INTRODUÇÃO 

No campo das ações humanas, interessa muito de perto para o direito, aquelas que se traduzem em atos jurídicos.

Não obstante, como veremos, nem todas as ações correspondem a um ato jurídico, este último por sua vez só se estaelece mediante a vontade do agente, resguardando-se, obviamente os preceitos legais (ato jurídico stricto senso).

Já o conceito de ato jurídico lato senso abrange todas as ações humanas, e não só as condiciona à vontade do agente.

Dessa equação resulta o fato de que quando o agente declara sua vontade e objetiva um efeito jurídico, nasce o chamado negócio jurídico, que na conceituação da autonomia privada tem sua formação através de dois institutos centrais, o saber: a propriedade e o contrato.

Veremos que os atos e os negócios jurídicos podem estar empregnados de erros ( no sentido lato) , defeitos ou desvios jurídicos e serão objetos de nossa análise.

Verbaliza o código civil no seu art. 147:

É anulável o ato jurídico:

I - Por incapacidade relativa do agente (art.6º )

II-Por vício resultante de erro, dolo, coação simulação ou fraude.

O inciso II deste artigo, particularmente não interessa.

Inicialmente temos que a vontade é a mola prepulsora dos negócios ou atos jurídicos, e assim sendo é de fundamental importância que essa vontade seja manifestada de forma livre e espontânea.

Todas as vezes que essa vontade não se manifestar fiel aos objetivos intimamente perseguidos, diremos que houve vício, mais precisamente vício do consentimento. Estes por sua vez são produtos da influência dos erros (que são uma falsa noção, juízo ou representação da realidade.)

Assim sendo, faz-se necessário o ordenamento jurídico dispor de mecanismos eficazes que visem corrigir essas distorções.

Como veremos existem situações em que um negócio jurídico é efetuado, dentro da conformidade dos preceitos legais, positivamente falando, e apesar disso, o objetivo perseguido por uma das partes envolvidas era diverso daquele atingido, denotando-se dessa forma um negócio jurídico falho. Isso pode ocorrer por força de fatores subjetivos como a vontade.

Quando isso ocorre é necessário que o jurista, à luz do ordenamento jurídico, tenha sensibilidade bastante para reconhecer tal desvirtuamento negocial, para salvaguardar os interesses do cidadão que pode estar sendo induzido a erro em um contrato, ou praticando um ato jurídico prejudicial a si próprio por intermédio fraudulento de outrem, sendo urgente a nulidade dessas atividades.

No tocante aos contratos, o código de defesa do consumidor, virá pormenorizar as obrigações das partes e normatizar a proteção do consumidor sempre que se perceber algum vício na declaração da vontade dos contraentes. No intuito de socorrer a transparência nos negócios jurídicos.

 

 

 

1. -DO CONCEITO DE NEGÓCIO E ATO JURÍDICO

 

 

 

É pertinente, antes de mais nada, conceituarmos criteriosamente ato e negócio jurídicos, assim como distingüí-los.

No campo dos atos humanos, há os que são voluntários e os que independem do querer individual. Os primeiros, caracterizando-se por serem ações resultantes da vontade, vão constituir a classe dos atos jurídicos, quando revestirem certas condições impostas pelo direito positivo. Não são todas as ações humanas que constituem atos jurídicos, porém apenas as que traduzem conformidades com a ordem jurídica, uma vez que as contravenientes às determinações legais vão integrar a categoria dos atos ilícitos, de que o direito toma conhecimento, tanto quanto dos atos lícitos, para regular-lhes os efeitos, que divergem, entretanto, dos destes, em que os atos jurídicos produzem resultados consoantes com a vontade do agente, e os atos ilícitos sujeitam a pessoa que os comete a conseqüências que a ordem legal lhes impõe (deveres ou penalidades). Na mesma valoração ontológica da lei, como dos atos jurisdicionais, a vontade individual tem o poder de instituir resultados ou gerar efeitos jurídicos, e, então, à manifestação volitiva do homem, com o nome genérico de ato jurídico, enquadra-se entre as fontes criadoras de direitos . É a noção do ato jurídico "lato sensu" que abrange as ações humanas, tanto aquelas que são meramente obedientes à ordem constituída, determinantes de conseqüências jurídicas ex lege, independentemente de serem ou não queridas como aquelas outras declarações de vontade, polarizadas no sentido de uma finalidade, hábeis a produzir efeitos jurídicos queridos.

A esta segunda categoria, constituída de uma declaração de vontade dirigida no sentido da obtenção de um resultado, é que a doutrina tradicional denominava ato jurídico (stricto sensu), e a moderna denomina negócio jurídico.

Observa-se, então, que se distingüem o "negócio jurídico" e o "ato jurídico". Aquele é a declaração de vontade, em que o agente persegue o efeito jurídico; No ato jurídico "stricto sensu" ocorre manifestação volitiva também, mas os efeitos jurídicos são gerados independentemente de serem perseguidos diretamente pelo agente. Sobre esta distinção, lembram-se, entre outros, Windscheid, Stolfi, Trabucchi, Scognamilio, Santoro Passarelli; Serpa Lopes, Silvio Rodrigues, Vicente Ráo, Torquato Castro, Soriano Neto, Paulo Barbosa de Campos Filho, Alberto Muniz da Rocha Barros, Fabio de Matiá. Todos eles são fatos humanos voluntários. Os "negócios jurídicos" são, portanto, declarações de vontade destinadas à produção de efeitos jurídicos queridos pelo agente; os atos jurídicos "stricto sensu" são manifestações de vontade, obedientes à lei, porém geradoras de efeitos que nascem da própria lei. Dentre os atos lícitos estão os atos que não são negócios jurídicos (Código Civil português, art. 295; Projeto de Còdigo Civil brasileiro de 1975, art. 185), bem como os negócios jurídicos. Todos, porém, compreendidos na categoria mais ampla de "atos lícitos", que se distinguem, na sua etiologia e nos seus efeitos dos "atos ilícitos".

Foi a doutrina alemã que elaborou o conceito do negócio jurídico (Rechtsgeschäft), encarecido pelos escritores tedescos como dos mais impor-tantes da moderna ciência do direito, e imaginou-o como um pressuposto de fato, querido ou posto em jogo pela vontade, e reconhecido como base do efeito jurídico perseguido . O fundamento e os efeitos do negócio jurídico assentam então na vontade, não uma vontade qualquer, mas aquela que atua em conformidade com os preceitos ditados pela ordem legal. E tão relevante é o papel da vontade na etiologia do negócio jurídico, que se procura identificar a sua própria ideia conceitual com a declaração de vontade, constituindo-se desta forma a sua definição.

O ato jurídico, tal como entendido e estruturado na sistemática do Código Civil de 1916, art. 81, também conceitualmente se funda na declaração de vontade, uma vez que, analisado em seus elementos, acusa a existência de uma emissão volitiva, em conformidade com a ordem legal, e tendente à produção de efeitos jurídicos. E isto leva a admitir que o legislador brasileiro identificou as duas noções - ato jurídico e negócio jurídico - cujos extremos coincidem . Como, porém, a expressão ato jurídico é um valor semântico abrangente de um conceito jurídico mais amplo, compreensivo de qualquer declaração de vontade, individual ou coletiva, do particular ou do Estado, destinada à produção de efeitos, o negócio jurídico deve ser compreendido como uma espécie dentro do gênero ato jurídico.

A aproximação das noções do ato jurídico, tal como extremado na sistemática brasileira, e do negócio jurídico, da concepção tedesca, facilmente ressalta do confronto da definição, calcada no art. 81 do Código Civil e a que se oferece do negócio jurídico. Pelo nosso Código, de 1916, ato jurídico seria

todo ato lícito que tenha por fim imediato adquirir, resguardar transferir, modificar ou extinguir direitos, em que todos os autores ressaltam a presença do fator vontade. O negócio jurídico, no dizer de Enneccerus, citado linhas acima, é um pressuposto de fato, que contém uma ou várias declarações de vontade, como base para a produção de efeitos jurídicos queridos. No dizer de Oertmann,(introducción, § 35) é o fato produzido dentro do ordenamento jurídico, que com relação à vontade dos interessados, nele manifestada deve provocar determinados efeitos jurídicos.

Orlando Gomes também nos dá uma esclarecedora noção de negócio jurídico:

" Para a aquisição, transferência, modificação ou extinção de um direito, não basta a manifestação da vontade do sujeito de direitos. É preciso que seja intencional e conforme a lei."

O direito positivo reconhece às pessoas o poder de provocar efeitos juirídicos por meio de certos atos. Tal é o território da autonomia privada. O particular o exerce para concretizar a hipótese prevista na lei, especificando-a.

Na conceituação da autonomia privada reúnem-se os dois institutos centrais do direito privado: a propriedade e o contrato ou o negócio jurídico que, sendo mais amplo, a este abrange.

Ao se reunirem, aperta-se o interesse de perquirir os limites do poder de dispor dos bens que a lei assegura a toda pessoa, seja por ato inter vivos, seja mortis causa, seja a título oneroso, seja a título gratuito. Toda vez que se pratica um ato de disposição produz-se determinada modificação, querida pelos praticantes, na relação jurídica preexistente. A modificação deve ser aquela que quiseram os que realizaram o ato, valendo se merecer tutela da lei e se for processada pelo acordo de vontades, nas relações mais simples, a que se denomina contrato "lato sensu", mas podem ser igualmente provocadas pela manifestação de vontade de um só sujeito de direito. Afirma-se, na linha desse pensamento, que o negócio jurídico é o instrumento próprio da circulação dos direitos, isto é, da modificação intencional das relações jurídicas.

A função mais característica do negócio jurídico é, porém, servir de meio de atuação das pessoas na esfera de sua autonomia. É através dos negócios jurídicos que os particulares auto-regulam seus interesses estatuindo as regras a que voluntariamente quiseram subordinar o próprio comportamento. Domina atualmente o pensamento de que o negócio jurídico exprime o poder de autodeterminação dos sujeitos de direito, notadamente no campo das relações patrimoniais. Encarado esse poder na sua Junção de auto-

disciplina das próprias pessoas interessadas na constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica, apresenta-se como expressão da autonomia privada. Salienta-se a correlação entre negócio jurídico e autonomia privada, dizendo-se que se a autonomia privada é o poder de autodeterminação, o negócio jurídico é o instrumento através do qual o poder de autodeterminacão se concretiza".

Para santoro Passarelli , "Negócio Jurídico é o ato de autonomia privada com o qual o particular regula por si os próprios interesses."

 "O Negócio Jurídico típico é o contrato" HANS KELSEN. (Teoria Pura do Direito)

 

 

 

2. -TEORIA DO ERRO

 

 

 

Defendida por Achille Giovènne, esta teoria tem como fundamento o vício da vontade. Desenvolve a linha de raciocínio pela qual é possível a anulação do negócio jurídico, quando o agente havia representado uma situação de fato em desacordo com a realidade, pois que teria, assim, incidido em erro.

Na hipótese de divergência entre a suposição ensejadora da determinação da vontade e a realidade contemporânea à época da realização do comportamento prometido, face à superveniência do evento imprevisto e imprevisível, haveria erro daquele que se obrigou, e o contrato poderia ser anulado por vício de consentimento.

Segundo Nelson Borges, "existe um argumento definitivo, no sentido de rejeição da teoria de Giovènne, surge quando se atenta para a exata noção de erro. Ao se falar em vício do consentimento, ou erro, a primeira idéia que nos surge é o integral reconhecimento desse defeito do ato jurídico. Dito de outro modo: o que uma das partes contratantes supunha verdadeiro, no instante vinculativo, correspondia exatamente aquele que ela pensava que era. Como o acontecimento anormal, alterador das circunstâncias em que as partes manifestaram a decisão de se vincular, ocorrerá no futuro, de forma totalmente imprevista é imprevisível - uma vez que é um acontecimento anormal na vida do contrato - fica difícil, senão impossível, alicerçar a teoria da imprevisão no erro, como pretendeu Giovènne".(Nelson Borges, ob. Cit., pág.48)

 

 

 

3. -A VONTADE 

3.1 -A MANIFESTAÇÃO DA VONTADE

 

 

 

"Coordenação hierárquica de nossos desejos, é a vontade o primeiro elemento constitutivo do negócio jurídico ou do ato jurídico em sentido estrito. Fenômeno interno e ultra-sensível, penetra normalmente no mundo do direito ou na classe dos atos humanos jurisdicisáveis pela declaração. Mas para que possa modelar efeitos há de ser livre, séria, consciente e também consequente, isto é: emitida com desígnios que o direito reconhece e assegura, fornecendo às relações formadas o elemento da obrigatoriedade; endereçada a um escopo que o direito repute digno de tutela; ou com "animus contrahendi obbligationis", apto a produzir determinada alteração no estado de direito preexistente.

Desse modo, a vontade psicológica só se converte em jurídica com o concurso de dois fatores que se engrenam numa unidade atual: a vontade real, dirigida a um fim protegido pelo direito; e a declaração seu prolongamento perceptível que é a manifestação externa realizada para aquele resultado juridicamente relevante .

Essa exteriorização da vontade efetiva, receptícia ou não-receptícia, por sua vez se desdobra em dois outros elementos : A Vontade negocial, também chamada de efeito, de conteúdo ou de resultado, e a Vontade de declarar, que é a decisão de executar o ato mediante o qual a vontade negocial vai chegar ao conhecimento de uma pessoa ou de uma categoria indeterminada de pessoas.

A ausência do elemento comunicativo desqualifica a declaração; não é declaração de vontade, no exemplo de DERNBURG, o solilóquio que alguém chegou a escutar.

Mas a manifestação adeclarativa, também denominada "atuação de vontade" é excepcionalmente equiparável na sua eficácia à genuína declaração quando o ato se cumpriu com a intenção de permanecer secreto: o testador que, em segredo, destruiu o testamento, ainda que dê a entender aos outros que não o revogou; o herdeiro que, sem declarar que aceitou a herança, põe-se a consumir ou doar os bens que a compõem; o consumo sigiloso de mercadoria enviada, a ocupação ou o abandono subretícios, etc.

A manifestação da vontade opera livremente por meios variados, materializados, permanentes ou efêmeros (limitados pelas necessidades ou sistema das provas) ou por instrumentos que a vida moderna vem multiplicando com a aparelhagem automática.

Sob o ponto de vista jurídico, VIVANTI divide tais aparelhos em dois grupos : (a) aparelhos que concluem e executam o contrato como os que fornecem uma mercadoria ou serviço e (b) aparelhos que só concluem o contrato e fornecia a prova dele mas não o executam, porque esta execução se realiza em outro lugar, ou por outro meio e tais são os que fornecem bilhetes de admissão a espetáculos, os de seguro ou de transporte.

A exteriorização se faz; ora de modo expresso e imediato quando o fato externo chega de modo direto, ordinariamente pela palavra oral ou escrita, ao conhecimento do destinatário, mediante contato pessoal (comunicação verbal, apresentação de texto original do escrito) ou mecânico (telefone automático,

fonograma, televisão, rádio particular, introdução de moeda nos automáticos expostos ao público) ; ora de modo expresso e mediato por anúncio ou estabelecimentos públicos (correio, telégrafo, rádio).

E também tacitamente quando o ato não é instrumento da manifestação mas seu indício: por gestos, sinais mímicos inequívocos s (levantar ou sentar-se nas votações, alçar o braço ou dedo nos leilões, os sinais marítímos, os de trânsito, etc.); por atitude, comportamento, conduta, fatos concludentes e unívocos relacionados com circunstâncias pré-determinadas (o credor de dívida vencida, recebendo juros ulteriores ao seu vencimento, prorrogou o prazo) ou, na síntese de OROSIMBO NONATO :"onde haja ato material, comportamento ostensivo de que possa o destinatário, confiando na aparência da declaração, deduzir a intenção de concluir o ato jurídico" - noção que se estenderá, à margem das especificações legais, até à negatividade, omissão ou silêncio, desde que seja este silêncio circunstanciado e qualificado, com as restrições divulgadas na doutrina alienígena e pátria, pois o silêncio é, em si mesmo, de conteúdo neutro e equívoco e só em casos excepcionais, quando acompanhado de circunstâncias particulares (existência de usos integrativos, preexistência de relações, natureza do negócio) poderão ser interpretado como anuência. "( Jaime Landim. Konfino.1960. pág. 18)

Segundo Renata Mandelbaum "três são as formas de declaração através das quais pode ser manifestada a vontade para dar formação ao ato jurídico: manifestação expressa, tácita e a declaração presumida pela lei.Sendo fundamental a presença do elemento vontade, para a concretização dos atos jurídicos, e em especial dos negócios jurídicos, a manifestação desta adquire relevância.

Ao lado da expressa manifestação da vontade, encontramos a vontade tácita ou não expressa, que por sua vez também gera conseqüências no mundo jurídico, em especial quando a manifestação da vontade surge presumida em lei, uma ficção jurídica. Encontramos assim a possibilidade dos atos jurídicos serem formalizados, por ficção, pelo silêncio, este tido como manifestação positiva da vontade, capaz de produzir efeitos, gerando relações de direito.

Não se pode, no entanto, confundir o silêncio com o simples ato de calar, abster-se de falar, omitir o uso de palavra verbal ou escrita ou de símbolos ou gestos adequados para expressar o pensamento, pois em sua acepção estrita o silêncio significa a ausência de um meio de expressão adequado para traduzir um estado de consciência. Disto decorre por que não devemos confundir a declaração tácita da vontade com o silêncio, este como definido em sua acepção jurídica por Demogue:" "Hay silêncio en sentido jurídico cuando una persona, em el curso de esta actividad permanente que es la vida, no ha manifestada su voluntad, respecto a un acto jurídico, ni por una acción especial a este efecto (voluntad expresa) ni por una acción de donde se puede deducir su voluntad (voluntad tácita)"."

  

3.2 -DEFEITOS DOS ATOS OU NEGÓCIOS JURÍDICOS SOB O VÉU DOS VÍCIOS DA VONTADE

GENERALIDADES:

 

 

 

os negócios jurídicos têm, na vontade individual, seu impulso criador. Para serem normais e regulares, é preciso que a vontade, ao se exteriorizar, não padeça de um dos vícios que a destorcem.

Para bem compreender a disciplina legal dos vícios do consentimento, importa fixar o processo segundo o qual a vontade se forma. Toda vontade decorre de motivos, isto é, de razões pessoais, eminentemente subjetivos, que influem na mente do indivíduo para praticar esse ou aquele negócio jurídico, que o impelem, em suma, a agir. Em princípio, os móveis dos negócios jurídicos são irrelevantes à sua validade. Ao Direito não interessa que alguémadquira uma casa para morar, alugar ou dar, pois não cura de intenções. Mas, as razões que levam alguém a realizar determinado ato jurídico podem resultar de falsa representação, que suscite desconformidade entre a vontade real e a vontade declarada, quer espontânea, quer em conseqüência da ação de outrem. O processo psíquico de formação da vontade não é indiferente ao Direito. Se alguém, por ignorância de certos fatos, realiza negócio jurídico, que não realizaria se os conhecesse, a ordem jurídica não poderia deixar de lhe proporcionar os meios de obter sua invalidação. Uma pessoa que consente em casar com outra, na suposição de ser terceiro, há de poder anular esse casamento. Não seria possível, desse modo, ignorar a relação de causa e efeito entre os motivos e a vontade. Por isso, as causas que podem perturbar a vontade são classificadas e reguladas juridicamente sob, a denominação de vícios da vontade.

São irregularidades no processo de formação do consentimento, que viciam o negócio jurídico, unilateral ou bilateral, tornando-o suscetível de anulação.

Exemplificadamente , veremos sob forma de jurisprudência o entendimento acerca desse tópico:

 

 

 

"APELAÇÃO CÍVEL Nº 8.809, DA COMARCA DE ARARANGUÁ 

Relator: Des. Eduardo Luz. 

Ato jurídico - Silêncio - Vício de consentimento na formação do contrato.

 Vistos relatados e discutidos estes autos de apelação cível n.° 8.820, da comarca de Araranguá, em que são apelantes José Barbosa de Souza e Sebastião Flores Barbosa e apelados Manoel José Santana e Aci de Sousa Santana;

 ACORDAM, em Segunda Câmara Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

Custas pelos apelantes.

Não merece vingar o apelo. De fato, o mencionado contrato de venda da linha de ônibus não teria sido celebrado, se conhecido dos autores, homens rústicos e afastados do trato de negócios desta natureza, a circunstância de que a linha de ônibus não podia funcionar porque era irregular e que os réus notificados pela municipalidade para regularizar o serviço nada fizeram, deixando escoar o prazo para tanto. Não resta dúvida de que a ocultação deste fato constitui omissão dolosa, viciando o consentimento dos contratantes lesados com o negócio.(Art. 94 do Código Civil). Houve desprezo ao princípio da boa fé e silêncio sobre circunstância que a natureza do negócio exigia conhecida. Escreveu Josserand; "Sem dúvida, uma simples reticência, sem circunstância agravante, não basta para estabelecer uma manobra ilícita, constitutiva do dolo; porém não ocorre assim no caso de quem guardou o silêncio tinha a obrigação, o dever, de falar, hera em virtude do texto legal, bem por razão das circunstâncias da causa ou da natureza do contrato que supunha entre as partes relações de confiança recíproca (Direito Civil, ;vol. I, t. II, ed. Buenos Aires, pág. 72).

Deste modo, impunha-se a procedência da ação, anulando-se o contrato de compra e venda e notas promissórias a ele vinculadas, como fez a respeitável sentença que é confirmada integralmente inclusive na parte relativa a perdas e danos.

 

 

 

Florianópolis, 14 de setembro de 1973.

 

 

 

Cerqueira Cintra, Presidente; Eduardo Luz, Relator; Nelson Konrad, Rid Silva."

Os vícios da vontade classificam-se conforme diversos critérios. Dividem-se em vícios psíquicos e sociais, constituindo os defeitos dos atos jurídicos. Os primeiros provocam uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada. São : o erro, o dolo e a coação. Os segundos não atingem a vontade na sua formação, na sua motivação, mas, do mesmo modo, tornam o ato defeituoso, porque, como ensina BEVILÁQUA, configuram uma insubordinação da vontade às exigências legais no que diz respeito ao resultado querido. São : a simulação e a fraude contra credores.

Sob o ponto de vista da atuação, deformam a declaração ou a vontade propriamente dita, isto é; aquela "intenção do resultado"

a que, se refere ZITTELMANN. São relativos à declaração: o erro, a ignorância, a transmissão inexata, o dolo e a coação ou intimidação Concernentes ao resultado do negócio são, dentre outros, a simulação, a reserva mental e a vontade declarada por gracejo (ludendi gratia).

Nem todos esses defeitos são considerados vícios do negócio, alguns não autorizam sua anulação.

 

 

 

3.3-MANIFESTAÇÃO DA VONTADE DEFEITUOSA

 "O pressuposto do negócio jurídico é a declaração da vontade do agente em conformidade com a norma legal, e visando a uma produção de efeitos jurídicos. Elemento específico é, então, a emissão de vontade. Se falta, ele não se constitui. Ao revés, se existe, origina o negócio jurídico. Mas o direito não cogita de uma declaração de vontade qualquer. Cuida de sua realidade, de sua consonância com o verdadeiro e íntimo querer do agente, e de sua submissão ao ordenamento jurídico. Na verificação do negócio jurídico, cumpre de início apurar se houve uma declaração de vontade. E, depois, indagar se ela foi escorreita. Desde que tenha feito uma emissão de vontade, o agente desfechou com ela a criação de um negócio jurídico. Mas o resultado, ou seja, a produção de seus efeitos jurídicos, ainda se acha na dependência da verificação das circunstâncias que a envolveram. É que pode ter ocorrido uma declaração de vontade, mas em circunstâncias tais que não traduza a verdadeira atitude volitiva do agente, ou persiga um resultado em divórcio das prescrições legais.

Nesses casos, não se nega a sua existência, pois que a vontade se manifestou e o ato jurídico chegou a constituir-se. Recusa-lhe, porém, efeitos o ordenamento jurídico. Pode-se dizer então que há negócio jurídico, porém defeituoso, e nisto difere de todo daquelas hipóteses em que há ausência de vontade relativamente ao resultado, casos nos quais o negócio jurídico inexiste como tal e deve ser tido por nulo, o que ocorre quando o agente apenas parece ter realizado uma emissão de vontade sem tê-la feito ou sem ter capacidade para fazê-la, e nesses casos há um ato aparente e não verdadeiro. Na doutrina francesa e belga, entretanto, medra certa confusão entre ausência de vontade e sua emissão defeituosa, cogitando os escritores de alguns casos em que está nítida a existência de uma declaração, porém divorciada da vontade real. Quando, por exemplo, o erro incide sobre a natureza do ato, entendem escritores que houve ausência de vontade. Veremos a seguir ,em termos práticos, como alguns tribunais decidem no sentindo da anulabilidade de atos jurídicos impregnados de vício:

"INTIMAÇAO - Carta postal - Prazo -Contagem a partir da juntada do AR - Aplicação do art. 241, V, do CPC.

DOAÇAO - Anulação - Vício de consentimento da doadora - Liberalidade da amásia a amante muito mais moço - Decisão confirmada.

Tratando-se de intimação por carta Postal, começa a correr o prazo da data da juntada aos altos do AR, como dispõe o art. 241, V,

do CPC.

A doação pode ser revogada por vício de consentimento da doadora.

Ape1ação cível 51.127 - Cláudio - Apelante: João Costa Lima - Apelada: Uhrides da Conceição Prado.

 

 

 

ACÓRDÃO

 

 

 

Vistos etc.: Acorda, em Turma, a 4ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em desprezar a preliminar argüida e negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 27 de agosto de 1979 - LINCOLN ROCHA, pres. - JAIR LEONARDO, relator - WALTER MACHADO - AMADO HENRIQUES.

 

 

 

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O Des. Jair Leonardo: Desprezo a preliminar de não conhecimento da apelação, levantada pela douta Procuradoria - Geral da Justiça (fls.). É que o douto Procumdor - Dr. Cristovam Joaquim Fernandes Ramos - considerou o apelante intimado da sentença na data em que recebeu a carta (fls.), que foi de fato, o dia 4.ll.78, sábado. Mas, em se tratando de intimação por carta postal, começa a correr o prazo da data da juntada aos autos do AR, como dispõe o art. 241, V, do CPC. No caso o AR foi juntado em 10.ll.78, como consta de fls., e a apelação foi interposta no dia 21 do mesmo mês (fls.), pelo que tempestivamente. Assim sendo, conheço do recurso.

Trata-se de ação de anulação de doação ajuizada por Uhrides da Conceição Prado, ora apelada, contra João Costa Lima, ora apelante.

O MM. Juiz concluiu julgando a ação procedente, por vício de consentimento

da doadora, "além de não ter ficado renda suficiente para a subsistência da doadora" (fls.).

O segundo fundamento da decisão não foi causa de pedir, pois em nenhuma passagem da inicial houve alusão a que a autora ficara sem meios de subsistência; por isso, a inicial, pródiga na citação de artigos do Código Civil, nem mencionou o art. 1.175. Contudo, a procedência da ação, por vício do consentimento da doadora, "nos termos do art. 1,181, primeira parte, do CC", não se pode dizer que tenha discrepado dos fatos expostos na inicial.

Como ensina J. J. Calmon de Passos, o "nomen juris" que se dê à categoria jurídica ou o dispositivo de lei que se invoque para caracterizá-la são irrelevantes, se acaso erradamente indicados. O juiz necessita do fato, pois que o Direito ele que o sabe. A subsunção do fato à norma é dever do juiz, vale dizer, a categoria jurídica do fato é tarefa do juiz" (in "Comentários ao Código de Processo Civil", vol. III/143).

Em face desta doutrina, é lícito reconhecer que a narrativa da peça inaugural é de uma situação de induzimento da autora a erro, de modo a viciar-lhe o consentimento. Diz a inicial que, "após o falecimento de seu marido, a suplicante iniciou um namoro com o individuo João Costa Lima, seu primo, pessoa bem mais nova, o qual pouco a pouco foi impondo a sua confiança em sua namorada, sob a alegação de que com ela se casaria" (fls.).

 

 

 

O referido João Costa Lima, contestando a alegação, foi além da própria autora, ao dizer: "Perdoe o honrado Juiz a expressão, mas é mesmo mentira, porque o réu, ora contestante, jamais foi seu namorado, e, sim, seu amante, primo da autora, logo depois que ela se enviuvou de Lucas Pereira de Vasconcelos, convidou-o a com ela morar. Jovem e inexperiente, o réu aceitou o convite, tomando-se seu amante" (fls.).

Ora, se é possível a confiança entre namorados, muito maior é a possibilidade da confiança entre amantes. Aliás, o réu não nega, também, a alegação da autora de que ele captara-lhe a confiança. Nem seria possível tal negativa, diante dos termos da procuração de fls., outorgada pela autora ao réu, com os mais amplos e ilimitados poderes "para o fim especial de reger, gerir e administrar todos os bens, negócios, direitos e ações da outorgante", "podendo, para esses fins, vender, doar, permutar, hipotecar ou por qualquer forma alienar os bens da outorgante, outorgar, aceitar e assinar escrituras de compra, transmitir posse, "Jus", domínio e ação, receber e passar recibo e dar quitação, descrever os imóveis com suas características e confrontações responder pela evicção legal, fazer contratos de arrendamento, compromissa de penhor, com suas respectivas cláusulas e condições, aceitar, sacar, endossar e avalizar letras de câmbio, emitir e endossar cheques, assinar cartas de propostas, fiança e quaisquer outros títulos ou documentos, movimentar quaisquer depósitos que a outorgante tem ou venha a ter em bancos e Caixas Econômicas, fazendo depósitos, retiradas, requerer e assinar tudo mais, para o firme e bom desempenho deste mandato, substabelecer esta com ou sem reserva de poderes, o que dará por firme e valioso" (fls.).

Alegou o réu que era Jovem e inexperiente, por isso teria aceito o convite para ser amante da autora mas há de convir-se em que, se, de fato, in

 

Como citar o texto:

SANTOS, Luiz Wanderley dos..Erro Nos Negócios Jurídicos, Vícios Do Consentimento. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/trabalhos-academicos/106/erro-negocios-juridicos-vicios-consentimento. Acesso em 5 mai. 2001.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.