Responsabilidade, do latim “respondere”, corresponde à uma obrigação, que decorre de consequências de negócio jurídico ou ato ilícito. A responsabilidade civil do Estado, mais especificamente, é derivada de um dano causado à alguém, por agente público, através de conduta omissiva ou comissiva. O Estado, dessa forma, se obriga a pagar uma compensação pecuniária ao lesado ou restituir o “status quo ante”.

Este trabalho aborda uma situação específica de responsabilidade civil estatal: a decorrente de danos causados por presos foragidos da prisão. Iniciará tratando das abordagens da responsabilidade civil do estado, tanto em sua forma comissiva quanto omissiva, e desembocando neste recorte específico, analisando dois casos concretos – de procedência e improcedência – da responsabilização estatal por crimes cometidos por detentos após a fuga; tema que se configura bastante atual e de necessário estudo.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM RELAÇÃO A DANOS CAUSADOS POR PRESOS FORAGIDOS

Conforme preleciona o artigo 37, § 6º, da Constituição Brasileira, o Estado possui responsabilidade civil objetiva: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Quanto a responsabilidade do Estado por omissão, para que se configure deve haver prova da não ocorrência do dano caso houvesse a atuação positiva estatal. Por essa razão, o Supremo Tribunal Federal tem se posicionado no sentido de que havendo o dano por omissão haverá a responsabilidade subjetiva do Estado. O dolo, neste caso, corresponde ao Estado se omitir simplesmente por querer, e a culpa em sentido estrito, seria a omissão estatal por negligência.

A responsabilidade do Estado, em caso de presos foragidos e, consequentemente, pelos danos causados por estes na ocasião ou enquanto estiverem na condição de fuga, é peculiar, no sentido de que tais indivíduos estão sob custódia estatal e, por isso, a responsabilidade quanto a eles é redobrada. Neste caso, pois, entende-se que, certamente, a responsabilização objetiva tem aplicabilidade.

O Superior Tribunal de Justiça entende que há responsabilidade do Estado quanto aos detentos estando eles no presídio, no caso de um causar dano a outro. Assim, vê-se que essa responsabilidade deve ser estendida, também, em relação aos danos causados por presos que, por omissão do Estado, fugiram e causaram crimes às pessoas da sociedade. O Estado, pois, tendo o dever legal de tutela dos presos, deveria assumir, de forma objetiva, essa responsabilidade.

O STF, por sua vez, tem entendido que não há responsabilidade do Estado, nem mesmo a responsabilidade subjetiva, visto que falta o nexo entre a conduta estatal e o crime cometido pelo foragido.

Um recurso extraordinário proposto ao STF e julgado por este em face do Estado do Rio de Janeiro, tratava-se de ação de reparação de danos, por latrocínio causado por preso foragido ao marido da autora.

Em juízo de primeiro grau, não foi acolhida a pretensão. O Tribunal de Justiça, por sua vez, reformulou tal decisão, alegando que o tempo entre a fuga e o crime cometido deveria ser desconsiderado para fins de responsabilizar o Estado. Já nos embargos infringentes a sentença novamente foi contra a pretensão da autora, que, por essa razão, interpôs o recurso extraordinário.

Concomitantemente, também foi interposto o recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, porém, não foi aceito. Os ministros sustentaram que a responsabilidade objetiva do Estado é tema de Direito Constitucional, e por isso, deveria ser matéria apenas de recurso extraordinário.

Assim, como em demais decisões análogas, a Corte Suprema, ao julgar o recurso extraordinário, concluiu não ter sido demonstrada a responsabilidade do Poder Público, pois não se configurou o nexo causal entre o dano e o desempenho das tarefas estatais, especialmente considerando-se que o crime foi praticado três meses após a fuga. Decorre isso da teoria adotada no ordenamento jurídico brasileiro ser a do dano direto e da interrupção do nexo causal. Por unanimidade, a corte não acolheu o recurso.

“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LATROCÍNIO PRATICADO POR PRESO FORAGIDO, MESES DEPOIS DA FUGA.

Fora dos parâmetros da causalidade não é possível impor ao Poder Público uma responsabilidade ressarcitória sob o argumento de falha no sistema de segurança dos presos.

Precedente da Primeira Turma: RE 130.764, Relator Ministro Moreira Alves.

Recurso extraordinário não conhecido” (RE 172.025/RJ, Primeira Turma).

Vê-se, pois, que a jurisprudência do STF encontra-se consolidada no sentido de que não há responsabilidade civil do Estado em se tratando de danos causados por presos foragidos, quando estes danos ocorrem meses – ou depois de um certo tempo – após a fuga. Fundamentando-se, especialmente, na teoria da interrupção do nexo causal, na qual a causa “seria apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de necessariedade ao resultado danoso, determinasse este último como uma consequência sua, direta e imediata.” (STOLZE, p. 144, 2014)

Excepcionalmente, tem-se decidido em favor da responsabilidade do Estado em caso de danos causados por presos foragidos, mesmo que estes não tenham praticado crime logo após a fuga. Assim posicionou-se o Supremo Tribunal Federal, em recurso extraordinário proposto no Rio Grande do Sul.

No caso, em estudo, um apenado fugitivo, invadiu a casa das requerentes, portando arma. Após a recusa do pedido de dinheiro, o deliquente proferiu ameaças contra as autoras e estuprou uma delas, de apenas 12 anos de idade.

A ação de indenização por danos morais contra o Estado do Rio Grande do Sul foi julgada procedente em 1ª instância, mediante acórdão proferido pela Décima Câmara Cível do Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul com a seguinte redação "falha evidente do Estado na fiscalização do cumprimento da pena pelo autor do fato, que, apesar de ter fugido em sete oportunidades, não foi sujeito à regressão de regime" (fl. 260, ementa do acórdão).

Insatisfeito, o Estado do Rio Grande do Sul interpôs um recurso extraordinário, RE 409203/RS, sua defesa, em suma, alegava que o dano decorreu exclusivamente de ato de terceiro, não havendo de se falar em responsabilidade do Estado. Concluiu sustentando a inexistência do nexo causal entre a suposta falha no serviço estatal e o dano sofrido.

Em parecer emitido pela Procuradoria Geral da República, deliberou-se pelo não conhecimento do recurso e, no caso de julgamento, a improcedência.

O Ministro-Relator, Carlos Velloso, baseando-se no RE 369.820/RS, transcrito no decorrer de seu voto, e citando autores de grande renome como Hely Lopes, Celso Antônio Bandeira de Mello e Álvaro Lazarini, decidiu no sentido de inexistência do nexo de causalidade, apesar da evidente falha do serviço. Entretanto, ficou-se aguardando vista do ministro Joaquim Barbosa.

O ilustríssimo ex-ministro Joaquim Barbosa conheceu o recurso, todavia negou-lhe provimento e o julgamento foi suspenso, já que a ministra Ellen Gracie formulou um pedido de vista. Por derradeiro, a Turma em votação majoritária, conheceu e negou o provimento ao recurso extraordinário, vencendo-se o ministro-relator que havia sido favorável ao recurso e o acórdão foi lavrado pelo Ministro Joaquim Barbosa.

A justificação de tal decisão está alicerçada na omissão estatal, a qual propiciou ao infrator praticar crime de estupro contra menor de idade no período em que deveria estar submetido à prisão. O nexo de causalidade comprova-se na inexecução da lei de execução penal, que se devidamente cumprida não resultaria na possibilidade de fuga, pela oitava vez, do meliante e o consequente cometimento de um crime bárbaro como o estupro.

Infelizmente, decisões como a supramencionada ainda são raras. Não estamos supondo que se ignore a extrema precariedade dos presídios brasileiros, a superlotação, a falta de estrutura física, o que acarreta na suscetibilidade do preso em contrair doenças, praticar consumo de drogas, além das constantes rebeliões e vandalismos recorrentes nas previdenciárias brasileiras.

A corrupção de agentes penitenciários tem se tornado comum, assim como o número reduzido destes em face da quantidade de presidiários. Nesse ínterim, quando se fala em responsabilidade do Estado perante atos de presos foragidos, tal questão percorre as mazelas supracitadas, posto que a contenção dos presos torna-se cada vez mais difícil perante a desorganização e condições insalubres do ambiente carcerário.

Apesar da notória falência do sistema carcerário brasileiro, não se pode sobrepor uma falha administrativa ao direito das vítimas de ações de presos foragidos, motivo pelo qual nos posicionamos contra o afastamento da responsabilidade objetiva do estado quando decorrido maior lapso temporal, já que o nexo causal continua presente entre a atuação falha do Estado, em seu dever de Tutela, e os danos causados por quem deveria estar preso.

CONCLUSÃO

Diante da relevância e contemporaneidade da responsabilidade estatal perante os danos causados por preso foragido, contata-se a existência de várias posições doutrinárias e jurisprudenciais a respeito do assunto e sua consequente complexidade.

Não se pode reduzir a função e responsabilidade do Estado a patamares ínfimos que não abranjam a totalidade de direitos dos cidadãos. Ao sistema prisional brasileiro é incumbida a guarda do preso, não tendo a vítima de danos causados por foragido, que acatar com ônus de uma falha eminentemente do Estado, mesmo que decorrido um lapso temporal maior, assim temos entendido.

Dada a mutabilidade e a consequente modificação de posicionamentos acerca do tema abordado, configura-se a imprescindibilidade de debates e aprofundamentos no seu estudo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, volume 3: responsabilidade civil. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014.

SOUSA, Larissa Veloso de. Responsabilidade Civil do Estado no tocante aos crimes cometidos por foragidos da prisão. 21. ed. Universidade Estadual da Paraíba, Centro de Ciências Jurídicas, 2012.

NOGUEIRA, Marden de Carvalho. Responsabilidade civil do Estado pela fuga de preso. Disponível em: < http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,responsabilidade-civil-do-estado-pela-fuga-de-preso,50555.html> Acesso em: 26 de abril de 2015. 

Data da conclusão/última revisão: 08/07/2017

 

Como citar o texto:

SILVA, Ana Rebeca dos Santos da; VIEIRA, Ana Letícia Cordeiro Marques..Responsabilidade Civil do Estado em relação a danos causados por presos foragidos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 28, nº 1457. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-civil-responsabilidade-civil/3670/responsabilidade-civil-estado-relacao-danos-causados-presos-foragidos. Acesso em 31 jul. 2017.

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