RESUMO

Este trabalho científico é dedicado ao enfrentamento de uma questão de incomensurável sensibilidade jurídica. A problemática abordada é: ‘a aplicabilidade da ação penal pública incondicionada nos casos de lesão corporal no âmbito da Lei Maria da Penha’. O texto constitucional reconhece a família como base da sociedade, por isso, essa instituição é detentora de proteção estatal. A intangibilidade do núcleo familiar por parte do Estado incentivou de forma indireta a criação de uma cultura de tolerância e aceitação tácita em relação à violência em ambiente doméstico em face das mulheres. No momento presente, esse tipo de violência já vitimou tantas mulheres que os índices apresentados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE incentivaram o Poder Judiciário, o Legislativo e o Executivo a classificar esse fenômeno social como um problema de saúde pública. Afora essa realidade, até o ano de 2006, no Brasil não havia uma legislação específica com vistas a combater a violência doméstica e familiar. Entretanto, naquele ano, o ordenamento jurídico foi inovado com a inserção da Lei n. 11.340, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha. Desde então, o Supremo Tribunal Federal – STF passou a receber inúmeras demandas questionando a constitucionalidade de alguns dispositivos da referida lei ordinária, mormente, no que toca à questão do tipo de ação penal cabível. O debate se dedica a criticar a inconstitucionalidade do artigo 41 da Lei n. 11.340/2006, uma vez que seu texto veda o processamento e o julgamento de crimes de menor potencial ofensivo envolvendo violência doméstica contra a mulher pelos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, sem levar em consideração que esse tipo de competência é matéria de reserva constitucional, portanto não poderia ter sido afastada por lei ordinária. Enfim, toda essa polêmica será alvo deste estudo, que ainda demonstrará aos leitores uma construção histórica sobre as motivações para a criação de uma legislação protetiva de intenso rigor, os princípios constitucionais incidentes e a jurisprudência moderna emanada do STF.

Palavras – Chave: Lei Maria da Penha. Violência. Mulher.

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A promulgação da Lei nº 11.340/2006, popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, acarretou considerável inovação no que toca à cultura de omissão legislativa e tolerância social em relação à violência doméstica e familiar suportada pelas mulheres ao longo da história.

A lei apontada expressa seus efeitos benéficos, principalmente, no seio familiar. No momento atual, a sociedade detém conhecimentos sobre os limites impostos ao relacionamento entre os membros de um clã. A força da figura masculina não intimida a eficácia da legislação em referência, uma vez que qualquer pessoa do povo pode denunciar o agressor.

A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu bojo a intangibilidade no que concerne à proteção da célula familiar. Em razão disso, logo se constatou que dispositivos da Lei Maria da Penha acarretavam violação ao que estabelece a competência privativa da Lei dos Juizados Especiais – Lei n. 9.099/1995.

Dessa maneira, a usurpação da competência apontada impõe medidas mais gravosas ao agressor de menor potencial ofensivo, impondo seu afastamento do convívio do lar sem promover nem ao menos a tentativa de conciliação de forma a oportunizar a manutenção da integridade familiar.

De modo a solucionar a problemática sobre a constitucionalidade da aplicação da ação penal pública incondicionada nos crimes de lesão corporal no âmbito da Lei Maria da Penha, o Supremo Tribunal Federal se posicionou pela sua legalidade. Essa medida se deve ao reconhecimento de que a proteção da vida da mulher, em seu lar, foi considerada sobreposta a qualquer critério de legalidade.

Nesse passo, o objetivo deste trabalho monográfico é analisar a legalidade da Lei n. 11.340/2006, direcionada a questão do ilícito de lesão corporal. O objetivo específico é demonstrar propostas que contraditam a análise positiva da incidência da Lei Maria da Penha em âmbito doméstico e familiar.

Para a realização do estudo foi desenvolvida uma extensa pesquisa bibliográfica, fundamentada em obras jurídicas doutrinárias já publicadas sobre o assunto e também em decisões jurisprudenciais emanadas dos Tribunais Superiores pátrios. Segundo a abordagem qualitativa, há uma maior preocupação com o aprofundamento e a abrangência da compreensão do fenômeno social da violência doméstica e familiar em face das mulheres.

Iniciando o estudo colacionando comentários ao posicionamento do STF sobre a (in)constitucionalidade da ação penal pública e incondicionada na Lei Maria da Penha. Nesse momento, o estudo será voltado à avaliação dos fundamentos jurídicos justificadores das hipóteses de inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha; aos fundamentos jurídicos determinantes da constitucionalidade da Lei Maria da Penha; e ao posicionamento moderno e dominante do Supremo Tribunal Federal.

Com o escopo de subsidiar as constatações expostas ao longo do texto, foram citados inúmeros autores de notável conhecimento jurídico na seara de direito penal, dentre os quais ganham maior destaque: Maria Berenice Dias, Rogério Greco Filho, e Guilherme de Souza Nucci.

Enfim, a família como instituição pilar da sociedade é titular de proteção constitucional intangível, portanto a preservação do direito fundamental à convivência pacífica no lar deve ser garantida a todas as mulheres do Brasil sem violação as garantias legais.

1 COMENTÁRIOS AO POSICIONAMENTO DO STF SOBRE A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA E INCONDICIONADA NA LEI MARIA DA PENHA

O artigo que se inicia tem por escopo realizar o arremate deste estudo, apresentando o posicionamento mais atual e abalizado emanado do Supremo Tribunal Federal sobre a temática em comento, a saber, ‘a aplicabilidade da ação da ação penal pública e incondicionada nos casos de lesão corporal leve no âmbito da Lei Maria da Penha – LMP’.

Oportuno se torna dizer que a matéria em análise foi alvo de intensas discussões traçadas por operadores do direito pertencente a diversas classes, perante a tribuna do Pretório Excelso, na oportunidade do julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade n. 4.424 e a Ação de Declaração de Constitucionalidade n. 19.

A referida ADC, ante a relevância da matéria, foi subsidiada por inúmeros amici curiae. Nesse rol de interessados, foram admitidos profissionais da Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP; do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB; da Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero - THEMIS, o Instituto para a Promoção da Equidade -IPÊ e o Instituto Antígona – organizações integrantes e representantes do Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher-;

O pleito pela participação formalizado pelas referidas instituições foi acolhido pelo STF, pois a aceitação da atuação dos chamados amici curiae e tem o condão de demonstrar a multidisciplinaridade de conhecimentos científicos e sociológicos a que esta aberta a Corte Suprema. A admissão de terceiros, geralmente, é manifestada por meio de relatórios sobre a temática abordada no mérito ou via sustentação oral.

A legitimidade para a propositura desta ADC foi a oscilação constante da jurisprudência de julgados que ecoavam sem conteúdo jurídico linear, manifestações múltiplas sobre a constitucionalidade e inconstitucionalidade de artigos específicos integrante da LMP, mais precisamente, artigos 16 e 41 do diploma legal em comento.

Concomitantemente, o STF optou por julgar a ADI n. 4.244 que tratava da mesma matéria, contudo, esta ação, diferente da ADC n. 19, objetivava a declaração da inconstitucionalidade dos artigos apontados. No intuito de conceder a harmonia jurisprudência na forma da interpretação conforma a Lei Básica da República, o Pretório Excelso se posicionou pela constitucionalidade da norma questionada em detrimento do que determina a reserva constitucional de competência exposta na redação do artigo 98 do texto constitucional.

O julgamento conexo dos referidos remédios constitucionais é justificada pela origem e a razão de mérito de que tratam suas essências. A insegurança jurídica não pode se fazer presente nas decisões judiciais, pois esse posicionamento não se coaduna com os ares democráticos que norteiam a Magna Carta de 1988, não poderá haver menosprezo a organicidade do direito.

O resultado das contendas ora informados trouxeram a lume a profícua conclusão de que, embora haja possibilidade da ocorrência de abuso de direito no que toca à redação infraconstitucional da Lei n. 11.340/2006, a relevância social da matéria e a primazia da realidade da violência doméstica e familiar, no Brasil, obrigaram o legislador a criar uma lei para incidir de forma a conceder eficácia à sua proposta de prevenção e repressão à violência doméstica e familiar.

A possível ocorrência de abuso de direito ou demais irregularidades, no momento da aplicabilidade da lei, deve ser analisada de forma individual, respeitando os contornos peculiares de cada caso concreto. Deste modo, seguem explanados os aspectos pontuais dos principais julgamentos relacionados à Lei Maria da Penha.

1.1 Fundamentos jurídicos justificadores das hipóteses de inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha

Ab initio, cabe destacar a articulação da inconstitucionalidade do artigo 41 da LMP, no toca à vedação a aplicação dos ditames que integram o bojo da Lei n. 9.099/95, que versa sobre a competência dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais – JECC. O referido artigo da lei específica de proteção à mulher e da família também impede a incidência do artigo 21 da Lei das Contravenções Penais – DL n. 3.688/41 – LCP. Observe-se:

Lei n. 11.340/2006 – Lei Maria da Penha

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

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Decreto lei n. 3.688/1941 – Lei das Contravenções Penais

Art. 21. Praticar vias de fato contra alguém:

Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o fato não constitui crime.

Parágrafo único. Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos.

Contudo, vale ressaltar que o discurso que ora se segue não guarda nenhum pretensão de concordar ou incentivar qualquer forma de agressão dentro ou fora do seio familiar. Existem fundamentos jurídicos robustos e aptos a questionar o contrassenso existente entre os artigos retro mencionados.

A Lei n. 11.340/2006 abriga, em seu bojo, regras extremamente salutares em relação à criação de medidas protetivas destinadas à mulher e incidentes sobre o agressor, no intuito de coibir esse tipo de prática reprovável. Tais regras repercutiram positivamente na sociedade, pois o número de denúncias sofreu considerável crescimento em detrimento do decréscimo da violência nos lares.

Essas restrições são resultantes da estratificação de legislações alienígenas dedicadas à proteção de gênero. Neste caso específico, é destacado o direito norte-americano, que previu antecipadamente as medidas protetivas similares às adotadas atualmente pela LMP no Brasil.

Entretanto, apesar das benesses legais, é preciso que sejam destacados 03 (três) pontos fulcrais, quais sejam: a desconformidade constitucional do artigo 41 da Lei Maria da Penha no que tange à vedação da aplicação da Lei n. 9.099/95; a possível violação de competência constitucional de matéria reservada aos juizados JECC; e a dispensa de representação da vítima.

A inaplicabilidade da Lei n. 9.099/95 afasta a incidência dos benefícios dos institutos despenalizadores ou descarcerizadores que, atualmente, são tendências no país. Prova disso, é a Lei de Fiança n. 12.403/2011 que inseriu, no ordenamento legal, inúmeras sanções alternativas à prisão.

A insurgência quanto à violação da competência absoluta em razão da matéria reservada aos JECC funda-se na menção do que expõe o artigo 98, inciso I, da Carta Federativa. Observe-se:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; (Grifou-se).

Adentrando a um aspecto mais fático, ainda que haja o enquadramento da conduta como lesão corporal de natureza leve, no momento em que o artigo 41 da LMP trata de ‘crimes’, seu conteúdo deveria suportar interpretação extensiva para que a conduta do agente do delito fosse enquadrada no que dita o artigo 42 da LCP.

O constituinte delegou ao legislador a tarefa de fixar os critérios determinantes de identificação de crimes de menor potencial ofensivo. Atendendo a essa disposição, a Lei n. 9.099/95 determinou que integrasse essa categoria crimes em que a pena máxima não superasse o limite de 02 (dois) anos. Note-se: “Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”.

No caso específico de lesão corporal de natureza leve não há porque desprezar a incidência do procedimento aplicado a infrações de menor potencial ofensivo com a possibilidade de transação penal e o julgamento por turmas recursais. Vale destacar que não são abordadas as lesões corporais de natureza média ou grave, pois tais matérias não englobam a alçada dos JECC.

Retomando o ponto fulcral da análise, a matéria principal sobrevém em razão de a LMP excluir a competência dos JECC, isso porque a Carta da República fixa uma séria de competências funcionais de caráter absoluto que não devem, ao menos em regra, ser afastadas por Lei ordinária.

O terceiro argumento é detentor de densa plausibilidade jurídica, pois trata da questão da desnecessidade de representação da vítima, uma vez que a ação pública é incondicionada, portanto de titularidade do representante do membro do Ministério Público. Essa norma é tida como paradoxal, uma vez que a outras classes consideradas vulneráveis, como crianças, adolescentes e idosos, a Lei n. 9.099/95 é perfeitamente aplicável.

Não se pode olvidar que a implicância fática negativa da ação penal incondicionada na vida do agressor se estende à entidade familiar, pois poderá haver intervenção estatal no lar doméstico; o desfazimento definitivo dos vínculos matrimoniais ou de afinidade existente entre os parceiros; a ausência do chefe da família na convivência com a prole; o desequilíbrio econômico das contas domésticas; o impedimento de reconciliação em razão da imposição de medida de afastamento; a utilização da lei como forma de vingança motivada pela a insatisfação feminina decorrente do fim de relacionamento amoroso; a condenação indesejada do agressor, dentre outros.

1.1.1 A aplicabilidade da ação pública incondicionada na LMP

Em que pese todas as teses de inconstitucionalidade anteriormente narradas, em decisão oriunda do pleno, o Supremo Tribunal Federal, durante o julgamento do habeas corpus n. 106.212, julgou como constitucional os preceitos abalizados pelo artigo 41 da LMP, nos termos que seguem delineados:

HC 106212 / MS - MATO GROSSO DO SUL. HABEAS CORPUS. Relator:  Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento:  24/03/2011. Órgão Julgador:  Tribunal Pleno. PUBLIC 13-06-2011. Ementa: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – ARTIGO 41 DA LEI Nº 11.340/06 – ALCANCE. O preceito do artigo 41 da Lei nº 11.340/06 alcança toda e qualquer prática delituosa contra a mulher, até mesmo quando consubstancia contravenção penal, como é a relativa a vias de fato. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – ARTIGO 41 DA LEI Nº 11.340/06 – AFASTAMENTO DA LEI Nº 9.099/95 – CONSTITUCIONALIDADE. Ante a opção político-normativa prevista no artigo 98, inciso I, e a proteção versada no artigo 226, § 8º, ambos da Constituição Federal, surge harmônico com esta última o afastamento peremptório da Lei nº 9.099/95 – mediante o artigo 41 da Lei nº 11.340/06 – no processo-crime a revelar violência contra a mulher.

Revalidando o posicionamento anterior, a recente decisão do STF, na ADI n. 4.424, considerou constitucional a propositura de ação penal incondicionada para os casos de lesão corporal leve envolvendo violência doméstica e familiar, mas existem correntes doutrinárias discordantes desse posicionamento.

A doutrina minoritária considera que é preciso considerar a possibilidade da vítima retirar a queixa em razão da preservação do nicho doméstico, uma vez que a família é detentora de especial proteção do Estado.

As relações familiares se constituem a partir de vínculos afetivos ou sanguíneos que constroem as relações de amor, cuidado e confiança que devem se fazer presente em um lar. A condição de ser humano impõe ao homem o critério da falibilidade, ou seja, a faculdade de errar e o direito de aprender com os próprios erros. As relações amorosas, notadamente, são eivadas de sentimentos de aparência distinta do amor, a título de exemplo é possível mencionar o ciúme, a raiva e a possessividade. Relações humanas conturbadas, por vezes, resultam em agressões de natureza física, psicológica, moral, sexual e patrimonial.

No que toca ao patrimônio, nesses casos, nem sempre sobrevém o interesse pessoal nos bens, esse tipo de violência pode ser usado como uma forma de constranger a liberdade da vítima. Esse comportamento é entendido pelo agressor como uma demonstração de amor ou a comprovação de seu verdadeiro interesse em ter a vítima ao seu lado.

Não se pode olvidar que, em grande parte dos casos de violência doméstica e familiar, ultrapassada a fase crítica da violência, ocorre o arrependimento sincero do agressor seguido do perdão da vítima, que para preservar os laços de amor existente entre ambos e a família constituída, prefere não levar adiante os procedimentos processuais criminais.

Não há razoabilidade em impelir a vítima a dar continuidade a uma ação penal, uma vez que não subsistam motivos fáticos para tanto, ou seja, na hipótese em que a família foi reconstituída. Ante o exposto, o caráter incondicional da ação penal no âmbito da LMP ocasiona prejuízos incomensuráveis às relações familiares, à harmonização doméstica que intervém no desenvolvimento da prole e impõe a sensação de temor por conta de uma possível penalização criminal.

Como é de sabença, a sociedade brasileira é extremamente preconceituosa em relação a condenados pela justiça, a marca da marginalização impede o acesso ao mercado de trabalho, pois a folha de antecedentes criminais é um dos documentos exigidos no momento da contratação. De mais a mais, tem-se também o preconceito direcionado à prole, pois como ensina o velho ditado anacrônico: ‘filho de peixe, peixinho é’.

Outro ponto merecedor de crítica é a possibilidade de a denúncia partir de qualquer do povo, enquanto que buscar o auxílio da polícia e da justiça deveria ser uma faculdade reservada exclusivamente à vontade da vítima. Não se quer aqui defender a tese de que a LMP é desnecessária ao apaziguamento das relações domésticas e familiares, o que se pretende é dizer que o rigor exacerbado é capaz de destruir um lar, de prejudicar o bom desenvolvimento dos filhos, e de atingir a proteção intangível constitucional destinada à família.

1.2 Fundamentos jurídicos determinantes da constitucionalidade da Lei Maria da Penha

Em contrariedade a maioria dos países integrantes da América Latina, o Brasil, até o ano de 2006, não contemplou em seu ordenamento jurídico medidas específicas de combate à violência doméstica e familiar. A tolerância em relação à violência de gênero era considerada por grande parte de juristas e doutrinadores como uma herança cultural atávica, entretanto maligna, incidente em uma esfera que o legislador ainda não havia ousado tocar, a saber, o seio doméstico.

A omissão legislativa específica em relação à violência doméstica e familiar em face da mulher foi, por um longo lapso temporal, travestida de sutileza estatal no que toca ao tratamento reservado à preservação e à intangibilidade do que dita o caput do artigo 226 da Lei Maior. Leia-se: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

Como visto, a partir do ano de 1995, a violência contra a mulher, enquadrada nos moldes dos crimes de menor potencial ofensivo, deveria ser processada e julgada pelos JECC. No entanto, após uma década, constatou-se que aproximadamente 70% (setenta) por cento dos casos que envolviam mulheres em situação de violência familiar se traduziam em lesões corporais leves de competência dos JECC, órgão jurisdicional inerte ao combate da problemática em questão.

Contudo, desde aquela época, o Brasil já era signatário da Convenção de Belém do Pará, primeiro diploma internacional de direitos humanos a reconhecer que a violência contra a mulher é um fenômeno generalizado que transcende a todos os setores da sociedade, independente de grupos éticos, escolaridade, classe social, religião etc.

A referida convenção foi assinada no Brasil em 1994, sendo internalizada no ano de 1995. Em seu artigo 7º foi prevista a necessidade de se incluir no ordenamento normativo interno regras penais, civis e administrativas direcionadas a prevenir, sancionar e erradicar a violência contra a mulher. Observe-se:

DEVERES DOS ESTADOS

Artigo 7 – Os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em:

a.       abster-se de qualquer ato ou prática de violência contra a mulher e velar por que as autoridades, seus funcionários e pessoal, bem como agentes e instituições públicos ajam de conformidade com essa obrigação;

b.       agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher;

c.       incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis;

d.       adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir, intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer uso de qualquer método que danifique ou ponha em perigo sua vida ou integridade ou danifique sua propriedade;

e.       tomar todas as medidas adequadas, inclusive legislativas, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência e a tolerância da violência contra a mulher;

f         estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais processos;

g.       estabelecer mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher sujeitada a violência tenha efetivo acesso a restituição, reparação do dano e outros meios de compensação justos e eficazes;

h.       adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias à vigência desta Convenção.

A dita convenção determinou, ainda, a possibilidade de alteração na legislação e em práticas jurídicas ou costumeiras que, eventualmente, viessem a prejudicar o êxito de sua finalidade de intolerância à violência contra a mulher. É válido rememorar que os JECC, em relação violência contra a mulher, adotavam um posicionamento de absoluta leniência em razão de suas competências institucionais que prezam pela conciliação e pela possibilidade de transação penal, ou seja, não há formas eficazes de punir ou inibir o comportamento do agressor.

Portanto, a imposição de competência para processar e julgar processos criminais de violência doméstica e familiar delegada a JECC foi uma experiência vazia de êxito neste país. Em grande parte das ações, o homem restava livre de pena ou apenas lhe era atribuída sanção de natureza financeira. Por vezes, os condenados compeliam a vítima a quitar a obrigação imposta em sentença, bem como retomava a rotina de agressões.

Dessa forma, a mulher acabava por ser vitimizada duas vezes, primeiro de forma física e psicológica por seu parceiro; segundo, pelo Estado, no momento em que era constrangida a enfrentar procedimentos judiciais ineficazes à sua proteção, e, quiçá, incentivadores do seu calvário de sofrimento, angústia e dor.

Em 2006, finalmente adveio a LMP, após a Organização dos Estados Americanos – OEA reconhecer que a violência doméstica e familiar, no Brasil, é decorrência de uma cultura de tolerância social, ineficácia da ação judicial perante os JECC e omissão estatal.

Em face disso, a Constituição Federal de 1988 criou apenas uma cláusula de organização judiciária onde foi imposta a criação de JECC para processar e julgar crimes de menor potencial ofensivo. No entanto, a LMP diz de forma expressa que as infrações penais em se tratando de hipótese de violência doméstica e familiar não se enquadram na Lei n. 9.099/95, porquanto não podem ser inseridas no rol de crimes de menor potencial ofensivo.

A OEA impôs ao Brasil a obrigatoriedade de inovação do ordenamento jurídico pátrio de forma a exaurir a aplicação do direito penal mínimo aos casos de violência contra as mulheres. Esses fatores alinhados fortaleceram a criação de uma lei penal específica e eficaz para realmente combater a problemática por meio de investigação específica capaz de conduzir a propositura de uma ação penal consistente, com o fito de garantir uma sanção e o dever de reparação aos infratores.

Demais disso, a OEA concluiu que para inovar a cultura tolerante do Brasil, somente uma lei rígida seria capaz de inovar o pensamento social, bem como estancar o quadro aberrante de violência denunciado pelos índices emitidos após pesquisas realizadas pelo IBGE.

A LMP não deve ser considerada como uma norma violadora do princípio da isonomia constitucional, uma vez que seu conteúdo se dedica a atender à máxima jurídica idealizada por Rui Barbosa e parafraseada por Bastos (1978, p. 226): “tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”. Ante o problema, considerar que o tratamento entre homens e mulheres, em relação às questões de violência doméstica e familiar, deve ser isonômico não consiste em uma igualdade real, mas em uma desigualdade flagrante.

Pari passu com discriminação positiva, também chamada de indireta ou ostensiva, existe também a discriminação indireta ou ostensiva que incide nas situações em que são exigidos tratamentos diferenciados em razão de circunstâncias singulares que ceifam o gozo dos direitos fundamentais. (MENDES, 2009, p. 325 – 326).

A discriminação positiva está diretamente relacionada à teoria dos impactos desproporcionais. Sobre a referida teoria, a Suprema Corte Americana versa que: “em face de uma medida legislativa aparentemente anódina ou indiferente a questão de gênero ou raça, essa lei deve ser declarada inconstitucional por incidir em uma discriminação se vier a causar impactos desproporcionais a um determinado segmento da sociedade”. (Manifestação de Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, Vice Procuradora Geral da República – Pleno STF – ADI n. 4.424).

Nas lições de Barbosa (2001, p. 24), tem-se que a teoria do impacto social deve ser compreendida a partir da ideia de que:

Toda e qualquer prática empresarial, política governamental ou semigovernamental, de cunho legislativo ou administrativo, ainda que não provida de intenção discriminatória no momento de sua concepção, deve ser condenada por violação do princípio constitucional da igualdade material se, em consequência de sua aplicação, resultarem efeitos nocivos de incidência especialmente desproporcional sobre certas categorias de Pessoas.

Nessa toada, destacam-se os ditames prescritos no inciso XLI, do artigo 5º, da Lei Fundamental da República. Note-se: “Art. 5º [...], inciso XLI – A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Ante a esse normativo, vale destacar que conviver em paz e em segurança dentro do próprio lar se afirma como um direito fundamental inerente a todas as mulheres.

Desta feita, não se encontra motivação legal razoável a fim de admitir interpretação judicial que viole à referenciada regra constitucional. Portanto, impor o dever de representação por parte da vítima pode ser exigência equiparada à violação do preceito retromencionado (Art. 5º, XLI, CF/1988).

O Mestre Cançado Trindade, demonstrando intensa sensibilidade no que toca a situações de violência, infere que deve prevalecer o que determina o ‘princípio da primazia da norma mais favorável às vítimas’. A proteção da mulher é tema demasiadamente debatido e integrante de inúmeros tratados de Direitos Humanos, que quando ratificados pelo Brasil ganham status de norma constitucional.

Demais disso, a LMP não causa impactos desproporcionais a determinados seguimentos da sociedade, sua finalidade é restrita ao combate da violência em âmbito doméstico e familiar, essa função social por si já impõe a legitimidade da não ultrapassagem dos limites constitucionais, uma vez que, fazendo uso da hermenêutica, é possível dizer que a referida lei tutela o direito ao exercício da liberdade constitucional de dispor de uma experiência de vida cingida pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

1.3 Do posicionamento moderno e dominante do Supremo Tribunal Federal

O julgamento da ADI n. 4.424[1] conclamou a opinião individualizada de cada um dos ministros que compõem a Suprema Corte, a única divergência quanto à constitucionalidade questionada foi de autoria do Ministro Cezar Peluso. Os demais Ministros votaram de forma uníssona pela constitucionalidade da propositura de ação penal incondicionada na forma que segue delineada:

Ministra Rosa Weber – Tal condicionamento implicaria privar a vítima de proteção satisfatória à sua saúde e segurança”, disse. [...] É necessário fixar que aos crimes cometidos com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95). Dessa forma, crime de lesão corporal leve, quando praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher, processa-se mediante ação penal pública incondicionada.

Ministro Luiz Fux – Não é razoável exigir-se da mulher que apresente queixa contra o companheiro num momento de total fragilidade emocional em razão da violência que sofreu. Sob o ângulo da tutela da dignidade da pessoa humana, que é um dos pilares da República Federativa do Brasil, exigir a necessidade da representação, no meu modo de ver, revela-se um obstáculo à efetivação desse direito fundamental porquanto a proteção resta incompleta e deficiente, mercê de revelar subjacente uma violência simbólica e uma afronta a essa cláusula pétrea.

Ministro Dias Toffoli – O Estado é “partícipe” da promoção da dignidade da pessoa humana, independentemente de sexo, raça e opções, conforme prevê a Constituição Federal. Assim, fundamentando seu voto no artigo 226, parágrafo 8º [...].

Como visto, a maioria dos ministros que compõe a Suprema Corte se manifestaram no sentido de que é legítima a intervenção do Estado no seio familiar se a motivação for preservar a integridade física e psicológica da vítima de violência doméstica e familiar. Dando continuidade a apresentação dos votos que julgaram procedente a ADI n. 4.424, seguem mais alguns posicionamentos:

Ministra Cármen Lúcia – É dever do Estado adentrar ao recinto das “quatro paredes” quando na relação conjugal que se desenrola ali houver violência. [...] A interpretação que agora se oferece para conformar a norma à Constituição me parece basear-se exatamente na proteção maior à mulher e na possibilidade, portanto, de se dar cobro à efetividade da obrigação do Estado de coibir qualquer violência doméstica. E isso que hoje se fala, com certo eufemismo e com certo cuidado, de que nós somos mais vulneráveis, não é bem assim. Na verdade, as mulheres não são vulneráveis, mas sim maltratadas, são mulheres sofridas.

Ministro Ricardo Lewandowski – Penso que estamos diante de um fenômeno psicológico e jurídico, que os juristas denominam de vício da vontade, e que é conhecido e estudado desde os antigos romanos. As mulheres, como está demonstrado estatisticamente, não representam criminalmente contra o companheiro ou marido em razão da permanente coação moral e física que sofrem e que inibe a sua livre manifestação da vontade.

Além de concordar com imposição da ação penal pública incondicionada para os casos de violência doméstica e familiar, o Ministro Gilmar Mendes destacou a constitucionalidade dessa imposição legal. Veja-se:

 

Ministro Gilmar Mendes – Em muitos casos a ação penal incondicionada poderá ser um elemento de tensão e desagregação familiar. Mas como estamos aqui fixando uma interpretação que, eventualmente, declarando (a norma) constitucional, poderemos rever, diante inclusive de fatos, vou acompanhar o relator.

O referido Ministro teve seu posicionamento referendado pelos demais, salvo o Ministro Cezar Peluso. Leia-se:

Ministro Joaquim Barbosa – A Constituição Federal trata de certos grupos sociais ao reconhecer que eles estão em situação de vulnerabilidade. O legislador, em benefício desses grupos, edita uma lei que acaba se revelando ineficiente, é dever do Supremo, levando em consideração dados sociais, rever as políticas no sentido da proteção.

Ministro Ayres Britto – Em um contexto patriarcal e machista, a mulher agredida tende a condescender com o agressor. A proposta do relator no sentido de afastar a obrigatoriedade da representação da agredida como condição de propositura da ação penal pública me parece rimar com a Constituição.

Ministro Celso de Mello – Estamos interpretando a lei segundo a Constituição e, sob esse aspecto, o ministro-relator deixou claramente estabelecido o significado da exclusão dos atos de violência doméstica e familiar contra a mulher do âmbito normativo da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), com todas as consequências, não apenas no plano processual, mas também no plano material. A Lei Maria da Penha é tão importante que, como foi salientado durante o julgamento, é fundamental que se dê atenção ao artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal, que prevê a prevenção da violência doméstica e familiar pelo Estado. (Grifou-se).

O discurso apaixonado apresentado no voto da maioria dos Ministros parece menosprezar o vínculo mais profundo e íntimo que origina uma relação familiar, a saber, o amor existente entre vítima e agressor. Nem sempre a figura do agressor deve ser vista como monstruosa, pois aqui se trata exclusivamente de lesão de menor potencial ofensivo, isto é, não concretiza um grau de violência capaz de vilipendiar a incolumidade física, psicológica, moral, sexual e patrimonial da mulher. O ministro discordante da tese defendida pelos demais reconhece a valoração do vínculo familiar supramencionado, posicionando-se da seguinte forma:

Ministro Cezar Peluso – Advertiu sobre os riscos que a decisão de hoje pode causar na sociedade brasileira porque não é apenas a doutrina jurídica que se encontra dividida quanto ao alcance da Lei Maria da Penha. Citando estudos de várias associações da sociedade civil e também do IPEA, apontou as conclusões acerca de uma eventual conveniência de se permitir que os crimes cometidos no âmbito da lei sejam processados e julgados pelos Juizados Especiais, em razão da maior celeridade de suas decisões.

A celeridade processual destacada pelo referido Ministro é um dos instrumentos de combate à violência doméstica e familiar. Ademais, a celeridade é detentora de incomensurável valor jurídico, uma vez que foi introduzida no rol dos direitos fundamentais por meio da Emenda Constitucional n. 45, desde o ano de 2004.

O ordenamento legal pátrio aliado à jurisprudência dominante, ao elegerem a ação pública incondicionada para os casos de violência em ambiente doméstico e familiar, apresentam argumentação que viola a constituição familiar. No entanto, a Lei n. 9.099/95 também não se mostrou apta a solucionar a problemática.

A verdade é que somente o Poder Legislativo poderá solucionar a questão em comento com a inovação do ordenamento jurídico para inserir no rol da LMP uma norma mais severa que a adotada no JECC e menos rígida que a jurisprudência moderna emanada do STF.

CONCLUSÃO

Não se pode olvidar as benesses legais advindas ao ordenamento jurídico e à convivência social e familiar - em relação ao respeito à integridade física, moral, psicológica, sexual e patrimonial das mulheres em seus lares - desde a vigência da Lei n. 11.340/2006.

Entretanto, faz-se imperioso destacar que a tutela destinada à mulher promoveu a violação de competência da Lei n. 9.099/95, no que toca ao processamento e julgamento de crimes de menor potencial ofensivo. Dessa maneira, a questão foi levada à análise da Suprema Corte que se posicionou pela legalidade da usurpação da competência legal anteriormente fixada pela Lei dos Juizados Especiais.

A Corte Suprema determinou que independente do ilícito, caso este seja praticado em âmbito doméstico e familiar em face da mulher, a competência pertence à justiça especializada, a saber, os Juizados Especializados de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres.

Embora, a proteção da vida da mulher em seu lar seja um valor que se sobrepõe a eventuais debates sobre competência para o processamento e julgamento de ações, pode ser dito que a consideração da legalidade questionada também se contrapõe à tutela constitucional da família, considerada pelo texto magno como base da sociedade.

Isso ocorre porque o agressor, geralmente o chefe da família, é afastado do lar e da convivência dos filhos, quebrando o seu direito a convivência familiar. Em muitos casos, os casais que se desentenderam outrora decidem por retomar a relação, mas são impedidos por conta de medidas protetivas que ensejam à prisão do agressor que desrespeitar a distância mínima a ser mantida do local onde se encontra a vítima.

Considerando a gravidade dessa realidade, os legisladores poderiam ter tratado da matéria de forma mais flexível, mas essa vertente não se concretizou. Destarte, o rigor trazido pela Lei Maria da Penha protege vidas, mas é passível de desfazer a integridade do núcleo familiar contrariando os preceitos constitucionais.

A aplicação mais razoável da legislação comentada poderia ter destinado um tratamento mais brando aos casos em que o magistrado entendesse como viável a preservação da integridade da família. A maturidade do julgador, aliada ao seu livre convencimento e ao subsídio provindo de laudos periciais, poderiam auxiliar imposição de sanção menos grave e não impedir a presença do agressor no lar.

Certamente, tal posicionamento seria mais razoável que a aplicação fática moderna da legislação em debate. Dessa maneira, a inviolabilidade familiar prevista no texto constitucional seria respeitada e inúmeras famílias poderiam ser restauradas na forma da lei.

Não obstante este posicionamento não coadunar com a jurisprudência dominante, bom é que se diga que, em momento algum, foi pretendido corroborar com qualquer tipo de apoio a violência em face da mulher em âmbito doméstico e familiar. Vale destacar que o Estado Democrático de Direito somente se afirma quando é respeitada a pluralidade de opiniões de seus compatriotas.

Manter posicionamento contrário ao que dita o Tribunal Constitucional pátrio é um desafio para os estudiosos da ciência jurídica, o que torna o estudo mais instigante e materializa a tolerância à diversidade de pensamentos ensinada pelo mestre Rui Barbosa, a saber: “embora não concorde com nenhuma das palavras que estais dizendo, hei de lutar até a morte para que tenhais o direito de as dizer”.

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[1] Supremo julga procedente ação da PGR sobre Lei Maria da Penha. Disponível em: . Acesso em: 01 fev. 2014.

 

 

Elaborado em março/2015

 

Como citar o texto:

ABREU FILHO, Ari de Araújo..Comentários ao posicionamento do STF sobre a (in)constitucionalidade da ação penal pública e incondicionada na Lei Maria da Penha. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 26, nº 1380. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/3631/comentarios-ao-posicionamento-stf-in-constitucionalidade-acao-penal-publica-incondicionada-lei-maria-penha. Acesso em 25 set. 2016.

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