A Constituição da República, em seu artigo 142, trata das Forças Armadas, instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, constituídas pela Marinha, Exército e Aeronáutica, destinadas à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer um desses poderes, à garantia da lei e da ordem.

As Forças Armadas, tendo como finalidade precípua a defesa da pátria e a garantia dos poderes constitucionais, configuram-se como instituições de enorme relevância para o país. E essa nobre finalidade ampara-se em dois princípios: hierarquia e disciplina, sem os quais as Forças se desorganizam e, conseqüentemente, ficam impossibilitadas de cumprir sua missão constitucional.

Os membros da Forças Armadas, conforme estabelece o § 3o do já mencionado artigo, são denominados militares, assim como os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (art. 42, caput). Contudo, estes não são processados e julgados pela Justiça Militar da União, mas sim pela Justiça Militar dos Estados.

Diante das peculiaridades das Forças Armadas, o Poder Constituinte, desde o ano de 1934, houve por bem instituir, no âmbito do Poder Judiciário, um ramo especializado - a Justiça Militar da União.

A Justiça Militar da União é uma justiça especializada na aplicação da lei a uma categoria especial, a dos militares federais - Marinha, Exército e Aeronáutica, bem como aos civis que pratiquem crimes militares, os quais estão definidos no Código Penal Militar.

Veja-se que não se trata de um juízo de exceção. Mas, ao contrário, de uma justiça especializada, mista, composta de Juízes civis e militares (regime de escabinato), que busca, com isso, harmonizar a experiência adquirida pelos Juízes militares na caserna com os conhecimentos jurídicos do Juiz-Auditor (civil) quando da aplicação da lei penal militar ao caso concreto.

A primeira instância, ou primeiro grau de jurisdição, cabe aos Conselhos de Justiça, que funcionam, em regra, nas Auditorias Militares, distribuídas pelas 12 (doze) Circunscrições Judiciárias Militares. O órgão de segundo grau da Justiça Militar da União é o Superior Tribunal Militar (STM).

Como já foi mencionado, os Juízes-Auditores (civis), os quais integram o quadro da Magistratura por meio de concurso público, não julgam sozinhos. Sua atuação individual dá-se até o recebimento da denúncia. Instaurada a ação penal, passa-se ao sorteio do Conselho Especial de Justiça ou à convocação do Conselho Permanente de Justiça.

Os Juízes militares dos Conselhos Especial e Permanente são sorteados dentre Oficiais de carreira, da localidade onde está sediada a Auditoria, com vitaliciedade assegurada.

O Conselho Especial de Justiça (CEJ) tem competência para processar e julgar os Oficiais, exceto Oficiais-Generais, os quais o são pelo STM. Constitui-se pelo Juiz-Auditor e por 4 (quatro) Juízes Militares, sob a presidência, dentre estes, de 1 (um) Oficial-General ou Oficial superior, de posto mais elevado que os demais juízes, ou de maior antigüidade, no caso de igualdade.

Os Juízes militares que integrarem os Conselhos Especiais serão sempre de posto superior ao do acusado, ou do mesmo posto, porém mais antigos.

O Conselho Especial de Justiça é constituído para cada processo e dissolvido após conclusão de seus trabalhos, reunindo-se novamente se sobrevier nulidade do processo ou do julgamento, ou ainda se houver alguma diligência determinada pelo STM.

Quanto ao Conselho Permanente de Justiça (CPJ), é competente para processar e julgar acusados que não sejam Oficiais, ou seja, praças e civis, e constitui-se pelo Juiz-Auditor, por 1 (um) Oficial superior, que será o presidente, e 3 (três) Oficiais de posto até Capitão-Tenente ou Capitão.

O Conselho Permanente de Justiça, uma vez constituído, funcionará durante 3 (três) meses consecutivos, coincidindo com os trimestres do ano civil.

Seguindo a tradição vigente no Poder Judiciário brasileiro, a Justiça Militar da União adota o princípio do duplo grau de jurisdição, possibilitando que decisões tomadas na primeira instância sejam reexaminadas no órgão superior (STM), por meio da interposição de recursos. Note-se que os recursos interpostos contra decisões de 1a instância passam a ser analisados pelo STM. Não existe nenhum órgão intermediário.

O STM, com sede em Brasília-DF e jurisdição em todo o território nacional, tem composição mista, assim como os Conselhos de Justiça – 15 (quinze) ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo: 3 (três) dentre oficiais-generais da Marinha, 4 (quatro) dentre Oficiais-Generais do Exército e 3 (três) dentre Oficiais-Generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e 5 (cinco) dentre civis, sendo 3 (três) dentre advogados de notável saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional, e 2 (dois), por escolha paritária, dentre juízes auditores e membros do Ministério Público Militar.

No que tange à preservação da hierarquia e da disciplina no âmbito das Organizações Militares, e ainda à busca da efetiva justiça, bem como à celeridade do processo, não se faz oportuno atribuir-se à Justiça Federal competência para julgar os crimes militares, ainda que os impropriamente militares, ou seja, aqueles também previstos na legislação penal comum.

Como ser processado e julgado pela Justiça Federal, por exemplo, o militar que se envolve em rixa no interior da organização militar? Ou o militar acusado de furto ou roubo de armas ou munições pertencentes à organização militar? Ou ainda o militar acusado dos crimes de estelionato, peculato ou apropriação indébita praticados contra o patrimônio da instituição militar?

Além desses exemplos de crimes impropriamente militares, também previstos na lei penal comum, importante reafirmar a existência dos crimes propriamente militares, previstos somente na legislação penal militar, peculiares, ou seja, os que não são tratados pelo Código Penal Brasileiro, dentre eles: insubmissão, deserção, abandono de posto, motim, revolta, pederastia, violência contra superior, violência contra inferior, desrespeito, delito do sono, embriaguez, dentre tantos outros, que, para a vida civil, não parecem ter tanta importância, mas, para as instituições militares, ao contrário, manifestam violação aos seus pilares, aos seus princípios constitucionais.

Quisemos aqui demonstrar o funcionamento, bem como a importância da Justiça Militar para a preservação da hierarquia, da disciplina e da coesão das unidades militares, bem como para a melhor aplicação da lei penal militar a todos os crimes militares definidos em lei.

A maioria dos estudantes de direito passa pela vida acadêmica alheia à competência e à importância da Justiça Militar, até porque disciplinas como Direito Penal Militar e Direito Processual Penal Militar não são obrigatórias nas faculdades. Alguns até desconhecem a existência do Código Penal Militar e do Código de Processo Penal Militar.

Mas, a verdade é que em decorrência da particularidade das atividades desenvolvidas pelas Forças Armadas, nada mais justo que os militares e os civis que pratiquem crimes militares sejam julgados por pessoas que conhecem o dia-a-dia da atividade militar e estejam submetidos a uma legislação especial.

 

Como citar o texto:

GADELHA, Patrícia Silva..Entendendo a competência e a importância da Justiça Militar da União. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 168. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/1076/entendendo-competencia-importancia-justica-militar-uniao. Acesso em 3 mar. 2006.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.