O presente artigo pretende discorrer acerca das consequências jurídicas da posse, a partir da sua abordagem no Código Civil Brasileiro de 2002. Os efeitos da posse estão elencados no Livro III (Do Direito das Coisas), do Título I (Da Posse), Capítulo III (Dos Efeitos da posse), abrangendo os artigos de 1.210 a 1.222.

Entende-se que o artigo 1.210 do CC/02 em seu caput, ressalta a proteção, obtida pelo possuidor, para com sua posse: manutenção, restituição e segurança. Essa proteção caracteriza a modalidade de ação possessória conhecida como interdito proibitório: uma ação possessória de natureza preventiva. No entanto, essa proteção só ocorre nas hipóteses de possível ocorrência de esbulho, turbação e iminente violência, sendo bem objetivo o legislador.

Ressalte-se que na modalidade prevista no caput do artigo 1.210 do CC/02 a turbação e o esbulho ainda não ocorreram (entende-se que eles possam vir a ocorrer, é uma possibilidade). Trata-se de uma ação preventiva, uma vez que, caso eles venham efetivamente a ocorrer haverá a conversão da ação de interdito proibitório em ação de reintegração na posse (em caso de esbulho) ou ação de manutenção na posse (em caso de turbação). Essa conversibilidade de uma ação em outra só é possível graças à Fungibilidade dos Interditos Possessórios.

Esse direito conferido ao possuidor deve ser garantido pelo Estado, no entanto, caso o Estado não possa vir a garantir esse direito, ocorrerá o que está previsto no §1º, que é uma exceção à regra do caput: a autotutela da posse, quando é permitido ao possuidor garantir seu direito à posse, por si mesmo.

O parágrafo primeiro do artigo 1.210 do CC/2002 diz respeito ao instituto denominado ‘autotutela da posse’, neste caso, sendo o possuidor turbado, ou seja, que tenha sua posse perturbada/violada/rompida por fato ou ato injusto, que diminui o poder que o possuidor tem sobre a coisa, devido à concorrência, ou então que tenha sido esbulhado (uma usurpação, através de um ato de violência, que pode ser representada por exemplo por uma coação irresistível) poderá ele (possuidor) proceder-se à manutenção e restituição de sua posse. Para combater a turbação são usados os atos de defesa e para impedir o esbulho devem ser utilizados os atos de desforço, que envolvem força física.

Entende-se a autotela da posse como uma autoproteção para a mesma. Tanto o possuidor direto(como por exemplo, o locatário), quanto o indireto(por exemplo, o locador) podem fazer uso dessa autotutela, mas ambos devem ter em mente dois requisitos básicos para que a autotutela ocorra:  A IMEDIATIDADE e a MODERAÇÃO nos atos de defesa e desforço. Como o detentor é aquele que mantém a coisa em seu poder, mas não como própria, pois a coisa pertence a outrem, ele não tem legitimidade para fazer valer o instituto da autotutela. Já o possuidor direto apesar de não ser o proprietário tem a coisa como se sua fosse e por isso possui legitimidade para a autotela.

Os requisitos da turbação, esbulho e violência iminente(ou ameaça) acabam por tornar-se pressupostos para as ações possessórias (e por isso são chamados de interditos possessórios), que são maneiras judiciais de se garantir proteção à posse de bens móveis e imóveis.

As ações possessórias(ou heterotutela) possuem como legitimados os mesmos da autotutela. A diferença é que na autotutela o possuidor fará valer seus direitos por si mesmo e nas ações possessórias pleiteará por meio da via judicial. Conforme dispõe o artigo 1.210, §2º do CC/02 para impetrar uma ação possessória não é preciso ‘alegar propriedade ou outro direito sobre a coisa’, ou seja, o possuidor não tem que alegar o domínio nem o direito de possuir, mas tão somente provar que a posse existe, provar o fato da posse, que entendo como a exteriorização da propriedade.

 Ao impetrar uma ação possessória o autor pode cumular pedidos, salvo quando estes versarem sobre conflito entre posse e propriedade.

De acordo com a doutrina de Paulo Nader há 3(três) espécies de ações possessórias: ação de manutenção de posse; ação de reintegração de posse e interdito proibitório; (NADER, 2011 p. 69)

O artigo 1.211 do CC/02 faz menção justamente à ação de manutenção de posse: essa ação protege a posse no que se refere a atos de turbação. Há duas modalidades de turbação: a turbação negativa( quando ocorre impedimento ao livre uso da coisa) e a positiva(quando ocorre invasão da propriedade sem que o possuidor autorize).

No entanto, essa manutenção do artigo 1.211 pode ser deferida de ofício, pelo juiz em caráter cautelar e provisório, quando duas pessoas alegarem que são possuidoras mas, uma delas demonstrar que a outra somente é possuidora pois adquiriu a posse em virtude de algum vício como violência, clandestinidade, precariedade. Então a pessoa que não tenha obtido a posse por vícios ficará provisoriamente nela mantida.

O artigo 1.212 do CC/02 trás a segunda espécie de ação possessória: a ação de reintegração na posse. Essa espécie de ação possessória é oposta à ação de manutenção da posse, se é que assim podemos dizer, uma vez que, na manutenção da posse o possuidor não foi privado da mesma: ele tem a posse, mas por motivos de turbação necessita de uma decisão judicial que o mantenha na posse, no entanto, sua posse não deixou de existir. Já na ação de reintegração na posse, devido ao esbulho, o possuidor foi desapossado contra sua vontade(de maneira injusta: violência, clandestinidade e precariedade) e necessita de uma decisão judicial para recuperar a posse de que foi privado.

O artigo em questão (art. 1.212) diz justamente que o terceiro, ao adquirir a posse de coisa esbulhada, tendo conhecimento do esbulho, pressupõe-se que age de má-fé e portanto, também fica sujeito, assim como aquele que esbulhou, à ação de reintegração na posse. Se de boa-fé, o terceiro possuidor, contra ele não cabe ação possessória de reintegração na posse, até porque não há essa previsão no CC/02.

A terceira espécie de ação possessória já foi citada anteriormente quando ocorreu a menção ao caput do artigo 1.210 do CC/02.

Quando um imóvel possui um encargo ou ônus  em proveito e utilidade a um outro imóvel, que pertence a outro proprietário, ele encontra-se sob servidão, ou seja, sob dependência. Essa dependência pode ser aparente ( pode ser materialmente visível através de obras, por exemplo) ou não aparente (quando não é materialmente visível). A proteção conferida à posse através da ações possessórias previstas nos artigos 1.210 a 1.212 do CC/02 não se estendem, em regra, às servidões não aparentes, a menos que, o título de propriedade provier do possuidor do prédio serviente e não do possuidor do prédio dominante.

Ainda é relevante mencionar, como efeitos da posse, o direito aos frutos. Conforme dispõe o artigo 1.214 do CC/02 estando o possuidor de boa-fé, até que a boa-fé permanece, ele terá direito aos frutos percebidos, ou seja, aqueles que já estão separados da coisa e por assim ser já perderam seu caráter acessório.

No entanto, os frutos que se encontram presos ou ligados à coisa, cessada a boa-fé, conforme parágrafo único do artigo 1.214, estes deverão ser restituídos, até porque, conforme institui o próprio Código Civil Brasileiro, em seu artigo 92, o bem acessório deve seguir o principal. Os frutos pendentes estão ligados à coisa, não tem existência própria, são acessórios.

Os frutos colhidos por antecipação também devem ser restituídos pois, possuem a mesma natureza dos frutos pendentes, uma vez que, se houvessem sido colhidos ‘sem antecipação’ ainda seriam frutos pendentes.

São considerados frutos percebidos os naturais e industriais, quando colhidos e separados, e os civis dia por dia, de acordo com a  redação do artigo 1.215 do CC/02

Estando o possuidor de má-fé, entende-se que responde além dos frutos pendentes (pelos quais responde inclusive o possuidor de boa-fé) também pelos frutos colhidos e percebidos (naturais, industriais, civis), se por sua culpa os deixou de perceber desde quando passou a ser um possuidor de má-fé, ainda que possua direito às despesas de produção e custeio referidas no artigo 1.216 do CC/02.

Os artigos 1.217 e 1.218 do CC/02 tratam da responsabilidade atribuída a possuidor de boa e má-fé pela perda ou deterioração da coisa. O possuidor de boa-fé só responde pela perda e deterioração da coisa se a ela deu causa, ou seja, se agiu com dolo ou culpa. Sendo assim, se a coisa vier a se perder ou deteriorar em virtude de caso fortuito por exemplo, o possuidor de boa-fé por nada responde. Para o entendimento do artigo 1.217, entende-se que a coisa perece para o dono.

 Já no caso do possuidor de má-fé, ainda que a coisa venha a se perder ou deteriorar sem culpa ou dolo do mesmo, ele responderá por perdas e danos, a menos que comprove que a perda/deterioração também teria ocorrido se a coisa estivesse com seu possuidor ‘legítimo’(exemplo: proprietário).

Os artigos 1.219 a 1.222 do CC/02 dizem respeito às benfeitorias e sua relação com os possuidores de boa e má-fé. Passa-se a analisá-los por meio dos esquemas abaixo produzidos:

a)      Possuidor de Boa-fé: 

1)      Restituição: tem direito por benfeitorias utéis e necessárias;

2)      Pode levantar as benfeitorias voluptuárias;

3)      Direito de retenção: Possui, por prazo indeterminado – para benfeitorias necessárias e utéis;

b)     Possuidor de má-fé:

1)      Restituição do valor: tem direito somente por benfeitorias necessárias;

2)      Não pode levantar nem as utéis, nem as voluptuárias;

3)      Direito de Retenção: não possui;

Ressalte-se que o possuidor de boa-fé somente poderá levantar as benfeitorias voluptuárias quando elas não lhe forem pagas, pois assim prescreve a redação do artigo 1.219 do CC/02. O reivindicante (aquele que está reclamando a propriedade ou domínio da coisa judicialmente) ao indenizar o possuidor de boa-fé o fará pelo valor atual da benfeitoria, mas ao indenizar o possuidor de má-fé poderá escolher por pagá-lo o preço de custo da benfeitoria ou o valor atual.

Verifica-se que o possuidor de boa-fé está sempre mais protegido e favorecido pelo Código Civil Brasileiro de 2002, ressaltando assim a importância da ‘intenção pura’, isenta de dolo ou culpa, daquela pessoa que acredita estar agindo de forma correta.

Para concluir este estudo, tratar-se-á, da evicção mencionada no artigo 1.221 do CC/02. A palavra evicção vem “do latim evictio, de evencere e por sua origem, significa o ato pelo qual vem um terceiro desapossar a pessoa da coisa ou do direito, que se encontrava em sua posse, por ter direito a ela. É o desapossamento judicial, ou seja, a tomada da coisa ou do direito real, detida por outrem embora por justo título. (DE PLÁCIDO E SILVA,2010 p.328)”. Infere-se deste conceito e do disposto no artigo 1.221 do CC/02 que ao tempo do desapossamento judicial, se ainda existirem as benfeitorias essas deverão ser ressarcidas tanto ao possuidor de má-fé (benfeitorias necessárias) como ao de boa-fé (benfeitorias utéis e necessárias).

Referências bibliográficas:

NADER, Paulo. Curso de direito civil: volume 4 : direito das coisas. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2011. xxii, 512 p. ISBN 9788530930431

FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 16. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2013. xxxi, 1368 p. ISBN 9788538402909

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: volume 5: direitos reais. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2012. 988 p. ISBN 857761459X

DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 1476 p. ISBN 9788502108219

SILVA, De Placido; Atualizadores Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Vocabulário Jurídico Conciso. – 2.ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2010. ISBN 978-85-309-2775-2

 

 

Elaborado em março/2014

 

Como citar o texto:

TRINDADE, Larissa Maria da..Breves apontamentos sobre "Efeitos da Posse" no Código Civil Brasileiro de 2002. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 22, nº 1155. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/3001/breves-apontamentos-efeitos-posse-codigo-civil-brasileiro-2002. Acesso em 10 abr. 2014.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.