Existem muitos casos em que o paciente encontra-se insatisfeito com determinado tratamento médico seja pela ausência de resultados efetivos e/ou pela crença de que o médico não tem utilizado as formas corretas de tratamento.

Tais insatisfações, entretanto, não bastam para a caracterização da existência de um erro médico, existindo atualmente inúmeras ações judiciais nas quais os médicos são processados pelo simples fato de não terem alcançado o objetivo pretendido pelo paciente.

Primeiramente deve ser apontado que o Código Civil (art. 927 e ss.) e o CDC (art. 14, §4º) fixam a responsabilidade civil subjetiva do profissional liberal (médico). Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“(...) A responsabilidade civil do médico é aquela resultante de seu dever de reparar os danos causados em seus pacientes, no exercício de sua profissão, expressamente prevista no artigo 1.545, do Código Civil, verbis: ‘Os médicos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir ou ferimento.’ O médico, na qualidade de fornecedor de serviço, sujeita-se às disposições do Código de Defesa do Consumidor, e sua responsabilidade, por força do que dispõe o parágrafo 4° , do artigo 14, ‘será apurada mediante a verificação de culpa’. No mesmo sentido dispõe o artigo 14, parágrafo 4°, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor que ‘A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa’. Convém ressaltar que o médico, ressalvadas algumas exceções (anestesiologista e cirurgião plástico estético), tem obrigação de meio, devendo, portanto agir em conformidade com os meios de que dispõe, na tentativa de alcançar a cura, que eventualmente, pode não ser atingida. Somente a ocorrência de culpa, em uma de suas modalidades (negligência, imprudência ou imperícia), é que enseja a responsabilidade subjetiva do profissional, sendo imprescindível à sua caracterização a comprovação do ato, dano, bem como do nexo de causalidade entre ambos.”[1] (grifo nosso)

Assim sendo, incumbe ao paciente que alega a existência de eventual erro médico comprovar a negligência, imperícia e/ou imprudência do médico durante o tratamento e cirurgias, bem como o liame de causalidade entre a sua conduta culposa e os supostos danos sofridos.

Isso porque A CULPA DO MÉDICO NÃO SE PRESUME, devendo ser cabalmente comprovada por quem a alega. Neste sentido se manifesta a jurisprudência, e.g.:

“Em caso de obrigação de meio, a análise da falha no serviço e da culpabilidade do médico, devem ser minuciosamente observadas, uma vez que a prova do defeito no tratamento médico deve ser inequívoca, e a culpa do profissional não se presume, deve ser cabalmente comprovada.”[2] (grifo nosso)

 

Além da ausência de presunção da culpa do profissional liberal aponta-se que a ciência médica, assim como a jurídica, é repleta de controvérsias e discussões acerca das melhores formas de tratamento para cada tipo de doença, fato que evidencia que o erro médico não decorre simplesmente pelo fato do médico utilizar-se de forma diferente de tratamento do que outros.

Nesta linha, ressalta-se entendimento do Dr. Irineu Pedrotti, comentando sobre o assunto:

“Não se pode esquecer, é bem verdade, que toda doutrina apresenta imperfeição. Normalmente as técnicas estão voltadas para a melhor qualidade possível (...). Logo, em todo caso de ressarcimento e/ou indenização de dano, observada a imperfeição da ciência e da arte, avalia-se o resultado ao lado da desculpa tolerante da falibilidade, sem se afastar da habilidade, cultura, dedicação, empenho, amor, conhecimento técnico, cuidados etc. do profissional. O que não pode ser confundida é a incerteza e imperícia da ciência e da arte com a negligência, imprudência e imperícia do profissional”.[3]

Desta forma, ressalta-se que a obrigação do médico é de prudência e diligência, e não de resultado, não sendo o mínimo congruente se recorrer ao judiciário para exigir a condenação do profissional ao ressarcimento por o paciente não ter logrado a cura, uma vez que tal não significa que descumpriu o acordado, por não ser esta a obrigação do profissional liberal, mas tão somente executar o atendimento com cauteloso esmero e a perícia que o caso requer.

Tem-se desta forma que uma alegada imperícia jamais deve ser confundida com a extensa possibilidade de tratamentos e com o fato de não ter apresentado bons resultados no início do tratamento.

Erro médico é caracterizado por Júlio Cezar Meirelles Gomes e Genival Veloso França como “a conduta profissional inadequada que supõe uma inobservância técnica, capaz de produzir um dano à vida ou à saúde de outrem, caracterizada por imperícia, imprudência ou negligência”.[4]

Não é qualquer erro médico, entretanto, que deve ser alvo de responsabilização. Ensina Miguel Kfouri Neto:

“Não é propriamente o erro de diagnóstico que incumbe ao juiz  examinar, mas sim se o médico teve culpa no modo pelo qual  procedeu ao diagnóstico, se recorreu ou não, a todos os meios a  seu alcance para a investigação do mal, desde as preliminares  auscultações até os exames radiológicos e laboratoriais – tão desenvolvidos em nossos dias, mas nem sempre ao alcance de  todos os profissionais – bem como se à doença diagnosticada foram  aplicados os remédios e tratamentos indicados pela ciência e pela  prática”.

Assim sendo, o erro ao qual o profissional liberal pode ser responsabilizado é somente aquele inescusável, que poderia ser evitado por parte do mesmo caso tivesse tomado todas as providências e cuidados ao seu alcance.

Neste sentido a jurisprudência:

AÇÃO REPARATÓRIA. ERRO MÉDICO. FRATURAS EM MEMBROS SUPERIORES DO AUTOR. Inversão no ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC). Perícia convincente quanto à higidez do procedimento conduzido pelo médico. Sequelas correlatas às lesões. Eficiência de cirurgia alternativa não evidenciada a contento. Responsabilidade civil do profissional e nosocômio não delineadas a contento. Lide improcedente. Sentença mantida. Recurso desprovido. A obrigação médica, afora a hipótese de procedimento estético, é puramente de meio, de modo que a responsabilização por dano ocorrido durante o tratamento pressupõe, em regra, a aferição da culpa na condução, à revelia da boa técnica e dos elementos práticos de que o profissional dispõe. In casu, conquanto invertido o ônus probatório (art. 6º, III, da Lei n. 8.078/90), a perícia foi clara ao suprimir a responsabilidade do médico, pois articula de maneira convincente que o autor, submetido a tratamento com gesso, adequado em razão de suas fraturas, experimentou sequelas inerentes a tais lesões, as quais não poderiam ser evitadas seguramente por meio de cirurgia. Reparação descartada. (TJSC; AC 2014.005258-3; Videira; Terceira Câmara de Direito Civil; Rel. Juiz Saul Steil; Julg. 16/09/2014; DJSC 24/09/2014; Pág. 139)

 

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. PERDA DA VISÃO DO OLHO DIREITO NO PÓS- OPERATÓRIO DE CIRURGIA DE HÉRNIA DE DISCO. AÇÃO MOVIDA CONTRA O HOSPITAL RESPONSABILIDADE OBJETIVA. INAPLICABILIDADE. RESPONSABILIDADE SUJEITA À ANÁLISE DA CONDUTA CULPOSA DO MÉDICO. EXTENSÃO DA REGRA DO § 4º DO ARTIGO 14, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CULPA DO PROFISSIONAL NÃO VERIFICADA. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE A LESÃO OCULAR E A CONDUTA DO MÉDICO. PERÍCIA QUE DEMONSTRA QUE O EVENTO DECORREU DE CASO FORTUITO ISQUEMIA DO MEMBRO AFETADO. INTERCORRÊNCIA IMPREVISÍVEL E INEVITÁVEL, QUE INDEPENDE DA ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. A responsabilidade objetiva do estabelecimento hospitalar, prevista no artigo 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor, está relacionada aos danos sofridos em virtude de eventual contaminação hospitalar ou deficiente disponibilização dos meios que dele se espera. Tal regra não se estende aos danos reclamados em razão de suposto erro médico, na medida em que se põe em exame a prestação do serviço pelo profissional, sendo aplicável, consequentemente, a responsabilidade subjetiva, a teor do § 4º do artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, restando a responsabilização do nosocômio atrelada à eventual conduta culposa do médico. Restando demonstrado que o profissional seguiu as normas técnicas para a realização da cirurgia de hérnia de disco, bem como que a sequela ocular descrita na inicial não decorreu de erro médico ou conduta do hospital, tratando-se de caso fortuito, uma vez que consiste em intercorrência imprevisível e inevitável da realização do procedimento cirúrgico a que a requerente foi submetida, não há que se falar em conduta culposa, tampouco em nexo de causalidade entre o ato médico e a lesão suportada, inexistindo o dever do hospital de reparar os danos suportados pela paciente. (TJPR; ApCiv 1145277-6; Corbélia; Décima Câmara Cível; Rel. Des. Luiz Lopes; DJPR 12/08/2014; Pág. 185)

 

APELAÇÃO CÍVEL. SUBCLASSE RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA ASSOCIAÇÃO DR. BARTHOLOMEU TACCHINI AFASTADA. AGIR CULPOSO NÃO VERIFICADO. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS CONFIRMADA. 1. (...) 2. Ainda que se possa ser rigoroso na apreciação de eventuais falhas médicas, já que quanto mais importante e prestigiosa é a profissão, maior é a perícia e competência que se espera do profissional, fato é que sem a percepção de alguma falha imputável ao médico, não há que se falar em responsabilização civil. 3. O simples fato de ter havido constatação de perfuração de alça intestinal após procedimento cirúrgico (videolaparoscopia) conduzido pelo profissional-réu não significa automaticamente que se possa tê-lo como culpado, nas modalidades legalmente estabelecidas (negligência, imprudência e imperícia), a fim de responsabilizá-lo civilmente pelo ocorrido; 4. Prova pericial e oral a evidenciar a ausência de conduta negligente, imperita ou imprudente por parte do médico. 5. Improcedência dos pedidos confirmada. Apelação parcialmente provida. (TJRS; AC 142753-82.2014.8.21.7000; Bento Gonçalves; Nona Câmara Cível; Rel. Des. Eugênio Facchini Neto; Julg. 24/06/2014; DJERS 27/06/2014)

 

Assim sendo, a responsabilização do profissional liberal em caso de erro médico somente ocorrerá caso seja cabalmente demonstrado que o mesmo agiu com negligência, imprudência ou imperícia, não bastando, para tanto, a simples alegação da existência de falha em determinado tratamento ou intervenção cirúrgica, pois lançando-se mão de todos as providências e cuidados a seu alcance não poderá o médico responder por resultados imprevisíveis.

 

 

Elaborado em setembro/2014

 

Como citar o texto:

PAULSEN, Anna..Erro Médico: Responsabilização Do Profissional Liberal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1210. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil/3278/erro-medico-responsabilizacao-profissional-liberal. Acesso em 13 nov. 2014.

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