SUMÁRIO:   ações possessórias – Histórico – Procedimentos – Regras permissivas – Vedação legal – INTERDITO POSSESSÓRIO – Interdito proibitório – Interdito de manutenção da posse ou de força turbativa – Interdito de reintegração de posse ou ação de esbulho – Procedimentos – Considerações finais – Bibliografia consultada.

AÇÕES POSSESSÓRIAS

Histórico

            O império romano distribuía lotes de terras a seus cidadãos, e quando estes não dispunham de outros meios de provar a sua propriedade, se socorriam através de uma ação específica denominada reivindicatória, em cuja fase preliminar se procurava exaustivamente os meios de provar o seu domínio sobre a coisa para tentar convencer o pretor, que podia provisoriamente, consolidar a situação a um dos litigantes até a sua decisão final de se reconhecer a propriedade de um deles. Esse tipo de ação de proprietário, quase sempre não passava da fase inicial, haja vista a escassez e por que não dizer o desgaste para tentar-se juntar as provas necessárias, ocasionando desinteresse para o seu prosseguimento, quer da parte do réu, por não poder provar mais nada, quer da parte do autor, por já ter havido sua pretensão preliminarmente.

            Essa rotina teve evolução, chegando dado momento de que essa fase preliminar se transformou em verdadeira ação, cuja sentença era proferida sobre o domínio, por ser muito difícil fazer provas documentais da propriedade, surgindo assim, o interdito possessório.

            Destarte, ação reivindicatória é a específica quando existir a posse exteriorizada com o domínio, presumindo-se que o possuidor seja o proprietário e, portanto, deve ser mantido esse estado de fato, até que, por meios hábeis, fique esclarecida e provada a propriedade em si.

            Do mesmo modo, como a ação de imissão de posse não visa dar proteção à posse direta do proprietário, de defesa de posse, mas de aquisição de posse pelo proprietário, esta foi retirada, quando da reforma do CPC, do procedimento especial, devendo ser proposta pelo procedimento comum, como toda ação petitória.

Procedimentos

A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos requisitos estejam provados.

Regras permissivas

            Para o autor, cumular ao pedido possessório o de:

a)      condenação em perdas e danos;

b)      cominação de pena para caso de nova turbação ou esbulho;

c)      desfazimento de construção ou plantação feita em detrimento de sua posse.

Para o réu, na contestação, provando em suas alegações que foi o ofendido em sua posse e a qualquer tempo:

a)      demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor;

b)      que o autor provisoriamente mantido ou reintegrado na posse, por carecer de idoneidade financeira para, no caso de decair da ação, responder por perdas e danoso.

Abrir-lhe-á o prazo de 5 (cinco) dias para requerer caução sob pena de ser depositada a coisa litigiosa.

Vedação legal

 É defeso, assim ao autor como ao réu, na pendência do processo possessório, intentar, ou seja, propor em juízo, ação de reconhecimento do domínio.

Desdobramentos no interdito possessório

            Por haver necessidade de se adequar às providências judiciais de tutela possessória às diferentes hipóteses de violação da posse, o direito à proteção da posse presente no ordenamento instrumental brasileiro reconhece como ação de interditos possessórios: o interdito proibitório, o interdito de manutenção de posse e o interdito de reintegração de posse.

            O que determina o caráter possessório de uma ação não é só o pedido, como à primeira vista poderia parecer, mas sim a causa petendi, os fundamentos do pedido do autor.[1] Terá natureza possessória a ação que tiver a posse tanto como fundamento (causa de pedir) como também pedido (pretensão).[2]

Outros procedimentos, como ação de nunciação de obra nova e de depósito e os embargos de terceiro (este que é um incidente nos interditos), podem ser utilizados na defesa da posse, mas não são exclusivamente voltados para a tutela possessória; [3]devidamente qualificadas como ações de procedimento especial de jurisdição contenciosa, fora do capítulo das possessórias.[4]

Interdito proibitório

            O interdito proibitório é ação de natureza preventiva, desdobrada da ação de manutenção de posse.

É apropriada para que o possuidor, em vias de comprovada ameaça, proponha e receba a devida segurança, que nada mais é do que uma ordem judicial proibitória (daí o seu nome), para impedir que se concretize tal ameaça, acompanhada de pena ou castigo para a hipótese de falta de cumprimento dessa ordem.

Assim, para o possuidor, direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito.[5]

Interdito de manutenção da posse ou de força turbativa

            É a ação destinada para a proteção do possuidor na posse contra atos de turbação de outrem, cujo objetivo é garantir principalmente a posse de imóveis e a quase-posse das servidões e, só terá cabimento se o possuidor for molestado na sua posse, isto é, se o possuidor, sem perder a sua posse, vem a ser perturbado nela.[6] É reservada para o certo fim de fazer cessar o ato do turbador, que molesta o exercício da posse, contudo sem desaparecer a própria posse.

Interdito de reintegração de posse ou ação de esbulho

            Também chamada de ação de força espoliativa, é a ação apropriada para o caso concreto em que o possuidor tenha sido desapossado, em virtude de esbulho, pouco importando se total ou parcial, e para que seja reconduzido à posse, seja restituído o possuidor na posse.

É o interdito específico para que o possuidor retome uma posse que lhe tenha sido tomada por qualquer ato violento ou derivado de precariedade ou clandestinidade.[7]

Procedimentos

O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho.

Incumbe ao autor provar:[8]

a)      a sua posse;

b)      a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;

c)      a data da turbação ou do esbulho;

d)      a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.

Estando a petição inicial devidamente instruída (deve o objeto ser devidamente caracterizado e determinado de forma precisa), o juiz determinará, sem ouvir o réu:

a)      a expedição ou não do mandado liminar de manutenção ou de reintegração, cabendo ao autor, promover (pagar as despesas inerentes), nos 5 (cinco) dias subseqüentes, a citação do réu para contestar a ação;

b)      determinar que o autor justifique previamente o alegado, pelo princípio do livre convencimento;

c)      quando for ordenada a justificação prévia, o prazo para contestar contar-se-á da intimação do despacho que deferir ou não a medida liminar;

d)      se julgada procedente a justificação prévia, lhe será propiciado a determinação da expedição do mandado de manutenção ou de reintegração;

e)      em sendo improcedente, mandará citar o réu para comparecer à audiência que for designada.

            A exceção corre por conta das pessoas jurídicas de direito público, contra as quais não será deferida a manutenção ou a reintegração liminar sem prévia audiência dos respectivos representantes judiciais.

Duas regras básicas:

a)      a via do procedimento especial, é para ação de manutenção e de reintegração de posse quando intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho;

b)      passado esse prazo, deverá ser proposta no procedimento ordinário, não perdendo, contudo, o caráter possessório.

Bibliografia consultada

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[1] (Nery, RP 52/170; Nery, RDPriv 7/104) in NERY JUNIOR, N.; NERY, R.M.de A. Código de processo civil comentado: e legislação extravagante. 7. ed., rev., e ampl. São Paulo: RT, 2003. p. 1137

[2] NERY JUNIOR, N.; NERY, R.M.de A. op. cit.,  p. 1137.

[3] THEODORO JÚNIOR, H. op. cit., p. 120.

[4] NERY JUNIOR, N.; NERY, R.M.de A. op. cit.,  p. 1137.

[5] art. 932, CPC.

[6] LEVENHAGEN, A.J.de S. Posse, possessória e usucapião. 3. ed., São Paulo: Atlas, 1986. 49 p.

[7] LEVENHAGEN,A.J.de S. op. cit., p. 61.

[8] De acordo com os incisos do art. 927 do Código de Processo Civil, ao autor de ação de reintegração incumbe provar a sua posse, o esbulho e sua data, bem como a perda da posse, requisitos estes necessários para o processamento do feito. Não configurada a violação dos dispositivos de Lei apontados, mas mera tentativa de rediscussão sobre a matéria de prova e interpretação dos fatos da causa, incabível o pleito rescisório. Ação improcedente. (TJMA – AR 005713/2002 – (41.491/2002) – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Cleones Carvalho Cunha – J. 10.10.2002) JCPC.927.

(Elaborado em novembro/2005)

 

Como citar o texto:

FRANCO, Wanildo José Nobre..Ações possessórias e os interditos possessórios. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 161. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/999/acoes-possessorias-os-interditos-possessorios. Acesso em 16 jan. 2006.

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