Resumo: O objetivo do artigo científico está assentado em discorrer acerca da modalidade de desapropriação rural, abordando, para tanto, seus aspectos caracterizadores e requisitos ensejadores.  Quadra reconhecer que o ordenamento jurídico nacional garantiu, de um lado, o direito de propriedade e, doutro ângulo, nunca proibiu a desapropriação. Contemporaneamente, a convivência entre os institutos encontra materializada nos incisos XXII e XXIV do artigo 5º da Constituição de 1988. Com clareza ofuscante, insta anotar que o primeiro inciso preconiza que é garantido o direito de propriedade, ao passo que o segundo assinala que a legislação disporá acerca do procedimento para a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justo e prévio quantum indenizatório em dinheiro, excetuando, neste ponto, as hipóteses entalhadas no próprio Texto Maior. Cuida assinalar, oportunamente, que a modalidade da desapropriação rural apresenta por objetivo a transferência para o Poder Público de imóvel caracterizado como rural. Neste sentido, ainda, em consonância com o artigo 186 da Constituição de 1988, o Poder Público possui a prerrogativa de proceder à desapropriação rural quando o imóvel não estiver atendendo a função social rural, porém o escopo da expropriação pode voltar-se tanto para fins de reforma agrária, como para qualquer outro fim condizente com a política agrícola e fundiária. A partir de tais ideários, a pesquisa desenvolvida está assentada no método de revisão bibliográfica, conjugado, no decorrer do artigo, da legislação nacional pertinente, com vistas a esmiuçar os requisitos enumerados.

Palavras-chaves: Desapropriação Rural. Proteção Possessória. Estado.

Sumário: 1 Desapropriação Rural: Ponderações Introdutórias; 2 Competência para a Desapropriação Rural; 3 O Desatendimento da Função Social da Propriedade Rural e o Cabimento da Desapropriação; 4 Verba Indenizatória decorrente da Desapropriação Rural; 5 Inaplicabilidade da Desapropriação

1 Desapropriação Rural: Ponderações Introdutórias

Em sede de comentários inaugurais, quadra reconhecer que o ordenamento jurídico nacional garantiu, de um lado, o direito de propriedade e, doutro ângulo, nunca proibiu a desapropriação. “Esses dois direitos, o de propriedade do administrado e o de desapropriar do Estado, como ocorre em outros países, sempre conviveram no nosso ordenamento jurídico”[1]. Contemporaneamente, a convivência entre os institutos encontra materializada nos incisos XXII e XXIV do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[2]. Com clareza ofuscante, insta anotar que o primeiro inciso preconiza que é garantido o direito de propriedade, ao passo que o segundo assinala que a legislação disporá acerca do procedimento para a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justo e prévio quantum indenizatório em dinheiro, excetuando, neste ponto, as hipóteses entalhadas no próprio Texto Maior.

Pertinente faz-se mencionar que a faculdade constitucional para desapropriação é imprescindível, porquanto nem sempre o Estado pode lograr êxito aos fins que se propõe pelos meios que o Direito Privado oferece e regula. “O proprietário do bem necessário, útil ou de interesse social para o Estado resiste às suas pretensões de compra, por não querer vender ou por não lhe interessar o preço oferecido, impedindo, com essa resistência, a realização do bem comum”[3], como bem anota Diógenes Gasparini. Em tais situações, é tangível que apenas a desapropriação tem o condão de restaurar a prevalência do interesse público sobre o interesse particular, retirando do proprietário, mediante o pagamento de indenização, a sua propriedade. Denota-se, portanto, que a desapropriação é o mais eficaz e também o mais grave instrumento de que dispõe o Estado para intervir na propriedade, desde que se apresente como necessária, útil ou de interesse social.

Ao lado do esposado, é mister apontar que vários são os conceitos estruturados pela doutrina, calcado no ordenamento jurídico vigente. Assim, com espeque nas disposições legais norteadoras, notadamente aquelas contidas na da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[4], a desapropriação é descrita como sendo o procedimento administrativo pelo qual o Estado, compulsoriamente, retira de alguém certo bem, por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social e adquire, originariamente, para si ou para outrem, mediante prévia e justa indenização, adimplida em dinheiro, salvo os casos que o próprio Texto Constitucional enumera, em que o pagamento é feito como títulos da dívida pública ou da dívida agrária[5]. Convém, ainda, mencionar que o instituto da desapropriação, assim conceituado, também recebe a denominação de expropriação. O Poder Público é o expropriante ou o desapropriante, ao passo que o proprietário do bem é o expropriado ou desapropriado. Durante o desenvolvimento do procedimento expropriatório, o bem é qualificado como expropriando ou desapropriando.

Cuida assinalar, oportunamente, que a modalidade da desapropriação rural apresenta por objetivo a transferência para o Poder Público de imóvel caracterizado como rural. Conforme preconiza o artigo 4º da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993[6], que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal, o imóvel rural pode ser conceituado como o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial. Dessa maneira, por exclusão dos limites legislativos estabelecidos, salta aos olhos que a modalidade em comento não abarcará os imóveis considerados urbanos, os quais serão suscetíveis de expropriação por modalidades distintas do instituto em comento. Carvalho Filho[7], ao examinar o thema, discorre que há de se considerar que o sentido assumido pela expressão é amplo, comportando, consequentemente, mais de um escopo.

Neste sentido, ainda, em consonância com o artigo 186 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[8], o Poder Público possui a prerrogativa de proceder à desapropriação rural quando o imóvel não estiver atendendo a função social rural, porém o escopo da expropriação pode voltar-se tanto para fins de reforma agrária, como para qualquer outro fim condizente com a política agrícola e fundiária. Ademais, consoante o magistério apresentado por José dos Santos Carvalho Filho, “é verdade que a regra é aquele objetivo, mas nada impede (porque a Constituição não proíbe) que o Poder Público persiga a conquista de outras situações que não a reforma agrária”[9], desde que, obviamente, reste compatibilizada a função social rural. Independente do objetivo da desapropriação rural, normal é que seja adequada na modalidade de desapropriação por interesse social, situação fático-jurídica substancializadora de um dos fundamentos do poder expropriatório do Estado, alicerçado no inciso XXIV do artigo 5º do Texto Constitucional[10].

2 Competência para a Desapropriação Rural

A competência para a desapropriação rural por interesse social é exclusiva da União Federal, em consequência, Estados, Distrito Federal e Municípios estão alijados dessa prerrogativa expropriatória específica. Quadra reafirmar que tal disposição encontra amparo, expressamente, no artigo 184, §2º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[11], bem como no artigo 2º, §1º, da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993[12], que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Neste sentido, inclusive, há que se colacionar o paradigmático entendimento jurisprudencial consagrado no Superior Tribunal de Justiça:

Ementa: Processual Civil e Administrativo - Recurso Especial - Ação de indenização - Arrendatário de imóvel rural objeto de desapropriação pra fins de reforma agrária - Legitimidade Passiva da União - Direito obrigacional que não se sub-roga no preço. 1. Compete exclusivamente à União promover a desapropriação rural por interesse social, para fins de reforma agrária (arts. 184 da CF/88 e 2º, § 1º, da Lei 8.629/93), resultando daí sua legitimidade para figurar no polo passivo de ação almejando a recomposição de prejuízos suportados por arrendatário de imóvel rural objeto de desapropriação. [...] 3. Recurso especial não provido. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp nº 1.130.124/PR/ Relatora: Ministra Eliana Calmon/ Julgado em 04.04.2013/ Publicado no DJe em 10.04.2013).

Insta reconhecer que a exclusividade da competência repousa na premissa que a matéria rural abrange todo o território brasileiro e ostenta interesse de caráter nacional. Consoante aduz José dos Santos Carvalho Filho[13], em seu magistério, o interesse público a ser protegido extrapola o âmbito estadual, distrital e municipal, motivo pelo qual o Texto Maior confere também à União a competência para legislar sobre direito agrário.

3 O Desatendimento da Função Social da Propriedade Rural e o Cabimento da Desapropriação

Ao rememorar que a propriedade constitui direito relativo e condicionado, é carecido explicitar que, quando qualificar como rural, tenha utilização atrelada à função social rural. Dessa maneira, quando observado que a função social rural não está atendida, o imóvel estará sujeito à modalidade de desapropriação em comento. Neste aspecto, implica anotar que a função ora mencionada é atendida, nos termos preconizados no artigo 186 da Constituição Federal de 1988[14], quando se constata a presença dos seguintes requisitos: (i) aproveitamento racional e adequado; (ii) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; (iii) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e (iv) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

O primeiro requisito para materializar a função social da propriedade está vinculado à racionalidade e à adequação do aproveitamento dos graus de utilização da terra e da eficiência na exploração. Os graus de aproveitamento racional e adequado encontram-se inseridos nos §§1º a 7º do artigo 6º da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993[15], que dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Neste aspecto, o grau de utilização da terra, para efeito do caput do artigo 6º do sobredito diploma legal, deverá ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel. Ao lado disso, ainda sobre o requisito em exame, oportunamente, prima ponderar que o grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100% (cem por cento), e será obtido de acordo com a seguinte sistemática: (i) para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea; (ii) para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea; e (iii) a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo, dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determina o grau de eficiência na exploração.

Para fins, ainda, de aproveitamento racional e adequado, considera-se efetivamente utilizadas: (i) as áreas plantadas com produtos vegetais; (ii) as áreas de pastagens nativas e plantadas, observado o índice de lotação por zona de pecuária, fixado pelo Poder Executivo; (iii) as áreas de exploração extrativa vegetal ou florestal, observados os índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea, e a legislação ambiental; (iv) as áreas de exploração de florestas nativas, de acordo com plano de exploração e nas condições estabelecidas pelo órgão federal competente; e (v) as áreas sob processos técnicos de formação ou recuperação de pastagens ou de culturas permanentes, tecnicamente conduzidas e devidamente comprovadas, mediante documentação e Anotação de Responsabilidade Técnica. No caso de consórcio ou intercalação de culturas, considera-se efetivamente utilizada a área total do consórcio ou intercalação.

Em se tratando de caso de mais de um cultivo no ano, com um ou mais produtos, no mesmo espaço, considera-se efetivamente utilizada a maior área usada no ano considerado. Para os produtos que não tenham índices de rendimentos fixados, adotar-se-á a área utilizada com esses produtos, com resultado do cálculo previsto no inciso I do § 2º do artigo em exame. Não perderá a qualificação de propriedade produtiva o imóvel que, por razões de força maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida, devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar, no ano respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a espécie.

No que pertine ao segundo requisito, para configurar-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis é imprescindível que se respeite a vocação natural da terra para manter o potencial produtivo da propriedade. No que concerne ao meio ambiente, torna-se carecido manter as características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais com vistas ao equilíbrio ecológico. Neste aspecto, consoante aduz o §2º do artigo 9º da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993[16], considera-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade. O parágrafo subsequente do dispositivo supramencionado estabelece que é considerada preservação do meio ambiente a manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas

O terceiro requisito, por seu turno, estabelece que cumpre respeitar as leis trabalhistas, os contratos de trabalho e os contratos de trabalho e os contratos de arrendamento e de parceria rurais, nos termos preconizados no §4º do dispositivo supramencionado. O último requisito compreende o bem-estar há de ser retratado pelo atendimento às necessidades básicas e à segurança dos trabalhadores, sem que haja tensões sociais e animosidades no imóvel. Neste aspecto, ainda em relação ao requisito em comento, a exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento das necessidades básicas dos que trabalham a terra, observa as normas de segurança do trabalho e não provoca conflitos e tensões sociais no imóvel, conforme estatui o diploma em destaque.

Por derradeiro, cuida elucidar que, conforme o Ministro Celso de Mello, ao relatoriar o Mandado de Segurança nº 21.348, assentou, “dispõe de perfil jurídico-constitucional próprio e traduz, na concreção do seu alcance, uma reação do Estado à descaracterização da função social que inere à propriedade privada”[17]. Em decorrência de tal cenário, esse tipo especial de desapropriação é definido como sanção constitucional imponível pela inobservância da função social da propriedade rural.

4 Verba Indenizatória decorrente da Desapropriação Rural

A indenização, no caso de desapropriação rural para fins de reforma agrária, não segue a regra geral inserta no inciso XXIV do artigo 5º do Texto Constitucional[18], para as desapropriações por utilidade pública ou por interesse social de modo geral. Há dois instrumentos para pagamentos de indenização, sendo que o primeiro deles constitui a regra geral aplicável na espécie: a indenização deve ser paga através de títulos da dívida agrária, que são emitidos pelo Governo Federal retratando certo valor, correspondente à dívida governamental nele contida, e ao mesmo tempo conferem direitos de crédito a seu titular. “Tais títulos deverão conter cláusula de preservação do valor real e serão resgatáveis no prazo, de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão”[19], conforme José dos Santos Carvalho Filho. Regulando o tempo para resgate, a lei fixou quatro prazos, adotando o critério segundo o qual quanto maior o período, maior o prazo para poder ser resgatado o título.

No que tange, entretanto, às benfeitorias necessárias e úteis, a indenização deverá ser paga em dinheiro. Nessa parte o procedimento expropriatório obedecerá à regra geral, exigindo que o expropriante ofereça o preço inicialmente, depositando em juízo a verba se quiser a imissão provisória na posse e só obtenha a transferência das benfeitorias com o pagamento integral da indenização. Em consonância com o artigo 12 da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993[20], considera-se justa a indenização que reflita o preço atual de mercado do imóvel em sua totalidade, aí incluídas as terras e acessões naturais, matas e florestas e as benfeitorias indenizáveis, observados os seguintes aspectos: (i)  localização do imóvel; (ii) aptidão agrícola; (iii) dimensão do imóvel; (iv) área ocupada e ancianidade das posses; (v) funcionalidade, tempo de uso e estado de conservação das benfeitorias.

O pagamento da verba indenizatória, a partir dos feixes advindos da modalidade expropriatória em análise, representa a reação constitucional à ofensa de um dos mais expressivos corolários estruturadores da ordem econômica, qual seja: a função social da propriedade. Ao lado disso, cuida explicitar que a reclamação constitucional da justa indenização, que está vinculada às modalidades, ordinária e especial, de desapropriação, materializa consequência imediatamente derivada da garantia de conservação instituída, pelo legislador constituinte, em favor do direito de propriedade. Não é demais anotar que a justa indenização, ou a equivalência financeira entre a compensação paga pelo Estado ao particular e o valor real da propriedade atingida pela ação expropriatória, traduz elemento de limitação às atividades do Poder Público, que deverá – para legitimamente exercer a sua prerrogativa institucional – submeter-se à exigência da justa indenização.

5 Inaplicabilidade da Desapropriação

Quadra anotar que a Constituição Federal afastou da incidência da desapropriação rural determinados bens com qualificação específica, a saber: (i) a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; e (ii) a propriedade produtiva, consoante dicção do artigo 185 do Texto Maior[21].  A primeira hipótese traduz como limitação ao poder expropriatório da União, pois há uma presunção juris et de jure (absoluta) de que a pequena e a média propriedades rurais, assim definidas em lei, e desde que o seu proprietário não possua outra, cumprem a função social. Ao lado disso, deflui, do preceito constitucional em análise, verdade cláusula de intangibilidade da propriedade rural, extensível, por igual, à propriedade produtiva, cuja inexpropriabilidade independerá de sua extensão territorial e da circunstância de não possui, o seu titular, outra propriedade. O Texto Maior, quer para a definição de pequena ou média propriedade rural, quer para a outorga de especial tratamento benéfico à propriedade produtiva – e estipulação de normas para o cumprimento dos requisitos relativos à sua função social, exige lei.

Cuida resgatar que o imóvel rural pode ser conceituado como o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial, sendo que a propriedade produtiva é descrita como aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente. Os conceitos de pequena e média propriedade rural são subjetivos e indeterminados, colocados ao critério dos indivíduos. Desta feita, aquele diploma estabeleceu a definição legal, variável logicamente conforme o tamanho da área da propriedade.

De qualquer sorte, o mandamento constitucional, considerando fora da incidência expropriatória as propriedades com tais qualificações jurídicas, permitiu que eventual ação expropriatória objetivando a transferência de tais propriedades seja julgada extinta sem resolução do mérito por falta da possibilidade jurídica do pedido. Convém, portanto, estabelecer que a inexpropriabilidade da propriedade rural, em função de sua área – desde que pequena ou média – e em função do seu grau de produtividade, independentemente, nesta segunda hipótese, de sua dimensão física. Assim, a dimensão física e o satisfatório grau de produtividade do imóvel rural subsidiam insuperáveis limitações constitucionais ao poder expropriatório da União, no que toca à promoção da reforma agrária. Assim, à luz do pontuado, a inexploração do imóvel rural – a que equivale a ausência de qualquer coeficiente de produtividade decorrente de seu não aproveitamento racional e adequado -, que lhe frustre, objetivamente, a plena realização de sua função social, constitui o pressuposto necessário de utilização, pelo Poder Público, do mecanismo expropriatório.

No mais, a ordem constitucional tutela o direito de propriedade, bem como assegura, ao seu titular, a garantia de conservação do domínio. Logo, a expropriação reflete uma agressão jurídica a esse direito, cuja intangibilidade não se apresenta como absoluta. A inviolabilidade do direito de propriedade curva-se à atuação do Poder Público, desde que a atividade estatal, regida pelo princípio da legalidade e pelo respeito incondicional à Carta Política, encontre o seu fundamento em razões ditadas pelo interesse público. Há que se reconhecer que a desapropriação rural ambiciona fito mais louvável e corolário orientador da ordem econômica vigente, notadamente no que concerne a assegurar que reste materializada a função social da propriedade rural, o que se dá apenas assegurando sua produtividade.

Referência:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2015.

 

__________. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2014.

 

__________. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2014.

 

__________. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2014.

 

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

 

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

  

[1] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 905.

[2] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2015.

[3] GASPARINI, 2012, p. 905.

[4] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2015.

[5] Neste sentido: GASPARINI, 2012, p. 906.

[6] BRASIL. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2014.

[7] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24 ed, rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 818.

[8] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2015.

[9] CARVALHO FILHO, 2011, p. 818.

[10] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2015. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [omissis] XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.

[11] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2015. Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. [omissis] § 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação.

[12] Idem. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2014. Art. 2º A propriedade rural que não cumprir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais. §1º Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.

[13] CARVALHO FILHO, 2011, p. 818.

[14] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2015.

[15] Idem. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2014.

[16] BRASIL. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2014.

[17] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Mandado de Segurança nº 21.348. Mandado de Segurança - Imóvel Rural - Desapropriação-Sanção (CF, art. 184) - Tutela constitucional do direito de propriedade - Ausência de recepção do Decreto-Lei N. 554/69 pela nova Constituição - Inviabilidade da declaração expropriatória, por interesse social, ante a inexistência das leis reclamadas pelo Texto Constitucional (art. 184, par. 3, e art. 185, I) - Edição superveniente da Lei Complementar N. 76/93 e da Lei N. 8.629/93 - Irrelevância - Impossibilidade de sua aplicação retroativa - Pedido deferido. - A desapropriação de imóvel rural, por interesse social, para fins de reforma agrária, constitui modalidade especial de intervenção do Poder Público na esfera dominial privada. Dispõe de perfil jurídico-constitucional próprio e traduz, na concreção do seu alcance, uma reação do estado a descaracterização da função social que inere a propriedade privada. A expropriação-sanção foi mantida pela Constituição de 1988, que a previu para o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social (art. 184, caput), hipótese em que o valor da justa indenização - embora prévia - será pago em títulos da dívida pública. A exigência constitucional da justa indenização representa consequência imediatamente derivada da garantia de conservação que foi instituída pelo legislador constituinte em favor do direito de propriedade. - A inexistência das leis reclamadas pela Carta Política (art. 184, par. 3. e art. 185, n. I) impede o exercício, pela união federal, do seu poder de promover, para fins de reforma agrária, a modalidade especial de desapropriação a que se refere o Texto Constitucional (art. 184). A edição dos atos legislativos exigidos pela Carta Federal, ocorrida em momento posterior ao da publicação do decreto presidencial impugnado, não tem o condão de legitimar a declaração expropriatória nele consubstanciada, dada a impossibilidade de aplicação retroativa daqueles diplomas legais. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgado em 02.09.1993. Publicado no DJe em 08.10.1993. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2014.

[18] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2015. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [omissis] XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição.

[19] CARVALHO FILHO, 2011, p. 819-820.

[20] BRASIL. Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, previstos no Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2014.

[21] BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2015.

 

 

Elaborado em janeiro/2015

 

Como citar o texto:

RANGEL, Tauã Lima Verdan..Uma Análise acerca do Instituto da Desapropriação Rural: Ponderações sobre a Temática. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 23, nº 1237. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-agrario/3429/uma-analise-acerca-instituto-desapropriacao-rural-ponderacoes-tematica. Acesso em 4 mar. 2015.

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