RESUMO: O presente artigo científico trata das questões básicas referentes à teoria da imputação objetiva. Dentre outros aspectos, no seu desenvolver faz-se uma abordagem introdutória sobre a relevância que o mundo jurídico tem dado ao tema; aborda-se a questão da determinação do nexo causal e de qual fora a teoria adotada por nosso Código Penal, nesse ponto; expõe-se a opinião da doutrina defensora da teoria da imputação objetiva e, também, o entendimento dos que a rechaçam, analisando-se vários casos. Conclui-se, por fim, ser absolutamente desnecessária a adoção da combatida teoria pelo direito penal brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Causalidade - imputação objetiva - desnecessidade.

1 INTRODUÇÃO

Possivelmente, o assunto que mais se tem discutido no Brasil nos últimos anos, na seara das ciências criminais, seja a teoria da imputação objetiva. Basta fazer uma pesquisa na internet ou ir a uma livraria e constatar a vasta gama de artigos e livros que se tem publicado sobre este tema, principalmente, a partir do ano de 2000. Nos cursos e manuais de direito penal passou-se também a incluir, às vezes de forma sucinta, noutras mais extensivamente, os seus principais aspectos.

Percebe-se também, bastando para tanto inscrever-se em um seminário sobre direito penal, que as palestras proferidas sobre este assunto tem sido o grande atrativo dos simpósios mais recentes, tornando-se, invariavelmente, o momento mais esperado.

A cada dia as pessoas que militam na área jurídica estudam mais sobre tal teoria. Os concursos públicos com freqüência exigem que os candidatos dela tenham conhecimento. Enfim, definitivamente, é a "bola da vez"[4].

De antemão, alguns questionamentos merecem ser feitos: 1) Em que contexto, no estudo do direito penal, se insere a teoria da imputação objetiva?  2) Esta teoria fora adotada por nossa legislação? E pela doutrina? 3) A teoria da imputação objetiva se mostra imprescindível no direito penal moderno?

As respostas às indagações acima serão elaboradas ao longo deste trabalho, devendo-se frisar que a última pergunta constitui a razão principal deste artigo, o qual procurará demonstrar toda a desnecessidade da teoria supra citada, sendo, pois, totalmente despicienda.

2 A RELAÇÃO DE CAUSALIDADE E A TEORIA DA CONDITIO SINE QUA NON

O nexo causal pode ser visto como um requisito do fato típico, sendo o elo necessário que liga a conduta praticada pelo agente ao resultado por ela produzido. Ausente esse vínculo que une o resultado à conduta levada a efeito pelo agente, não se estabelece a relação de causalidade e, assim, tal resultado jamais poderá ser atribuído ao agente, haja vista não ter sido ele seu causador.

Inúmeras teorias surgiram com o fito de elucidar as nuances da relação de causalidade. Dentre estas, as principais são[5]: a) teoria da causalidade adequada; b) teoria da relevância jurídica; c) teoria da eficiência; d) teoria da equivalência dos antecedentes causais[6].

Conforme preceitua o artigo 13, caput, do Código Penal:

O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Deste dispositivo, resulta a flagrante adoção da teoria da equivalência dos antecedentes causais[7] - conditio sine qua non - por nossa legislação. Quer isso significar que todos os fatos que antecedem o resultado se equivalem, desde que se revelem indispensáveis à sua ocorrência. Assim, tudo que concorre para a produção do resultado deve ser considerado sua causa.

Para verificar-se se o fato antecedente pode ser tido como causa da alteração do mundo naturalístico, deve-se lançar mão do sistema chamado procedimento hipotético de eliminação, preconizado por Thyrén[8]. Dessa forma, se, suprimindo-se mentalmente o fato, vier a ocorrer uma modificação no resultado, é sinal de que aquele é causa deste último.

Segundo afirma a doutrina[9], uma das preocupações primordiais da teoria da imputação objetiva consiste em restringir o alcance do nexo de causalidade, fundado na teoria da equivalência dos antecedentes, cuja extensão conduz a situações injustas e, às vezes, absurdas, como, por exemplo, quando se afirma a existência de nexo causal entre a ação do vendedor de um veículo automotor (ou até do fabricante!) e a morte provocada por atropelamento.

As principais críticas dirigidas à teoria da conditio sine qua non dizem respeito não só à possibilidade objetiva do regresso causal até o infinito, mas também a algumas hipóteses não solucionadas adequadamente pelo emprego da mesma, pois, conforme aduzem os doutrinadores, “existe falha na teoria da equivalência dos antecedentes causais[10]”.

Não merece acolhida, segundo cremos, a argumentação que defende a adoção da teoria da imputação objetiva visando rechaçar a possibilidade de haver o chamado regressus ad infinitum, que poderia ocorrer com a aplicação da teoria da equivalência dos antecedentes. Isto porque, desde há muito, a doutrina, em peso, já solucionara tal problema, propondo a interrupção da cadeia causal no instante em que não houver dolo ou culpa por parte daquelas pessoas que tiveram alguma importância na produção do resultado. Nesse sentido é a lição de Mirabete[11]:

Mesmo estabelecida a relação de causalidade entre o ato e o resultado, a relevância penal da causalidade acha-se limitada pelo elemento subjetivo do fato típico, por ter o agente querido o fato ou por ter dado causa ao resultado ao não tomar as cautelas que dele se exigia, ou seja, só pratica conduta típica quem agiu com dolo ou culpa. A rigor, a adoção do princípio da conditio sine qua non tem mais relevância para excluir quem não praticou conduta típica do que para incluir quem a cometeu.

Ainda sobre este ponto, calha fazer uma observação. Em seu Curso de Direito Penal – Parte Geral[12], o professor Fernando Capez, defensor da teoria da imputação objetiva, vê na aplicação do princípio da conditio sine qua non um problema que pode acarretar o regresso causal até o infinito. Curiosamente, o mesmo autor, no mesmo ano, lançou pela Editora Damásio de Jesus a 10ª ed. de seu Direito Penal – Parte Geral, anotando na página 114, uma lição que contradiz totalmente a acima citada, não enxergando mais, na teoria da equivalência dos antecedentes causais, um problema que gerasse o regressus ad infitnitum, senão vejamos:

Diante da teoria da equivalência dos antecedentes, não poderia haver uma responsabilização muito ampla, na medida em que são alcançados todos os fatos anteriores ao crime?

Os pais não poderiam responder pelos crimes praticados pelo filho? Afinal, sem os pais, este não existiria e, não existindo, jamais poderia ter praticado o crime.

Neta linha de raciocínio, não se chegaria a um regressus ad infinitum?

Resposta: Não. A teoria da equivalência dos antecedentes situa-se no plano exclusivamente físico, resultante da aplicação da lei natural de causa e efeito. Assim, é claro que o pai e a mãe, do ponto de vista naturalístico, deram causa ao crime cometido pelo filho, pois, se este não existisse, não teria realizado o delito. Não podem, contudo, ser responsabilizados por essa conduta, ante a total ausência de voluntariedade. Se não concorreram para a infração, com dolo ou culpa, não existiu, de sua parte, conduta relevante para o Direito penal, pois, como já estudado, não existe ação ou omissão típica que não seja dolosa ou culposa.

Dessa forma, resta patente a absoluta desnecessidade da teoria da imputação objetiva para solucionar a questão (já outrora solucionada) do regressus ad infinitum. Resta-nos indagar: onde está a utilidade de um estudo que vem para desvendar o que é cediço?!

3 ALGUMAS FALHAS NA TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DOS ANTECEDENTES

Como dito em linhas volvidas, há inegáveis falhas na teoria da equivalência dos antecedentes. Todavia, todos esses defeitos são contornados com a utilização de outros institutos[13] já existentes e em pleno vigor em nosso sistema jurídico penal, sendo dispensável a adoção da teoria da imputação objetiva com o fito de corrigir tais falhas.

O primeiro defeito ocorre quando não se pode aplicar o procedimento de eliminação hipotética, o qual passa a ceder espaço ao sistema da dupla causalidade alternativa[14] (ou cumulativa). Para entender-se tal situação, confira-se o seguinte exemplo: A e B, com animus necandi, ministram, independentemente, a C uma dose de veneno, cada um despejando um litro de Furadan na comida que vem a ser ingerida pelo último. Abstraindo-se a conduta de A, o resultado concreto (morte) teria ocorrido também como conseqüência da conduta de B. A mesma conclusão chegaríamos se fizéssemos a abstração da conduta de B. Neste caso, se aplicarmos a eliminação hipotética, nenhuma das condutas (a de A e a de B) poderá ser considerada causadora da produção do resultado morte.

Para resolver estes casos, Welzel[15] propõe a seguinte fórmula:

Se existem várias condições das que cabe fazer abstração de modo alternativo, mas não conjuntamente, sem que deixe de produzir-se o resultado, cada uma delas é causa para a produção do resultado.

Assim, se ambas as doses são absolutamente suficientes para atingir seu desiderato, todos os que concorreram para o sinistro devem responder pelo seu dolo (como no exemplo supra ocorreu a morte, A e B devem responder por homicídio consumado).

Fernando Capez[16] detecta outro defeito no princípio da conditio sine qua non, a nosso ver, data vênia, sem qualquer procedência. Seguem as palavras do autor:

Se um médico acelera a morte de um paciente terminal, que já está com danos cerebrais irreversíveis, desligando o aparelho que o mantinha vivo, não poderá ser considerado causador do homicídio, pelo critério da eliminação hipotética, já que, mesmo suprimida a sua conduta da cadeia causal, ainda assim a morte acabaria acontecendo, mais cedo ou mais tarde.

Como dito acima, não merece acolhida a lição supra, pelo fato de a doutrina mais especializada sobre o assunto nos ensinar que causa não é tão somente a conduta sem a qual o resultado não teria ocorrido, mas a conduta sem a qual o resultado não teria ocorrido como ocorreu. Dessa forma, se uma pessoa se encontra dependurada em um fino galho de uma árvore, para não cair em um despenhadeiro, e este galho esta se quebrando aos poucos, em função do peso da pessoa, ainda que se visualize como certo o resultado morte com a quebra do ramo de sustentação, este será imputado a alguém que, objetivando matar a vítima, acaba por despregar a parte da árvore e lançar o ofendido no precipício, pois, sem a conduta do agente, o resultado não teria ocorrido nas circunstâncias em que ocorreu. Nessa esteira, posiciona-se Rogério Greco[17]:

O agente – concluindo – não deve, como vimos, interferir na cadeia causal, sob pena de responder pelo resultado, mesmo que este, sem a sua colaboração, fosse inevitável.

Então, devemos acrescentar a expressão como ocorreu na redação final do caput do art. 13 do Código Penal, ficando, agora, assim entendido: “Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, como ocorreu[18].

Assim sendo, é forçoso concluir que, no exemplo dado por Fernando Capez, o médico que acelera a morte do paciente em fase terminal desligando o aparelho que o mantinha vivo interfere na cadeia causal dos acontecimentos e, por isso, será tido como causador de sua morte, não merecendo respaldo sua afirmação no sentido de que “não poderá ser considerado causador do homicídio, pelo critério da eliminação hipotética”.

4 ALGUNS TRAÇOS SOBRE A TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA[19]

O interesse primordial dessa teoria é identificar as hipóteses em que alguém pode ser considerado o responsável por determinado resultado jurídico, não sob a ótica meramente causal (relação causa-efeito), mas sob um aspecto valorativo, vale dizer, quando é justo considerar alguém como verdadeiro responsável por determinada lesão ou ameaça de lesão a algum bem jurídico.

Afirma a doutrina que a relação de imputação objetiva constitui elemento normativo implícito do fato típico, cuja função essencial é a de servir como critério restritivo do dogma causal material. “Na verdade, a teoria da imputação objetiva surge com a finalidade de limitar o alcance da chamada teoria da equivalência dos antecedentes causais, sem, contudo, abrir mão desta última. Por intermédio dela, deixa-se de lado a observação de uma relação de causalidade puramente material, para se valorar uma outra, de natureza jurídica, normativa[20].

A pretensão da teoria da imputação objetiva

não é, propriamente, em que pese o nome, imputar o resultado, mas, em especial, delimitar o alcance do tipo objetivo (matar alguém, por exemplo), de sorte que, em rigor, é mais uma teoria da ‘não imputação’ do que uma teoria ‘da imputação’. Trata-se, além disso, não só de um corretivo à relação causal, mas de uma exigência geral da realização típica, a partir da adoção de critérios essencialmente normativos, de modo que sua verificação constitui uma questão de tipicidade, e não de antijuridicidade, prévia e prejudicial à imputação do tipo subjetivo (dolo e culpa)[21].

Ao estudar a teoria em foco, duas séries de critérios devem ser observadas. A primeira (critérios de atribuição) estipula as situações em que uma conduta e/ou um resultado devem ser atribuídos ao agente e ocorrem quando este: cria ou incrementa um risco não permitido, se opera a realização deste risco proibido, o qual deve encontrar-se dentro do alcance do tipo, isso quer dizer que a esfera de proteção da norma deve-se prender aos lindes dos danos diretamente causados (assim, se A atropela culposamente B, causando-lhe a morte, não será responsabilizado pelo infarto fulminante sofrido pela mãe do último ao receber a notícia do sinistro).

Em contrapartida, há também os critérios de exclusão, os quais impedem a atribuição da conduta ou do resultado ao agente. Dentre outros, os principais são: a criação e a realização de um risco permitido, não desaprovado ou socialmente tolerado; a criação e a realização de um risco irrelevante/princípio da insignificância; a criação de um resultado visando a diminuição do risco; o princípio da confiança; a proibição de regresso, etc.

Por fim, colha-se a lição de André Estefam[22]:

Esquematicamente, o fato típico, nessa nova concepção, teria os seguintes elementos: a) conduta (dolosa ou culposa); b) resultado (nos crimes materiais ou de resultado); c) nexo de causalidade (nos crimes materiais ou de resultado); d) tipicidade; e) imputação objetiva (elemento normativo implícito).

A ilicitude e a culpabilidade não são afetadas dentro do novo sistema. É certo, porém, que muitos problemas penais que antes eram solucionados sob o prisma da ilicitude passam a ser tratados, com a aplicação da teoria da imputação objetiva, como fatos atípicos (é o caso da violência desportiva, das intervenções cirúrgicas e do consentimento do ofendido).

5 ALGUNS CASOS EM QUE A ADOÇÃO TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA SERIA A “SOLUÇÃO”

A) Fazendo algumas anotações sobre o princípio da insignificância, em seu informativo – Phoenix – o Professor Damásio E. de Jesus[23] faz a seguinte observação:

Hoje, adotada a teoria da imputação objetiva, que concede supremacia ao risco relevante criado pela conduta ao objeto jurídico e reconhece a importância da ofensa jurídica como resultado normativo do crime, esse princípio impede que ingressem no campo penal fatos de lesividade insignificante, considerando a sua atipicidade.

Ao iniciar sua lição com o advérbio “hoje”, o mestre Damásio, voluntariamente ou não, nos passa a impressão de que somente agora, adotando-se a teoria da imputação objetiva, pode-se falar em princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade, como se “ontem” não fosse assim. Ocorre que, muito antes de se dar toda a publicidade que vem recebendo a aludida teoria, já se dizia que quando a conduta do agente produzisse lesões ínfimas aos bens jurídicos que o legislador resolveu proteger, mesmo havendo a perfeita subsunção do fato ao tipo penal abstratamente previsto (tipicidade formal), não se poderia reconhecer a tipicidade material[24], falando-se, por conseguinte, em atipicidade da conduta.

B) O mesmo autor, em outro artigo, intitulado Crime Impossível e Imputação Objetiva[25], publicado no mesmo órgão informativo, consignou o seguinte entendimento:

Hoje, adotada a teoria da imputação objetiva, torna-se claro o fundamento da atipicidade do crime impossível.

Mais uma vez, utilizando-se do advérbio “hoje”, o respeitado autor, data vênia, passa-nos, erroneamente, a impressão de que não fosse a teoria da imputação objetiva, não teríamos como embasar a atipicidade do crime impossível. Entretanto, é o próprio Código Penal, em seu art. 17, que nos autoriza a concluir nesse sentido, quando reza que “não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”.

Além disso, para que uma conduta seja penalmente típica é necessário que tenha afetado[26] algum bem jurídico e, como no crime impossível não se vislumbra qualquer lesão a bem jurídico de terceira pessoa, não se pode, pois, falar em tipicidade (exemplo: a mulher que, desejando praticar aborto, ingere pílula de farinha pensando tratar-se de abortivo). Com a mesma inteligência, discorrendo sobre o princípio da lesividade, Nilo Batista[27] aborda quatro funções do referido princípio, sendo que, duas delas, se amoldam com perfeição à hipótese em tela: “proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor”; “proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico”.

Assim, seja pela literalidade da lei, seja pelo conteúdo do princípio da lesividade, a questão do crime impossível já estava solucionada muito antes da chegada da “inovadora” teoria da imputação objetiva.

C) Suponha-se que um indivíduo, nascido e criado no interior da selva e que veja na caça a sua única fonte de subsistência, tenha uma arma de fogo (sem registro e sem alvará autorizador de seu porte), em sua cabana, no seio da floresta amazônica, onde mora. De acordo com a lei, literalmente interpretada, estaria cometendo o crime previsto no artigo 14 do recente Estatuto do Desarmamento (lei 10.826/03).

Damásio[28] discorda da incriminação da conduta descrita acima, anotando para tanto que:

Essa solução, à luz das teorias da imputação objetiva e da ofensividade, não é correta. A ação de guardar, ou ter em depósito, arma de fogo no interior de residência, nas condições descritas ou similares, não cria risco, efetivo e nem potencial, ao bem jurídico incolumidade pública.

O âmbito de proteção da norma de conduta só é invadido quando o comportamento cria um risco, relevante e juridicamente proibido, ao objeto jurídico. Na espécie, o fato é incapaz de ofender a incolumidade pública, tendo em vista que não causa nenhum perigo efetivo ou potencial à segurança coletiva. É, pois, atípico.

Para consubstanciar seu ponto de vista, o citado mestre valeu-se das teorias da imputação objetiva e da ofensividade (lesividade). No entanto, a primeira é completamente prescindível para a solução do caso. Veja-se que a fundamentação no sentido de que o porte de arma, na situação esboçada no exemplo, não é capaz de colocar em perigo a incolumidade pública, não gerando intranqüilidade social, nem arranhando a segurança coletiva, cinge-se, tão somente, ao âmbito do conteúdo axiológico do princípio da ofensividade (lesividade)[29], não havendo qualquer razão plausível para se invocar o socorro da teoria da imputação objetiva[30].

D) Extrai-se da doutrina de Fernando Capez[31] o seguinte trecho:

Combinado um furto entre dois larápios, o partícipe que ficou do lado de fora da casa, vigiando a cena do crime, não sabe, não prevê e não percebe quando seu comparsa, no interior da residência, começa a estuprar a filha da vítima.Tal não é imputado objetivamente ao partícipe, que apenas quis concorrer para um furto.

Conforme pode-se perceber, o respeitado autor atribui à teoria da imputação objetiva a solução para o correto enquadramento típico da conduta do partícipe. Todavia, nosso Código Penal, no §2°, de seu artigo 29, o qual os penalistas convencionaram denominar de cooperação dolosamente distinta ou desvio subjetivo de conduta, trata do assunto de forma suficientemente específica, in verbis:

§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. (sem grifos no original).

Como resta claro, o desvio subjetivo da conduta levada a efeito pelo autor executor não fará com que o partícipe responda pelo delito por ele não pretendido inicialmente. O seu dolo, o seu liame subjetivo, dizia respeito a concorrer para a prática de um furto e não de um estupro. Assim, nos termos do dispositivo acima transcrito (e não nos termos do conteúdo científico embasador da teoria da imputação objetiva, a qual, também neste caso, é totalmente dispensável), como o dolo do partícipe só alcançava a prática do crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste.

E) Damásio[32], defendendo a adoção da teoria da imputação objetiva, dá o seguinte exemplo:

No bairro de Zahringen, em Freiburg i. Br. na Alemanha, há um bosque conhecido pelo fato de, por razões minerológicas, sucederem-se muitas descargas elétricas durante as tempestades. Numa pequena fortaleza edificada na parte mais alta, há um cartaz em homenagem a um teutão que, nos idos de 1960, morreu fulminado por um raio numa tormenta. Junto à placa, há uma mensagem: “O acesso à torre corre por conta de seu próprio risco. No caso de aproximar-se uma tempestade, deve-se abandonar o monte”. Suponha-se que um filho, para ficar com a herança do pai, conhecedor do perigo, induza-o a visitar a fortaleza no momento em que se aproxima uma tempestade, vindo uma descarga a matá-lo. Aplicada a doutrina causal da conditio sine qua non, responderia pelo resultado por força da equivalência dos antecedentes: eliminado o induzimento, a vítima não iria à fortaleza e não encontraria a morte (princípio da eliminação hipotética).

Em todos os hipotéticos casos semelhantes ao do bosque alemão, aplicando-se rigorosamente a teoria do nexo causal material (teoria da equivalência das condições), os sujeitos respondem por homicídio doloso (...)

Mais uma vez, com todo o respeito ao entendimento esboçado pelo insigne autor, não há a menor necessidade de se invocar a teoria da imputação objetiva para solucionar casos semelhantes ao acima narrado.

Como se sabe, o Código Penal adotou a teoria restritiva do conceito de autor[33], somente sendo considerado como tal aquele que praticar a ação nuclear descrita no tipo. Todavia, as lições doutrinárias mais atuais, têm acenado no sentido de se admitir a teoria do domínio do fato como sendo a que melhor explica os conceitos de autoria (inclusive, e principalmente, a mediata) e de participação, pois, como bem observa o intangível mestre, Rogério Greco[34], “pode acontecer, contudo, que o agente, em vez de ser o autor executor, seja o ‘homem inteligente do grupo’, e a sua função seja limitada a elucubrar o plano criminoso”.

A teoria do domínio do fato[35]

(...) considera que, em princípio, autor é o que realiza a ação descrita no tipo. Mas também faz parte do conceito de autor o comando do curso dos acontecimentos, ou o domínio finalístico do fato.

Assim, tanto é autor o executor material do fato, como o autor intelectual, que organizou e dirigiu a prática do crime.

E partícipes, para a teoria do domínio do fato, seriam aqueles que realizam ação diversa da descrita no tipo, ou que não tenham o domínio finalístico do fato, embora concorram de algum modo para o resultado[36].

(...) identifica quem seja autor ou quem seja partícipe pela relação de domínio exercida sobre a ação típica, isto é, será autor aquele que dominar a realização da ação típica, exercendo controle sobre a continuidade ou paralisação da ação; e será partícipe aquele que, embora colaborando dolosamente para a realização da ação, não a domina[37].

(...) o que possui o manejo dos fatos e o leva a sua realização, é autor; o que simplesmente colabora, sem ter poderes decisórios a respeito da consumação do fato, é partícipe[38].

Com fulcro no que preceitua a teoria do domínio do fato, é absolutamente perceptível que no exemplo fornecido por Damásio, a morte do pai não pode ser atribuída ao filho, haja vista que o resultado advém de forças naturais não domináveis pelo último, não podendo assim ser considerado autor. Ademais, ainda que se busque amparo na teoria que restringe o conceito de autor, ao filho jamais poderia ser dada a pecha de assassino, simplesmente pelo fato de que induzir alguém a visitar um bosque nunca foi (e nunca poderá ser) considerado início de execução do crime de homicídio. Assim, ao contrário do que preleciona Damásio, mesmo sob a égide da teoria da equivalência dos antecedentes, o agente, no exemplo em análise, não responde por homicídio doloso, pelo simples fato de não ser seu autor.

Dessa forma, é de se indagar: onde está a razão de se invocar a teoria da imputação objetiva para resolver os casos semelhantes ao acima transcrito? A nosso juízo, essa razão inexiste, pois, como se vê, as teorias que buscam explicar os conceitos de autoria e participação são totalmente suficientes para tutelar esses casos.

F) Analisemos abaixo mais um exemplo dado por Damásio[39]:

Uma pessoa, atropelada culposamente no trânsito, tendo sofrido somente lesões corporais, é vítima de novo acidente quando transportada ao hospital, vindo a falecer. A morte não pode ser atribuída ao motorista atropelante, uma vez que, ao causar o transporte da vítima ao hospital, não produziu nenhum risco juridicamente reprovável e relevante. O fato de alguém ser transportado em veículo motorizado causa um risco normal.

Em exemplos similares ao retro citado, fica até difícil querer demonstrar a escancarada inutilidade da teoria da imputação objetiva ante a límpida literalidade do §1°, do artigo 13, do Código Penal, o qual trata das chamadas causas supervenientes relativamente independentes, in verbis:

§ 1º - A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou[40].

G) Yuri Santana de Brito Rocha[41], defendendo a adoção da teoria da imputação objetiva, propõe a situação hipotética que se transcreve:

Um pai pediu para seus dois filhos menores auxiliá-lo na reparação ("dar fundo") da cisterna de sua chácara. Os dois filhos entraram na cisterna e sentaram em uma taboa improvisada para que fossem enchendo o balde com os entulhos que entupiam a cisterna, puxando a corda como sinal para o pai suspender o balde quando este estava cheio. Em determinado momento, devido o sol ter mudado de posição, o interior da cisterna ficou muito escuro e os filhos reclamaram da falta de luminosidade ao pai. Este providenciou um holofote alimentado por um gerador de energia a diesel. Ligou o aparelho, que iluminou por completo a cisterna, com o cuidado de posicioná-lo de forma que a fumaça emitida tomasse direção oposta à mesma. Os garotos reiniciaram então a tarefa. O pai, percebendo a demora na emissão do sinal de balde cheio, resolveu olhar para o fundo do poço e percebeu os dois meninos deitados inertes na tábua. Estavam mortos. O laudo pericial constatou que devido à combustão incompleta do combustível, além da água e gás carbônico foi liberado um gás extremamente tóxico, o monóxido de carbono (CO). Como é um gás invisível e sem cheiro, não foi percebido e tomou conta do ambiente onde os garotos se encontravam. Uma quantidade equivalente a 0,4% no ar em volume é letal para o ser humano, em um tempo relativamente curto. Esse gás se combina com a hemoglobina do sangue e esta combinação é extremamente estável. Devido a esta combinação, os glóbulos vermelhos não podem transportar o oxigênio e o gás carbônico, e os tecidos deixam de receber o oxigênio. A morte dos garotos ocorreu por asfixia química.

E arremata a questão nos seguintes termos:

No exemplo citado facilmente percebemos que o fato seria atípico por ausência de previsibilidade objetiva, ou seja, não é exigível do homem médio agir de maneira diversa. Ocorre, porém, que o pai citado era Engenheiro Químico com especialização em Processos Petroquímicos pela Universidade de Bologna, tendo conhecimentos mais que suficientes para prever o resultado fatal. Mesmo assim, segundo a sistemática tradicional o fato seria atípico devido à ausência de previsibilidade objetiva. Ou seja, quando perguntamos se um homem prudente e de discernimento, colocado na situação do agente, teria ligado o gerador, a resposta é positiva. Logo, não existe dever de cuidado necessário objetivamente previsível.

(...)

Parece contrário ao senso comum de justiça permitir a quem, devido seu estado pessoal, tem condições de prever o perigo que se comporte de acordo com o dever de prudência do “homem-médio” que não pode antever o resultado.

Buscando dar solução a tais casos alguns penalistas procuraram a teoria da imputação objetiva (...).O caso dos meninos na cisterna seria mais bem solucionado com base no que preceitua CLAUS ROXIN, um dos grandes sistematizadores da teoria da imputação objetiva.

Segundo a doutrina tradicional, nos crimes culposos, verificada a ausência do requisito da previsibilidade objetiva (fazendo-se a substituição hipotética do agente, no caso concreto, pelo homo medius) o fato será considerado atípico. Todavia, caso esta esteja presente (e de conseqüência a tipicidade da conduta), verifica-se se o agente tinha capacidade de prever o resultado de acordo com alguns fatores, como sua inteligência, educação, sagacidade, etc, (previsibilidade subjetiva). Estando ausente esta, afasta-se sua culpabilidade.

Esta lição tradicional pode acarretar algumas situações extremamente injustas, como a revelada no exemplo em apreço. Porém, novamente, não há qualquer razão para se buscar na teoria da imputação objetiva o corretivo para os casos semelhantes ao narrado. Desde há muito, o saudoso professor Mirabete[42], já demonstrava sua inconformidade com o que propunha a doutrina tradicional sobre a questão da previsibilidade e do fato típico culposo, sem amparar seu posicionamento na teoria da imputação objetiva, sendo esta, também aqui, absolutamente despicienda. Eis o ensinamento do aludido autor sobre a questão:

Essa colocação doutrinária, para nós, não é perfeita. Em primeiro lugar por se fundar a previsibilidade objetiva em uma abstração (homem razoável, homem médio, homem padrão, homem modelo etc.) que não se consegue caracterizar suficientemente. Em segundo porque fica excluída a tipicidade do fato praticado por alguém que, por suas qualificações, tem maiores possibilidades de prever o resultado que o homem comum (um piloto de corridas ou um motorista profissional, em se tratado da previsão com relação aos problemas de trânsito; um eletricista no que diz respeito aos perigos de máquinas movidas a energia elétrica; o químico quanto às substâncias tóxicas etc.). Adotando-se a teoria exposta, não há fato típico se praticado pela pessoa mais qualificada, embora por suas condições pudesse prever o resultado e operar com maiores cuidados do que os exigidos do homem comum. Por essa razão, estamos com Zaffaroni, quando afirma que a previsibilidade deve ser estabelecida conforme a capacidade de previsão de cada indivíduo, sem que para isso se tenha de recorrer a nenhum “termo médio” ou “critério de normalidade” (ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Ob. cit. p. 369). Assim, pode haver ou não tipicidade conforme a capacidade de prever do sujeito ativo. A previsibilidade subjetiva é, para nós, elemento psicológico (subjetivo) do tipo culposo.

Note-se que em momento algum o mestre Mirabete invocou em supedâneo a sua irresignação a teoria da imputação objetiva, pelo que, no exemplo em estudo, não há a menor razão para buscar-se nela a solução para a problemática mencionada.

H) Finalizando este ponto, novamente citando Damásio[43], veja-se mais um exemplo aludido pelo insigne autor:

Se o inimigo do condenado, acompanhando os momentos precedentes à sua execução pelo carrasco, saca um revólver e dispara contra o sentenciado, matando-o, não deve ter sua conduta considerada causa do resultado, pois este se daria de qualquer modo. Teria havido um curso causal hipotético impeditivo.

Com todo o respeito que merece o mencionado doutrinador, a conclusão a que ele chega na situação em tela é completamente absurda! Não há a menor dúvida de que o inimigo da vítima condenada, que se antecipa ao carrasco, está gerando o resultado, sendo sua conduta a causa da morte do sentenciado. Por ser assaz esclarecedora, cita-se a lúcida doutrina de Nucci[44]:

Note-se que o resultado ocorreu, da forma como se deu, graças a sua atitude, que, desautorizado pelo Estado, executou o condenado. Poderia ter havido, em tese – já que, em exemplos tudo é permitido -, uma contra-ordem, à última hora, concedendo graça ao sentenciado, de modo que o carrasco não o teria executado. Houve nexo causal e dolo, caracterizando-se o homicídio. Por outro lado, invocar que o resultado poderia ocorrer de qualquer modo, seria uma autorização em branco para que pessoas agissem em lugar do Estado, abstendo-se de seguir as leis e, chamando a si a capacidade de interferência no curso causal dos acontecimentos.

Da forma como Damásio expõe seu ponto de vista sobre o caso, o inimigo de alguém que fosse condenado à pena de morte poderia se colocar em espera do ritual de execução em praça pública para, alimentando seu ódio pelo sentenciado, assassiná-lo, em antecipação ao agente do Estado autorizado a tal fim. Essa solução, como pode-se perceber, data vênia, é totalmente desarrazoada.

6 O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE REGRESSOS NA VISÃO DE JAKOBS

Imagine-se a seguinte situação: A, pretendendo matar B, se dirige a um ponto de táxi e revela ao motorista todo seu intento criminoso. Mesmo ciente do objetivo pelo qual A procurara seus serviços, o taxista (que também odiava B) segue viagem levando o agente ao local onde encontraria a vítima (desejando e esperando a consumação do crime). Pergunta-se: ao taxista poderá ser imputada a prática do homicídio?

Pautando-se nos ensinamentos de Jakobs sobre a teoria da imputação objetiva, na vertente correspondente à proibição de regresso (uma conduta inicialmente lícita não pode conduzir à responsabilização do agente por resultados ilícitos posteriores e cometidos por terceiros, embora relacionadas), se as pessoas se limitarem a agir de acordo com os papéis sociais aos quais foram incumbidas de desempenhar (o taxista tem o papel de dirigir adequadamente; o padeiro de vender pães; o dono da concessionária automobilística de vender carros, etc.), ainda que venham a contribuir para o cometimento de alguma infração penal, não poderão ser responsabilizadas. São essas as palavras do autor[45]:

Estas hipóteses se podem tentar solucionar partindo do fato de que elementos tão cotidianos como um alimento, ou algo que se possa definir arbitrariamente como motivo de um delito, ou uma possibilidade de transporte, sempre estão disponíveis, de modo que a proibição deste tipo de contribuições não é suscetível de evitar, de fato, o comportamento do autor.

Não obstante, na melhor das hipóteses, este modo de argumentar só acertaria pela metade, pois é certo que pode suceder que no caso concreto fosse possível evitar o comportamento do autor. Mas, inclusive se isto ocorresse, e aqui o ponto decisivo, a contribuição do terceiro não só é algo comum, mas seu significado é de modo invariavelmente considerado inofensivo. O autor não pode, de sua parte, modificar esta definição do significado do comportamento, já que de qualquer modo o terceiro assume perante o autor um comportamento comum limitado e circunscrito por seu próprio papel; comportamento comum e do qual não se pode considerar seja parte de um delito.

Desse modo, na proposta de Jakobs, mesmo que o taxista soubesse da finalidade ilícita do tomador de seus serviços, não poderia responder pela infração penal, pois que a atividade de fazer as corridas solicitadas pelos clientes, seja qual for sua utilização, consiste exatamente no papel a ser desempenhado pelo primeiro.

Se, no mesmo exemplo, aplicássemos o processo hipotético de eliminação de Thyrén, teríamos que a conduta do taxista é conditio sine qua non para a produção do resultado. Dessa forma, pode-se falar na presença do nexo objetivo entre a corrida e o homicídio, afinal, sem ela a morte não aconteceria da maneira como ocorreu.

Entretanto, embora tenha havido nexo de causalidade, mesmo com base na doutrina tradicional e seus consectários, é de todo equivocada a afirmação de que ao taxista poderá ser imputada a prática do homicídio. O fato de o último desejar e esperar a consumação do crime, de torcer para que isto ocorra, não nos autoriza dizer que houve adesão de vontade (liame subjetivo), requisito indispensável ao concurso de pessoas. Além disso, desejar, esperar e torcer são sentimentos eminentemente internos e, no escólio de Nilo Batista, uma das funções do princípio da lesividade é exatamente a de “proibir a incriminação de uma atitude interna”[46].

CONCLUSÃO

No decorrer da realização deste artigo foi feita uma abordagem introdutória sobre a relevância que o mundo jurídico tem dado a teoria da imputação objetiva.

Em seguida, passou-se ao desenvolvimento do trabalho propriamente dito, analisando-se primeiramente a teoria da equivalência dos antecedentes causais, adotada por nosso Código Penal[47] no que tange a determinação do nexo de causalidade, e algumas críticas a ela feitas.

Depois, fez-se um esboço do que propõe e para que serve a teoria da imputação objetiva. Expôs-se alguns casos em que a doutrina, defensora de sua adoção, enxerga nela a “solução” para a elucidação de alguns problemas, os quais, como procurei demonstrar, já estavam (e estão) satisfatoriamente resolvidos. Nessa esteira, observa Rogério Greco[48] que “na verdade, a teoria da imputação objetiva, embora muito atraente, encontra resistências, visto que algumas de suas soluções podem e continuam a ser dadas por outros seguimentos teóricos”[49].

Antes do arremate, faz-se necessário dizer que os próprios defensores da teoria da imputação objetiva não chegam a um consenso sobre como e quando aplicá-la. Os autores que a sustentam analisam vários exemplos em que, para os mesmos casos, alguns sugerem a punição enquanto outros a refutam[50].

Insta observar, por fim, que a proposta central deste trabalho foi a de demonstrar que um possível acolhimento da combatida teoria por nossa legislação ou que uma possível aceitação irrestrita de suas idéias pela doutrina, longe de se revelar imprescindível para o direito penal moderno, é por demais desnecessária. Que uma coisa fique bem clara: não procurei advogar a tese de que a teoria da imputação objetiva seja imprestável para solucionar os casos apontados no desenvolver deste artigo. O que tentei demonstrar foi que nosso arcabouço jurídico-penal já conta com institutos bastante suficientes para a resolução de tais situações.

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ZAFFARONI, E. Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de direito penal brasileiro – Parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

Notas:

 

 

[4] Cf. JESUS, Damásio de. A doutrina brasileira e a teoria da imputação objetiva – alguns posicionamentos. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, dezembro de 2002. Disponível em: .

[5] Cf. Julio Fabbrini MIRABETE. Manual de Direito Penal – Parte Geral, p. 110-111.

[6] Por não interessarem diretamente ao objeto deste trabalho, as três primeiras teorias não serão abordadas.

[7] Há na doutrina quem sustente que não se deve a Stuart Mill e Von Buri a gênese da formulação dessa teoria, como se tem afirmado corriqueiramente, mas sim a Julius Glaser.

[8] Há quem defenda na doutrina que o critério da eliminação hipotética não provém do sueco Thyrén, mas sim de Julius Glaser.

[9] A exemplo de André ESTEFAM. Direito Penal 1 – Parte Geral, p. 59.

[10] Rogério GRECO. Curso de Direito Penal – Parte Geral, p. 236.

[11] Op. Cit., p. 112.

[12] 6ª ed., p. 157, 2003, publicado pela Editora Saraiva

[13] A exemplo da análise do elemento subjetivo, do princípio da insignificância, da adequação social da conduta, da teoria do domínio final do fato, da cooperação dolosamente distinta, etc.

[14] Como aduz Fernando CAPEZ, o sistema da dupla causalidade alternativa “ocorre quando duas ou mais causas concorrem para o resultado, sendo cada qual suficiente, por si só, para a sua produção” (Curso de Direito Penal – Parte Geral, p. 157).

[15] Citado por José Cerezo MIR, apud Rogério GRECO, op. cit. p. 237.

[16] Op. cit. p. 158.

[17] Op. cit., p. 239.

[18] Exatamente nesse sentido é o ensinamento do professor MORAIS, Abel Cardoso. Direito Penal, p. 18.

[19] Com base na obra de Richard Honig, Causalidade e Imputação Objetiva, trazida a público em 1930, Claus Roxin e Günther Jakobs desenvolveram e aprimoraram a teoria em apreço, tornando-se, assim, seus principais ícones. No Brasil, seu defensor mais árduo talvez seja Damásio E. de Jesus.

[20] Rogério GRECO, op.cit., p. 257.

[21] Paulo QUEIROZ, apud Rogério GRECO, op. cit., p. 257-258.

[22] Op. cit., p. 61-62.

[23] Alcance do princípio da insignificância. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, agosto de 2002. Disponível em: .

[24] Quando o legislador penal chamou para si a responsabilidade de tutelar determinados bens, como, por exemplo, o patrimônio, não quis abarcar todo e qualquer tipo de bem material, não importando seu valor. Ao tipificar o furto, obviamente, não o fez pensando em reprimir a conduta daquele que surrupia um palito de dente.

[25] Outubro de 2001. Disponível em: .

[26] Para ZAFFARONI e PIERANGELI, “a afetação jurídica é um requisito da tipicidade penal” (Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. p. 563).

[27] Apud Rogério GRECO, op. cit. p. 56.

[28] Possuir arma de fogo em casa, sem registro, configura crime?. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, dezembro de 2001. Disponível em: .

[29] Cf. letra B supra.

[30] O próprio Supremo Tribunal Federal recentemente decidiu questão semelhante a tratada no exemplo sugerido na letra “C”, decidindo pela atipicidade da conduta de portar arma desmuniciada (e sem possibilidade de sê-la municiada prontamente), invocando em fundamentação tão somente o princípio da ofensividade, não mencionando, nem de longe, a teoria da imputação objetiva. Conferir Boletim Informativo do STF n° 349 e as “transcrições” do voto vencedor, da lavra do Min. Sepúlveda Pertence, consignadas no Boletim Informativo n° 385, do mesmo Tribunal.

[31] Op. cit., p. 168-169.

[32] Direito Penal – Parte Geral, p. 279.

[33] Nesse sentido, dentre vários outros: ESTEFAM. op. cit., p. 141;  MORAIS. op. cit., p. 45; NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado, p. 248; MRABETE, que também é adepto da teoria restritiva complementada pela idéia da autoria mediata, adverte, todavia, que “segundo boa parte da doutrina, porém, o Código, na reforma de 1984, diante da aceitação da teoria finalista da ação, passou a adotar a teoria do domínio final do fato” (op. cit., p. 231).

[34] Op. cit., p. 479.

[35] Tem tido cada vez mais ressonância também na jurisprudência (STJ, 5.ª T., HC n. 20.819/MS, rel. Ministro Felix Fischer, v. u., j. em 2.5.2002; TJSP, in IBCCrim. – SP29/99).

[36] FUHRER, Maximiluanus C. A. e FUHRER, Maximiliano R. E., Resumo de Direito Penal, p. 90.

[37] PACHECO, Wagner Brússolo, apud MIRABETE, op. cit., p. 231.

[38] BACIGALUPO, apud Rogério GRECO, op. cit., 479.

[39] Op. cit., p. 285.

[40] Sobre este dispositivo, ensina Fernando GALVÃO: “No Código Penal Brasileiro, o §1° do art. 13 acolhe fórmula restritiva dos efeitos da teoria da equivalência, em franca concessão à teoria da causalidade qualificada. (...) Fica aqui evidente que a imputação do resultado mais grave não acontece, apesar de ter-se identificado uma de suas causas. Nos termos da equivalência dos antecedentes, a causalidade se apresenta. A imputação (responsabilidade), no entanto, é afastada pela relevância da causa superveniente” (Imputação Objetiva, p. 53-54).

[41] ROCHA, Yuri Santana de Brito. Imputação objetiva e fato típico culposo. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 84, 25 set. 2003. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4252.

[42] Op. cit., p. 148, nota de rodapé n° 2.

[43] Imputação Objetiva, p. 31.

[44] Op. cit., p. 135.

[45] JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no direito penal, p. 27-28.

[46] Apud Rogério GRECO, op. cit., p. 56. Vale ainda transcrever a lição de GRECO na referida obra (p. 57): “A primeira das vertentes do princípio da lesividade pode ser expressa pelo brocardo latino cogitationis poenam nemo patitur, ou seja, ninguém pode ser punido por aquilo que pensa ou mesmo por seus sentimentos pessoais. Não há como, por exemplo, punir a ira do agente ou mesmo a sua piedade. Se tais sentimentos não forem exteriorizados no sentido de que produzam lesão a bens de terceiros, jamais o homem poderá ser punido por aquilo que traz no íntimo do seu ser. Seria a maior de todas as punições”.

[47] Nesse sentido, NUCCI (p. 137): “Por ora, parece-nos mais eficiente e menos sujeita a erros a teoria da equivalência dos antecedentes, adotada expressamente, pelo direito penal brasileiro, mantendo-se, para sua aplicação, a ótica finalista”.

[48] Op. cit., p. 266.

[49] Convém citar a precisa crítica feita por Luiz Régis PRADO: “A imputação objetiva do resultado enseja um risco à segurança jurídica e, além disso, conduz lentamente à desintegração da categoria dogmática da tipicidade (de cunho altamente garantista), não delimita os fatos culposos penalmente relevantes e provoca um perigoso aumento dos tipos de injusto dolosos. (...) Longe de obter a uniformização dos critérios de imputação e a necessária coerência lógico-sistemática, a teoria da imputação objetiva do resultado introduz verdadeira confusão metodológica, de índole arbitrária, no sistema jurídico-penal” (...) (Curso de direito penal brasileiro, v. 1, p. 282). E ainda a lição de Cezar Roberto BITENCOURT: “Sintetizando, seus reflexos devem ser muito mais modestos do que o furor de perplexidade que está causando no continente latino-americano. Porque, a única certeza, até agora, apresentada pela teoria da imputação objetiva é a incerteza dos seus enunciados, a imprecisão dos seus conceitos e a insegurança dos resultados a que pode levar! Aliás, o próprio Claus Roxin, maior expoente da teoria em exame, afirma que ‘o conceito de risco permitido é utilizado em múltiplos contextos, mas sobre o seu significado e posição sistemática reina a mais absoluta falta de clareza’” (Erro de tipo e erro de proibição – uma análise comparativa, p. 20-21).

[50] Essa “confusão” criada pelos adeptos da combatida teoria é claramente demonstrada por NUCCI, p. 133-138.

(Elaborado em 06/2005)

 

Como citar o texto:

VIEIRA, Vinícius Marçal..A desnecessidade da Teoria da Imputação Objetiva. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 165. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/1042/a-desnecessidade-teoria-imputacao-objetiva. Acesso em 13 fev. 2006.

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