Resumo: O presente trabalho busca refletir sobre a possibilidade de planejar a sucessão mesmo antes da morte do autor, visto que é direito previsto no ordenamento jurídico pátrio essa possibilidade. O que se busca, então, é entender em quais momentos e quais as melhores formas para efetivar esse planejamento, objetivando preservar o patrimônio e as relações familiares.  Para tanto, foi preciso entender sobre os conceitos básicos da sucessão e de institutos previstos na parte destinada aos direitos reais no Código Civil. Após esta análise prévio, o  trabalho destinou-se a análise do direito sucessório, no que tange, principalmente, ao seu planejamento, facilitando a preservação das relações familiares.

Palavras chave: Planejamento, sucessão, herdeiros, testamento, vontade.

1 Introdução

O presente artigo faz um estudo sobre o planejamento sucessório. É sabido que pensar na própria morte é muito difícil e desconfortável, por ser um tema bastante delicado, mas, apesar disso, é algo inevitável e, mais cedo ou mais tarde todos passaremos por este momento. Partindo deste pressuposto, o planejamento sucessório tem sido uma ferramenta muito utilizada para permitir a estruturação e continuação do patrimônio familiar após a morte. Além disso, evita, sempre que possível, o processo judicial e, desta forma, menos desgaste para a família e evita reflexos negativos ao patrimônio do de cujus.  

A implementação do planejamento sucessório pode ocorrer tanto em vida quanto após a sucessão. Este artigo irá abordar algumas das formas de se realizar o planejamento sucessório.

2 Planejamento Sucessório: Proteção do patrimônio e das relações familiares

A palavra sucessão significa transmissão, o que pode ocorrer por ato inter vivos ou mortis causa. Dentro da ideia de transmissão hereditária é que surge o conceito de Direito das Sucessões. Como define Lisboa (2010, p. 313) “sucessão, em sentindo amplo, é a substituição da pessoa física ou da pessoa jurídica por outra, que assume todos os direitos e obrigações substituído ou sucedido, pelos modos aquisitivos existentes”.

Maria Helena Diniz (2011, p. 17) define o Direito das Sucessões como “o conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua morte, ao herdeiro, em virtude da lei ou de testamento”.

Por mais que pensar na própria morte não seja exatamente confortável, processos de inventário podem ser longos, complicados e caros, principalmente quando há conflitos entre membros da família. Para garantir o bem-estar dos entes queridos recomenda-se fazer um planejamento sucessório.

Para Dias (2014, p. 389), é desastroso o direito sucessório na atual lei civil, uma vez que os dispositivos de lei são de difícil ou quase impossível compreensão. Tudo isso tem ensejado a busca de formas alternativas para compor a sucessão de modo a atender a vontade dos titulares do patrimônio. Segundo a autora, “passou a se chamar de planejamento sucessório a adoção de uma série de providências visando preservar a autonomia da vontade e prevenir conflitos futuros”.

O planejamento sucessório visa contornar a sucessão imposta pela lei. É uma atividade estritamente preventiva com o objetivo de adotar procedimentos, ainda em vida do titular da herança, com relação ao destino de seus bens após sua morte (DIAS, 2014, p. 389)

A efetivação do planejamento sucessório pode ocorrer tanto em vida quanto após a sucessão. No primeiro caso, o planejamento envolverá doações e outros instrumentos jurídicos necessários para fazer valer a vontade do autor da herança que pode, inclusive, permitir a divisão do patrimônio entre os herdeiros em vida, mas de maneira que o poder de decisão permaneça em suas mãos até a sucessão.

Na hipótese de efetivação após a sucessão, será necessária a utilização de testamento, por meio do qual o desejo do testador somente será observado após o seu falecimento.  A principal diferença é que o planejamento em vida pode ser implementado de forma a permitir a adoção do chamado Inventário Extrajudicial, por ser realizado perante um Cartório de Notas, eliminando, assim, a necessidade de processo judicial e de todo o desgaste e custo atrelados a esse tipo de situação. (ALMEIDA, 2011, s.p)

Isso porque a sucessão mortis causa, ou seja, após a sucessão, pode ocorrer de duas modalidades, os quais estão previstos no art. 1786 do Código Civil de 2002. A primeira modalidade é a sucessão legítima, aquela que decorre da lei, que enuncia a ordem de vocação hereditária. Na sucessão legítima presume a vontade do de cujus e se respeita a ordem prevista no artigo 1.829 do Código Civil que estabelece:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere?se na ordem seguinte:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

IV – aos colaterais

 

A segunda modalidade é a sucessão testamentária, que tem origem no ato de última vontade do de cujus, por testamento ou codicilo, os quais são mecanismos para exercício da autonomia privada do autor da herança. O Codicilo constitui uma disposição testamentária de pequena monta ou extensão, tratando de assuntos de pouca importância, despesas e dádivas de pequeno valor, enquanto o testamento é mais abrangente. (TARTUCE, 2014, p. 423) No entanto, morrendo a pessoa sem deixar testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos, conforme dispõe o art. 1788 do Código Civil.

Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.

Nestas duas formas citadas, a sucessão é aberta com a morte da pessoa e a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários, conforme artigo 1784 do Código Civil. Como anota Maria helena Diniz, “com o óbito do hereditando, seus herdeiros recebem por efeito direito da lei, as suas obrigações, a sua propriedade de coisas moveis e imóveis e os seus direitos”. (DINIZ, 2011, p. 35)

Desta forma, para garantir que a vontade real do de cujus seja feita e para evitar a sucessão de forma presumida, a pessoa pode se planejar e definir o que será feito com seus bens depois da sua morte. Esse planejamento sucessório pode se dar por meio de testamento, partilha em vida, adiantamento de legítima, doação com reserva de usufruto, deliberação sobre partilha, fideicomisso ou até constituição de pessoa jurídica. Neste artigo será abordado os mais utilizados destes institutos.

2.1 Planejamento sucessório por testamento

O testamento representa, na seara do Direito das Sucessões, a principal forma de expressão e exercício da autonomia privada, da liberdade individual, como típico instituto mortis causa. (TARTUCE, 2014, p. 350)

Pode se definir o testamento como “ato personalíssimo e revogável pelo qual alguém, de conformidade com a lei, não só dispõe, para depois de sua morte, no todo ou em parte, do seu patrimônio, mas também faz estipulações extrapatrimoniais, como reconhecimento de filhos não matrimoniais”. (DINIZ, 2011, p. 205)

O testamento constitui um negócio formal, pois a norma jurídica contém todas as formalidades necessárias à sua validade. Faltando as formalidades ou havendo falhas a sanção seria a nulidade do testamento. Além disto, o testamento é ato revogável, uma vez que o testador pode revoga-lo a qualquer momento. (TARTUCE, 2014, p. 359)

Destarte, o testamento é a mais conhecida forma de planejamento sucessório, que somente tem eficácia para depois da morte, exige uma série de formalidades e tem limitações, pois é indispensável preservar a legítima dos herdeiros necessários. O art. 1845 e o 1846 do Código Civil Assis estabelecem:

 

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.

 

A depender do regime de bens do casamento, além da condição de herdeiro necessário, o cônjuge concorre com os herdeiros descendentes e quanto aos ascendentes, independente do regime de bens, faz jus a uma fração do patrimônio. (DIAS, 2014, p.390)

Quando há herdeiros necessários, o direito do cônjuge e do companheiro de testar é limitado, pois o testador precisa preservar o direito dos herdeiros necessários, quais sejam os descendentes, ascendentes e cônjuge, bem como a fração a que faz jus o viúvo ou companheiro sobrevivente a título de meação. (DIAS, 2014, p.390)

O testador somente poderá testar sobre a parte disponível de seu patrimônio, isto é, sendo casado ou convivente, deve inicialmente reservar a meação e os bens particulares do cônjuge ou companheiro para se obter o patrimônio do testador. Desta forma, 50% configura que se denomina legítima e 50% materializa a parte disponível, que pode compor o testamento. Existindo herdeiros necessários, deverá ser respeitada a legítima, ou seja, somente poderá haver livre disposição sobre a parte disponível, 50%, do patrimônio do testador, pois os outros 50%, referentes à legítima, são reservados aos herdeiros necessários. (ALMEIDA, 2011, s.p)

Conforme já citado, os herdeiros necessários são os descendentes (filhos, netos, bisnetos, etc), os ascendentes (pais, avós, bisavós, etc) e o cônjuge, cada qual com sua ordem de vocação hereditária. Caso não existam herdeiros necessários, o testador pode dispor de 100% de seus bens em testamento, podendo excluir da sucessão os herdeiros colaterais (irmãos, tios, sobrinhos, primos, etc). (TARTUCE, 2014, p. 32)

Além disto, no que se refere à legítima, é restrita a autonomia do testador, pois ele pode sujeitar a herança a cláusulas restritivas de direito, como inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade, prescritos no art. 1911 do Código Civil, mas tais decisões devem ser motivadas, correndo o risco de serem afastadas judicialmente.  Estes gravames são impostos aos bens móveis ou imóveis impedindo que o herdeiro, legatário ou donatário possa dispor livremente dos mesmos.

A aceitação ou renúncia dos bens deixados, manifestada pelo beneficiário do testamento, é irrelevante juridicamente para a essência do ato. (TARTUCE, 2014, p. 357)

Adotar o testamento implica, necessariamente, na abertura de inventário judicial para o cumprimento de seus termos e condições, o que não torna o testamento um instrumento menos interessante para a sucessão, pois, muito embora exija um processo mais moroso e custoso, o testamento também pode se mostrar um hábil instrumento de preservação da instituição familiar.

2.1.1 Regras fundamentais a respeito do testamento

                                                                                                        

O testamento pode ser feito por qualquer pessoa capaz e maior de 16 anos caso contrario, o ato é nulo. No entanto, o ato praticado por relativamente capaz é anulável. O art. 1860 do Código Civil dispõe sobre a capacidade para testar “além dos incapazes, não podem testar os que, no ato de fazê?lo, não tiverem pleno discernimento”.

Partindo para o conteúdo patrimonial do testamento, o §1º do art. 1857 do Código Civil dispõe

 

Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.§ 1º A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.§ 2º  São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.

Portanto, os bens da legítima não podem ser objeto de testamento, uma vez que a eles pertencem a metade do patrimônio do de cujus, só podendo este dispor em testamento ou através de doação da outra metade.

Segundo Tartuce, o conteúdo do testamento pode ser extrapatrimonial, é o que ocorre, por exemplo, quando o de cujus reconhece um filho, sem que o testador tenha deixado a ele qualquer bem.O direito de impugnar a validade de um testamento extingue-se em 5 anos, contado o prazo da data do seu registro. (TARTUCE, 2014, p. 369)

2.1.2 Formas de Testamento

As formas de testamento são: público, particular e cerrado. O testamento público é aquele realizado perante o tabelião, de acordo com a solenidade fixada em lei. Somente pode testar mediante instrumento público aquele que pode manifestar oralmente a sua declaração de última vontade e que pode confirmá-la, pela leitura pública realizada pelo oficial. (LISBOA, 2010, p. 419)

O testamento cerrado é o escrito pelo testador, ou por outra pessoa, a seu rogo, ficando sujeito à aprovação pelo tabelião ou por seu substituto legal. “Ele se divide em duas partes: a carta testamentária, com as disposições mortuárias, escritas pelo testador e o auto de aprovação, exarado depois e redigido necessariamente pelo tabelião ou por seu substituto legal.” (PEREIRA, 2007, p. 157)

A forma de testamento particular é aquela realizada mediante instrumento privado escrito e assinado pelo testador e por três testemunhas.Com a morte do testador, o testamento será publicado em juízo a pedido do herdeiro, do legatário ou mesmo do testamenteiro, citando os herdeiros legítimos. (LISBOA, 2010, p. 422)

Já o codicilo, assim como o testamento, constitui uma disposição de última vontade do autor da herança, mas refere-se aos bens de pequena monta ou extensão. “É um ato particular de ultima vontade simplificado e de expressão não considerável para o qual a lei não exige maiores solenidades, em razão de ser o seu objeto de menos importância tanto para o falecido quanto para seus herdeiros”. (TARTUCE, 2014, p. 424)

2.1.3 Deserdação

Entende-se por deserdação a privação, por disposição testamentária, da legítima do herdeiro necessário. Vale ressaltar que somente por testamento pode ser ordenada.

Essa privação é um instituto bem próximo da incapacidade sucessória, ocorrendo em casos de falta grave contra o autor da herança e pessoas de sua família, o impedindo de receber o acervo hereditário.

Não se pode confundir a deserdação com a  indignidade, que vem a ser uma pena civil que priva do direito à herança não só os herdeiros, mas também os legatários que cometeram atos criminosos contra a vida do de cujus. (DINIZ, 2011, p. 65)

As causas da deserdação estão previstos no art. 1.814 do Código Civil, que dispõe

São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I – que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

 

O testador é obrigado, então, a declarar o porquê da deserdação no testamento por dois motivos: para a verificação do enquadramento legal e pela necessidade de apuração da veracidade da alegação.

Os efeitos da deserdação são pessoais, não sendo os filhos dos herdeiros atingidos. Procedente a deserdação, os descendentes do deserdado sucedem por direito de representação. Não os tendo, permanecem íntegras as quotas em que se distribui a legítima em virtude de sua exclusão. (GOMES, 2008, p. 231.)

2.2 Planejamento sucessório por partilha em vida

A partilha em vida é uma modalidade de planejamento sucessório, com relação à parte disponível, uma vez que é preciso preservar o direito dos herdeiros necessários, previsto nos artigos 2013 a 2022 do Código Civil de 2002.

Trata-se de verdadeira sucessão antecipada, pois os bens recebidos não precisam ser trazidos à colação. Feita a partilha em vida, não existindo outros bens a serem partilhados, é desnecessário o processo de inventário. (DIAS,2014, p. 390)

A partilha em vida pode ser feita de várias formas, destacando-se neste estudo a partilha por meio de doação e instituição de usufruto.

A partilha por testamento não levanta objeções e realiza-se com a intenção de prevenir discórdia, conforme estudado no tópico acima. Porém, sua eficácia não é imediata, uma vez que nenhum direito é transferido ao herdeiro enquanto o testador estiver vivo. Na hipótese de pré-morte do filho os bens passam aos descendentes, e, se não os tem, divide-se entre os sobreviventes. (GOMES, 2008, p.  316)

A partilha-doação é tida como uma sucessão antecipada, pois é uma maneira de antecipar alguns bens aos herdeiros que somente o receberiam após a morte do autor da herança. As mesmas regras de vocação hereditária, herdeiros necessários e legítima, devem ser observados.

Segundo Tartuce (2014, p. 615), na partilha deve se preservar o mínimo para que o estipulante viva com dignidade. Tal preceito se fundamenta no artigo 548 do Código Civil de 2002 que estabelece ser “nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador”.

Para Maria Helena Diniz (2011, p. 465), essa forma de partilha facilita a fase de liquidação do inventário no processo de partilha, “homologando-se a vontade do testador que propôs uma divisão legal e razoável”, obedecendo, sempre, ao disposto no artigo 2.014 do Código Civil que prevê que “pode o testador indicar os bens e valores que devem compor os quinhões hereditários, deliberando ele próprio a partilha, que prevalecerá, salvo se o valor dos bens não corresponder às quotas estabelecidas”.

Como forma de planejamento sucessório, o autor da herança realiza a doação de todos os seus bens aos herdeiros, mantendo-se a igualdade de quinhões e a proteção da legítima.

Nestes casos, é comum a reserva para o doador do usufruto dos bens, que será extinto quando da sua morte, consolidando a propriedade plena em favor dos herdeiros antes donatários. (TARTUCE, 2014, p. 616)

O artigo 2.017 traz uma importante recomendação sobre o tema  “no partilhar os bens, observar?se?á, quanto ao seu valor, natureza e qualidade, a maior igualdade possível” . Trata-se do princípio da igualdade da partilha, regramento importantíssimo para o instituto em estudo.

A partilha-doação deve obedecer a forma prescrita para a doação, devendo ser feita por escritura publica se partilhado bens imóveis, podendo ser feita por escritura particular, se bem móvel. Além disso, o regime de comunhão de bens impede a partilha-doação por um só dos cônjuges, pois nenhum deles tem a propriedade exclusiva sobre os bens, mas nada impede que seja feito de forma conjunta, ou seja, repartam seus bens entre os filhos em um mesmo ato. (GOMES, 2008, p. 315)

Sobre o tema, segue um julgado:

Recurso especial. Sucessões. Inventário. Partilha em vida. Negócio formal. Doação. Adiantamento de legítima. Dever de colação. Irrelevância da condição dos herdeiros. Dispensa. Expressa manifestação do doador. - Todo ato de liberalidade, inclusive doação, feito a descendente e/ou herdeiro necessário nada mais é que adiantamento de legítima, impondo, portanto, o dever de trazer à colação, sendo irrelevante a condição dos demais herdeiros: se supervenientes ao ato de liberalidade, se irmãos germanos ou unilaterais. É necessária a expressa aceitação de todos os herdeiros e a consideração de quinhão de herdeira necessária, de modo que a inexistência da formalidade que o negócio jurídico exige não o caracteriza como partilha em vida. - A dispensa do dever de colação só se opera por expressa e formal manifestação do doador, determinando que a doação ou ato de liberalidade recaia sobre a parcela disponível de seu patrimônio. Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp: 730483 MG 2005/0036318-3, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 03/05/2005, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 20.06.2005 p. 287RBDF vol. 31 p. 67)

 

É possível, então, observar que para a partilha em vida é preciso considerar a legítima, bem como utilizar de instrumento formal para tanto. A legítima só poderá ser afastada se não houverem herdeiros necessários ou se foram deserdados por testamento. Além disso, só poderá dispor da parcela disponível de seu patrimônio.

2.2.1 Planejamento sucessório por instituição de usufruto

Entende-se por usufruto, seguindo a linha clássica, com origem no direito romano, “o direito de usar uma coisa pertencente a outrem e de perceber-lhe os frutos, ressalvado sua substancia.” (GONÇALVES, 2011, P 478) 

Segundo Venosa, “usufruto é um direito real transitória que concede a seu titular o pode de usar e gozar durante certo tempo, sob certa condição ou vitaliciamente de bens pertencentes a outra pessoa, a qual conserva sua substancia”. (2014, p. 489)

O usufruto pode ser apontado como direito real de gozo ou fruição por excelência, pois há a divisão igualitária dos atributos da propriedade entre as partes envolvidas.

Caracteriza-se o usufruto, assim, pelo desmembramento em face do principio da elasticidade, dos poderes inerentes ao domínio: de um lado fica com o nu proprietário o direito à substancia da coisa, a prerrogativa de dispor dela, e a expectativa de recuperar a propriedade plena pelo fenômeno da consolidação, tendo em vista que o usufruto é sempre temporário; de outro lado, passam para as mãos do usufrutuário o direito de uso e gozo, dos quais transitoriamente se torna titular. (GONÇALVES, 2011, p. 479)

É importante mencionar que o usufrutuário tem os atributos de usar e fruir a coisa e esta mantém a posse direta sobre o bem e a outra parte é o nu-proprietário que tem os atributos de reivindicar e dispor a coisa e tem a posse indireta da mesma. Assim prevê o art. 1.394 do Código Civil de 2002, “o usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos”.

O presente instituto está previsto no Código Civil entre os artigos 1.390 ao 1.411 e possui as seguintes características: é direito real sobre coisa alheia, tem caráter temporário, é inalienável, insuscetível de penhora. Além disso, o usufruto pode ser constituído por determinação legal, ato de vontade e usucapião. Determinação legal é o modo estabelecido pela lei em favor de certas pessoas, como o usufruto dos pais sobre os bens do filho menor, mencionado no art. 1.689, I do Código Civil de 2002.  O de ato de vontade é o que resulta de contrato e testamento. Em geral, este surge a titulo gratuito, seja na doação com reserva de usufruto, seja na doação de nua- propriedade a um beneficiário, e na do usufruto a outro. Admite-se também a aquisição do usufruto pela usucapião, ordinária e extraordinária, desde que presente os requisitos legais.

Ao nu-proprietário, ou seja, àquele que tem a propriedade despida dos poderes de usar e fruir, é vedado locar o imóvel objeto de usufruto, pois somente o usufrutuário pode gozar ou fruir sobre a coisa e usar a coisa, uma vez que, em regra, apenas o usufrutuário pode utilizar a coisa por ter tal atributo. Ao usufrutuário é vedado vender o bem, uma vez que somente o nu-proprietário pode fazê-lo por ter o atributo de disposição ou alienação. Em ações reivindicatórias da coisa em usufruto, somente o nu-proprietário tem o direito de reaver ou buscar a coisa de quem injustamente a possua ou detenha. Já as ações possessórias relativas ao bem ambos podem ingressar, pois o usufrutuário é possuidor direito e o nu-proprietário possuidor indireto. (TARTUCE, 2014, p. 369)

Além do exposto, o artigo 1.390 do Código Civil de 2002 estabelece “o usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo?lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades”.

O usufruto é uma forma de respeitar o autor da herança, pois permite que este continue percebendo os frutos advindos de sua propriedade e, desta forma, perceba renda suficiente para sua subsistência, respeitando o previsto no artigo 548 do Código Civil.

2.2.2 Planejamento sucessório por doação com reserva de usufruto

A doação com reserva de usufruto é uma forma muito utilizada no planejamento sucessório realizado durante a vida, uma vez que o titular conserva para si o usufruto e transfere a propriedade aos herdeiros.

A doação com reserva de usufruto é de extrema importância, pois é, dependendo do caso concreto, a forma mais adequada e rápida para a proteção tanto do patrimônio familiar quanto do herdeiro. O art. 538 do Código Civil brasileiro dispõe “considera?se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”.

No entanto, uma pergunta recorrente é: como realizar a doação de um bem e manter o direito sobre o uso e fruição deste mesmo bem até a abertura da sucessão? Para tanto, o que se faz são doações com reserva de usufruto, a qual é muito utilizada com o objetivo de evitar problemas futuros com a distribuição da herança, bem como com as despesas com inventário após o falecimento. E para impedir qualquer ato de distribuição da nua-propriedade, pode se impor, ainda, a cláusula de inalienabilidade.

Segue um julgado referente ao tema de inalienabilidade nas doações com reserva de usufruto.

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO OPOSTO POR USUFRUTUÁRIA. PENHORA INDEVIDA DE 50% SOBRE OS FRUTOS CIVIS DO IMÓVEL DOADO COM RESERVA DE USUFRUTO VITALÍCIO CONCEDIDO APENAS À APELADA. 1- Constituem os embargos de terceiro, meio idôneo para a usufrutuária se opor à penhora efetuada em execução contra terceiro. 2- Não sendo o executado (terceiro), nem proprietário e nem usufrutuário parcial do imóvel em questão, não poderia ele ter oferecido os frutos civis do bem para penhora de execução de dívida sua. 3- Recurso parcialmente provido. (TJ-PR - AC: 2811901 PR Apelação Cível - 0281190-1, Relator: Cláudio de Andrade, Data de Julgamento: 14/12/2005, 18ª Câmara Cível, Data de Publicação: 27/01/2006 DJ: 7047)

 

 

O usufruto é um direito real transitório que concede a seu titular o poder de usar e gozar durante certo tempo, sob certa condição ou vitaliciamente de bens pertencentes a outra pessoa, a qual conserva a substância do bem. (VENOSA, 2008,p. 451)  

O direito de propriedade, como já mencionado, é a capacidade que uma pessoa tem de usar, fruir, dispor e reivindicar de um bem. No usufruto, o direito de usar de fruir fica apartado da propriedade, uma vez que de um lado fica o proprietário, com a faculdade de dispor da coisa, de outro lado o usufrutuário, com o direito de usar e fruir do bem, mas ambos têm o direito de defender a coisa.

Desta forma, uma pessoa que doa um bem, mas reserva a si o usufruto transmite a nua propriedade, reservando para si, poderes não conferidos, em observância ao princípio da exclusividade dominial. Há, também, a possibilidade do proprietário transferir o usufruto a uma terceira pessoa. Neste caso, ele doará a propriedade despida para alguém e instituirá o usufruto a um terceiro. Trata-se do exemplo do pai que doa a propriedade nua para o filho, mas institui o usufruto para uma tia, por exemplo. (KUMPEL, 2014, s.p)

Além disso, o doador pode sujeitar o bem doado a uma série de cláusulas com o objetivo de proteger seu patrimônio, são eles: a cláusula de incomunicabilidade, em que o bem doado é transmitido somente ao donatário, logo, qualquer que seja o seu regime de bens, o bem doado não se comunicará ao cônjuge atual ou futuro; a cláusula de impenhorabilidade, por meio da qual o bem doado não poderá ser penhorado para garantia de pagamento futuro aos credores, mesmo que o donatário tenha contraído dívidas anteriores à doação ou venha a contraí-las posteriormente à doação; cláusula de inalienabilidade, em que o bem não poderá ser alienado, ademais a inalienabilidade poderá ser vitalícia ou temporária e por fim, a cláusula de reversão, na qual se o donatário falecer antes do doador, o bem doado retorna ao patrimônio do doador. (KUMPEL, 2014)

3 Conclusão

 É possível notar, portanto, que, uma vez implementado o planejamento em vida, seja por meio de doações antecipadas, por testamento ou instituição de usufruto, torna-se possível o processamento do inventário sem acionar a via judiciária.

Consequentemente, a sucessão ocorre de forma mais simples e célere, evitando maiores conflitos entre os herdeiros no futuro, bem como o engessamento dos negócios. Com o Planejamento Sucessório, pode se planejar a distribuição dos bens em vida, optando por uma discussão conjunta do doador com seus herdeiros, o que traz economia de custos e redução de desgastes nos relacionamentos familiares, garantindo a eficaz continuidade das riquezas constituídas em vida e, acima de tudo, o bom convívio entre os herdeiros em um momento difícil e doloroso: a morte.

O planejamento sucessório, portanto, de um modo geral, constitui uma importante ferramenta jurídica de forma a criar uma solução sob medida às necessidades de cada pessoa. Planejar a sucessão é preservar não só o patrimônio, como também preservar a própria unidade familiar.

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LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Direito de Família e Sucessões. 6ed. São Paulo: Saraiva, 2010

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Elaborado em novembro/2014

 

Como citar o texto:

MACHADO, Patrícia Portel,a et al..Planejamento Sucessório: Proteção Do Patrimônio E Das Relações Familiares. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1222. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-familia-e-sucessoes/3378/planejamento-sucessorio-protecao-patrimonio-relacoes-familiares. Acesso em 2 jan. 2015.

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