I. Notas Introdutórias

Em 1998 o Governo Federal editou uma série de medidas com o objetivo de realizar o denominado reajuste fiscal, editando na ocasião a Lei 9.718/98, que ampliou a base de cálculo das contribuições PIS/PASEP e Cofins.

A referida legislação dispõe que “as contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta lei”, e avança esclarecendo que faturamento corresponde à receita bruta da pessoa jurídica, entendendo-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevante o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas.

Portanto, a base de cálculo passou a ser a totalidade das receitas, sendo irrelevante sua origem, o tipo de atividade realizada pela pessoa jurídica e a classificação contábil adotada para essas receitas.

No entanto, com a Emenda Constitucional nº 20/98 é que efetivamente tornou-se permitida a instituição de contribuição sobre a “receita ou faturamento”, conforme art. 195, I, b da Constituição Federal, porém, em virtude da conjunção alternativa “ou” ficou claro tratar-se de institutos contábeis diferentes, ficando ao legislador ordinário optar entre uma e outra.

Ademais, a Lei 9.718/98 em seu art. 8º aumenta a alíquota da COFINS para 3%:

"Art. 8º. Fica elevada para três por cento a alíquota da COFINS”.

Permitindo a pessoa jurídica compensar o percentual majorado da COFINS efetivamente paga, com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, devida em cada período de apuração trimestral ou anual.

II. O debate sobre o termo “receita” e a recepção da Lei.

A decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário 357950-RS, considerando inconstitucional o alargamento da base de cálculo da Cofins, circunda sobre o termo “receita”.

No voto do ilustre Ministro Eros Grau, fica claro a distinção entre o termo “receita”:

“(...) se receita bruta [=receita da venda de mercadorias e da prestação de serviços] coincide, qual afirmou esta Corte, com a noção de faturamento, a inserção do termo de outro conceito – ‘receita’ – no texto constitucional há de estar referindo outro conceito, que não o coincide com a noção de faturamento. Para exemplificar, sem qualquer comprometimento com a conclusão: receita como totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevante para a determinação dessa totalidade o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para tais receitas.

Temos aí receita bruta, termo de um conceito, e receita bruta, termo de outro conceito. No primeiro caso, receita bruta que é enquadrada na noção de faturamento, receita bruta das vendas e serviços do agente econômico, isto é, proveniente das operações do seu objeto social. No segundo, receita bruta que envolve, além da receita bruta das vendas e serviços do agente econômico – isto é, das operações do seu objeto social – aquela decorrente de operações estranhas a esse objeto”.

No entanto, após a brilhante exposição sobre o latente alargamento da base de cálculo o Ministro adota a tese de que a Emenda Constitucional 20/98, que introduziu na Constituição Federal a hipótese de incidência sobre “receita ou o faturamento”, teria tornado constitucional a Lei 9.718/98, então publicada vinte dias antes da referida Emenda, que feria o texto constitucional ao incidir além da receita provenientes das operações do seu objeto social, também sobre outras receitas, tais como: indenizações, royalties e ganhos em bolsa de valores.

Necessário ressaltar que o conceito de faturamento advém do direito comercial e abrange tão somente a venda de mercadorias ou a prestação de serviços e neste sentido o Superior Tribunal de Justiça já havia proferido decisões favoráveis aos contribuintes, baseando-se na tese de que o alargamento da base de cálculo da Cofins estaria em confronto com o disposto no art. 110 do Código Tributário Nacional:

“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.

A maioria dos ministros, contrários ao voto do ministro Eros Grau, entendeu que a recepção da norma é um princípio de continuação, portanto, não devendo a norma nova conflitar com a ordem constitucional antiga, ou seja, a Lei 9.718/98 não estava de acordo com a redação original do artigo 195, inciso I, da Constituição Federal, que afirmava, antes da EC 20/98, que a contribuição incidiria “sobre a folha de salário, o faturamento e os lucros”.

O ministro Carlos Ayres Britto ao seguir o voto-condutor, do ministro Marco Aurélio esclareceu: “A Constituição porta uma dignidade. Uma emenda não pode ser comparada a ela”, e conclui, “Emendas existem para conversar com a Carta da República, mas não se põem como fundamentos de validade, de convalidação das leis”.

III. Os efeitos da decisão para o contribuinte

Aos contribuintes com processos ainda em trâmite no Supremo Tribunal Federal, bem como aqueles ainda em fase de julgamento em instâncias inferiores, deverão ter decisões no mesmo sentido da proferida no RE 357950-RS, não sendo necessário a análise pelo colegiado e sim pelo Relator que irá julgá-las em decisões monocráticas.

Quanto aos contribuintes que realizaram o pagamento do tributo nos moldes anteriores a decisão proferida pelo STF cabe o pedido de repetição do tributo pago a mais, exatamente do representado pela receita que não seja o faturamento de bens e serviços, ou seja, rendimento provenientes de aluguéis, rendimento de ações e investimentos, royalties, etc.

Importante ressaltar o prazo prescricional do direito a restituição desses tributos, tendo em vista que as contribuições PIS/Cofins são tributos sujeitos ao lançamento por homologação e, portanto, prescreve no prazo de 5 (cinco) anos contados a partir da extinção definitiva do crédito tributário, que ocorre na data de homologação, por parte da Administração Pública, do lançamento efetuado pelo contribuinte.

Conforme esclarece o brilhante tributarista Kyoshi Harada em seu artigo “Cofins – Conteúdo e alcance da decisão proferida no RE 357950-RS”: “Em relação a Cofins o período abrangido pela restituição/compensação vai desde 1º-02-1999 (art. 17 da Lei 9.718/98) até 30-01-2004, pois a Lei 10.833/03 é fruto de conversão da MP n.º 135, de 30-10-2003, que alterou a base de cálculo da Cofins e entrou em vigor noventa dias após a data de sua publicação”. E quanto ao PIS “o período de restituição/compensação vai desde 1º-02-1999 (art. 17 da Lei 9.718/98) até 30-11-2002, pois a partir de 1º-12-2002 passou a vigorar a nova base de cálculo estabelecida pela MP n.º 66, de 29-08-2002 (art. 63) que se converteu em Lei n.º 10.637, de 30-12-2002”.

No entanto, compreendemos que as empresas que não ingressaram com a devida ação judicial ou pedido de restituição administrativa, ou que, a fizeram após a edição da Lei Complementar 118/2005, a situação com relação ao prazo prescricional é alterada.

Conforme o art. 3º da LC 118/05: “Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei”.

Dessa forma, considerando que a Lei 9.718/98, declarada inconstitucional, entrou em vigor em 1999, o contribuinte poderá pleitear a devolução apenas dos valores recolhidos indevidamente no período de 5 (cinco) anos.

Contudo, ressaltamos o posicionamento de alguns doutrinadores quanto ao prazo prescricional para pleitear a restituição do tributo pago indevidamente nos casos de tributos declarados inconstitucionais, entendendo que o prazo começaria a contar apenas a partir da decisão proferida pelo Supremo.

Neste passo, caso o STF retire de nosso ordenamento jurídico a norma declarada inconstitucional, não se deve discutir sobre a prescrição, pois a norma inconstitucional, em tese, não produziu efeitos, resultando em um efeito jurídico de inexistência da norma, devendo, portanto, o contribuinte ser ressarcido integralmente, retornando ao status quo, ou seja, condição aquela em que o contribuinte pagou por algo que não existiu e portanto deve ser ressarcido integralmente.

(Elaborado em jan/2006)

 

Como citar o texto:

SANTOS, João Felipe Pantaleão Carvalho..Os efeitos da Inconstitucionalidade do alargamento da base de cálculo da Cofins para o contribuinte. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 163. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-tributario/1019/os-efeitos-inconstitucionalidade-alargamento-base-calculo-cofins-contribuinte. Acesso em 30 jan. 2006.

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