INTRODUÇÃO

Abordamos neste trabalho um interessante tópico absorvido pelo direito constitucional, a saber as normas constitucionais.

Como veremos, as normas presentes na constituição não possuem uma isonomia quanto a sua eficácia, existem degraus nesta capacidade de produzir efeitos práticos. Sendo que isso suscita grandes discussões e teorias acadêmicas, que serão objeto de nosso estudo ao longo deste trabalho.

É de fundamental importância o estudo da normatividade constitucional, enquanto efeitos práticos, ou seja, o que poderá produzir no mundo fático. Por este enredo trilharemos no estudo dos efeitos dessas normas através de sua eficácia e aplicabilidade.

A eficácia normativa terá uma especial ênfase e será abordada minuciosamente e pelo enfoque semiológico que abrangerá o pragmatismo conexo à sintática e semântica.

Como dito anteriormente, é fundamental que alcancemos o objetivo de vislumbrarmos os efeitos práticos e efetivos das normas ou da sua letra. Tentar-se-á sair das abstrações científicas para se alcançar a aplicabilidade (latu sensu) dos preceitos constitucionais.

Ainda com respeito à problemática da eficácia, lançaremos mão do expediente didático da semiologia, sendo esta um poderoso instrumento para se tentar conceituar da maneira mais precisa esse tema..

Importante notarmos que Maria Helena Diniz prima pela exatidão de seus conceitos ao utilizar a semiologia enquanto estudo das significações literais de cada vocábulo em cada contexto. Ou seja a relação semiológica entre o sinal tem realmente um papel fundamental num ordenamento jurídico que possui preceitos escritos sob forma de vocábulos.

Portanto é bastante pertinente esse cuidado que a autora desprende e recomenda quanto o estudos mais aprofundados dos signos ou palavras em um corpo jurídico. Sob pena de enveredar-se por interpretações errôneas que levariam a um colapso do sistema jurídico.

Teremos a oportunidade de analisar as três dimensões da semiose: a sintática, a semântica e a pragmática . Todos igualmente importante, sendo que esta última, a pragmática, revela uma importância distinta ao relacionar símbolos lingüísticos com indivíduos, onde a utilização de uma expressão contextualizada comunicacionalmente pode provocar uma alterações na estrutura de seu conceito.

Veja que isso é de uma subjetividade fascinante e que precisa ser alcançado pelos olhos dos operadores do direito, que são na verdade operados de signos ou símbolos lingüisticos.

Trataremos também de fazer algumas distinções conceituais, entre eficácia e vigência com o objetivo de se afastar quaisquer dúvidas. Esse ponto deve ser tratado com bastante cuidado em razão de algumas peculiaridades que envolve.

E com efeito existe a premissa de que uma norma pode ter vigência e não ter eficácia e surpreendentemente a recíproca não é verdadeira.

Na problemática em epígrafe, veremos também a figura das lacunas ontológica e axiológica, que dez diz respeito ao envolvimento das normas com o meio social. Esse envolvimento é uma questão de ordem prática e lógica . Vejamos que as normas são editadas para conviverem no seio da sociedade, e diga-se de passagem, serem respeitadas por esta última. "É necessário que o texto constitucional tenha embasamento na realidade facto-social ". No entanto, isso nem sempre ocorre surgindo a figura da lacuna ontológica. Esse exemplo é para nos aproximar da importância se ter uma norma em consonância com a realidade fática.

Ainda no campo das normas veremos a sua classificação em função de sua eficácia, com a acareação em relação a vários autores suas semelhanças conceituais e outros .

Finalmente falaremos das maneiras de se emendar ou revisar uma constituição, enfocando os óbices legais e os mecanismos necessários para fazê-lo, sem prejuízo da rigidez das normas constitucionais.

 

 

 

CAPÍTULO I

 

 

 

1.A NORMA CONSTITUCIONAL

 

 

 

Com respeito às normas constitucionais é importante definirmos a sua importância dentro do ordenamento jurídico, principalmente a sua superioridade em relação às demais normas. A supremacia da norma se faz necessária para que tenhamos segurança e estabilidade no seio da sociedade, mediante esta superioridade e imutabilidade.

Assim torna-se necessário o chamado controle de constitucionalidade, que é a principal função dos órgãos jurisdicionais.

O controle da constitucionalidade surge para impedir a subsistência da eficácia da norma contrária à Constituição, pressupondo, necessariamente, a idéia de supremacia constitucional, pois na existência de uma seqüência normativa, onde é a Constituição a norma-origem, encontra o legislador seu limite, devendo obedecer à forma prevista e ao conteúdo anteposto. Por isso, ato normativo contrário ao texto constitucional será considerado presumidamente constitucional até que por meio de mecanismos previstos constitucionalmente se declare sua inconstitucionalidade e, conseqüentemente, a retirada de sua eficácia, ou executoriedade

Diante dessa superioridade da norma constitucional, ou ainda, da sua rigidez , surge a ploblemática de reforma emenda ou revisão, porque a norma precisa atender aos anceios da sociedade, acompanhar os desenvolvimentos sociais pois do contrário perderia sua essência. Entretanto tais modificações devem seguir certas formalidades que a própria constituição prevê.

Daí decorrem do princípio da supremacia constitucional a reforma e o controle da constitucionalidade .

 

 

 

2. O CONCEITO DE EFICÁCIA SOB O ENFOQUE SEMIOLÓGICO

 

 

 

São muitos os conceitos, os enfoques e as abordagens em que podemos submeter o princípio da eficácia , as teorias contemporâneas têm dado maior importância ao requisito terminológico.

Muitos doutrinadores procuram tornar equivalentes o conceito de eficácia vigência e positividade, contudo e necessário distingüi-los.

A doutrina geral do direito, senão também o direito constitucional, discutem os problemas da vigência, positividade e eficácia do direito. Quando se fala da existência de direito, os juristas costumam aludir à mesma com os nomes de positividade, observância, faticidade, efetividade, exeqüibilidade, vigência, ou seja, uma nomenclatura diversificada.

A doutrina ergológica do direito de Carlos Cóssio, em sua obra Teoria da verdade jurídica, elimina do plano a questão, apenas distinguindo entre vigência e validade do direito , no que concerne à sua existência. Pretende que, em tal faixa de compreensão, as palavras positividade, vigência, eficácia, observação faticidade e efetividade são expressões jurídicas sinônimas.

A doutrina do sociologismo jurídico se orienta de maneira diferente, identificando vigência com eficácia . Vigente é neste sentido, "o direito que obtém, em realidade aplicação eficaz o que se retirou da conduta dos homens em sociedade e não o que se obtém da fria letra da lei, sem ter conseguido força real suficente para impor-se aos homens em sociedade.

Não obstante uma observação mais apurada nos leva a crer que vigência e eficácia são conceitos diferentes. O direito vigente é a norma ou o conjunto de normas promulgadas e publicadas regularmente para entrar em vigor em determinada época, é axistência específica de uma norma.

A eficácia do direito, por conseguinte, como conceito diverge da positividade e da vigência; é o poder da norma jurídica de produzir efeitos, em determinado grau; em maior ou menor grau, concerne à possibilidade de aplicação da norma e não propriamente à sua efetividade.

Esse significado de eficácia a distingue, ao mesmo tempo, de vigência e, mesmo, de positividade: aquela respeita à norma existente, em dada circunstância história; esta representa a característica do direito regente da conduta humana. Assim, utilizando o exemplo de Maria Helena Diniz, o art. 226,§ 3º, da Constituição, verbalizando o reconhecimento da união estável entre homem e mulher e prevendo facilidades na sua conversão em casamento, configura uma norma vigente, mas sua eficácia depende de lei que delimite a forma e requisitos para semelhante conversão. E, como se notou, uma coisa consiste na possibilidade de aplicar a regra, outra, e bem diversa, sua efetiva aplicação e observância. A positividade diz respeito à realidade empírica, compreendendo, portanto, as duas pontas da fenomenologia do Direito.

Mas voltando a semiologia será sob este enfoque que trataremos mais detalhadamente o conceito de eficácia. Como sabemos a semiologia analisa o âmbito ideológico das informações, observa a significação sintática dos signos no seu exato entendimento.

Assim na semiose temos sempre relacionados o signo, o objeto denotado pelo signo e determinadas pessoas. Temos na semiótica três dimensões:

a) Sintática, que estuda os signos ou símbolos lingüísticos relacionados entre si mesmos, prescindindo dos usuários e das designações.

b) Semântica, que encara a relação dos signos, ou sinais, com os objetos extralingüísticos. Trata dos signos e dos objetos denotados.

A relação semântica vincula as afirmações do discurso com o campo objetivo a que este se refere.

c) Pragmática, que estuda os símbolos lingüístícos, suas significações e as pessoas ligadas à semiose. É a parte da semiótica que cuida relação dos signos com os usuários. Parte-se da idéia de que os fatores intencionais dos usuários podem provocar alterações na relação designativa-denotativa dos significados das palavras ou expressões. Quando se utiliza uma expressão num contexto comunicacional, pode-se provocar uma alteração na estrutura conceitual. A ideologia pode ser tida como uma dimensão pragmática da linguagem, por encontrar-se presente no discurso natural e por constituir um sistema de evocações contextuais surgidas no uso pragmático do discurso científico. Como nos ensina Tércio Sampaio Ferraz Jr., a pragmática não é uma espécie de procedimento analítico meramente adicional às análises semântica e sintática, nem uma teoria da ação locucionária (do ato de falar) que encara o falar como forma de ação social, mas uma lingüística do diálogo, por tomar por base a intersubjetividade comunicativa, tendo por centro diretor da análise o princípio da interação, ocupando-se do ato de falar enquanto uma relação entre emissor e receptor, na medida em que for mediada por signos lingüisticos.

 

 

 

3. A LACUNA TÉCNICA COMO UM PROBLEMA NA EFICÁCIA JURÍDICA

 

 

 

Há efeitos ligados à relação sintática entre o que prescreve o preceito (signo) e outras normas (signos) do sistema normativo.

Dessa forma eficácia seria a capacidade técnica da norma constitucional para produzir efeitos jurídicos concretos. A eficácia (no sentido jurídico), ligando-se às condições de atuação da norma constitucional ou de sua dependência de outras normas para tanto, prescindindo da relação para os comportamentos de fato ocorridos, não necessitando de ser obedecida efetivamente para produzir efeitos.

Do ponto de vista jurídico a norma só poderia ser aplicada se for ela vigente, legítima e se tem eficácia. Logo, seriam condições gerais de sua aplicabilidade a sua vigência, eficácia e legitimidade. Uma norma só será aplicável se for eficaz. Para que haja aplicabilidade, a norma deverá ser capaz de produzir seus próprios efeitos jurídicos.

Retomando a semiologia , e de acordo com esta , Maria Helena Diniz verbaliza, com muita propriedade, que a norma constitucional será sintaticamente eficaz se apresentar as condições técnicas de sua atuação, ou de aplicabilidade, por estarem presentes os elementos normativos idôneos, nela contidos ou em outra norma, para adequa-la à produção de efeitos jurídicos concretos, sem qualquer relação de dependência de sua observância, ou não, pelos seus destinatários.

Por exemplo, a Constituição Federal, que estabelece como direito do trabalhador o repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos (art. 7.°, XV); que dispõe que o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, sendo que cada legislatura terá a duração de quatro anos (art. 44 e parágrafo único) ;...

Podemos concluir que a falta de regulamentação torna a norma constitucional sintaticamente ineficaz. Nascendo daí a Lacuna Técnica.

 

 

 

3.1. MEIOS DE SE SUPRIR AS LACUNAS TÉCNICAS

 

 

 

O que veremos agora é justamente o remédio jurídico para se sanar a ausência de uma norma imprescindível para que outra produza seus efeitos jurídicos. Exemplificaremos o mandado de injunção neste sentido.

A Constituição Federal, , prescreve: "Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania". Assim teve por objetivo, na falta de regulamentação subseqüente, requerida constitucionalmente, o adimplemento dessa prestação pelo Poder Judiciário, que deverá, então, solucionar o caso em questão, em que a ausência de normação ulterior impossibilitou o exercício de algum direito contemplado pelo preceito constitucional.

Irineu Strenger nos diz que o uso desse remédio jurídico está permitido, desde logo, a todo aquele que apontar um nexo causal entre a omissão legislativa e a inviabilidade de exercer os direitos constitucionalmente previstos, sem exceção de quaisquer deles, dado que a abrangência entrevista no texto é total. Daí propor o seguinte conceito: "Mandado de injunção é o procedimento pelo qual se visa obter ordem judicial que determine a prática ou a abstenção de ato, tanto da administração pública, como do particular, por violação de direitos constitucionais fundada na falta de norma regulamentadora".

Vejamos um exemplificador acórdão :

AGRMI-81 / DF/ AG. REG. EM MANDADO DE INJUNCÃO .

Relator : Ministro CELSO DE MELLO

Publicação: DJ DATA-25-05-90 PG-04603 EMENT VOL-01582-01 PG-00038 RTJ

VOL-00131-03 PP-00963 / Julgamento: 20/04/1990 - TRIBUNAL PLENO

Ementa

mandado de injuncão - situação de lacuna técnica - pressuposto essencial de sua admissibilidade - pretendida majoração de vencimentos devidos a servidores públicos - alteração de lei já existente - inviabilidade - agravo regimental improvido. a estrutura constitucional do mandado de injunção impõe, como um dos pressupostos essenciais de sua admissibilidade, a ausência de norma regulamentadora. Essa situação de lacuna técnica - que se traduz na existência de um nexo causal entre o yacuum juris e a impossibilidade do exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes a nacionalidade, a soberania e a cidadania - constitui requisito necessário que condiciona a própria impetrabilidade desse novo remédio instituído pela constituição de 1988. o mandado de injunção não constitui, dada a sua precípua função jurídico-processual, sucedâneo de ação judicial que objetive, mediante alteração de lei já existente, a majoração de vencimentos devidos a servidores públicos.Refoge ao âmbito de sua finalidade corrigir eventual inconstitucionalidade que infirme a validade de ato estatal em vigor.

Observação:

VOTAÇÃO: UNÂNIME. RESULTADO: IMPROVIDO.

VEJA MI-24. N. PP.: (24). REVISÃO: (NCS).

ALTERAÇÃO: 31.03.94, (LA).

Obs: Sempre que ocorrer a falta de legislação infraconstitucional o juiz não poderá se furtar a decidir, mas aplicará o citado artigo 5º, LXXI DA C.F., preenchendo-se assim a lacuna.

 

 

 

 

 

4. OS EFEITOS DA NORMA CONSTITUCIONAL EM RAZÃO DA SUA LIGAÇÃO COM O MUNDO FÁTICO

 

 

 

Eficácia social

 

 

 

A eficácia social diz respeito à relação semântica da norma (signo) não só com a realidade social a que se refere, mas também com os valores positivos (objetos denotados).

E ainda, de acordo com a semântica - que liga diretamente a eficácia à obediência de fato - a norma constitucional só seria eficaz se cumprida e aplicada concretamente.

Podemos deduzir que a norma constitucional será eficaz, semanticamente, se tiver condições de fato de atuar, por ser adequada à realidade social e aos valores positivos, sendo por isso obedecida. Vemos aqui mais uma vez a íntima ligação com a obediência. A incidência da norma constitucional sobre a realidade fático-social e os valores objetivos, ou positivos, está relacionada com sua aplicabilidade, isto é, com sua aptidão para reger determinadas situações previstas no discurso normativo, tão logo elas ocorram.

Podemos dizer sem sermos repetitivos que a eficácia consiste no fato real da aplicação da norma, sendo de caráter experimental. Uma vez que depende do cumprimento por parte de uma sociedade.

Ainda de acordo com a semântica, a norma constitucional eficaz seria a de fato obedecida, por ser aplicada concretamente, visto ser adequada à realidade social e aos valores positivos. Por outras palavras, considerar-se-á eficaz o preceito constitucional que encontrar na vida social e nos valores objetivos as condições de sua obediência sendo efetivamente aplicada, ou observada, pelos órgãos com competência normativa. Requisito essencial da eficácia social seria, portanto, a efetividade da aplicação jurídica, pois somente se verificaria na hipótese da norma, com potencialidade para regular cenas relações, ser de fato aplicada a casos concretos .

 

 

 

É necessário que o texto constitucional tenha embasamento na realidade fático-social, para que seja obedecido, todavia contém disposições que não podem ser aplicadas, por exemplo, os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais arrolados no art. 7º, IV, IX, XVIII etc., não teriam eficácia socialmente se as estruturas políticas atuais fossem mantidas, visto que seriam imprescindíveis certos mecanismos de pressão, que obtivessem maior participação na economia. Nestas hipóteses a norma constitucional terá eficácia jurídica (sintática), embora não possua a social (semântica), por não ser efetivamente aplicada, já que está desligada da realidade social. Surgirá, então, a lacuna ontológica. Para que não se opere essa modalidade de lacuna, a norma constitucional deverá refletir a relidade social, evitando-se, assim, o perigo de um desvio entre o social e o jurídico, que levada à sua ineficácia semântica por falta de sintonia com a coletividade, que conduzirá à sua inaplicabilidade

Urge que não esqueçamos de fazer alusão a uma exata configuração da questão eficacial a estreita conexão existente entre sistema e ideologia que refletirá também no problema das lacunas. "Deveras, se toda norma, momento de síntese de fato e valor, representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor, o sistema jurídico numa dada situação fática deverá proceder a uma simplificação, ou seja, neutralizar o valor por meio da ideologia, que fixará a norma, dando-lhe um cerne axiológico, eliminando outras possibilidades de tal sorte que o valor subjetivo passará a ser objetivo."

A ideologia seria, portanto, o núcleo da problemática epistemológica no que atina aos meios de controle social, garantidores da realização efetiva de valores positivados, Ou seja, da valoração vigente na sociedade atual, que é regida normativamente. Se houver inadequação do texto constitucional em relação a um valor objetivo ter-se-á figura da lacuna axiológica, pois não haverá sua obediência, ou aplicação pelo órgão competente, sendo, então, inefetivo semanticamente.

A norma constitucional, será eficaz se ela for, portanto, obedecida e aplicada pela autoridade, porque se adapta à realidade fático-social e aos pontos de vista valorativos da sociedade que visa disciplinar. Eis porque a epistemologia deverá averiguar se há no preceito constitucional aquela correspondência com os fatos e valores.

5. OUTRA DEFINIÇÃO PARA "EFICÁCIA CONSTITUCIONAL" E A TEORIA DA BIPOLARIDADE EFICACIAL

 

 

 

Voltando ao ponto de vista pragmático o ligando-se ao sintático e semântico, poder-se-á concluir que a norma constitucional será eficaz se puder atender às condições que estabeleceu, ligando-as, ou não, a outras normas do ordenamento, sendo que o fato da não observância pelas pessoas a que se destina integra-se nessa relação. Veremos que deste conceito surge a teoria da bipolaridade eficacial que pode ser positiva ou negativa.

Dentro do fenômeno eficacial positivo temos os de tipo:

a) Total, o poder constituinte elabora preceitos constitucionais sem adiamentos de sua eficácia para ocasiões que mais lhe adeqüem e os destinatários normativos concretizam os efeitos jurídicos por eles visados, obedecendo-os. O poder constituinte e os órgãos públicos atuam, de acordo com a consciência social ou com o mundo fático. Essa contingência da efetividade político-normativa revela os valores positivos e a realidade social subjacente, que, por se apresentarem como dados referenciais, consistem em parâmetros para a concreção dos efeitos jurídicos almejados pela norma constitucional.

b) Parcial, quando o constituinte, para atender questões políticas, adia, ou suspende, os efeitos do texto constitucional para o futuro (surge a lacuna técnica) , ou quando emite norma constitucional que sabe poder ser desobedecida , mas o faz.

O fenômeno eficacial negativo, por sua vez, pode ser do tipo total ou parcial:

a) Total, se nascer uma nova constituição por ato revolucionário, ou por nova Assembléia Constituinte. Haverá outro direito;

b) Parcial, quando a norma cai em desuso, que prevalecerão sobre as normas positivas preexistentes.

Hipótese em que surge na análise eficacial o problema epistemológico da natureza do direito costumeiro, da revogação pelo desuso, por não ser a norma aplicada, devido a falta de absoluta correspondência aos fatos sociais e aos valores objetivados. Haverá, como ensina Miguel Reale, um desgaste normativo, uma erosão por força do processo vital dos usos e costumes, que, transformando a norma, ajusta-a às necessidades da existência coletiva.

 

 

 

CAPÍTULO II

1. CONSTITUIÇÃO - REFORMA MEDIANTE REVISÃO E EMENDA

 

 

 

É pacífica a idéia de a constituição não pode ser algo imutável, ao contrário deve sim sofrer mudanças para que sua aplicação se torne efetiva. Isso ocorre na medida em que as normas acompanhem as evoluções históricas e sociais pois se isso não ocorrer essas normas se tornarão múmias do ordenamento jurídico . E veremos que essas mudanças surgem com a necessidade do próprio povo, como o diz Pontes de Miranda:

"Quando uma Constituição veda a revisão em determinado ponto, só juridicamente o veda. Fora da imanência jurídica, quando se passa a terreno juridicamente transcendente, torna-se quebrável o preceito (exemplo: revolução, armada ou não; sem que isto signifique considerar-se ato do Estado a revolução). Enquanto não se parte o jato da ordem jurídica, o texto é imperativo. Mas o jacto pode partir-se, quer pela mudança do poder estatal (consistia, por exemplo, na vontade de alguns e passou a consistir na vontade do povo), quer pela mudança radical da opinião do mesmo povo". Os golpes de Estado e as revoluções vitoriosas derrubam a Constituição, mas ocorre que continuam de pé as leis ordinárias que não forem de encontro com os princípios revolucionários ou não forem revogadas por declaração explícita ou implícita. Todavia, isto não obsta a que a Constituição seja mantida se o poder revolucionário julgar conveniente, revogando apenas as disposições que entravarem a ação do novo governo.

Há discordâncias nesse sentido, podendo exemplificar com o já citado Pontes de Miranda quando verbaliza:

"A guarda pelo indivíduo é a atomização da guarda pelo povo, estranha subjetivação individual do direito de revolução, em estado de necessidade, do direito de resistência. Ora, o que se pretende é exatamente a técnica que torne violência supérflua o direito de resistência, ou melhor, evite situações que lhe sugiram o exercício. O que se procura é a defesa da Constituição dentro da constituição, o órgão que seja obviador daquele direito de violência popular".

Logo, para evitar movimentos revolucionários, a ordem constitucional deve conter soluções para suas crises, procurando legalmente suavizá-las, por meio de lenta transformação.

 

 

 

 

 

1.1. DA REVISÃO

 

 

 

Como veremos a constituição admite revisões de acordo com preceitos legais nela própria prescrita. Já falamos a respeito da necessidade dessas revisões e de suas razões, vejamos como ocorre na prática:

A atual Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, dispõe no art. 3.° do Ato das Disposições Transitórias que a revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da sua promulgação, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral, e no art. 60 que poderá ser emendada, exceto na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio, por processo especial, mediante proposta de um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, do Presidente da República e de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros.

Tal proposta deverá ser discutida e votada em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos de seus membros. A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. A emenda à Constituição será promulgada pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Contudo proíbe, nesse mesmo art. 60, no § 4.°, proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação de poderes e os direitos e garantias individuais. Contudo devemos entender que emendar não é revogara Constituição, seria ilógico que, através de uma reforma constitucional, por um Processo designado pela Constituição, se chegasse a suprimi-la. O sentido das emendas é tornar a carta mais atual, mudando-a ou editando normas diferentes.

O mecanismo jurídico que realiza essa modificação é a emenda constitucional que possui legitimidade para alterar a Carta Magna e é também norma-origem

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1.2. AUTO-REFERÊNCIA

 

 

 

Passaremos a tratar agora um problema que surge quanto à emendas constitucionais: a auto-referência. Quando a Constituição Federal contém norma para sua própria reforma, como o art. 60, que é uma norma de competência, por prescrever condições necessárias para que se opere a emenda, indicando o órgão competente para levá-la a efeito, limitando a matéria constitucional suscetível de reforma, surge a questão: essa norma de competência (art. 60) estaria, ou não, sujeita ao procedimento especial de reforma que ela mesma estabelece, uma vez que, no § 4.°, só proíbe propostas de emenda tendentes a abolir a federação (art. l.°); o voto direto, secreto, universal e periódico (art, 14); a separação de poderes (art. 2.°) e os direitos e garantias individuais (art. 5.°, I a LXXVII)?

Poderia ser o art. 60 reformado? Sendo o art. 60 vigente e eficaz, não derivada. Ou seja, é uma norma-origem, e como não há procedimento jurídico algum que possa reformá-lo, seria imutável pelo processo que estatui para emendar outras normas constitucionais, exceto as dos arts, 1.°, 2.°, 5.° e 14, mas não o seria por uma nova Constituição, que operaria a transformação do sistema, pois ter-se-ia uma nova ordem jurídica?

Como diria Maria Helena Diniz ao se racionar essa problemática parece não haver solução plausível. A autora chega às possíveis respostas das quais a de letra "b" me parece completa e que apresenta solução até mesmo para uma aparente antinomia a qual é solucionada pelo aspecto de temporialidade (latu sensu).

a) O art. 60 não poderia ser emendado por nenhum processo, mas apenas pelo fato social de que a comunidade aceita outra Carta Magna, como pedra angular da ordem jurídica. Todavia, essa solução deveria, por razões óbvias, ser afastada, já que requer a mutação de todo o ordenamento jurídico.

b) O art. 60 poderia ser reformado pelo procedimento especial que ele mesmo prevê, pelas autoridades que ele mesmo constitui, porém isso poderia ser afastado por implicar auto-referência genuína e parcial, que deve ser excluída como algo tido, logicamente, como um absurdo, por representar evidente contradição. Por exemplo, o art. 60 diz que a Constituição pode ser emendada pelo processo "X"; vem a emenda, art. 60, estabelecendo outra norma para a reforma constitucional, pela qual a Constituição deverá ser emendada pelo procedimento "Y". Haveria aqui uma real antinomia? Não se vislumbra nenhuma contradição lógica porque o art. 60 sucede, no tempo, ao 60, e ante o critério cronológico (lex posterior derogat legi priori) prevalece entre duas normas do mesmo escalão, ou seja, de igual hierarquia, a última sobre a anterior.

Podemos concluir ,na verdade é que somente o poder constituinte que emana do povo , enquanto sua vontade expressa é o mecanismo legal e capaz de emendar a constituição sem se esbarrar nos inúmeros problemas da "rigidez " constitucional.

O poder constituinte é a suprema capacidade e domínio do povo de se organizar politicamente e a ordenar-se juridicamente como melhor lhe convier. O povo soberano não reconhece nenhum poder acima do seu para impor-lhe moldes políticos ou jurídicos, logo a Constituição é o resultado da manifestação da vontade popular (CF de 1988, art. l.°, parágrafo único)

Diante do princípio da indivisibilidade do poder constituinte, não há como dividi-lo, só há um poder constituinte, unitário e indivisível, e a revisão ou a emenda são entregues a um de seus poderes (Legislativo ou Executivo) apenas dentro do processo especial previsto constitucionalmente, que passará a ser poder constituinte derivado,

O poder constituinte derivado, exercido pelo poder político eleito, pode reformar a norma constitucional por meio de emendas, porém baseado nas normas estabelecidas pelo poder constituinte originário, que traça os limites à alteração da própria Constituição.

 

 

 

CAPÍTULO III

 

 

 

1. TIPOLOGIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS QUANTO À SUA EFICÁCIA

 

 

 

Existem inúmeras classificações para as normas constitucionais dependendo do autor que as fizer, dado algumas peculiaridades ou particularidades que podem ser observadas por uns e omitidas por outros. Como veremos muitas classificações são praticamente idênticas, ao serem analisadas à luz do que prevêem juridicamente.

Em sua grandiosa obra, José Afonso da Silva enunciou a célebre divisão tricotômica das normas constitucionais, no que diz respeito à sua eficácia e aplicabilidade. Dividiu-as em:

A. Normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata;

B. Normas constitucionais de eficácia contida e aplica

 

Como citar o texto:

SANTOS, Luiz Wanderley dos..A Eficácia Das Normas Constitucionais. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/trabalhos-academicos/105/a-eficacia-normas-constitucionais. Acesso em 5 mai. 2001.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.