RESUMO: O objetivo principal deste artigo é estudar o instituto jurídico da demanda, analisando sua interação com outros institutos do Direito; e analisar a relação, interação e distinção de demanda com ação, processo e relação jurídica de direito material. Para consecução dos objetivos propostos, adotou-se o método científico de interpretação sistemática. No tocante ao procedimento técnico, optou-se pela pesquisa teórica dogmática, com compilação e revisão de material doutrinário. Adotou-se, ainda, a pesquisa documental, com análise da legislação e da jurisprudência pertinentes. Verificou-se que demanda não é sinônimo de lide, não se confunde com ação, é um pressuposto objetivo de existência processual, fica consubstanciada na apresentação da petição inicial (instrumento da demanda) e guarda intima correspondência com a relação jurídica de direito material. Concluiu-se que o termo “demanda” possui duas acepções jurídicas: primeiro (demanda-ato), pode significar o ato jurídico de provocar a atividade jurisdicional, quando o direito fundamental de ação é concretizado; e, segundo (demanda-conteúdo), pode referir-se ao conteúdo da relação jurídica de direito material posta em juízo, que ficará caracterizada pela formulação do pedido, adução da causa de pedir e indicação das partes.

Palavras-chave: Demanda. Instituto jurídico. Lide. Ação. Direito de ação.

SUMÁRIO: 1 Introdução.  2 O conceito jurídico de demanda.  3 Demanda e lide.  4 Distinção e relação entre demanda, ação e direito de ação.  5 O instrumento da demanda e a relação jurídica de direito material.  6 Demanda e petição inicial como pressupostos processuais.  7 Conclusão.  Referências.

1  INTRODUÇÃO

Este artigo possui como tema o instituto jurídico da demanda e outros institutos do Direito, como lide, ação e direito de ação. O tema pode ser delimitado adotando-se como objeto principal de pesquisa o estudo do instituto da demanda.

O objetivo geral ou mediato do presente trabalho é estudar o instituto jurídico da demanda.

Os objetivos específicos ou imediatos do artigo são:

a)   aprofundar no estudo do instituto jurídico da demanda, analisando sua interação com outros institutos do Direito; e

b)   analisar a relação, interação e distinção de demanda com ação, processo e relação jurídica de direito material.

Para consecução dos objetivos propostos, adotou-se o método científico de interpretação sistemática, por meio do qual se busca estabelecer o alcance do conteúdo das normas estudadas, de forma a compreender-lhes o sentido, o objetivo e a razão de existir.

No tocante ao procedimento técnico, optou-se pela pesquisa teórica dogmática, com compilação e revisão de material doutrinário acerca dos temas propostos. Paralelamente, adotou-se a pesquisa documental, com análise da legislação e da jurisprudência pertinentes.

2  O CONCEITO JURÍDICO DE DEMANDA

Para começar, vale, aqui, apresentar o significado da palavra “demanda”, segundo De Plácido e Silva:

Derivado do verbo latino demandare (confiar, cometer), significa o ato pelo qual uma pessoa confia ou entrega ao julgamento da justiça a solução do direito, que se encontra prejudicado ou ameaçado de perturbação, formulando, assim, o seu pedido, fundado no legítimo interesse de agir. (SILVA, 2010, p. 245, grifo do autor).

É de se ressaltar que a tutela jurisdicional é pleiteada por meio de uma demanda, pela qual o Estado é provocado para que exerça a função jurisdicional.

No tocante a essa função, observe-se que, entre os princípios fundamentais do processo civil está o da demanda, segundo o qual à parte ou ao interessado cabe a iniciativa de provocar a atividade jurisdicional, sendo vedado ao Estado-juiz prestar a tutela jurisdicional quando não provocado (ex officio), salvo nas hipóteses expressamente previstas em lei.

O princípio da demanda está positivado nos arts. 2º e 262 do Código de Processo Civil (CPC), sendo também denominado princípio da inércia da jurisdição (ne procedat iudex ex officio [1]), princípio da iniciativa de parte e princípio dispositivo (nemo iudex sine actore [2]).

O termo “demanda”, em um primeiro sentido, refere-se ao próprio ato que dá início ao exercício do direito de ação, pelo qual o autor (demandante) coloca sua pretensão diante do Estado-juiz, visando à apreciação da demanda pelo órgão jurisdicional.

Nessa acepção, “demanda” significa o exercício pelo autor do direito fundamental de ação, consistindo, pois, no ato jurídico de provocar a atividade jurisdicional.

Para Câmara (2008, p. 305), “demanda é o ato inicial de impulso da atividade jurisdicional do Estado, exigida em razão da inércia característica desta função, que resulta no princípio consagrado no art. 2º do CPC (adequadamente chamado, aliás, princípio da demanda).”

Nessa primeira acepção (demanda-ato [3]), o vocábulo “demanda” faz menção ao ato jurídico exclusivo do autor, consistente no exercício do direito de ação, quando do impulso inicial da atividade jurisdicional do Estado, por meio da petição inicial.

Lado outro, um segundo significado de “demanda” refere-se ao conteúdo da relação jurídica de direito material posta em juízo (demanda-conteúdo), quando da concretização do direito de ação, por intermédio da petição inicial. Nesse sentido, Gonçalves (2012, p. 137) assevera que demanda é sinônimo de “pretensão veiculada pela petição inicial”, em uma clara menção ao conteúdo da demanda.

Como se vê, o termo “demanda” possui duas acepções jurídicas: primeiro, pode significar o ato jurídico de provocar a atividade jurisdicional, quando o direito fundamental de ação é concretizado; e, segundo, pode referir-se ao conteúdo da relação jurídica de direito material posta em juízo, que ficará caracterizada pela formulação do pedido, adução da causa de pedir e indicação das partes.

É exatamente isso que explica Fredie Didier Júnior:

O vocábulo “demanda” tem duas acepções: a) é o ato de ir a juízo provocar a atividade jurisdicional e b) é também o conteúdo dessa postulação. Neste último sentido (demanda-conteúdo), demanda é sinônimo de ação concretamente exercida.

Toda ação concretamente exercida pressupõe a existência de, pelo menos, uma relação jurídica de direito substancial. Ocorrido o fato da vida previsto no substrato fático de uma determinada norma jurídica, ter-se-á, pela incidência da norma, um fato jurídico. Somente a partir de então é que se poderá falar de situações jurídicas e de todas as demais categorias de efeitos jurídicos (eficácia jurídica). Nesse contexto, a demanda (entendida como conteúdo da postulação) é o nome processual que recebe a relação jurídica substancial quanto posta à apreciação do Poder Judiciário. Inexistindo ao menos a afirmação de uma relação jurídica de direito material, inexistirá demanda-conteúdo e a demanda-ato será um recipiente vazio. (DIDIER JÚNIOR, 2009, p. 177, grifo nosso).

Como se vê, o termo “demanda” possui duas acepções jurídicas: primeiro, pode significar o ato jurídico de provocar a atividade jurisdicional, quando o direito fundamental de ação é concretizado; e, segundo, pode referir-se ao conteúdo da relação jurídica de direito material posta em juízo, que ficará caracterizada pela formulação do pedido, adução da causa de pedir e indicação das partes.

Aliás, é preciso anotar a demanda fica perfeitamente identificada por seus elementos subjetivos (partes) e objetivos (causa de pedir e pedido), os quais são verdadeiras identidades, ou seja, características suficientes para individualizá-la.

Os elementos subjetivos e objetivos da demanda são imprescindíveis para a sua correta identificação, de forma que a petição inicial deverá indicar as partes (sujeitos ativo e passivo), a causa de pedir (fundamentos de fato e de direito em que se funda o pedido) e o pedido (provimento jurisdicional postulado e o bem da vida que se almeja).

3  DEMANDA E LIDE

O conceito de demanda muito difere do de lide (ou litígio [4]). Segundo Theodoro Júnior (2011, p. 81), “lide é a situação configurada pela existência de uma pretensão resistida”.

Sobre lide, De Plácido e Silva ensina que:

Derivado do latim lis, litis, quer o vocábulo significar contenda, questão, luta. [...]. Embora, por vezes, seja o vocábulo aplicado em sentido equivalente a demanda, traz consigo significação mais ampla: lide é a demanda já contestada ou aquela em que a luta entre as partes está travada. É a formação já do litígio, nem sempre ocorrente em toda demanda, quando o réu não vem contestar nem se opor às pretensões do autor. Lide é o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou insatisfeita (Francesco Carnelutti). (SILVA, 2010, p. 494, grifo nosso).

Em verdade, todo conceito de lide decorre, ou é por eles influenciado, dos ensinamentos de Francesco Carnelutti, eminente jurista italiano, que, na primeira metade do século XX, criou a teoria da lide como centro do sistema processual.

Em comentário sobre a teoria de Carnelutti, Alexandre Freitas Câmara ressalta:

Como é por demais conhecido, Carnelutti construiu todo o seu sistema jurídico em torno do conceito de lide, instituto de origem metajurídica que o mesmo definia como conflito de interesses degenerado pela pretensão de uma das partes e pela resistência da outra. Segundo aquele jurista italiano, pretensão é a “intenção de submissão do interesse alheio ao interesse próprio”, e – sempre segundo Carnelutti –, se num conflito de interesses um dos interessados manifesta uma pretensão e o outro oferece resistência, o conflito se degenera, tornando-se um lide. Assim é que, segundo a clássica concepção de Carnelutti, jurisdição seria uma função de composição de lides. (CARNELUTTI [5], 1971, p. 61-62 apud CÂMARA, 2008, p. 66).

Para Carnelutti, lide é um conflito de interesse qualificado por uma pretensão resistida. Por conseguinte, para compreender em sua inteireza o conceito de lide segundo o insigne jurista italiano, é preciso saber o que de fato significa “interesse” e “pretensão”.

De acordo com Humberto Theodoro Júnior, “explica Carnelutti que interesse é a ‘posição favorável para a satisfação de uma necessidade’ assumida por uma das partes; e pretensão, a exigência de uma parte de subordinação de um interesse alheio a um interesse próprio.” (CARNELUTTI [6], 1936 apud THEODORO JÚNIOR, 2011, p. 46, grifo do autor).

Theodoro Júnior (2011, p. 46-47, grifo do autor) traz elucidativo exemplo do exato significado dos vocábulos “interesse” e “pretensão”:

[...]. Assim o proprietário tem interesse na posse do bem que lhe pertence, pois é por meio dela que consegue satisfazer necessidades como a de abrigo ou de renda para sua sobrevivência. Também o inquilino tem interesse na posse do imóvel locado, pois com ela satisfaz, por meio de bem de terceiro, a necessidade de habitação.

[...]

É natural que, dentro do mesmo exemplo, o dono queira ter a posse do bem que lhe pertence, como é natural também que o inquilino queira conservar o bem alheio enquanto estiver em vigor o contrato locatício. Vencido o contrato, portanto, o locador manifestará a pretensão de receber de volta o bem locado, isto é, procurará a posição mais favorável à usufruição da coisa – interesse próprio –, à custa da cessação do gozo que até então era do inquilino – interesse alheio. Tudo se comporá, sem lide, se o inquilino voluntariamente devolver a coisa ao senhorio. É que, de fato, terá prevalecido o interesse manifestado por uma das partes perante a outra. Mas, se não obstante a manifestação de vontade do locador, o locatário se recusar a restituir o bem reclamado, ter-se-á configurado o litígio ou lide, porque os interesses conflitantes não se compuseram: à pretensão do primeiro opôs-se a resistência do segundo.

Lide pode ser conceituada como a relação jurídica material posta em juízo e controvertida pelo réu ou terceiro, nos casos permitidos em lei, ou seja, é a demanda controvertida.

Alexandre Câmara salienta que lide “é elemento acidental da jurisdição, sendo inegável a existência de processos em que não há lide.” (CÂMARA, 2008, p. 218). De fato, como cediço, todo processo possui uma demanda (demanda-conteúdo; pressuposto processual de existência), mas nem sempre possui lide. Apenas haverá lide na hipótese de o processo ser de jurisdição contenciosa [7] e a pretensão do demandante estar resistida pelo demandado, ou até mesmo por qualquer outra pessoa legitimada.

Discorrendo sobre a exata diferença entre demanda e lide, De Plácido e Silva é enfático:

Embora a demanda tenha por objeto principal o esclarecimento do direito, a fim de que se defira, ou não, o pedido do demandante (autor), nem sempre importa um litígio, desde que a questão suscitada na petição inicial, a que lhe serve de base, não seja impugnada pela parte adversa, dita propriamente demandado, quando se opõe às pretensões do autor.

O litígio caracteriza a demanda quando surge a discussão entre autor e réu em torno da relação jurídica violada ou ameaçada, que a motiva.

Neste caso, há demanda litigiosa e não litigiosa (sic), ocorrendo a segunda espécie, quando o réu é revel, por não comparecer à citação, ou, se comparecer por não se insurgir contra as pretensões do autor, para litigar, como também é de seu direito. E será também litigiosa, se qualquer outra pessoa, exibindo direito certo, venha opor-se às pretensões do demandante, pela oposição ou por qualquer outra intervenção, que lhe seja assegurada por lei. Assim, também, se formará litígio, pois que este nasce de qualquer discussão acerca do fato da coisa trazida a juízo. (SILVA, 2010, p. 246, grifo do autor).

Lide é a demanda ajuizada, quando a pretensão do demandante é resistida pelo demandado (pela contestação, por exemplo) ou por terceiro, nos casos previstos em lei. Destarte, litigar (discutir, disputar ou lutar por um direito) é mais que demandar, que significa, de forma simples, pedir o que se julga de direito.

4  DISTINÇÃO E RELAÇÃO ENTRE DEMANDA, AÇÃO E DIREITO DE AÇÃO

Apesar de haver distinção até mesmo ontológica, é evidente a proximidade dos conceitos de ação, direito de ação e demanda.

Direito de ação é o direito constitucional de provocar a jurisdição, trata-se de uma situação jurídica em que o titular possui o direito abstrato à prestação jurisdicional, o qual é, portanto, exercido contra o Estado-juiz.

Humberto Theodoro Júnior enfatiza o “aspecto bifrontal do direito de ação”, segundo o qual exerce a ação “não apenas o autor, mas igualmente o réu, ao se opor à pretensão do primeiro e postular do Estado um provimento contrário ao procurado por parte daquele que propôs a causa, isto é, a declaração de ausência do direito subjetivo invocado pelo autor.” (THEODORO JÚNIOR, 2011, p. 68).

Por sua vez, ação [8] é o ato jurídico consistente no efetivo exercício do direito de ação, sendo, pois, concreto. É o poder que, ao longo de todo o devido processo, as partes (demandante ou demandado) possuem de praticar atos processuais (tais como o de dar início à atividade jurisdicional, o de recorrer, o de produzir provas), visando, ao final, ao julgamento favorável do mérito, amparado pela coisa julgada material.

Demanda (na acepção demanda-ato) é o ato jurídico exclusivo do demandante, consistente no exercício do direito de ação, quando do impulso inicial da atividade jurisdicional, por intermédio da petição inicial. Por conseguinte, demanda-ato é uma das possíveis manifestações do poder de ação, é uma ação exclusiva do demandante [9].

Ademais, a demanda é o ato que normalmente veicula o objeto litigioso e, portanto, define o objeto do ato final do procedimento.

No tocante à distinção e à relação entre ação e direito de ação, Didier Júnior (2009, p. 176, grifo do autor) ensina que:

O direito de ação é uma situação jurídica constitucional que confere ao seu titular um direito a um processo devido (adequado, tempestivo, efetivo e leal), em que se respeitem todas as garantias processuais (contraditório, juiz natural, proibição de utilização de prova ilícita etc.). Trata-se de um direito fundamental de conteúdo amplo e complexo. É possível dizer, por exemplo, que o direito de recorrer é corolário do direito de ação. Não se trata, pois, de uma simples garantia formal de acesso à Justiça. O direito de ação é qualificado por todos os princípios que estruturam o devido processo legal [...].

“Ação” como exercício daquele direito abstrato de agir [...] [possui] o sentido de identificar o exercício do direito abstrato de ação, que no caso é sempre concreta, porque relacionada a determinada situação jurídico-substancial. Pela ação processual, exerce-se o direito constitucional de ação levando-se a juízo a afirmação de existência do direito material (ação em sentido material) [...].

Para Theodoro Júnior (2011, p. 68), direito de ação é o “direito subjetivo, que o particular tem contra o Estado e que se exercita através da ação, não se vincula ao direito material da parte, pois não pressupõe que aquele que o maneje venha a ganhar a causa.”

De acordo o referido doutrinador, “tanto para o autor como para o réu, a ação é o direito a um pronunciamento estatal que solucione o litígio, fazendo desaparecer a incerteza ou a insegurança gerada pelo conflito de interesse, pouco importando qual seja a solução a ser dada pelo juiz.” (THEODORO JÚNIOR, 2011, p. 68, grifo nosso).

Na verdade, “pode conceituar ação como o poder de exercer posições jurídicas ativas no processo jurisdicional, preparando o exercício, pelo Estado, da função jurisdicional.” (CÂMARA, 2008, p. 113, grifo nosso).

Discorrendo sobre o conceito de ação e sua evolução, Elpídio Donizetti observa que o Código de Processo Civil adotou a teoria eclética de Liebman [10], a qual, apesar de ser a teoria mais aceita atualmente, tem sido mitigada pela doutrina moderna:

[...] Segundo Liebman, precursor da teoria eclética, o direito de ação não está vinculado a uma sentença favorável (teoria concreta), mas também não é completamente independente do direito material (teoria abstrata). Há, de fato, uma abstração do direito de ação, no sentido de que a existência do processo não está condicionada à do direito material invocado; porém, sustenta-se pela teoria eclética que a ação é o direito a uma sentença de mérito, seja qual for o seu conteúdo, isto é, de procedência ou improcedência. Para surgir tal direito, devem estar presentes certos requisitos, denominados de condições da ação; aliás, a ausência de tais condições gera o fenômeno designado por “carência da ação”. [...].

O acolhimento da teoria eclética de Liebman pelo CPC é evidenciado por uma série de dispositivos, tais como o art. 267, VI, que estabelece a extinção do processo sem resolução do mérito “quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse processual”.

[...]

Vale observar, ademais, que a concepção eclética original tem sido mitigada pela doutrina moderna, que não vislumbra as condições da ação como requisitos à existência da ação, mas sim como requisitos ao legítimo exercício de tal direito ou, ainda, condições para o provimento final. (NUNES, 2009, p. 37-38).

Pelo que se vê, direito de ação pode ser definido como sendo o direito público (exercitável contra o Estado), subjetivo (depende de provocação pelo titular) e autônomo (tem objeto próprio, a tutela jurisdicional; não se sujeita à existência de um direito subjetivo material), não vinculado a uma sentença favorável (como defende a teoria concreta), mas também não completamente independente do direito material controvertido (teoria abstrata).

Com seu poder de síntese, Elpídio Donizetti assevera que “ação é o meio de se provocar a tutela jurisdicional do Estado, que será exercido mediante o processo, independentemente da existência ou não do direito material invocado – o que só será resolvido ao final, com o julgamento de mérito.” (NUNES, 2009, p. 38, grifo nosso).

Frise-se que “ação não se limita ao poder de dar início ao processo, pois, sendo assim, tal poder seria de pequena importância. O pode de ação se revela ao longo de todo o processo, sendo exercida toda vez que é ocupada alguma posição jurídica ativa no processo.” (CÂMARA, 2008, p. 112, grifo nosso).

Em suma, o direito de ação é uma situação jurídica, um direito fundamental abstrato, de índole constitucional. Por sua vez, ação é o ato jurídico consistente no exercício do direito abstrato de ação, seja pelo demandante, seja pelo demandado; é sempre concreta, porquanto relacionada à determinada situação jurídico-material, levando a juízo a afirmação de existência do direito substancial.

Com efeito, “não se pode confundir o direito de ação, que é uma situação jurídica (efeito jurídico, pois), com a ação, que é um ato jurídico (apto a gerar efeitos jurídicos, portanto).” (DIDIER JÚNIOR, 2009, p. 176; grifo nosso).

Para este trabalho, a importância dos conceitos de direito de ação e de ação propriamente dita está no fato de que a demanda-ato nada mais é do que uma ação já exercitada pelo demandante, ou seja, é o ato jurídico que impulsiona a prestação jurisdicional.

Silva (2010, p. 246, grifo do autor) afirma que “a acepção de demanda é mais ampla que a de ação, pois que indica a ação em curso ou já formulada em juízo e em processo, enquanto a ação revela o direito de agir ou direito de ir pedir em juízo, o que fundamenta ou autoriza a demanda indicativa do exercício da ação.”

Por derradeiro, registre-se que o direito de ação refere-se a um direito que, embora tenha influência do direito material controvertido, independe deste, havendo, portanto, uma abstração do direito de ação, no sentido de que a existência do processo não está condicionada à do direito material. Logo, o direito de ação tem como objeto a tutela jurisdicional; enquanto a demanda (conteúdo) é o próprio direito subjetivo material posto em juízo.

A ação é um direito público subjetivo do particular (demandante ou demandado), exercido contra o Estado-juiz, quando aquele pede a este a tutela jurídica. A demanda-conteúdo, por seu turno, é exercida contra o demandado, uma vez que, conforme Didier Júnior (2009, p. 177), trata-se do “nome processual que recebe a relação jurídica substancial quanto posta à apreciação do Poder Judiciário.”

5  O INSTRUMENTO DA DEMANDA E A RELAÇÃO JURÍDICA DE DIREITO MATERIAL

A demanda é instaurada por intermédio da petição inicial, a qual, além de dar forma, deve necessariamente apresentar os elementos identificadores daquela, a saber: partes, causa de pedir e pedido. É por isso que a doutrina afirma que petição inicial é o instrumento da demanda, e esta, o conteúdo daquela. (CÂMARA, 2008, p. 305; DIDIER JÚNIOR, 2009, p. 178, 407, 410).

Alexandre Freitas Câmara destaca que:

É sabido de todos que há uma diferença entre o contrato de mandato e a procuração, sendo certo que o Código Civil define a procuração como “o instrumento do mandato” (art. 653, in fine, do Código Civil). Da mesma forma, há diferença entre o ato jurídico denominado demanda e seu instrumento, que é a petição inicial. (CÂMARA, 2008, p. 305, grifo do autor).

Complementa Didier Júnior (2009, p. 407):

A relação entre petição inicial e demanda é a mesma que se estabelece entre a forma e o seu conteúdo. Do mesmo modo que o instrumento de um contrato não é o contrato, a petição inicial não é a demanda. A demanda é um ato jurídico que requer forma especial. A petição inicial é a forma da demanda, o seu instrumento; a demanda é o conteúdo da petição inicial.

Consoante uma das acepções trazida pelo Novo Dicionário Eletrônico Aurélio, instrumento é o “recurso empregado para se alcançar um objetivo, conseguir um resultado; meio”. (FERREIRA, 2004).

Assim, como verdadeiro instrumento, a petição inicial é o meio que possibilita o ajuizamento da demanda (ato jurídico), é, pois, a forma que o autor tem para praticar o ato jurídico de dar o impulso inicial à atividade jurisdicional (ação; ou uma das possíveis manifestações do poder de ação).

Outrossim, a peça vestibular é o recurso utilizado para evidenciar a demanda (conteúdo), individualizando-a por seus elementos constitutivos (partes, causa de pedir e pedido). Nesse sentido, o conteúdo expresso pela petição inicial nada mais é do que a própria demanda-conteúdo.

Para Didier Júnior (2009, p. 178, 412), a petição inicial é o instrumento da demanda, a qual necessariamente introduz a afirmação da existência de (ao menos) uma relação jurídica de direito substancial, de forma que é “absolutamente fundamental” estarem presentes na exordial os elementos que compõem essa relação jurídica: o fato jurídico, o objeto e os sujeitos.

O relacionamento entre os institutos da demanda e da relação jurídica de direito material consiste no fato de que “a afirmação da relação substancial é o conteúdo da demanda.” (DIDIER JÚNIOR, 2009, p. 178, grifo nosso).

Cumpre anotar que a relação jurídica de direito material (ou direito substancial) é o vínculo jurídico formado entre pessoas (sujeitos), em decorrência de fatos jurídicos, ou seja, da incidência de normas jurídicas em fatos sociais ou fatos da vida. A relação jurídica de direito substancial fica caracterizada por seus elementos subjetivos (sujeitos) e objetivos (fato jurídico e objeto).

Para Tornaghi [11] (1975, p. 272 apud THEODORO JÚNIOR, 2011, p. 310), “relação jurídica é o vínculo estabelecido entre pessoas, provocado por um fato que produz mudança de situação, regido por norma jurídica.”

Sobre relação jurídica, De Plácido e Silva ensina que “é a expressão usada para indicar o vínculo jurídico, que une uma pessoa, como titular de um direito, ao objeto deste mesmo direito.” (SILVA, 2010, p. 649, grifo do autor).

A propósito, Fredie Didier Júnior leciona:

Toda ação concretamente exercida pressupõe a existência de, pelo menos, uma relação jurídica de direito substancial. Ocorrido o fato da vida previsto no substrato fático de uma determinada norma jurídica, ter-se-á, pela incidência da norma, um fato jurídico. Somente a partir de então é que se poderá falar de situações jurídicas e de todas as demais categorias de efeitos jurídicos (eficácia jurídica). Nesse contexto, a demanda (entendida como conteúdo da postulação) é o nome processual que recebe a relação jurídica substancial quando posta à apreciação do Poder Judiciário. Inexistindo ao menos a afirmação de uma relação jurídica de direito material, inexistirá demanda-conteúdo e a demanda-ato será um recipiente vazio.

Todos os elementos da relação jurídica discutida em juízo guardam correspondência com os elementos da demanda, numa perfeita simetria: enquanto a relação jurídica de direito substancial tem como elementos os sujeitos, o fato jurídico e o objeto, a demanda tem como elementos as partes, a causa de pedir e o pedido.

As partes na demanda normalmente coincidem com os sujeitos da relação jurídica substancial (à exceção dos casos de legitimação extraordinária ou se houver ilegitimidade ad causam). Em razão da autonomia da relação jurídica processual (sic), é possível que os sujeitos da demanda (autor e réu) não coincidam com os sujeitos da relação jurídica material deduzida, embora isso não seja a regra.

A causa de pedir na demanda impõe, segundo a vertente acolhida pelo nosso sistema processual, a narrativa dos fatos da vida e da própria relação jurídica nascida a partir deles (teoria da substanciação: causa de pedir = fatos + relação jurídica) e o pedido veicula a pretensão processual do autor (pedido imediato: prestação da atividade jurisdicional; pedido mediato: tutela do bem da vida).

Eis, pois, a relação existente entre os dois institutos: a afirmação da relação substancial é o conteúdo da demanda. É pressuposto necessário, mas não suficiente, vem que, para que se possa falar em demanda, a relação substancial há de ser processualizada, isto é, há de ser deduzida em juízo. (DIDIER JÚNIOR, 2009, p. 177-178, grifo nosso).

Portanto, como verdadeiro instrumento, a petição inicial veicula o conteúdo da demanda. Esse conteúdo, por sua vez, nada mais é do que a afirmação da existência de (ao menos) uma relação jurídica de direito material, a qual fica caracterizada por três elementos: sujeitos, fato jurídico e objeto.

6  DEMANDA E PETIÇÃO INICIAL COMO PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

“Pressupostos processuais” é uma expressão consagrada no meio jurídico que indica os pressupostos processuais de existência e os requisitos de validade do processo. Nas palavras do insigne doutrinador Didier Júnior (2009, p. 216, grifo do autor):

Pressupostos processuais são todos os elementos de existência, os requisitos de validade e as condições de eficácia do procedimento, aspecto formal do processo, que é ato-complexo de formação sucessiva. [...].

[...]

Costuma-se falar em pressuposto de existência e de validade. A terminologia merece uma correção técnica. Pressuposto é aquilo que precede ao ato e se coloca como elemento indispensável para a sua existência jurídica; requisito é tudo quanto integra a estrutura do ato e diz respeito à sua validade [...]. Assim, é mais técnico falar em requisitos de validade, em vez de “pressupostos de validade”. “Pressupostos processuais” é denominação que se deveria reservar apenas aos pressupostos de existência. Sucede que “pressupostos processuais” é expressão consagrada na doutrina, na lei (vide o inciso IV do art. 267 do CPC) e na jurisprudência. É possível, assim, falar em “pressupostos processuais” lato sensu, como locução que engloba tanto os requisitos de validade como os pressupostos processuais stricto sensu (somente aqueles concernentes à existência do processo). [...].

O processo, do ponto de vista interno, é uma relação jurídica, do ponto de vista externo, é um procedimento. Como em toda relação jurídica, impõe-se a coexistência de elementos subjetivos (sujeitos) e objetivos (fato jurídico e objeto).

A demanda é um pressuposto processual de existência, porquanto o Estado somente exerce a jurisdição mediante provocação, sendo preciso que haja uma demanda (demanda-ato) para que haja processo.

De fato, “demanda é o ato inicial de impulso da atuação do Estado-juiz [...]. É, sem dúvida, a demanda que apresenta o objeto do processo [12] [...]. A demanda não é o mérito, mas [...] um pressuposto processual.” (CÂMARA, 2008, p. 219).

Na lição de Fredie Didier Júnior,

O terceiro pressuposto processual é a existência de demanda, que nesse caso deve ser compreendida como continente (o ato de pedir) e não como conteúdo (aquilo que se pede). O ato de pedir é necessário para a instauração da relação jurídica processual (sic) – é o seu fato jurídico. Ao dirigir-se ao Poder Judiciário, o autor dá origem ao processo (art. 263 do CPC); a sua demanda delimita a prestação jurisdicional, que tem o pedido e a causa de pedir como os elementos do seu objeto litigioso. Se o ato inicial não trouxer pedido (art. 295, I, c/c par. ún., I, do CPC) (sic), o caso é de extinção do processo por inadmissibilidade do procedimento, em razão de defeito do ato inicial. (DIDIER JÚNIOR, 2009, p. 220).

Mais especificamente, pela classificação proposta por José Orlando Rocha de Carvalho, a demanda é um pressuposto objetivo de existência processual. (CARVALHO [13], 2005 apud NUNES, 2009, p. 86-87).

Não se pode deixar de falar que a demanda requer forma especial por ser um ato jurídico solene, que dá início ao processo, ou seja, à atividade jurisdicional do Estado. E sendo a petição inicial o instrumento da demanda, é aquela que dá forma a esta. (CÂMARA, 2008, p. 305; DIDIER JÚNIOR, 2009, p. 178, 407, 410).

Para o processo existir não é necessário se questionar a validade ou invalidade da petição inicial, ou se essa peça preenche ou não os requisitos formais estabelecidos em lei. Sem dúvida, conforme Nunes (2009, p. 91), “para que o processo exista, basta que aquele capaz de ser parte apresente uma petição inicial a órgão investido de jurisdição.”

Por outro lado, a demanda é ato jurídico solene que exige a observância de uma série de requisitos formais para ser exercida, sendo instaurada pelo ajuizamento da petição inicial, a qual, além de observar outros requisitos formais específicos, exigidos pela lei processual em determinados casos especiais, deverá apresentar os elementos identificadores da demanda, a saber: o pedido, a causa de pedir e as partes.

Eis os ensinamentos do ilustre doutrinador Alexandre Freitas Câmara,

[...]. A demanda é, pois, um ato processual extremamente relevante, uma vez que dá causa à instauração do processo (afinal, como já visto, o processo civil começa por iniciativa da parte, já havendo processo desde o momento da propositura da demanda, momento marcado pelo art. 263 do CPC). A demanda é um ato jurídico solene, realizado através de um instrumento chamado petição inicial. [...].

Tratando-se de ato solene, não se pode negar a existência de requisitos formais para o ajuizamento da demanda, os quais são tradicionalmente denominados na praxe forense requisitos da petição inicial. Estes vêm, quase todos, enumerados no art. 282 do CPC. Diz-se que ali estão quase todos os requisitos por haver um, essencial, previsto no art. 39, I, do CPC: o endereço onde o advogado do autor receberá as intimações que lhe forem dirigidas. (CÂMARA, 2008, p. 305-306, grifo do autor).

No sistema processual comum, por exemplo, se a petição inicial (instrumento da demanda) não preencher os requisitos legais (como os previstos nos arts. 39, I, 282 e 283 do CPC), o processo existirá, mas poderá a vir a ser invalidado, pois a regularidade formal da petição inicial (petição inicial apta) é um pressuposto processual, mais especificamente, um requisito processual objetivo positivo (ou intrínseco) de validade do processo.

Em conformidade com Nunes (2009, p. 97):

A demanda, pressuposto processual de existência do processo, se exterioriza via petição inicial. Para que o processo que passou a existir com a demanda seja válido, é mister preencha a petição inicial os requisitos previstos nos arts. 282 e 283. Diz-se apta, a petição inicial regular, capaz de possibilitar o válido desenvolvimento do processo. Por outro lado, reputa-se inepta a petição inicial quando lhe faltar pedido ou causa de pedir; da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; o pedido for juridicamente impossível; contiver pedidos incompatíveis entre si (art. 295, parágrafo único). A petição inepta impede o desenvolvimento válido e regular do processo, ensejando a extinção do feito sem resolução do mérito.

No microssistema processual dos Juizados Especiais Cíveis, também se aplicam essas considerações, embora a demanda nos Juizados Especiais seja “quase inteiramente despida de formalidades para que se possa considerar possível o desenvolvimento válido e regular do processo.” (CÂMARA, 2010, p. 77).

De fato, nos termos do art. 14 da Lei n.º 9.099/1995, “o processo instaurar-se-á com a apresentação do pedido, escrito ou oral, à Secretaria do Juizado.” (BRASIL, 1995).

Sobre o vocábulo “pedido” utilizado no referido dispositivo da Lei Instituidora dos Juizados Especiais, Alexandre Freitas Câmara defende que:

Há, a rigor, uma falha técnica na redação desse artigo: o ato inicial do processo não se chama, como diz a lei, pedido, mas demanda. O pedido é um dos elementos identificadores da demanda. O demandante, porém, não se limita a apresentar um pedido, tendo também de deduzir uma causa de pedir, além de indicar as partes da demanda. Deveria, pois, o citado art. 14 dizer que o processo instaurar-se-á com a apresentação da demanda, escrita ou oral, à Secretaria do Juizado. (CÂMARA, 2010, p. 77).

Portanto, no sistema processual comum, a petição inicial deve observar todos os requisitos formais previstos em lei, porquanto peça vestibular apta é um pressuposto processual, ou mais precisamente, um requisito processual objetivo positivo (ou intrínseco) de validade do processo.

Além do mais, sendo o instrumento que dá o impulso inicial da atividade jurisdicional, deverá a exordial apresentar razoavelmente os elementos da demanda, de forma que se possa identificar perfeitamente o pedido, a causa de pedir e as partes.

Não obstante, no microssistema processual dos Juizados Especiais, em observância aos princípios insculpidos no art. 2º da Lei n.º 9.099/1995, mormente aos princípios da informalidade e oralidade, a petição inicial escapa do rigorismo técnico do Código de Processo Civil e a demanda é despida de maiores formalidades para que seja possível o desenvolvimento válido e regular do processo. Nos Juizados Especiais, basta que o autor de forma simples e informal apresente a demanda, por escrito ou oralmente.

7  CONCLUSÃO

Ao longo do tempo, o estudo da demanda foi olvidado pela doutrina brasileira, que mais se dedicou à análise do instituto da ação. Não obstante, a demanda trata-se de fenômeno importante para compreensão de diversos problemas como a cumulação de ações, a modificação da demanda, a litispendência, a coisa julgada.

É bastante comum, mesmo com os bons e experientes militantes do direito, ocorrerem erros na definição exata de vários conceitos jurídicos, ou na abrangência deles, o que dificulta o perfeito entendimento de questões sutis, prejudicando, outrossim, a racionalização e sistematização do conhecimento das Ciências Jurídicas.

Demanda não é sinônimo de lide, não se confunde com ação, é um pressuposto objetivo de existência processual, fica consubstanciada na apresentação da petição inicial (instrumento da demanda) e guarda intima correspondência com a relação jurídica de direito material.

O termo “demanda”, em um primeiro sentido, refere-se ao próprio ato que dá início ao exercício do direito de ação, pelo qual o autor (demandante) coloca sua pretensão diante do Estado-juiz, visando à apreciação da demanda pelo órgão jurisdicional.

Nessa acepção, “demanda” significa o exercício pelo autor do direito fundamental de ação, consistindo, pois, no ato jurídico de provocar a atividade jurisdicional.

Lado outro, um segundo significado de “demanda” refere-se ao conteúdo da relação jurídica de direito material posta em juízo (demanda-conteúdo), quando da concretização do direito de ação, por intermédio da petição inicial.

Como se vê, o termo “demanda” possui duas acepções jurídicas: primeiro, pode significar o ato jurídico de provocar a atividade jurisdicional, quando o direito fundamental de ação é concretizado; e, segundo, pode referir-se ao conteúdo da relação jurídica de direito material posta em juízo, que ficará caracterizada pela formulação do pedido, adução da causa de pedir e indicação das partes.

O conceito de demanda muito difere do de lide. Lide pode ser conceituada como a relação jurídica material posta em juízo e controvertida pelo réu ou terceiro, nos casos permitidos em lei, ou seja, é a demanda controvertida.

Lide é a demanda ajuizada, quando a pretensão do demandante é resistida pelo demandado (pela contestação, por exemplo) ou por terceiro, nos casos previstos em lei. Destarte, litigar (discutir, disputar ou lutar por um direito) é mais que demandar, que significa, de forma simples, pedir o que se julga de direito.

Apesar de haver distinção até mesmo ontológica, é evidente a proximidade dos conceitos de ação, direito de ação e demanda.

Direito de ação é o direito constitucional de provocar a jurisdição, trata-se de uma situação jurídica em que o titular possui o direito abstrato à prestação jurisdicional, o qual é, portanto, exercido contra o Estado-juiz.

Por sua vez, ação é o ato jurídico consistente no efetivo exercício do direito de ação, sendo, pois, concreta. É o poder que, ao longo de todo o devido processo, as partes (demandante ou demandado) possuem de praticar atos processuais (tais como o de dar início à atividade jurisdicional, o de recorrer, o de produzir provas), visando, ao final, ao julgamento favorável do mérito, amparado pela coisa julgada material.

Demanda (na acepção demanda-ato) é o ato jurídico exclusivo do demandante, consistente no exercício do direito de ação, quando do impulso inicial da atividade jurisdicional, por intermédio da petição inicial. Por conseguinte, demanda-ato é uma das possíveis manifestações do poder de ação, é uma ação exclusiva do demandante.

A demanda é instaurada por intermédio da petição inicial, a qual, além de dar forma, deve necessariamente apresentar os elementos identificadores daquela, a saber: partes, causa de pedir e pedido. É por isso que a doutrina afirma que petição inicial é o instrumento da demanda, e esta, o conteúdo daquela.

A demanda é um pressuposto processual de existência, porquanto o Estado somente exerce a jurisdição mediante provocação, sendo preciso que haja uma demanda (demanda-ato) para que haja processo.

Por fim, ressalte-se que a demanda fica perfeitamente identificada por seus elementos subjetivos (partes) e objetivos (causa de pedir e pedido), os quais são verdadeiras identidades, ou seja, características suficientes para individualizá-la.

REFERÊNCIAS

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NOTAS:

  

[1] A expressão ne procedat iudex ex officio quer dizer “o juiz não procede de ofício”.

[2] Máxima do direito romano, nemo iudex sine actore significa “sem autor não há jurisdição”.

[3] Neste trabalho, por sintetizar adequadamente as duas possíveis acepções do conceito jurídico de demanda, utilizou-se as expressões “demanda-ato” e “demanda-conteúdo” apresentadas por Fredie Didier Júnior (DIDIER JÚNIOR, 2009, p. 177).

[4] Lide e litígio são termos sinônimos.

[5] CARNELUTTI, Francesco. Derecho y proceso. Tradução para o espanhol: Santiago Sentis Melendo. Bueno Aires: EJEA, 1971.

[6] CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto processuale civile. Padova, CEDAM, 1936. v. 1. n. 1, p. 10.

[7] De acordo com Machado (2008, p. 3), jurisdição contenciosa é a verdadeira jurisdição, “é o poder do Estado de solucionar ou dirimir conflitos de interesse com vista à pacificação da sociedade, escopo que é alcançado pela atuação da vontade do direito material que o juiz realiza por meio do processo.”

[8] A palavra “ação” possui vários sentidos, tendo procurado os processualistas durante muito tempo delimitar o seu conceito, com a elaboração de algumas teorias (Teoria clássica, imanentista ou civilista; Teoria da ação como direito autônomo e concreto; Teoria da ação como direito autônomo e abstrato; Teoria eclética de Liebman). É bastante comum a afirmação de que todo estudioso do processo tem sua própria teoria acerca do conceito ação, porém, neste trabalho não se tem, absolutamente, a pretensão de esgotar o assunto, muito menos a de apresentar uma nova teoria.

[9] Note-se que “a demanda pode ser inicial (manejada com a petição inicial) ou ulterior (como é o caso das demandas recursais, incidentais, reconvencionais, deduzidas através de pedido contraposto, oposição, denunciação da lide etc.).” (DIDIER JÚNIOR, 2009, p. 296). Dessa forma, em verdade, também podem demandar o demandado da demanda originária e o terceiro, como ocorre, por exemplo, no caso de reconvenção ou de algumas espécies de intervenção de terceiro.

[10] Elpídio Donizetti, neste trecho colacionado, não cita obra alguma de Liebman, mas apenas discorre sobre os conhecidos ensinamentos doutrinários do eminente jurista italiano, Enrico Tullio Liebman.

[11] TORNAGHI, Hélio. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1975. v. 2. p. 272. (Série RT).

[12] De acordo com Câmara (2008, p. 219), “o objeto do processo é a pretensão”, que, em conformidade com os ensinamentos de Carnelutti, é a exigência de subordinação do interesse alheio ao próprio (vide subseção 3.2). Alexandre Câmara ainda ressalta que “a pretensão processual é trazida ao processo através da demanda, e revelada pelo pedido do autor.” (CÂMARA, loc. cit.). Entretanto, de forma mais ampla, parte da doutrina considera que o objeto do processo não é apenas o pedido autoral, ou a pretensão processual, mas sim a totalidade das questões de fato ou de direito postas sob apreciação judicial, no curso do processo, relacionadas ou não com o mérito da causa. (DIDIER JÚNIOR, 2009, p. 295-297; SANCHES, 1979). Ou seja, segundo essa última corrente doutrinária, o objeto do processo é tudo aquilo que deve ser conhecido e decidido pelo juiz, no curso do processo. Ressalte-se que, para Didier Júnior (2009, p. 296), tem-se, esquematicamente: objeto do processo = objeto litigioso (o pedido identificado com a causa de pedir; é veiculado pela demanda-conteúdo; cinge à questão principal, ao mérito da causa, à pretensão processual; é o objeto da decisão ou do ato final do procedimento) + demais questões de fato e de direito não relacionadas ao mérito da causa, mas que o juiz deve conhecer e decidir, no processo.

[13] CARVALHO, José Orlando Rocha de. Teoria dos pressupostos processuais e dos requisitos processuais. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005.

 

 

Elaborado em dezembro/2014

 

Como citar o texto:

CASTRO, Clayton Moreira de. .O Instituto Jurídico Da Demanda. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1218. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/3373/o-instituto-juridico-demanda. Acesso em 16 dez. 2014.

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