uma regra ou uma exceção, sendo necessária coloca-la em confronto com o restante do sistema.

Assim, a forma voluntária e a forma legal são ambas instrumento para realização de interesses da sociedade e nenhuma deve ser privilegiada a priori.

PERLINGIERI defende a pluralidade de princípios pois vê o ordenamento como um sistema. Assim, todas as normas levam consigo o potencial de estensividade, ou seja de estender sua aplicação ao limite de explicação de sua forma racional.  O autor não pretende, portanto superar o formalismo e sim promover o seu renascimento, para que encontre sua razão de ser em valores de relevância constitucional.

Sobre a inderrogabilidade das normas que regulam as formas, critica tal visão simplista, pois ela decorre do pensamento de que se existe previsão de nulidade, então a norma é inderrogável, quando na verdade deveria ser o contrário, ou seja pela importância da matéria, a norma deve ser inderrogável e, consequentemente  sua inobservância leva a nulidade.

Segundo PERLINGIERI[24], a  disciplina da forma só pode ser conhecida e aplicada no contexto do conteúdo de cada ato e do ordenamento globalmente considerado, com a verificação  das exigências ou interesses que justificam a previsão da forma, bem como a análise se essa previsão merece tutela, compatível e coerente com o sistema.

            Cada forma negocial tem necessariamente uma função, ainda que heterogênea. O porque da norma (sua função)  não se deduz da previsão da sanção nulidade, mas sim do necessário fundamento da previsão normativa.

Para Paolo Gallo[25], no direito moderno civil e comercial, prevalece o princípio da liberdade das formas. A forma dos contratos é livre, a não ser que a lei disponha diversamente. Contudo, recentemente, observamos a imposição de certos formalismos das novas disposições legais (contratos bancários, turísticos, franquia). A função da forma nestes casos segundo o autor italiano não seria dar certeza as relações, mas sim proteger o consumidor.

Questiona GALLO o por que esse suposto retrocesso. Teria sido o código de Napoleão utópico ao prever liberdade das formas?  Será que as desvantagens do formalismo são compensadas pela maior clareza e segurança do emprego da forma?

Uma prova disso seria que as partes normalmente optam pela forma escrita, mesmo quando ela não é exigida pela lei. Isso porque a redação por escrito do contrato dá maior certeza e o conteúdo fica claro. Desta forma, podemos pensar que a exigência de uma determinada forma para certos negócios jurídicos não seja meramente um limite à liberdade das partes, mas sim uma proteção de um bem maior, um interesse social e até mesmo um interesse das partes que estão realizando o negócio.

           

            Os ensinamentos de Judith Costa Martins nos demonstram que a hermenêutica deve se atentar a análise do caso real. Em relação ao princípio da concreção afirma:

 

 

“Raciocinar por “concreção” não significa, como por vezes ingenuamente se figura, a mera ‘individualização’ (como termo indicativo de um particular indivíduo – como ‘o senhor fulano de tal, que mora na cidade de X’). Do mesmo modo a concreção não se opõe à noção de sistema, essencial para a racionalidade do Direito, cabendo razão a Humberto Ávila quando anota: ‘Quando se aplica se valorar sistemática e problematicamente, não se aplica: distorce-se a finalidade do Direito’[26]. Não constitui, bem por isso, nenhum passaporte para o subjetivismo, para uma livre ‘produção de sentidos’ por parte do intérprete, para o estabelecimento, pelo juiz, de decisões ad hoc.”[27]

           

Segundo Fábio Konder Comparato[28], todo o conceito de Direito ou é operacional ou não tem sentido, razão pela qual seria obrigatória a adoção, no trabalho hermenêutico, do critério funcional, que leva a perquirir as finalidades da regra, pois não há inteligência exata das regras jurídicas empresariais sem a compreensão dos interesses econômicos em causa.

O Código Civil de 2002 foi projetado tomando por base três diretrizes: o princípio da socialidade, o princípio da eticidade e o da operabilidade.

Segundo NANNI, tais princípios se consubstanciam como importantes elementos de interpretação e aplicação da lei:

O princípio da socialidade significa a prevalência do sentido social, dos valores coletivos sobre os individuais, com destaque fundamental da pessoa humana. O Código Civil busca imprimir um sentido social marcante, com novos princípios, como é o caso da função social do contrato e da função social da propriedade.

O princípio da eticidade funda-se na acepção da pessoa humana como fonte de todos os demais valores, priorizando a boa-fé, a equ?idade, a probidade, o justo comportamento de todos os seres humanos. É conferido maior poder ao juiz para encontrar a solução mais justa ou equ?itativa, de acordo com preceitos éticos, abandonando-se o formalismo de regras normativas expressas na lei, criando-se um sistema aberto e compreensivo. É o caso da cláusula geral da boa-fé como parâmetro para interpretação dos negócios jurídicos (art. 113) e como regra de conduta objetiva nos contratos (art. 422).O princípio da operabilidade leva em consideração que o direito é feito para ser efetivado, para ser executado. Evitou-se um regramento complexo e difícil, como o exemplo de distinção entre prescrição e decadência, a fim de que a lei seja operativa.”

Na interpretação das normas não se pode deixar de apreciar tais princípios inseridos em nosso Código Civil, que priorizam os valores essenciais de nosso ordenamento.

12.       Contração eletrônica e forma escrita

            Tema amplamente discutido é o da contratação eletrônica. Poderia tal forma de contratação ser considerada escrita? Contratos celebrados via internet, por meio de disposições e condições que são oferecidas por uma determinada empresa e que, após a sua conclusão e pagamento desaparecem e não podem ser reproduzidas poderiam ser considerados contratos escritos? A exigência de forma escrita poderia ser considerada preenchida? A maior preocupação de tal tipo de contratação seria em relação a proteção dos direitos do consumidor, uma vez que na maior parte dos casos, a relação entre as partes seria de consumo.

Na Europa, a Diretriz 11/31/CE trata do comercio eletrônico e prevê no seu art. 10/3 que antes da celebração do contrato sejam fornecidos ao destinatário os termos contratuais e as condições gerais, de forma possível de armazenamento e reprodução.

Assim, não estaria imposta a forma, mas sim um elemento formal. A Diretriz europeia determina que os Estados não só devem permitir, mas também não criar obstáculos aos contratos por via eletrônica. Tal posicionamento revela a preocupação em não criar obstáculos para o crescimento da contração eletrônica, que possibilita a ampliação do mercado das empresas para contratações internacionais. Preocupada também com a solução de possíveis conflitos internacionais, oriundos de contratações a longa distancia, a Diretriz Europeia estimulou também que os Estados desenvolvessem formas eletrônicas de resolução de conflitos, justamente para facilitar a proteção dos interesses envolvidos.

Seguindo essa orientação, diversos países europeus já criaram formas de resolução de conflitos que utilizam meios eletrônicos, de modo a proporcionar a solução do conflito a distância de forma simples e com baixos custos. O métodos chamados ODR (online dispute resolution) representam um avanço e a nova tendência para resolução de conflitos, que já não utiliza apenas os meios tradicionais de ADR (alternative dispute resolution), mas também formas inovadoras, como a mediação e a conciliação online, muito úteis para resolução de disputas envolvendo questões de consumo, com partes de países distintos.

Para o mercado eletrônico, nada mais apropriado do que um procedimento eletrônico para resolução do conflito, afinal, os contratantes na maior parte das vezes estão muito distantes e possivelmente sujeitos a  regras e ordenamentos jurídicos distintos.

Desta maneira, seguindo essa orientação e interpretação, a contratação eletrônica poderia ser  equiparada a celebração por escrito, desde que possível o armazenamento e reprodução das informações nela contidas.

Em Portugal, Dec. Lei 143/2001 sobre celebração de contratos a distância pode ser aplicado para contratações eletrônicas, pois é legislação geral.  Prevê que o contrato não tem que ser celebrado por escrito mas, até o  momento da entrega do produto, deve haver entrega de documento que comprove o negócio. A aplicação de tal decreto funciona apenas em beneficio do consumidor.

Assim, podemos considerar que o documento eletrônico satisfaz o requisito da forma escrita quando seu conteúdo seja suscetível de representação como declaração escrita.

Conclusões.

            O negócio jurídico necessita de uma forma para existir, uma vez que a mera vontade interna do sujeito não é relevante para o Direito. A vontade interna é impossível de se agarrar, é incontrolável e somente quando se torna conhecida no ambiente social, por meio da declaração ou comportamento, se tornará um fato social, podendo ser interpretada e avaliada.

            Os debates em torno da teoria da vontade e da teoria de declaração, que buscam identificar se o mais importante é a vontade ou a declaração perdem sentido diante a teoria tricotômica do negócio jurídico. Segundo esta visão, ambas teorias estariam equivocadas, uma vez que consideram vontade e declaração como duas coisas separadas, quando na verdade existe apenas uma coisa: a declaração de vontade.

Na análise segundo os três planos da existência, da validade e da eficácia, a vontade não é um elemento do negócio jurídico. O negócio jurídico é a declaração de vontade, sendo esta composta por três elementos: objeto, forma e circunstâncias negociais.

A forma, dentro desta visão é a maneira pela qual se exterioriza o negócio jurídico e, em regra geral, as partes podem escolher como será feita a declaração de vontade.

Porém, em algumas situações, o ordenamento jurídico achou por bem estipular formas específicas para determinados atos. O intuito seria o de assegurar e acautelar as partes, além de fornecer também segurança jurídica a terceiros, para determinadas matérias como a doação de bem imóvel acima de um certo valor, a compra e venda de imóvel entre outros.

Em uma primeira análise, pode parecer que a exigência legal de uma determinada forma seja uma limitação da liberdade de contratar, um limite ao princípio da autonomia privada. Contudo, a previsão legal de certas formas representa a preocupação do legislador em proteger determinados interesses sociais considerados importantes dentro da vida dos cidadãos. Parece que a imposição legal, por mais que possa trazer determinados sacrifícios em algumas situações, na verdade garante um bem maior, a segurança jurídica do próprio negócio e do direito que está envolvido no negócio, como o direito de propriedade.

Interessante os ensinamentos trazidos por PERLINGIERI e MASSON, no que tange a interpretação de tais normas. A ideia de que elas devem ser interpretadas a luz da Constituição Federal, nos faz refletir sobre a verdadeira função de tais normas e até onde o intérprete pode chegar no momento da aplicação da lei. Segundo estes autores, não podemos ter uma visão simplista de que tais normas são sempre excepcionais, inderrogáveis e de interpretação restritiva. É preciso que uma análise caso a caso nos leve a uma busca da função daquela norma, avaliando se a sua aplicação, no caso concreto, está seguindo tal função. Desta forma, seria possível afastar a obrigatoriedade de uma forma escrita prevista em lei, desde que restasse comprovado que naquele caso específico, tal formalidade poderia ser afastada para que fosse respeitado um bem maior, um direito das partes a ser tutelado, conforme os princípios e preceitos constitucionais de solidariedade, função social, boa fé, entre outros.

A dificuldade prática de se aplicar tal posicionamento é a insegurança jurídica que nos traria a possibilidade de aceitação de validade de negócios jurídicos como a compra e venda de um imóvel, sem a observação do requisitos formais previstos em lei. A enorme quantidade de negócios jurídicos que acontecem diariamente, a grandeza de nosso país e a diversidade cultural entre nossas regiões, fariam com que fosse extremamente delicado depender da análise individual de cada caso para decidir se aplicar ou não as consequências da falta da exigência formal, prevista em lei.

            De qualquer maneira, não devemos deixar de analisar  e aplicar as normas considerando nosso ordenamento jurídico como um sistema. As diversas normas devem guardar uma coerência entre elas e, sobretudo, com os preceitos constitucionais. Desta maneira, se de um lado a exigência formal pode sacrificar uma parte específica em um determinado negócio, devemos pensar que para o bem social, para a segurança jurídica das relações dentro da sociedade e para o estímulo das relações comerciais, essenciais para o crescimento e desenvolvimento do país,  uma certa limitação do princípio da liberdade da forma pode ser necessário e estar plenamente de acordo com os princípios constitucionais e da autonômica privada.

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[1] AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. 4 ed. 5. Tir. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 21-22.

[2] ibidem. p. 19-20

[3] idem.

[4] idem.

[5] ibidem. p. 21.

[6] ibidem. p. 83-84

[7] ibidem. 64-65.

[8] ZENETTI, Cristiano de Sousa. A conservação dos negócios nulos por defeito de forma. Tese de livre-docência. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2010. p. 180.

[9] ibidem. p. 190-210.

[10] NERY JR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado, p. 333

[11] ZANETTI, Cristiano de Sousa. op. cit. p. 221-222.

[12] ibidem. p. 227.

[13] MASSON, Nathalia. O princípio da liberdade das formas. In: MORAES, Maria Celina Bodin de. (Coord.). Princípios do direito civil conteporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 170-173.

[14] ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil: teoria geral, vol. 2: ações e fatos jurídicos. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 55.

[15] ASCENSÃO, José de Oliveira. op. cit. p. 57

[16] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Comentários ao novo código civil, vol. III, tomo II, 2 ed., Rio de Janeiro, Forense, 2003, p.381.

[17] PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil, vol. I, 20. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 378.

[18] MASSON, Nathália. op. cit. p. 176-179

[19] PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 443-456.

[20] idem, p. 445.

[21] LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, 6. ed., Lisboa, Calouste Gulbenkian, 1997, p. 289.

[22] PERLINGIERI, Pietro. op. cit., p. 450- 451.

[23] idem, p. 446-447.

[24] ibidem, p. 450-452.

[25] GALLO, Paolo. Tratatto del contratto: il contenuto – gli effetti. Torino: UTET Giuridica, 2010, v. 2, p. 1043-1057.

[26] AVILA, Humberto. Subsunção e concreção na aplicação do direito. Porto Alegre: UFRGS, 1994, p. 55-56.

[27] MARTINS-COSTA, Judith. O método da concreção e a interpretação dos contratos: primeiras notas de  uma leitura suscitada pelp Código Civil. In: NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Temas relevantes do direito civil contemporâneo: reflexões sobre os cinco anos do código Civil. Estudos em homenagem ao Professor Renan Lotufo. São Paulo: Atlas, 2008.

[28] COMPARATO, Fabio Konder. Alienação de controle de companhia aberta. Direito empresarial. 1.ed. 2. tir, São Paulo: Saraiva, 1995, p. 75

 

 

Elaborado em outubro/2013

 

Como citar o texto:

BEER, Veronica..Forma do Negócio Jurídico. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 22, nº 1154. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/2994/forma-negocio-juridico. Acesso em 6 abr. 2014.

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