1. INTRODUÇÃO

            Cumpre o presente trabalho traçar uma análise crítica acerca do Plano Nacional de Reforma Agrária do Governo Lula e suas implicações no que tange à Justiça Social no campo.

            É sabido, que desde os tempos mais remotos, preocupou-se o Homem com a questão da terra, principalmente porque esta se constituía como meio de sobrevivência direta, de onde se retirava o sustento das famílias.

            A propriedade sempre foi encarada como um direito absoluto e fundamental a todo indivíduo humano. Absoluto não só por ter efeito erga omnes, mas sim pela plenitude como poderia dispor o respectivo titular.

Entretanto, como se apercebe da história da propriedade, devemos ter em mente que esta afirmação deve ser recebida com restrições, pois temos consciência das limitações impostas ao exercício do direito de propriedade.         

            Sendo assim, o presente trabalho visa discutir o atual plano de reforma agrária pretendido pelo governo Lula, tendo em vista ser a reforma agrária uma das formas de limitação do direito de propriedade e um tema que desde sempre apareceu como polêmico no cenário jurídico-político do país.

2. DIREITO DE PROPRIEDADE, REFORMA AGRÁRIA E FUNÇÃO SOCIAL DA TERRA

Como bem expôs André Luis Holanda Lopes, se há conceito que vem sofrendo, nos últimos tempos, certas modificações aceitas por todos aqueles que se preocupam com os problemas da justiça social, é o da propriedade (2000).

Fazendo uma retrospectiva, temos que a Revolução Francesa deu nova pujança ao direito de propriedade. Enquanto o Código Napoleônico dizia, em seu art. 544, que propriedade é o direito de gozar e dispor das coisas da maneira a mais absoluta, desde que seu uso não viole as leis ou regulamento, a Constituição francesa mandava pagar indenização ao bem desapropriado. Esse Direito de desapropriação conferido aos Estados pelas Constituições que se basearam em Declarações de Direito advindas da Revolução Francesa e do movimento de independência dos Estados Unidos, consolidou o direito de propriedade, sendo uma conquista no campo dos direitos individuais contra o absolutismo do Estado (BORGES, 1998 p.2). Sendo assim, foi-se o tempo em que a propriedade se definia pelo conceito do jus utendi, jus fruendi e jus abutendi.

É inconcebível tratar a propriedade como um atributo individual destinado à satisfação apenas das necessidades de uma parcela da sociedade que detém a maior parte das terras.

            No Brasil, após a proclamação da república, verificou-se que o conceito de propriedade foi definido com base nessas novas idéias que dominavam o mundo ocidental.  Houve uma modificação gradual das Constituições brasileiras, quanto às restrições impostas ao direito de propriedade, conforme se observa das Constituições Imperial, de 1891, 1934, 1946 e 1967, até chegar a Constituição de 1988.

Vemos, com base na história das nossas constituições, que a propriedade privada tão relevante, desde os primórdios, para o nosso desenvolvimento econômico, foi se insurgindo, mesmo que a passos lentos, de uma fase de individualismo burguês para uma fase de incontestável solidarismo, que reflete uma humanização do direito de propriedade (BORGES, 2000 p.4).

É interessante dizer que não se está querendo acabar com a propriedade privada, mesmo porque é um bem legítimo e resulta de um direito natural, que deve ser assegurado juridicamente. Mas, a propriedade privada somente deverá ser mantida sob o domínio privado quando não for de encontro as exigência do bem comum, isto é, desde que não fira a função social da terra (BUZAID, 1975 p.4).

            Corroboramos do entendimento de Antonino C. Vivanco, consagrado agrarista argentino, acerca da função social da propriedade, o qual entende que esta nada mais é do que o reconhecimento das obrigações e direitos do titular do domínio da propriedade frente aos demais membros da comunidade. Não podendo aquele obstaculizar o bem, devendo sempre manter a sua capacidade produtiva em benefício dele e dos demais sujeitos da comunidade. Vale lembrar que a função social da terra é o princípio que determina todas as políticas referentes ao Direito agrário, inclusive o tema da Reforma agrária (1967, p.472-3). 

            O direito de propriedade deve ser colocado em confronto com a política de Reforma Agrária, em virtude da necessidade de se fazer respeitada a função social. A reforma agrária consiste numa etapa dessa evolução do direito de propriedade. Porém, no Brasil, ainda existem diversos obstáculos, devidamente cravados na história, que nos permitem afirmar que essa política é uma das mais rançosas e difíceis de serem efetivadas, vez que mexe com interesses de determinadas gentes, bem como com toda estrutura econômica e social do país.

3. A PROBLEMÁTICA DA REFORMA AGRÁRIA E A JUSTIÇA SOCIAL

            A reforma agrária não possui uma conceituação uniforme, todavia a noção mais simplista sobre a mesma é a de que seria um remanejamento do domínio de terra. Para Coutinho Cavalcanti

a reforma agrária é a revisão e o reajustamento das normas jurídico-sociais e econômico-financeiras que regem a estrutura agrária do País, visando à valorização do trabalhador do campo e ao incremento da produção, mediante a distribuição, utilização, exploração sociais e racionais da propriedade agrícola e ao melhoramento das condições de vida da população rural (1961).

            O problema interessa não só ao Brasil, mas a todos os povos subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. É uma luta que encontra muitos atropelos, pois envolve uma mudança no sistema. E dependendo do fim a que se proponha a luta pela reforma agrária, entendemos que esta pode dar margem a demagogias “politiqueiras”, isto é, pode servir apenas de “pano de fundo” para promessas eleitoreiras, sem qualquer compromisso social.

No entanto, não podemos olvidar o caráter justo da reforma agrária e a sua contribuição para o desenvolvimento e crescimento econômico homogêneo da sociedade e da economia (LANDAETA, 1961, p.125).

O Brasil de hoje não permite mais que a reforma agrária seja vista como uma lenda, principalmente em virtude da consolidação da função social da propriedade como um princípio constitucional. 

O direito agrário planejou a reforma agrária para ser realizada gradualmente, atendendo às necessidades locais e às possibilidades políticas de cada região. Não podemos ser demagogos e pensarmos que a simples decretação da reforma traria o desenvolvimento justo para a comunidade rural.

No Brasil, tal reforma não foi implantada em todo país. Ela se realizou nas zonas que foram declaradas prioritárias, segundo está expresso no art. 43, §2º, da Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964- Estatuto da Terra.

Considera como reforma agrária o conjunto de medidas que visem promover a melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade (Estatuto da Terra, art. 1º, § 1º).

Contudo, não se trata apenas de uma distribuição, mas de uma melhor distribuição, pautada nos princípios da justiça social e da produtividade adequada.

É mister destacar que os beneficiários diretos da Reforma devem ser agricultores que pretendem cultivar a terra. Pois o que se percebe na maioria das vezes é que muitos que clamam por essa distribuição de terras querem apenas ter a propriedade, não para o cultivo, mas para o comércio.

Há que se ressaltar que isto é totalmente incongruente e fere toda a noção de justiça no campo, pois o intuito maior da Reforma Agrária é produzir.

Cumpre destacar que o modelo agrário paternalista, fortemente intervencionista e centralizado, é responsável pela má efetivação do referido instituto. Basta compreendermos que o sistema impôs ao setor agrário um modelo pouco produtivo e distorcido dos hábitos de consumo, o que refletiu diretamente para o malogro das políticas de reforma agrária.

 Era necessário modernizar e diversificar a agricultura para que esta contribuísse de fato para o desenvolvimento da comunidade rural e para o crescimento da economia.

O que está se querendo dizer é que as tentativas de reforma agrária, não estavam preocupadas com a justiça social. Organizaram planos diversos, mas não evitaram o agravamento da pobreza rural.

A aplicação das políticas econômicas não foram inseridas no contexto da agricultura familiar, uma vez que não se pensou em levar um projeto em longo prazo de agricultura sustentável para as famílias assentadas.

 Reiteramos a posição do ilustre agrarista, Paulo Torminn Borges, o qual compreende que tal política deve ser feita cercada de cuidados, “para que não traga um colapso na economia rural, quando justamente a meta do Governo é promover a chamada arrancada desenvolvimentista.” (1998, p.19).

Compreendemos que o Governo deve se apoiar numa reforma agrária que seja sustentável. Destacamos a idéia do Padre Lebret, cujo entendimento apoio, o de que a reforma agrária deve estar fundada numa política agrária e numa política fundiária (1969, p.67-8).

É imprescindível que o governo, quanto à consecução da Reforma Agrária, absorva medidas para abater o empobrecimento da população rural, conforme propõe o Doutor Román J. Duque Corredor, vice-presidente do Comitê americano de Direito Agrário: 

“En el contexto, pues, de la apertura económica o globalización, el problema agrario, y su defectuosa estructura de propiedad y tenencia de la tierra, no puede abordarse sólo desde una perspectiva campesina, sino a la luz de la realidad y de las exigencias del desarrollo global, así como teniendo en cuenta el proceso de urbanización y la protección ambiental. Pero, por otro lado, cualesquiera planes de desarrollo agrario no son factibles si la tierra está mal distribuida y si quienes la trabajan no son sus propietarios. 

En otras palabras, que la reforma agraria, que es el instrumento del progreso social de la agricultura, es un factor determinante del desarrollo agrario, y por ende, del desarrollo económico. Así, por ejemplo, la Conferencia Mundial sobre Reforma Agraria y Desarrollo Rural, celebrada en Roma en 1979, declaró, que: "la propiedad y el uso de la tierra y el acceso al agua y a otros recursos naturales productivos son factores determinantes esenciales de las estructuras económicas rurales, de la distribución de los ingresos y de las condiciones generales de la vida rural". Por tanto, la reforma agraria, a diferencia de cómo se ha visto y como se ha tratado, no puede ser considerada como un simple hecho episódico de un simple reparto de tierras a un grupo de personas, sino que ha de formar parte de la política permanente del Estado, dentro del desarrollo agrario, para alcanzar el desarrollo del país” (2000).

            A Reforma Agrária não pode mais ser tratada como um problema, mas sim como uma solução. O Brasil precisa definir metas concretas, para que possa aplicar as normas referente à questão agrária. Esperamos que o PNRA (PLANO NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA) do governo Lula trate esta problemática não só como uma necessidade para o Brasil, mas como uma questão de justiça.

4.COMENTÁRIOS ACERCA DA POLÍTICA REFORMA AGRÁRIA NOS GOVERNOS DE JOSÉ SARNEY, ITAMAR FRANCO E FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Antes de tratarmos especificamente sobre o plano de reforma do governo petista, cabe-nos analisar brevemente os planos anteriores.

Como se verifica através da História do Brasil, sempre foi desejo de uma parcela da sociedade a distribuição eqüitativa das terras. Entretanto, mesmo com a elaboração do Estatuto da Terra, ainda não foi possível exercer em toda sua inteireza o princípio da função social da terra, haja vista empecilhos políticos por parte de grupos anti-reforma agrária.

Nas questões agrárias, o Estado atua deliberadamente intervindo na estrutura fundiária do país, posto que seu objetivo maior é alcançar a justiça social, com a melhor distribuição de terra e de renda. Corroboro o entendimento do professor Milton Heinen, o qual entende que “essa intervenção deve vir acompanhada de um conjunto de ações de política agrícola e de desenvolvimento rural planejado”(2004).

O 1º Plano de Reforma Agrária, organizado pelo então presidente da República José Sarney, restringiu-se a uma política paliativa de assentamentos e de busca de alívio das tensões sociais no campo.

Verificou-se que tal plano foi implementado através de uma “política de modernização conservadora do setor agropecuário”, pelo que considero uma contradição sem tamanho. Esta política baseava-se num modelo excludente, o qual visava ao crescimento da monocultura para exportação, concentrando terra e renda no campo. Teve ainda, conseqüências desastrosas nas cidades, ao propiciar o êxodo rural (HEINEN, 2004).

É mister dizer que esse primeiro plano tinha como objetivo colocar em prática o Estatuto da terra, indicando como programas do processo de reforma agrária, a regularização fundiária, a colonização e a tributação a terra. Porém, pressões políticas da UDR (Unidade Democrática Ruralista) impediram que a desapropriação de terras fosse realizada (SILVA, 1996).  

Destaque-se que a Constituição Federal de 1988 deu novo fôlego às esperanças de reforma agrária, condicionando o direito à propriedade ao princípio que orienta a destinação social do imóvel rurícola. Principalmente, ao determinar que as propriedades que demonstrarem produtividade não seriam passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária.

Vale ressaltar que a carta magna em seu artigo 186 determinou o cumprimento da função social da propriedade, ao estabelecer que deverá se ter um aproveitamento racional e adequado da terra. Defendemos a idéia de que fica implícito em tal dispositivo que a função social da propriedade não corresponde a apenas ao fator econômico.

A expressão contida no texto legal “aproveitamento racional e adequado da terra” é clarividente, pois se a propriedade produtiva é aquela que aproveita racional e adequadamente a terra necessariamente deve ser destinada ao desenvolvimento social. Parece-nos claro que há uma obrigação subentendida do produtor rural em preservar o meio ambiente, bem como cumprir os dispositivos que regem as relações de trabalho no campo.

Dando continuidade à análise dos planos, temos na seqüência, a tentativa de reforma agrária, ou melhor, a falta dela, no governo do presidente Fernando Collor de Melo. Este justificou a restrição e a impossibilidade da reforma, considerando argumentos, no mínimo inconseqüentes, tais como, a falta de regulamentação de dispositivos constitucionais relacionados à matéria.

Bem se apercebe que o governo do referido presidente não teve interesse em efetivar tal política de reforma, em virtude de seus interesses neoliberais não estarem coadunados com a filosofia da melhor distribuição de terras, o que fez com que aumentasse sobremaneira as tensões sociais no campo, entre os trabalhadores rurais.

Após o impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, seguiu o governo do seu vice-presidente Itamar Franco. Neste governo, foram realizados algumas desapropriações, porém, tais desapropriações não podem ser consideradas como reforma agrária, pois não foram realizadas através de um plano definido e organizado. Tiveram um caráter apenas apaziguador, vez que o seu intuito foi apenas diminuir os conflitos dos sem-terra.

Já o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, conforme bem explica o professor Milton Heinen, teve dois momentos distintos, quanto à execução da reforma agrária. O primeiro governo do ex-presidente Fernando Henrique, apesar de não possuir um plano específico de ação referente á reforma, queria o assentamento de 280 mil famílias. Justificava a reforma agrária como uma forma de desenvolvimento agrícola e uma solução para o problema da fome. Mas, não se desvinculou das políticas atinentes ao modelo agro-industrial, ou melhor, priorizou tal modelo, o que fez com que entre 1995 e 1996, 450 mil famílias de pequenos agricultores perdessem as suas terras para os bancos (Senso Agropecuário do IBGE – 1996).

A lei complementar nº 93/98 instituiu o banco da terra, um programa apoiado pelo Banco Mundial, que seria adotado como a principal forma de obtenção de terras, substituindo a desapropriação para fins de reforma agrária. É triste, mas lembramos que foi mais uma forma mascarada de não se fazer a reforma agrária, o que o então governo queria era possibilitar a compra de terras. A compra de terras jamais traria a sua melhor distribuição, nem mesmo modificaria a estrutura fundiária cogente. Substituir a desapropriação significa o mesmo que impedir a reforma, vez que a desapropriação é o seu principal instrumento. Mais uma vez o interesse público foi sobrestado pelo interesse econômico.

Desta feita, os movimentos sociais intensificaram suas lutas em prol da efetiva reforma agrária, através de pressões no INCRA e ocupações de terra mediante acampamentos.

A partir de então, como se depreende da análise do professor Milton Heinen, o governo Fernando Henrique Cardoso assumiu sua verdadeira opinião quanto à reforma.

Instituiu o Decreto nº 2.250/97, o qual proibiu a vistoria de imóvel rural objeto de esbulho, enquanto não cessada a ocupação. Introduziu as alterações na Lei nº 8.629/93, através de Medida Provisória, impedindo, pelo prazo de 02 (dois) anos, contados a partir da desocupação, a realização de vistoria técnica em imóveis objeto de ocupação pelos trabalhadores, ou de “invasão”, como costuma ser denominado pelos meios de comunicação e por quem não enxerga a totalidade do problema. Por último, ampliou as medidas de contenção das ações dos trabalhadores, excluindo do benefício da reforma agrária quem fosse identificado participando de ocupação de imóvel rural ou de qualquer órgão público como estratégia para forçar a implementação da reforma agrária (2004).

Desta forma, encerra-se o governo de Fernando Henrique, verificando que, a partir de 1998, ocorreu gradativa e anual redução do número de desapropriações e de beneficiários da reforma agrária.

5. A REFORMA AGRÁRIA E O GOVERNO LULA: CRÍTICAS

A atual conjuntura do governo brasileiro não poderia, mesmo que quisesse, deixar de fora de suas metas a tentativa de se realizar a tão sonhada reforma ruralista. Porém, há que se frisar que o PNRA do governo Lula corre o seriíssimo risco de se incorrer nos malogros das tentativas anteriores, tendo em vista que há uma divergência de interesses, claramente estampada, inclusive dentro da própria base governista.

A maioria dos estudiosos sejam eles sociólogos ou juristas já chegaram à conclusão de que é bastante difícil a situação econômica e a manutenção dos acordos com o FMI (Fundo Monetário Internacional) os quais fizeram com que o país ficasse totalmente dependente do capital especulativo internacional.

Verifica-se no governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva que importantes programas sociais como a reforma agrária foram restringidos pela intransigente política econômica do governo.

O atual governo enxerga que o processo de intervenção no direito de propriedade está intimamente ligado com o papel de distribuição de terras e a desapropriação.

O primeiro passo para que haja a implementação da reforma agrária, sem dúvida é desconcentração de terras, e este ponto está incluído no plano. Concordamos com tal desconcentração, visto que proporcionaria um aumento de produtores rurais e de insumos agrícolas, bem como do consumo, possibilitando assim circulação de riqueza na localidade.

Observa-se ainda a preocupação do plano em manter uma agricultura auto-sustentável, no que diz respeito à manutenção da economia, do meio ambiente e da comunidade rural, o que é de fundamental importância, como já foi apresentado alhures.

A agricultura sustentável depende de uma política agrícola de desenvolvimento rural. Esta deve ser um movimento permanente de interação entre a utilização dos recursos tecnológicos e a necessidade de se retirar as riquezas cada vez mais densas da terra, sem, contudo, destruir ou esgotar a terra.

O governo Lula precisa investir maciçamente em tecnologia “branca” que seria a tecnologia voltada para a não destruição do meio ambiente, dando suporte, portanto, para agricultura familiar. Se a ação governamental obstar-se a inclusão das comunidades rurais no processo de desenvolvimento econômico, certamente, teremos, com a reforma agrária, uma formação de ilhas de retrocesso (BORGES, 1998, p.22).

 Segundo estudo do professor Milton Heinen

os dados do último senso agropecuário do IBGE indicam que a agricultura familiar emprega 77% da mão-de-obra do campo e é responsável, junto com os assentamentos, por 38% do valor bruto da produção agropecuária e pela produção dos principais alimentos que compõem a dieta da população. O Plano demonstra, ainda, vantagens da agricultura familiar, na geração de empregos, em razão do custo menor em comparação com a agricultura empresarial (2004).

Data vênia, ao posicionamento do ilustre professor, particularmente, acredito que a agricultura empresarial não deva ser deixada de lado, principalmente porque não há como negar o crescimento econômico que a mesma traz para o país. Acreditamos que o mais interessante seria uma “união” da agricultura empresarial com a agricultura familiar.

A grande saída para que esse plano dê certo é nas palavras de Paulo Torminn Borges, o encaminhamento do rurícola, pela política agrícola, para o associativismo e suas múltiplas formas, isto é para os empreendimentos empresariais em forma societária.

No que diz respeito a fixação de metas de assentamentos, o 2º PNRA estabelece perspectivas de renda dos beneficiários, além de tratar da necessária recuperação e consolidação econômica dos atuais assentados.

Vale dizer que a proposta do plano trabalha com um público potencial que se encontra em aproximadamente 6 milhões de famílias rurais. Esse número engloba pequenos agricultores proprietários e possuidores de terras a qualquer título, com área insuficiente para o seu sustento e o desenvolvimento sócio-econômico, além dos assalariados rurais e os desempregados do meio rural. Temos então, uma proposta de inclusão social, que se insurge contra o atual modelo concentrador de terras.

A meta proposta pela equipe de elaboração do 2ª PNRA não chegou a ser divulgada, pois não fora assumida pelo governo como um todo. Foram efetuados ajustes e cortes, segundo as justificativas apresentadas aos movimentos sociais que lutam pela reforma agrária, visando adequar a proposta às possibilidades econômicas do país e, principalmente, acomodar os interesses das forças políticas de composição do governo. Finalmente, em Novembro/2003 foi anunciada uma meta mais tímida, de 400 mil famílias a serem assentadas nos três anos restantes o governo Lula (2004-2006), sendo 115 mil famílias nos anos de 2004 e 2005, e 140 mil famílias no ano de 2006. Além disso, o Plano, cujos investimentos devem constar no PPA (Plano de Política Agrária), definiu, ainda, o assentamento de 120 mil famílias no ano de 2007. Segundo o cadastro do INCRA, as pequenas propriedades de até 25 hectares somam 57,6 % do número de imóveis existentes no país, ao passo que ocupam apenas 6,3% da área total das terras. Na outra extremidade, os imóveis rurais com área acima de 1.000 hectares, apenas 1,7% do nº total dos imóveis, ocupam 43,7 % das terras do país. Os dados do INCRA indicam, ainda, que há mais de 31 milhões de hectares de terras dos imóveis com dimensão entre 50 e 100 módulos fiscais e outros, aproximadamente, 29 milhões de hectares em imóveis com mais de 100 módulos fiscais, passíveis de desapropriação, levando-se em consideração apenas o aspecto econômico da função social e os ultrapassados índices de ultrapassados índices de produtividade que vigoram desde 1.975 ((HEINEN, 2004).

Os dados apresentados na proposta do 2º PNRA demonstram a existência de terras suficientes para o atendimento aos potenciais beneficiários da reforma agrária produtividade que vigoram desde 1.975. Os dados apresentados na proposta do 2º PNRA demonstram a existência de terras suficientes para o atendimento aos potenciais beneficiários da reforma agrária (HEINEN, 2004).

            O plano traz ainda dados referentes à existência de terras públicas, entre as quais as devolutas, num total de 4.373.301,62 hectares, que, segundo indica, poderiam ser incorporados ao PNRA. É interessante observar que grande parte destas propriedades não está identificada e demarcada e se encontra incorporada a outras grandes propriedades rurais. Ademais, temos que as ditas terras estão ocupadas há décadas por famílias de pequenos possuidores (agricultores familiares), dando-lhes a devida destinação social.

Corroborando do entendimento do agrarista Milton Heinen, temos realmente que de qualquer forma estas terras não estão simplesmente disponíveis para a reforma agrária. Além do que utilizá-las em substituição à desapropriação, deixaria intocáveis os milhões de hectares de terras de latifúndios que não estão cumprindo a função social ou, ainda que produzindo, contribuem para a concentração de renda e poder. Defendemos a tese de que a reforma agrária só será efetiva se modificar o atual modelo latinfudiarista e mantiver a harmonia social no campo.

            Ressalte-se que há um movimento no Ministério da Agricultura em priorizar o modelo do agro-negócio como gerador de desenvolvimento em detrimento da reforma agrária, o que se figura como um empecilho. Acreditamos, sim, que o modelo agro-exportador é de extrema importância para a economia nacional, mas o Ministério da agricultura deve ter em mente que o desenvolvimento rural sustentável passa necessariamente por uma reforma agrária que altere efetivamente a atual estrutura fundiária, excludente e mais concentrada do mundo, democratizando o acesso a terra e fortalecendo a agricultura familiar.

            Outro grande problema que inviabiliza a reforma agrária é a falta de estrutura dos órgãos públicos que fazem o apoio, tal como o INCRA. Os recursos financeiros disponibilizados até o momento são insuficientes para garantir o alcance das metas propostas e o sucateamento dos órgãos públicos configura-se como um vilão para as mudanças necessárias.

Outra problemática latente é a que diz respeito ao GEE - grau de eficiência na Exploração. Este índice encontra-se bastante desatualizado o que impossibilita a verificação de terras improdutivas. Como conseqüência temos uma diminuição substancial das terras que poderiam ser desapropriadas para fins de reforma agrária.

O Plano proposto trabalha com a possibilidade de se fazer a reforma agrária através de uma avaliação prévia definiria as regiões prioritárias, planejando um modelo de produção centrado na agricultura familiar.

 Entretanto, para que este modelo seja colocado em prática tal como se pensa, o poder público deveria possuir uma legislação que conferisse uma ampliação dos poderes. O que se observa é que a legislação sobre a matéria restringe a atuação do poder público. É o que se verifica na Constituição de 1988, a qual só não foi favorável à reforma quanto à intervenção pontual, posto que de fato impede a declaração de áreas ou regiões prioritárias, para fins de reforma agrária, não conseguindo, portanto, realizar de forma ampla a adequação das regiões quanto à viabilização de uma infra-estrutura produtiva que vise à melhor distribuição de terra.

Temos que o 2º Plano Nacional de Reforma Agrária é bastante interessante, porém, ainda sofre de alguns problemas estruturais. Porém, tais problemas seriam fáceis de serem resolvidos, se houvesse uma parceria entre o governo, os produtores rurais e os trabalhadores rurais sem-terra.

6. CONCLUSÃO

A Reforma Agrária é um instrumento de progresso social da agricultura. No entanto, não pode ser considerada como uma simples partilha de terra para um grupo de pessoas, há que se inseri-la na política permanente do Estado, no que tange ao desenvolvimento do país.

O 2º Plano Nacional de Reforma Agrária é bastante interessante, porém, ainda sofre de alguns problemas estruturais. Não há, portanto, o que se questionar, resta claro que a problemática relativa à execução da reforma agrária ocorre em virtude da ingerência nas decisões políticas, da contradição existente nas normas de execução e da falta de respaldo entre os três poderes: executivo, legislativo e judiciário. Tais problemas impedem que a reforma agrária realize-se de maneira linear para alcançar seu nobre objetivo, qual seja a justiça social no campo.

Contudo, não podemos ficar inertes, não nos resta dúvida de que as mobilizações sociais foram e continuam sendo importantíssimas para o processo de democratização da terra. A justiça social no campo depende da harmonia entre os trabalhadores rurais, os grandes produtores rurais e o governo. A reforma agrária baseada numa política agrária e fundiária é o caminho.

 Cabe agora à sociedade, principalmente aos trabalhadores rurais, cobrar do governo a adequação da reforma ruralista ao moldes do desenvolvimento econômico, social e ambiental.

REFERÊNCIAS:

ALFONSIN, Jacques Távora, A Reforma Agrária como Modalidade De Concretização Dos Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais, Revista de Informação legislativa, Brasilia, Senado Federal, nº 136, 1997.

BORGES, Paulo Torminn. Institutos Básicos do Direito Agrário. 11ªedição. 1998: Editora Saraiva.

BUZAID, Alfredo. Humanismo Político. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Uberlândia, 41/2 1975.

CORREDOR, Román J. Duque. Derecho Agrario, Desarrollo Sustentable Y La Reforma Agrária. Revista de Direito Agrário.  ano 17, nº 16 . Brasília/DF.  2º semestre 2001. Disponível em: http://www.abda.com.br/romanjdc.htm, acessado em junho 2005.

COUTINHO CAVALCANTI. Reforma Agrária no Brasil. São Paulo, Ed. Autores Reunidos, 1961.

HEINEN, Milton. O plano nacional de reforma agrária do governo Lula. Antecedentes. O plano. Possibilidades e limites de sua execução. Disponível em: http://agata.ucg.br/formularios/sites_docentes/jur/milton/pdf/texto_lula.pdf, acessado em junho de 2005.

LANDAETA, Armando Dreyer. Reforma agrária y desarrollo econômico.  Revista de Direito Agrário.  ano 17, nº 16 . Brasília/DF.  2º semestre 2001.

LIMA FILHO, Oswaldo. A Questão Agrária. Centro de Documentação e Informação - Coordenação de Publicações/Câmara dos Deputados, Brasília, 1985.

LOPES, André Luiz Holanda. A Desapropriação Por Interesse Social Para Fins De Reforma Agrária. Revista de Direito Agrário. Ano 17, nº 16 . Brasília/DF.  2º semestre 2001. Disponível em: http://www.abda.com.br/andrelhl.htm, acessado em junho de 2005.

Manifesto de Juristas Brasileiros Pela Reforma Agrária. Disponível em: http://www.social.org.br/manifestos/manifesto003.htm, acessado em junho 2005.

SILVA, José Gomes da – A Reforma Agrária na Virada Do Milênio. Campinas: Ed. ABRA, 1996.

VILLELA, Mario Hamilton. Novas Reflexões sobre a Problemática Agrária. Disponível em: http://www.agrolink.com.br/colunistas/pg_detalhe_coluna.asp?Cod=918, acessado em junho 2005.

VIVANCO, Antonino C. Teoria del Derecho Agrario. La Plata, ediciones librería jurídica, 1967.

ZELEDÓN, Ricardo Zeledón. Los Desafios Del Derecho Agrario. In Revista de Direito Agrário.  ano 17, nº 16 . Brasília/DF.  2º semestre 2001.

 

Como citar o texto:

FONTES, Karolina dos Anjos..O Plano Nacional de Reforma Agrária do governo Lula e a justiça social no campo. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 2, nº 144. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-agrario/797/o-plano-nacional-reforma-agraria-governo-lula-justica-social-campo. Acesso em 19 set. 2005.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.