Sumário: 1. Introdução; 2. O ensino superior público; 3. O ensino superior privado; 4. Política pública de financiamento estudantil; 5. Financiamento estudantil e qualidade de ensino; 6. Conclusão   

1. Introdução

            O ensino superior brasileiro parece mergulhado em uma crise sem precedentes. O ensino superior público é assolado pela falta de verbas, infra-estrutura precária, greves constantes por questões salariais, anos letivos prejudicados pelas greves e compensados em sistemas de três semestres em doze meses e assim afora.

            Em se tratando do ensino superior privado a realidade não é tão diferente apesar dos problemas serem outros. A inadimplência é alta e o número de alunos é cada vez mais baixo, o que se agrava se considerarmos a grande proliferação de instituições privadas de ensino superior e abertura de novos cursos. Além disso, o governo federal aponta como falha maior das instituições privadas, a baixa produção científica e qualidade de ensino duvidosa.

            Ora, diante deste cenário, como equacionar tais problemas ? A resposta parece caminhar para uma só direção: - estabelecimento de uma política pública de financiamento estudantil !

2. O ensino superior público

            O governo federal fala em valorização das instituições públicas de ensino superior, enquanto, tanto nas federais como nas estaduais, nos últimos anos os gestores e docentes bradam por mais verbas, o que nos parece indicar um saco sem fundos.

            É que a maior parte do orçamento das instituições públicas de ensino superior é comprometido quase que na sua totalidade com o pagamento de pessoal, restando quase nada para investimentos específicos no ensino, na pesquisa e na extensão. Esse fato explica inclusive, a razão pela qual a maior parte das bolsas de pós-graduação das agências de fomento são direcionadas a pesquisadores das instituições públicas de ensino.

            Por isso, é de se reconhecer a precariedade do Estado na função de gestor, não especificamente no ensino, mais em qualquer área que se possa imaginar, prova disso é que o próprio artigo 173 da Constituição Federal determina que só em casos extremos é que o Estado praticará atividade econômica[1].

            Tal realidade fica transparente em relação ao custo de um aluno no ensino superior público, que é infinitamente maior do que um estudante no ensino superior privado.

            Ademais, não podemos deixar de considerar que a própria estrutura física das instituições de ensino superior públicas estão sucateadas e com sua capacidade esgotada, o que demandaria custo com a construção e reforma de novas unidades, além das verbas necessárias para instalação dos cursos.

            Logo, ao Estado deveria caber a função intransferível e indelegável de agente regulador e fiscalizador das relações praticadas em nossa sociedade. Em termos de educação, o Estado tem procurado exercer tal função, pois vem aprimorando a legislação que regula a avaliação do ensino superior e tem sido mais criterioso na expansão de cursos e instituições de ensino superior.

            Por essa análise, já é de se perceber que o custo de expansão do ensino superior público demanda muito mais verba a um custo muito maior do que concentrar a expansão do ensino superior nas mãos da iniciativa privada.

3. O ensino superior privado

            É bem verdade que o ensino superior tem sido muito criticado nos últimos tempos sob a alegação de baixa qualidade de ensino. No entanto, tal problema merece um diagnóstico mais profundo, pois não basta simplesmente avaliar a qualidade de ensino sem que paralelamente se avalie as condições de oferta de ensino.

            As instituições de ensino superior privadas tiveram que suprir uma defasagem de oferta de vagas causada pelo próprio descaso do Estado com o ensino superior, caso contrário, certamente estaríamos entre os países com o pior índice de portadores de diploma de nível superior, o que certamente refletiria em nosso desenvolvimento. E olha que mesmo assim não temos nada para comemorar, pois apenas 20% da população brasileira possui nível superior. 

            Por mais que se critique tais instituições, fato é que essa lacuna foi preenchida e o país se desenvolveu muito nos últimos dez anos, o que de certa forma deve também ser atribuído a participação das instituições de ensino superior privado.

            Porém, a crise de qualidade no ensino superior privado está relacionada diretamente com a questão financeira, pois estas instituições oferecem todas as condições necessárias para a manutenção do ensino, mas não possuem recursos suficientes para o investimento principalmente em pesquisa. Isto nada mais é que um reflexo da inadimplência de mensalidades e da redução do número de candidatos aos vestibulares de tais instituições.

            Só para se ter uma idéia, estima-se que no Estado de São Paulo cerca de três milhões de pessoas poderiam estar cursando o ensino superior, porém, apenas oitocentas mil pessoas estão atualmente vinculadas a instituições de ensino superior.

            Isso é um reflexo da condição econômica do país, que de um lado não permite o pagamento das mensalidades escolares, e de outro, sequer permite o ingresso.

            A inadimplência nas instituições de ensino superior privadas já chegam a quase 30% dos estudantes, o que significa dizer que ou a instituição banca esses custos, muitas vezes desviando dinheiro cujo planejamento inicial era para pesquisa universitária, ou repassa aos adimplentes, oneração essa que pode redundar em futura inadimplência.

            O grande vilão da inadimplência estudantil é o desemprego, aliado ao fato de educação não ser considerada prioridade na cultura de nosso país, pois muitas vezes, o aluno é inadimplente em relação a mensalidade escolar mas efetua o pagamento de outras despesas que tenham sido consideradas prioritárias.

            Por outro lado, não podemos deixar de considerar um fator econômico que é a grande concentração de renda em nosso país, fazendo com que poucos possuam condições de suportar por conta própria o custo do ensino superior. Decorrente desse fato existe uma inversão de valores, haja vista que as pessoas que possuem melhor condição econômica normalmente possuem uma preparação escolar melhor propiciando condições ideais para ingresso nas instituições públicas de ensino superior, deixando as vagas do ensino privado para pessoas que normalmente não podem arcar com tal custo. 

            E não é só, existe ainda um agravante para as instituições privadas de ensino superior que é o fato de serem obrigadas a manter os custos do aluno inadimplente, uma vez que por força da Lei nº 9.870/99 não podem excluí-lo, exceto quando do vencimento da semestralidade ou anualidade dependendo da periodicidade contratual  adotada. Considere-se que apesar da inadimplência, os custos são fixos e devem continuar sendo suportados, independentemente do pagamento das mensalidades.

            Como recurso a essa precariedade no custeio do ensino superior, resta ao estudante buscar sistemas de financiamento estudantil. Nesse sentido, algumas iniciativas existem no próprio setor privado, mas são insuficientes para o atendimento da demanda. Resta o financiamento público, mas este se mostra insuficiente, dissociado de critérios objetivos, moroso, burocrático, oscilante e principalmente, incerto.    

            Logo, com tanta precariedade econômica, o reflexo de queda de qualidade é sintomático, pois qualquer esforço praticado pelas instituições de ensino se mostra insuficiente para solucionar um problema que parece persistente ao longo do tempo, pois como asseveramos, está vinculado diretamente ao desemprego e a concentração de renda, fatores econômicos que permanecerão por mais alguns anos.

4. Política pública de financiamento estudantil

            Como vimos, o Brasil carece de uma política pública de financiamento estudantil, já que não podemos denominar esse sistema atual de financiamento como “política pública”.

            No entanto, entendemos que não cabe aqui somente criticar o atual sistema sem pelo menos sugerir qualquer solução para o problema. Ousamos aqui dizer que um sistema fixo de política estudantil, devidamente regulado pela legislação pode solucionar não só o acesso ao ensino superior, como também poderá solucionar a questão da precariedade da qualidade de ensino, basta para isso que se amarre os dois fatores como veremos adiante.

            Como forma de estabelecimento de política pública de financiamento estudantil vislumbramos várias alternativas, cabendo um exame mais detalhado e acurado para se viabilizar cada uma delas, porém, a priori destacamos as seguintes:

            ? utilização de saldo próprio de FGTS para o financiamento estudantil;

            ? utilização de saldo de FGTS dos pais para o financiamento estudantil dos filhos;

            ? compensação do pagamento de tributos pelas instituições de ensino superior privadas para a efetiva concessão direta de bolsas de estudo através de critérios legalmente determinados;

            ? destinação específica da arrecadação de determinado tributo já existente para a criação de um fundo de financiamento estudantil para concessão de bolsas de estudo;

            ? estabelecimento de uma política escalonada de concessão de bolsas de estudo de acordo com a condição econômica do estudante, utilizando-se o benefício apenas para complementar o pagamento da mensalidade escolar quando de condição econômica parcial;

            ? instituição de um tributo que recaia sobre investimentos para a complementação do fundo estudantil de concessão de bolsas de estudo, pois dessa forma o capital destinado a especulação passaria a contribuir para o desenvolvimento do país, o que não ocorre hoje;

            ? criação de linhas específicas de crédito em bancos estatais para financiamento estudantil com pagamento a longo prazo e vinculado ao período pós-formação;

            ? criação de linhas específicas de crédito em bancos privados para financiamento estudantil com pagamento a longo prazo e vinculado ao período pós-formação, através de gatilho associado ao lucro líquido da instituição;

            ? concessão de benefícios fiscais a empresas que contratem e mantenham em seus quadros estudantes de ensino superior durante o tempo de formação.

            Essas são apenas algumas sugestões a partir de cinco minutos de idéias, o que mostra que podemos encontrar variadas possibilidades para definição de uma política pública efetiva e fixa de financiamento estudantil.

5. Financiamento estudantil e qualidade de ensino

            Como afirmamos anteriormente, cabe agora enfrentar a questão do estabelecimento de uma política de financiamento do ensino superior com a qualidade de ensino almejada.

            Inicialmente defendemos que ao Estado caberia os papéis de agente regulador e fiscalizador do ensino superior. Enquanto agente regulador caberia o estabelecimento da política de financiamento, de concessão de bolsas de estudos a população e de critérios pontuais de avaliação do ensino superior. E a partir dessa normatização deve exercer de forma rigorosa a fiscalização para o estabelecimento de um sistema de metas x benefício.

            O que seria o sistema de metas x benefício ? O sistema para ser alto regulador e conseqüentemente desaguar na tão almejada qualidade de ensino, deve vincular o atingimento de metas individuais por tais instituições para a determinação do número de bolsas. Assim, quanto mais metas cumprir determinada instituição de ensino, mais bolsas serão destinadas aos seus estudantes, o que certamente redundaria em melhoria na qualidade de ensino. Tal sistema permite inclusive, que o Estado verifique as carências possíveis de determinados setores profissionais, vinculando a concessão de bolsas de forma a corrigir o desenvolvimento nacional. 

            Por outro lado, a transparência seria um critério fundamental para o sucesso desse programa, pois na medida em que determinada instituição passa a receber uma grande quota de bolsas, torna-se um indicativo do correto uso de suas verbas na qualidade de ensino, o que também demonstraria quais instituições não possuem compromisso com o ensino superior brasileiro, permitindo assim, ação estatal para excluí-las do sistema e do cenário nacional através da cassação de sua autorização.

            Tal proposta contemplaria integralmente os ditames da Carta Magna, como se vê:

“Art.209 – O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I – cumprimento das normas gerais da educação nacional;

II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público”.

            Essa proposta de metas x benefício estaria vinculada ao cumprimento de indicadores que pudessem permitir a avaliação da qualidade de ensino de cada uma das instituições de ensino superior, o que resultaria em um ranking de qualidade do ensino superior brasileiro. Nesse sistema poderiam ser avaliados critérios como: titulação do corpo docente; docentes em período integral; número de programas de mestrado; número de programas de doutorados; número e qualidade de projetos de pesquisas de iniciação científica; número e qualidade de programas de extensão universitária; produção docente; produção discente; realização de congressos, seminários, encontros e eventos; participação de discentes e docentes em congressos, seminários, encontros e eventos; infra-estrutura; classificação no Exame Nacional de Desempenho Escolar; etc.

6. Conclusão

            Até hoje a educação nunca foi levada a sério pelos nossos governantes, pelo menos não na medida de sua importância. A crise é aguda e o problema parece não estar sendo enfrentado adequadamente, pois até hoje só vimos medidas paliativas e provisórias, deixando sempre a nítida sensação de que nada foi feito.

            Cabe ao Estado e principalmente a seus governantes assumir que a máquina estatal não foi criada para executar e sim para regular e fiscalizar, pois como mencionamos anteriormente, o custo de tudo aquilo que é produzido pelo Estado é infinitamente maior do que o custo da produção privada.

            Assim sendo, a produção do ensino superior brasileiro deveria e poderia ser perfeitamente realizada em sua maior parte pela iniciativa privada, bastando para isso que o Estado assuma o papel de agente regulador e fiscalizador e imprima a seriedade exigida pela educação, pois se a educação não for levada a sério, o que será ?

Notas:

 

 

[1] “Art. 173, CF – Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”

(Artigo de opinião elaborado em 12 de janeiro de 2006)

 

Como citar o texto:

GABRIEL, Sérgio..Financiamento Estudantil: Uma contribuição para a solução da crise do ensino superior brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 164. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/pratica-forense-e-advogados/1027/financiamento-estudantil-contribuicao-solucao-crise-ensino-superior-brasileiro. Acesso em 6 fev. 2006.

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