O presente estudo visa a colaborar para o entendimento das diversas facetas do instituto da prescrição, discorrendo acerca da sua natureza, bem como do marco inicial do prazo nas ações de reparação civil decorrente de lesão e nas ações de ressarcimento de enriquecimento sem causa e reparação civil.

 

NATUREZA DA PRESCRIÇÃO: PUNIÇÃO À INÉRCIA DO EXERCICIO DO DIREITO OU GARANTIA DE ESTABILIDADE SOCIAL?

A prescrição, como se sabe, é fenômeno que atinge a ação de direito material, ou seja, a pretensão.

Por isso mesmo se diz que são "elementos integrantes, ou condições elementares, da prescrição" os seguintes: "1º-  existência de uma ação exercitável (actio nata); 2º- inércia do titular da ação pelo seu não-exercício; 3º- continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo; 4º- ausência de algum fato ou ato, a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional" (CÂMARA LEAL, Antônio Luiz da., Da Prescrição e da Decadência, 2ª ed., RJ, Forense, 1959, p. 25).

Alguns doutrinadores, por isso, consideram que o instituto da prescrição teria uma natureza punitiva, como resposta à negligência do titular do direito que, em virtude de sua inércia, descura-se de fazer valer seu direito pelo esgotamento do prazo previsto em lei.

Outra parte da doutrina, entretanto, hoje francamente dominante, entende que a prescrição atende a uma necessidade de paz social, de segurança da ordem jurídica, sobretudo porque o decurso do tempo leva à estabilização das relações, atentando contra a tranquilidade admitir que tais relações pudessem vir a ser atingidas mesmo após consolidadas pela ausência de impugnação.

O Código de Clóvis, podia-se dar como assentada a orientação de que o instituto em exame tinha como justificativa sancionar a incúria do credor. É o que se depreende do acolhido nas Ordenações, as quais, referindo-se à prescrição, fazia-se menção exatamente à negligência da parte.

A codificação de 1916, contudo, não contemplou tal fundamento, o que rendeu severas críticas por parte da doutrina.

Pontes de Miranda, acerca da prescrição, qualifica-a de espúrio, por apresentar-se como uma penalidade. No mesmo sentido Caio Mário da Silva Pereira, após noticiar que o direito, precedente à primeira codificação, tinha a prescrição como uma punição ao credor negligente. Acrescenta não se encontrar aí "boa juridicidade". Punição supõe desrespeito à ordem jurídica o que não existe no comportamento do credor que simplesmente se mantém inerte.

Não importa ao ordenamento que os sujeitos ativos de obrigações demandem a proteção jurisdicional, ou que disso se abstenham. É indiferente para a sociedade que se cobre ou se deixe de cobrar um débito. Não há razão para apenar quem não o faça. A impossibilidade de vir a exitosamente exigir o adimplemento, uma vez decorrido o lapso de tempo definido em lei, releva para a estabilidade e segurança das relações e daí decorre a previsão de prazos para que se exerça o direito. Não se trata de apenar a negligência, mas de garantir a tranquilidade social.

Carpenter, em seu notável trabalho sobre o tema, já realçava:

"A explicação positiva é a seguinte: o fundamento da prescrição, quer extintiva, quer aquisitiva, é a necessidade social, é a ordem social. (negrito no original) 16. "A prescrição", assinalou de seu turno Clovis Bevilaqua, "é uma regra de ordem, de harmonia e de paz, imposta pela necessidade de certeza nas relações jurídicas: finis solicitudins ac periculi litium, exclamou Cícero".

Para sedimentar a posição do capital da investigação cientifica, a doutrina,  vale recordar a lição de Ennecerus, ao consignar que a prescrição serve à segurança geral do direito e à paz jurídica, que exigem se ponha limite às pretensões jurídicas envelhecidas.

 

MARCO INICIAL DA PRESCRIÇÃO NOS CASOS DE REPARAÇÃO CIVIL DECORRENTE DE LESÕES

Quando se fala no instituto da prescrição, o primeiro passo a ser analisado é o que diz respeito ao encontro de regras para determinar o termo inicial, quer isso dizer, o regramento disciplinador desse marco inicial, sem esquecer que na presença desse termo especifico, torna desnecessária outras conjecturas.

Como o título sugere, o marco inicial da prescrição decorrerá da natureza da ação que desencadeará o exercício do direito, ou seja, dependendo do tipo de pretensão judicial, considerar-se-á um marco inicial diverso e próprio da prescrição.

Tome-se, por exemplo, as ações de reparação civil decorrente de lesões.

Em tais casos, a extensão das lesões só pode ser verificada após a efetiva consolidação delas, que não é necessariamente a mesma data do ato lesivo, sendo, de fato, razoável levar-se em consideração como marco inicial da prescrição a data em que o dano se concretizou em toda a sua extensão, momento em que, só aí, torna-se possível o exercício da busca pela prestação jurisdicional.

Esta é a linha adotada pelo Superior Tribunal de Justiça-STJ, em relação às indenizações por lesões físicas decorrentes de acidentes (trânsito, trabalho, etc), em que a vítima não tem como saber a extensão do dano no momento do acidente, mas somente após a efetiva consolidação das lesões.

 

MARCO INICIAL DA PRESCRIÇÃO NAS AÇÕES DE RESSARCIMENTO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA E REPARAÇÃO CIVIL

O mesmo não ocorre nas denominadas AÇÕES DE RESSARCIMENTO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA e nas AÇÕES DE REPARAÇÃO CIVIL, cujo prazo aplicável é o triênio previsto no art. 206, §3º, IV e V do CC/02.

Isso porque, diferente do que ocorre em relação às ações que objetivam a reparação civil decorrente de lesões (em que o marco inicial da prescrição não é necessariamente a mesma data do ato lesivo), o marco inicial nas ações de ressarcimento de enriquecimento sem causa e no caso de reparação civil opera no momento da lesão, nascendo, portanto, a pretensão de eventual ressarcimento pelo fato gerador do prejuízo, em qualquer de seus delineamentos.

Assim, por exemplo, se um determinado investidor ou mesmo associado alegar que teve eventual prejuízo porque determinado clube de investimentos não calculou corretamente o valor de sua cota de ações, a lesão ocorre no momento da transferência ou resgate, quando foi pago valor menor do que o devido, ou seja, no momento do ilícito, gerador do prejuízo.

Tal marco constitui regra geral no Direito Brasileiro, sendo oportuno lembrar o voto do Ministro Teori Zavascki, no REsp. 773.876, o qual reafirmou que a regra geral é a contagem do prazo de prescrição na data da lesão do direito, a partir de quando a ação pode ser ajuizada. Nos demais casos, em que o marco inicial é diverso, a Lei os excepciona expressamente, tal como ocorre, por exemplo, no art. 206, § 1º, b, do Código Civil de 2002.

Desta forma, quando a causa de pedir se referir à prática de atos ilegais, inclusive nas relações contratuais de toda espécie, bem como em eventuais prejuízos sofridos em decorrência de ofensas ao estatuto, o instituto da prescrição tem conteúdo interpretativo bem diferente dos casos de ações de reparação civil decorrente de lesão.

 

MARCO INICIAL DA PRESCRIÇÃO: DATA EM QUE OCORRE A LESÃO OU MOMENTO EM QUE SE TOMA CONHECIMENTO DA LESÃO?

Outra questão controvertida acerca do marco inicial da prescrição é saber se é o momento da lesão ou do conhecimento desta pelo lesado que inaugura tal prazo.

Portanto, torna-se crucial para o presente artigo precisar, em cada caso concreto, se o fluxo do prazo inicia no momento em que ocorreu a lesão - doutrina objetiva - ou tem início apenas quando o titular do direito dela toma conhecimento - doutrina subjetiva, sendo evidente que tal raciocínio advém com a análise do caso concreto.

O termo inicial da prescrição, como se sabe, é o do nascimento da pretensão, assim considerada a possibilidade do seu exercício em juízo. E a pretensão nasce com a violação do direito a que se refere.

Segundo Pontes de Miranda, a prescrição "inicia-se ao nascer a pretensão; portanto, desde que o titular do direito possa exigir o ato, ou a omissão" (MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, Tomo VI, 4ª ed., SP, Revista dos Tribunais, 1974, p. 114).

Na mesma linha é o ensinamento de Câmara Leal:

"sendo o objetivo da prescrição extinguir as ações, ela só é possível desde que haja uma ação a ser exercitada, em virtude da violação do direito. Daí a sua primeira condição elementar: existência de uma ação exercitável. É a actio nata dos romanos" (op. cit., p. 35/36).

A propósito, referida orientação, de há muito sedimentada em nosso direito, está clara e expressamente posta no art. 189 do Código Civil, segundo o qual: "Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206".

Porém, questão delicada é a de saber se, para efeitos prescricionais, a pretensão nasce (e, portanto, o prazo tem início) na data em que ocorre a lesão ao direito ou na data em que o ofendido toma conhecimento da lesão.

Nosso sistema jurídico adotou, como regra, orientação de cunho eminentemente objetivo: a prescrição tem início a partir do fato gerador da lesão.

Tal se vê no art. 1º do Decreto 20.910/32 ("As dívidas (...) prescrevem em cinco anos da data do ato ou do fato do qual se originarem").

A propósito, Pontes de Miranda ensina que, para que nasça a pretensão, "não é necessário que o titular do direito conheça a existência do direito, ou a sua natureza, ou validade, ou eficácia, ou a existência da pretensão nascente, ou da sua extensão em qualidade, tempo e lugar da prestação, ou outra modalidade, ou quem seja o obrigado, ou que saiba o titular que a pode exercer. (...) O ter o credor conhecido, ou não, a existência do seu direito é sem relevância. Nem na tem o fato de o devedor ignorar a pretensão, ou estar de má-fé" (op. cit., p. 117 e 118).

Assim, o requisito do conhecimento da lesão pelo ofendido é exceção à regra, só existente nos casos em que a lei o preveja, o que antes era tratado no artigo 178, §4º, I e II, §6º, I e II e §7º, V do Código Civil de 1916 e atualmente previsto no art. 206, § 1º, II, b, do CC/02, embora mais restritamente.

Colhe-se da doutrina:

"Sem dúvida, seria mais vantajosa para o titular do direito violado a orientação de que a prescrição começaria a fluir do conhecimento da violação. (...)

Obtempere-se, contudo, que a adoção expressa da concepção subjetivista como regra sempre impingiria o ônus da prova da data exata do conhecimento da violação a alguma das partes ou até a terceiros. Poderiam surgir dificuldades e prejudicar a segurança jurídica que busca o instituto da prescrição..."

(MARTINS, Alan; e FIGUEIREDO, Antônio Borges de. Prescrição e decadência no Direito Civil, 3ª ed., 2005, IOB Thompson, p. 68/69).

Acerca do assunto, tem-se o seguinte entendimento adotado pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA- STJ:

"NORMA COMERCIAL. ABSTENÇÃO DE USO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. PRETENSÃO MANIFESTADA EM SEDE RECONVENCIONAL, PARA EXIGIR A ABSTENÇÃO DO USO DE NOME COMERCIAL, QUANDO JÁ PRESCRITA A AÇÃO. PRAZO CONTADO DO ARQUIVAMENTO DO CONTRATO SOCIAL DA RECONVINDA NA JUNTA COMERCIAL. EM NOSSO DIREITO, QUANDO A LEI PRETENDE QUE O TERMO -A QUO- SEJA A CIÊNCIA DO FATO, DI-LO EXPRESSAMENTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO" (REsp 43305/SP, 3ª T., Min. Waldemar Zveiter, DJ 14.08.1995).

"SOCIEDADE ANÔNIMA - RESPONSABILIDADE DE ADMINISTRADORES. PRESCRIÇÃO. O TERMO A QUO DO PRAZO PRESCRICIONAL, PARA APURAR A RESPONSABILIDADE DE ADMINISTRADORES, A PEDIDO DE ACIONISTAS, É A "DATA DA ATA QUE APROVAR O BALANÇO REFERENTE AO EXERCÍCIO EM QUE A VIOLAÇÃO TENHA OCORRIDO" (LEI 6404/76 - ART. 287, II, "B", 2). NÃO RELEVA O MOMENTO EM QUE O ACIONISTA TENHA TIDO CONHECIMENTO DO FATO" (REsp 36334/SP, 3ª T., Min. Eduardo Ribeiro, DJ 04.10.1993).

TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. CORREÇÃO MONETÁRIA. PRESCRIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA SOBRE O PRINCIPAL. RESP 1.003.955/RS E RESP 1.028.592/RS, SUBMETIDOS AO RITO DO ART. 543-C DO CPC.

1. A Primeira Seção do STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.003.955/RS e do REsp 1.028.592/RS, ambos de relatoria da Ministra Eliana Calmon, pelo rito previsto no art. 543-C do CPC, pacificou o entendimento acerca das questões relativas às diferenças da correção monetária sobre os créditos de empréstimo compulsório.

2. Em relação ao termo a quo da prescrição da pretensão às referidas diferenças, adotou-se o posicionamento de que "o termo inicial da prescrição surge com o nascimento da pretensão (actio nata), assim considerada a possibilidade do seu exercício em juízo.

Conta-se, pois, o prazo prescricional a partir da ocorrência da lesão, sendo irrelevante seu conhecimento pelo titular do direito. Assim: a) quanto à pretensão da incidência de correção monetária sobre os juros remuneratórios de que trata o art. 2° do Decreto-lei 1.512/76 (item 3), a lesão ao direito do consumidor ocorreu, efetivamente, em julho de cada ano vencido, no momento em que a ELETROBRÁS realizou o pagamento da respectiva parcela, mediante compensação dos valores nas contas de energia elétrica; b) quanto à pretensão de correção monetária incidente sobre o principal (item 2), e dos juros remuneratórios dela decorrentes (item 4), a lesão ao direito do

consumidor somente ocorreu no momento da restituição do empréstimo em valor "a menor". Considerando que essa restituição se deu em forma de conversão dos créditos em ações da  companhia, a prescrição teve início na data em que a Assembleia-Geral Extraordinária homologou a conversão a saber: a) 20/04/1988 - com a 72ª AGE - 1ª conversão; b) 26/04/1990 – com a 82ª AGE - 2ª conversão; e c) 30/06/2005 - com a 143ª AGE - 3ª conversão.

(...)

5. Agravo regimental de Calçados Reifer Ltda. desprovido.

(AgRg no REsp 1030524/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/02/2016, DJe 24/02/2016)

No mesmo sentido é o trecho do voto do Min. Eduardo Ribeiro, tirado do REsp 36334/SP:

"Em nosso direito, quando a lei pretende que o termo a quo seja o da ciência do fato, di-lo expressamente. Assim, o artigo 178 do Código Civil, em seus parágrafos 4º, I e II, 6º, I e II, e 7º, V. As hipóteses são excepcionais, pela insegurança que tais disposições podem acarretar para a estabilidade das relações."

Merece trazer à tona, dada a coerência do argumento, trecho de parecer elaborado pelo Ministro Eduardo Ribeiro citado no julgamento do REsp 1280825/RJ, de Relatoria da Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, julgado em 21/06/2016:

“32. Tendo-se em conta que o fundamento do instituto em exame encontra-se na ordem pública, na necessidade de segurança e, por isso mesmo, de paz social, admitir-se que o inicio do prazo se condicionasse ao conhecimento por parte titular do direito corresponderia a ter-se como consequência o oposto do que se intenta alcançar com a prescrição.

33. Introduzir-se-ia, fatalmente, grave incerteza, quanto aos prazos de extinção das pretensões, fazendo-os depender de evento futuro e incerto, como o é o efetivo conhecimento do fato pelo interessado. E assim fosse, estaria sendo eliminada a possibilidade de se atingir a finalidade do instituto, ou seja, que o decurso do prazo, levando a que se extinga a pretensão, propicie segurança e tranquilidade na vida social. Ter-se-ia de aceitar que pretensões pudessem ser exercidas muito após o prazo estabelecido em lei, inteiramente comprometidos os valores a que se pretende atender.

34. O exame, tanto do texto da lei - art. 189 -, como da razão de ser do instituto, conduz inequivocamente à conclusão de que, colocar-se o termo inicial do prazo prescricional no conhecimento do fato pelo interessado constitui excepcionalidade, só ocorrente nas hipóteses em que assim expressamente previsto.

(…)

39. Por certo que o não conhecimento da lesão representa dificuldade séria ao exercício da pretensão. Em face dessa possibilidade, entretanto, valorizou-se a necessidade de paz social, que seria gravemente comprometida, caso se generalizasse a possibilidade de eficazmente arguir fato de tão difícil apuração.

40. Aliás, caso se pretendesse dar abrigo a tal situação, mereceria também consideração o fato de o titular do direito ser pessoa de poucas luzes, que não saberia exatamente como proceder e, mesmo, não atinasse para a existência de uma violação do direito, embora tendo ciência do fato. A segurança e a paz social sofreriam sério abalo, tantos seriam os casos em que não haveria cogitar de prescrição, não se sabendo quando teria inicio seu curso.

(…)”

Anote-se ainda, por oportuno, que, mesmo em caso de dolo caracterizado pela má-fé e ocultação da realidade pelo contratante em face do qual ajuizada eventual ação, orienta-se a jurisprudência do STJ no sentido de que o prazo de decadência conta da data do fato lesivo e não da ciência da lesão:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. NEGÓCIO JURÍDICO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. TERMO A QUO. DATA DO NEGÓCIO JURÍDICO OBJETO DE ANULAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 178, § 9º, INC. V, ALÍNEA "B" DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. O prazo de quatro anos para o recorrente postular a anulação do contrato de compra e venda eivado do vício de consentimento, tem início na data de celebração do contrato ou da prática do ato, e não a data da ciência do erro ou dolo. Inteligência do artigo 178, § 9º, V, b, do Código Civil de 1916, ressaltando-se que o próprio Código Civil de 2002 manteve a tradição de tomar a data do contrato como prazo - corretamente considerado decadencial - para se pedir sua anulação.

2. Agravo regimental não provido.

(RESP 1.188.398/ES, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 16.8.2011)

CIVIL. CONTRATO. ANULAÇÃO POR HERDEIROS DA CLASSE DOS COLATERAIS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL.

O termo inicial do prazo prescricional para os herdeiros integrantes da classe dos colaterais ingressarem com ação anulatória de contrato de compra e venda de imóvel, fundada em vício de consentimento do vendedor autor da herança, decorrente de dolo dos compradores, é o dia da celebração do contrato, conforme o disposto no artigo 178, § 9º, V, b, do Código Civil.

Recurso não conhecido.

(RESP 147.729/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 9.9.2002)

Realmente, subordinar o curso da prescrição ao conhecimento da lesão significaria comprometer o principal objetivo do instituto, que é o de eliminar a insegurança nas relações jurídicas.

Não obstante o anteriormente exposto, é certo que existem precedentes do STJ, relacionados à responsabilidade civil por ato ilícito (dano absoluto), em que se adotou como termo inicial da prescrição a ciência inequívoca da lesão pela vítima.

Essa flexibilização do princípio da actio nata é mencionada, inclusive, no seguinte precedente judicial do STJ:

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO EM VIRTUDE DE DANOS MATERIAIS E MORAIS ORIUNDOS DE CONTAMINAÇÃO AMBIENTAL.

PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. NÃO OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO.

1. Alegado dano ambiental consubstanciado na contaminação do solo e das águas subterrâneas na localidade onde o recorrido residia, em decorrência dos produtos tóxicos utilizados no tratamento dos postes de luz destinados à distribuição de energia elétrica aos consumidores, o que foi noticiado no ano de 2005 pela mídia e pela própria AES Florestal.

2. Na responsabilidade contratual, em regra, o termo inicial da contagem dos prazos de prescrição encontra-se na lesão ao direito, da qual decorre o nascimento da pretensão, que traz em seu bojo a possibilidade de exigência do direito subjetivo violado, nos termos do disposto no art. 189 do Código Civil, consagrando a tese da actio nata no ordenamento jurídico pátrio.

3. Contudo, na responsabilidade extracontratual, a aludida regra assume viés mais humanizado e voltado aos interesses sociais, admitindo-se como marco inicial não mais o momento da ocorrência da violação do direito, mas a data do conhecimento do ato ou fato do qual decorre o direito de agir, sob pena de se punir a vítima por uma negligência que não houve, olvidando-se o fato de que a aparente inércia pode ter decorrido da absoluta falta de conhecimento do dano. Inteligência da Súmula 278 do  STJ.

4. Constata-se aqui a subsunção da situação fática à norma constante do art. 17 do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o recorrido alega que foi vítima de contaminação ambiental decorrente dos produtos venenosos utilizados no tratamento dos postes de luz destinados à distribuição de energia elétrica aos consumidores.

Incidência do prazo prescricional quinquenal (art. 27 do Código de Defesa do Consumidor), iniciando-se sua contagem a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

5. No caso, tendo o recorrido tomado ciência da contaminação do solo e do lençol freático de sua localidade - momento em que lhe foi possível dessumir a desvalorização imobiliária (dano material) – no ano de 2005, ressoa inequívoca a não ocorrência da prescrição, haja vista que a demanda foi ajuizada em 2009.

6. Quanto aos danos morais, é certo que, da mera publicização do acidente ambiental, não ocorreu imediatamente o prejuízo à saúde, fazendo-se mister, para o nascimento da pretensão, fosse primeiro diagnosticada a doença e constatado que ela se desenvolvera em decorrência da poluição da área atingida. Assim, parece certa a não ocorrência da prescrição, porquanto não transcorrido o prazo de 5 anos nem mesmo da notícia do acidente ambiental, sendo óbvio que o diagnóstico da doença e sua causa somente se deram em momento posterior.

7. Recurso especial não provido.

(REsp 1354348/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 16/09/2014)

O referido julgamento tratava de dano ambiental, cuja aplicação do Código de Defesa do Consumidor justificava a exceção ao princípio da actio nata, com a fluência do prazo de prescrição apenas a partir do conhecimento do dano, nos termos do art. 27 do citado Código.

De igual modo, o Ministro Luís Felipe Salomão, embora vencido, admitiu em voto no julgamento do REsp. 1.354.348/RS (em que o patrocinador de entidade de previdência privada buscava o ressarcimento de contribuições indevidamente recebidas por familiar de assistido morto), baseado no viés mais humanizado, que a responsabilidade extracontratual adotava como marco da prescrição a data da ciência pelo lesado (teoria subjetiva).

Para encerrar a presente ideia, tem-se que a falta de fixação por Lei de termo inicial especifico, conduz, inexoravelmente, a regra geral plasmada no art. 189 do Código Civil vigente que afirma que "violado o direito, nasce para o titular a pretensão", adotando, claramente, a tese objetiva da actio nata, fixando a lesão como o marco inicial da prescrição e não a ciência da lesão.

 

CONCLUSÃO

O presente artigo revela que o instituto da prescrição teve superada a antiga natureza punitiva (como resposta à negligência do titular inerte), passando a representar uma necessidade de paz social, de segurança da ordem jurídica, sobretudo porque o decurso do tempo leva à estabilização das relações, atentando contra a tranquilidade admitir que tais relações pudessem vir a ser atingidas mesmo após consolidadas pela ausência de impugnação.

Em relação ao marco inicial da prescrição nas ações de reparação civil decorrente de lesões, tem-se que, em tais casos, a extensão das lesões só pode ser verificada após a efetiva consolidação delas, que não é necessariamente a mesma data do ato lesivo, sendo, de fato, razoável levar-se em consideração como marco inicial da prescrição a data em que o dano se concretizou em toda a sua extensão, momento em que, só aí, torna-se possível o exercício da busca pela prestação jurisdicional, linha adotada pelo Superior Tribunal de Justiça-STJ, em relação às indenizações por lesões físicas decorrentes de acidentes (trânsito, trabalho, etc), em que a vítima não tem como saber a extensão do dano no momento do acidente, mas somente após a efetiva consolidação das lesões.

O mesmo não ocorre nas denominadas AÇÕES DE RESSARCIMENTO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA e nas AÇÕES DE REPARAÇÃO CIVIL, cujo prazo aplicável é o triênio previsto no art. 206, §3º, IV e V do CC/02.

Isso porque, diferente do que ocorre em relação às ações que objetivam a reparação civil decorrente de lesões (em que o marco inicial da prescrição não é necessariamente a mesma data do ato lesivo), o marco inicial nas ações de ressarcimento de enriquecimento sem causa e no caso de reparação civil opera no momento da lesão, nascendo, portanto, a pretensão de eventual ressarcimento pelo fato gerador do prejuízo, em qualquer de seus delineamentos.

Tal marco constitui regra geral no Direito Brasileiro, sendo oportuno lembrar o voto do Ministro Teori Zavascki, no REsp. 773.876, o qual reafirmou que a regra geral é a contagem do prazo de prescrição na data da lesão do direito, a partir de quando a ação pode ser ajuizada. Nos demais casos, em que o marco inicial é diverso, a Lei os excepciona expressamente, tal como ocorre, por exemplo, no art. 206, § 1º, b, do Código Civil de 2002.

Outra questão aqui tratada foi definir se o marco inicial da prescrição é o momento da lesão ou do conhecimento desta pelo lesado, oportunidade em que se demonstrou que nosso sistema jurídico adotou, como regra, orientação de cunho eminentemente objetivo: a prescrição tem início a partir do fato gerador da lesão, sendo o requisito do conhecimento da lesão pelo ofendido exceção à regra, só existente nos casos em que a lei o preveja, o  que antes era tratado no artigo 178, §4º, I e II, §6º, I e II e §7º, V do Código Civil de 1916 e atualmente previsto no art. 206, § 1º, II, b, do CC/02, embora mais restritamente, inobstante  precedentes do STJ que divergem do assunto.

 

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Código Civil e Legislação Civil em Vigor. 11ª Ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 1992.

BRASIL. Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 1ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA-STJ. REsp 773.876/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/03/2008, DJe 29/09/2008.

__________. REsp 43.305/SP, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/10/1994, DJ 14/08/1995.

__________. REsp 36.334/SP, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/09/1993, DJ 04/10/1993.

__________. AgRg no REsp 1030524/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/02/2016, DJe 24/02/2016.

__________. REsp 1280825/RJ, de Relatoria da Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, julgado em 21/06/2016.

__________. RESP 1.188.398/ES, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 16.8.2011.

__________. RESP 147.729/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 9.9.2002.

__________. REsp 1354348/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 16/09/2014.

CÂMARA LEAL, Antônio Luiz da., Da Prescrição e da Decadência, 2ª ed., RJ, Forense, 1959.

______________. (op. cit.).

MARTINS, Alan; e FIGUEIREDO, Antônio Borges de. Prescrição e decadência no Direito Civil, 3ª ed., 2005, IOB Thompson.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, Tomo VI, 4ª ed., SP, Revista dos Tribunais, 1974.

________. (op. cit.).

 

SOBRE O AUTOR:

Hélio Apoliano Cardoso: advogado com mais de trinta e cinco anos de dedicação exclusiva à atividade postulatória, tendo artigos científicos e doutrinários publicados em revistas especializadas, como colaborador, particularmente no Repertório IOB de Jurisprudência, Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, Revista Síntese Direito Civil e Processual Civil, Revista Síntese Responsabilidade Pública, Revista Síntese Direito de Família, Revista Síntese Direito Imobiliário, Revista Síntese Trabalhista e Previdenciário, in Consulex, Revista da OAB-Ceará, Revista da Associação Cearense de Magistrados, Revista do IMC, Revista do Instituto dos Magistrados do Ceará, IOB Comenta, Adcoas, Revista Jurídica Consulex, Revista Bonijuris, Insigne, Síntese e Revista Cearense Independente do Ministério Público, onde integrou o Conselho Editorial, em Saites Jurídicos tem publicações, como participante, na Revista Jurídica Júris síntese, Tributário.Expresso Jurídico, COAD, Direito Fácil, Direito NET, Expresso da notícia, Fiscolex, Index Jurídico, Jus Vigilantibus, Revista Internauta de Pratica Jurídica,  volume 13, Consultor Jurídico, Data veni@, O Neófito, Rede LFG Grande Florianópolis, Endividado, Espaço Vital, TexPro, SaraivaJur, Revista Forense, Revista Forense Eletrônica, volumes 358 e 361, Suplemento da Revista Forense Eletrônica, Fórum online, Meio Jurídico, Mundo Jurídico, Apriori, Advogado.adv.Br, Lex Magister, Argumentum Jurídico, Jornal Jurídico Digital, Brasil Jurídico, MCT, Loveira, Pontenet, Prolegis, Thêmis, Revista Fonte do Direito, onde integra o Conselho Editorial, Âmbito Jurídico, Direito10 e trabalhos divulgados em CD-ROM Doutrina Jurídica Brasileira, da Editora Plenum, além de diversos trabalhos  publicados nos Jornais Diário do Nordeste, O Povo, Tribuna do Ceará e Estado, de Fortaleza, Jornal da Fenacon, Jornal da ASMETO (Associação dos Magistrados do Estado do Tocantins) e outros periódicos.

Colaborador da Rádio Justiça.

Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-Ceará período 2001 a 2003, com aperfeiçoamento em Direitos Humanos e Direitos dos Cidadãos pela PUC/MINAS, The British Council e Foregin & Commonwealth Office e expertise em Learning How to Learn, ministrado pela University of California, San Diego.

Parecerista de Direito Privado e Escritor Jurídico com várias obras publicadas, dentre elas: - Editora IGLU: “Os Embargos à Execução Fiscal e a Jurisprudência” (ESGOTADO) , “O  Mandado de Segurança nos Tribunais”, “Da União Estável. Teoria e Jurisprudência”, “O Advogado em Movimento – Coletânea de petições, contestações, recursos e defesas administrativas” – II Volumes (ESGOTADO) e “Sociedades Comerciais nos Tribunais breve doutrina”; - Editora LED: “Manual das Controvérsias Trabalhistas Frente à Jurisprudência”, “Dos Embargos do Devedor. Teoria, Prática e Jurisprudência” – II Volumes, “Direito Doutrinário Atual” e “Renegociação de dívidas e Novação”; - Editora Booksseler: “Controvérsias Jurisprudenciais Trabalhistas” – Volumes I, II e III, “Petições Trabalhistas e Jurisprudência”, “Das CPIS. Doutrina e Jurisprudência” ,“Do Sigilo. Doutrina e Jurisprudência” e “História Dinâmica da Responsabilidade Civil”; - Editora Servanda: “Do Meio Ambiente. Breve Doutrina, Jurisprudência e Legislação pertinente”; - Editora ME: “Execução. Renegociação e Novação de Dividas” – 2ª Edição e “Responsabilidade Civil no novo Código Civil. Doutrina, Jurisprudência e Pratica”; - Editora JH Mizuno: “Dos Embargos de Terceiro na Jurisprudência e na Pratica”, “O Novo Agravo. Teoria e Pratica”; “Práticas das Ações Indenizatórias”,  – 2ª edição, “Exceção de pré-executividade”, – 3ª edição, “Resumo de Responsabilidade Civil”, “Execução em Renegociação de Dívidas, 3ª Edição, “ABC dos Recursos no novo CPC, 2ª edição”,“ABC do novo CPC” e Embargos a Execucao no novo CPC”.

Advogado com destacada atuação profissional na advocacia empresarial, especialmente em responsabilidade civil, contratos (revisão e rescisão), advocacia preventiva e conciliatória e notadamente em defesas de empresas em dificuldades financeiras,  embargos do executado, exceção de pré-executividade, defesas locatícias e direito do entretenimento. Apresentou junto a OAB-CE vários Projetos de Lei para alteração de artigos do Código de Processo Civil de 1973, Código de Processo Penal e Código de Defesa do Consumidor, todos aprovados pelo Conselho Seccional e enviados ao Conselho Federal. Proferiu várias palestras em diversos seminários e ciclos de debates promovidos pelo (a) Academia de Letras Municipais do Estado do Ceará-ALMECE e no curso de pós-graduação da Universidade de Fortaleza-UNIFOR.

Data da conclusão/última revisão: 03/07/2017

 

Como citar o texto:

CARDOSO, Hélio Apoliano..Prescrição: natureza e marco inicial do prazo nas ações de reparação civil decorrente de lesão e nas. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 27, nº 1451. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-obrigacoes-e-contratos/3669/prescricao-natureza-marco-inicial-prazo-nas-acoes-reparacao-civil-decorrente-lesao-nas. Acesso em 4 jul. 2017.

Importante:

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