Sumário: Introdução; I. O  Consumidor na Constituição Federal; II. Aspecto Normativo do CDC; III. O Contrato Juridicamente; IV. Intervenção do Estado; V. Contrato de Consumo;  VI.  Dever de Informação nos Contratos; VII.  A Função Social do Contrato e a Boa-fé Objetiva; VIII. Contrato de Adesão; IX. Algumas Razões para Revisão dos Contratos; X. Controle dos Contratos de Consumo; XI. Contrato de Adesão de Mútuo; XII. Juros; XIII. Da Inconstitucionalidade da MP 1963-17/2000 (2171-36/2001); XIV. Da Violação dos Direitos Básicos do Consumidor; XV. Conclusão; XVI. Referências.

Introdução

                        A eleição do tema se deve ao fato de apesar dos dezesseis anos do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, os bancos, instituições financeiras e outras espécies de fornecedores que concedem empréstimos; desconsideram totalmente tal norma.

                        O resultado disso é o aumento do número de superendividamento dos consumidores, principalmente nas classes menos favorecidas. Independente da norma do CDC, considerando as outras normas que tratam das políticas financeiras e econômicas, será que tais tipos de instituições obedecem ao menos estas? E o papel do Estado, ao invés de seguir os dispositivos constitucionais como a ‘promoção da defesa do consumidor’, promove esta defesa por meio de inescrupulosas Medidas Provisórias?

                        Será tratado em específico deste tipo de contrato de consumo, obviamente considerando a figura do consumidor. O tipo e modo de contrato serão averiguados, bem como os preceitos obrigatórios exigentes na norma do CDC.

                        Seguindo o contexto, será verificado como o Estado pode intervir nestas relações, se ele realmente o faz, e quais dos poderes podem exerce algum tipo de controle nestes contratos.

                        De forma específica será tratado das normas e políticas que tratam os juros, suas espécies, limites e liberdades. Os momentos que determinados juros podem ser manifestos na relação contratual e pós contratual, quais são estes e suas cumulatividades.

            Por fim será analisado o papel das MPs sobre o tema, seus preceitos e procedimentos ignorados pelo Poder Executivo, bem como, o que é óbvio o papel inoperante do BACEN nas fiscalizações. Enfim, abordar-se-á os direitos violados no CDC com tais práticas.

I. O  Consumidor na Constituição Federal

Para o Professor José Afonso da Silva o Direito Constitucional, configura-se como Direito Público fundamental por referir-se diretamente à organização e funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política. [1]

Constituição Federal deve ser tida como a lei fundamental e suprema de um Estado, contendo normas referentes a sua estruturação, formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos.

Embora de forma tímida, o artigo 5º, XXXII da Constituição Federal de 1988 trouxe disposição sobre a proteção dos consumidores, estabelecendo que “o Estado proverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”[2].

A lei que se refere a Constituição Brasileira é a de número 8.078, de 11 de agosto de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), promulgada em cumprimento ao artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

A Constituição Portuguesa de 1976 foi a primeira a acolher normas de proteção do consumidor, de maneira bastante avançada (artigo 110). Já a Constituição Espanhola de 1978 espelhou-se na de Portugal e prevê proteção semelhante.

Cabe ressaltar que na Carta Magna de 1988, a inserção do direito do consumidor entre os direitos fundamentais. Note-se, ainda, que o artigo 170, V, elevou a defesa do consumidor à condição de princípio da ordem econômica.

O Código de Defesa do Consumidor, de origem claramente constitucional, consubstancia-se em uma lei de função social, lei de ordem pública econômica. A entrada em vigor de uma lei com esta característica traz como conseqüência modificações profundas nas relações juridicamente relevantes à sociedade. [3]

O artigo 1° do Código de Defesa do Consumidor dispõe claramente que suas normas são essencialmente dirigidas à proteção de um determinado grupo social – os consumidores – e que se constituem normas de ordem pública, ou seja, inafastáveis pela mera vontade individual. São, portanto, normas de interesse social.

O legislador, buscando garantir a eficácia prática dos novos direitos fundamentais do indivíduo traçados pela Constituição Federal (como os direitos econômicos), incluiu estes objetivos constitucionais em normas ordinárias de direito privado, como se demonstra no próprio Código de Defesa do Consumidor.

II. Aspecto Normativo do CDC

A Lei 8.078/90 vem a tratar em especial das relações de consumo, ou seja, de acordo com as definições proposta pelo CDC ter-se-á de um lado um fornecedor de produtos ou serviços, de outro o consumidor e suas equiparações e o elo entre estes dois atores que é uma configurada relação de consumo.

                        Nos dizeres da Profa. Claudia Lima Marques: “O CDC é uma Lei de função social complementar ao mandamento constitucional”[4], além de que  de acordo com o artigo 1º desta Lei esta é de ordem pública e interesse social nos termos do arts. 5º XXXII, 170, V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

 Nos faz deduzir que o CDC não é para ser visto como uma simples Lei Ordinária, nos dizeres do Professor Nelson Nery uma Lei Principiológica, que protege uma particularidade de pessoas, vulneráveis (o que justifica a existência desta norma protecionista) e que apenas é manifestação expressa o preceito constitucional do art.5º XXXII e demais.

No entendimento do ilustre Professor Antônio Herman, este define o CDC como:

“O Código de Defesa do Consumidor  pertence àquela categoria de leis denominadas ‘horizontais’, cujo campo de aplicação invade, por assim dizer, todas as disciplinas jurídicas, do Dir. Bancário ao Dir. de Seguros, do Dir. Imobiliário ao Dir. Aeronáutico, do Dir. Penal ao Dir. Processual Civil. São normas que tem função, não regrar uma determinada matéria, mas proteger sujeitos particulares, mesmo que estejam eles igualmente abrigados sob outros regimes jurídicos. Daí o caráter especialíssimo” do Direito do Consumidor (...) o Dir. do Consumidor é disciplina especial em razão do sujeito tutelado. E como é curial, prepondera o sistema protetório do indivíduo em detretimento do regime protetório do serviço ou produto. É a fisionomia humanista que informa todo o Direito do Welfare State.[5]

Apesar disso, o próprio CDC, através de seu artigo 7º, não exclui outros direitos decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário. Logicamente entende-se que este não contrarie os princípios constitucionais e do próprio CDC e ainda trazendo maior benefício ao consumidor.

                        O movimento consumerista brasileiro teve um maior destaque através de um encontro nacional das entidades  de defesa do consumidor em 1987, o encontro de nº 07, fora propositadamente realizado em Brasília. Resultou daí algumas propostas discutidas em sua sede, as quais foram protocoladas junta a Assembléia Nacional Constituinte analisada pela Comissão Afonso Arino.

“Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.”[6]

                        Logo, de acordo com o texto da norma, o CDC é uma norma de ordem pública e interesse social, o que nos dizeres do Dr. Filomeno: “... equivale a dizer que são inderrogáveis por vontade dos interessados em determinada relação de consumo, embora se admita a livre disposição de alguns interesses de caráter patrimonial”[7]

                        Como já visto inicia-se um Estado das Políticas Públicas, o qual procura determinados fins específicos, no caso em tela “seria” uma Política Nacional das Relações de Consumo.

Não se pode confundir a idéia de “norma-objetivo” com as “normas programáticas”, esta procura tratar da eficácia da norma e aquela trata do conteúdo da norma.

                        Repetindo o enunciado normativo do artigo 4º do CDC reflete uma norma-objetivo, cabendo ao Estado de acordo com o cenário da realidade passar ser um implementador de políticas públicas, o qual teria objetivo de uma obrigação de resultado. Vejamos este texto normativo:

“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

a) por iniciativa direta;

b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;

c) pela presença do Estado no mercado de consumo;

d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;

 VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;

VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;

VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo.”

                        Sem embargo, o legislador quis estabelecer uma Política Nacional das Relações de Consumo, como visto no caput do texto normativo. Ficam estabelecidos através dos incisos e alíneas os fins, ou seja, os objetivos a serem alcançados. A existência desta norma-objetivo, dentro do micro-sistema jurídico que é o CDC, o importante é que estas estejam normatizadas, isto é, os objetivos da Política Nacional de Consumo estejam dentro do sistema jurídico, com seus respectivos efeitos determinado seus fins econômicos e sociais, além de que estas normas-objetivos servirão de instrumento interpretativo para todo o CDC.

                        Além do que interessa para Política de Consumo, através de suas normas-objetivo, o CDC também contém as tradicionais normas de conduta e normas de organização. Devendo estas últimas ser interpretadas teleologicamente, ou seja, não de acordo com a interpretação daquele que interpreta livremente os instrumentos isolados. Desconsiderando a discussão entre a ‘jurisprudência’ e a ‘jurisciência’.

                        Em consonância como o Professor Eros Grau, e visando o que objetivaria a Política Nacional de Consumo, serão destacados os três principais princípios inseridos no artigo 4º CDC, entretanto delimitando a este estudo  a questão da vulnerabilidade, quais sejam:

a)      Vulnerabilidade (inc. I);

b)      Harmonia dos interesses dos participantes da relação (inc. III);

c)      Coibição e repressão eficiente de todos os abusos (inc. VI).

Antes de adentrar-se nos princípios em si, de maneira superficial tentaremos esclarecer a eterna discussão entre regras, princípios e normas. Pois como dito por toda a doutrina e o texto normativo que a vulnerabilidade é um princípio, isto trará uma grande repercussão.

Após tomar lição do Professor Eros Grau ao explicar os valores e hierarquia dos princípios, regras e normas. Pode se concluir que não há de se comparar o princípio e a norma. O princípio é uma espécie de norma. Poderia fazer uma subclassificação entre o princípio e a regra, ambos como norma jurídica.

Ciente de que o princípio é de dimensão aberta, abstrata admitindo exceção na sua aplicação. Já regra é de aplicação específica, não admitindo exceção, ou seja, ou é ou não é, tem aplicação imediata ou não tem. Fácil de entender se fizer uma analogia comas regras dos tipos penais.

III. O Contrato Juridicamente

                        Classicamente o contrato reflete o ato de um indivíduo, ou mais de um indivíduo manifestando vossas vontades repercutindo num negócio jurídico. Estas manifestações de vontade é que configuram o fato contratual, estas condutas vislumbram um fim comum. Dependendo do tipo contratual, a norma prescreve formas a serem observadas. Entretanto, o mais importante é a manifestação de vontade das partes, ou da parte.

                        Ocorre que certas vontades as vezes destoam entre a vontade real e a vontade explicitada. O inconfundível Hans Kelsen faz pertinente observação:

“Quais as conseqüências que tem uma tal discrepância, é questão que só pode responder-se com base na ordem jurídica, e não através da ciência jurídica. A ordem jurídica pode determinar que não se conclui um contrato criador de Direito quando uma das partes está em posição de poder demonstrar que o sentido in-tendido (por ela visado) de uma declaração é diferente daquele que lhe é atribuído pela outra parte ”(Hans Kelsen,  Teoria Pura do Direito, p. 274).

                        Interessante a sintonia entre o tempo, pois se buscar o que Kelsen quis afirmar com este posicionamento, encontraria-se expressamente esta situação no Código de Proteção e Defesa do Consumidor no que tange que valeria mais a vontade real do que a vontade escrita. Óbvio que também nas relações civis já havia previsões atinentes a estas situações, seja nos vícios de consentimento ou até nos vícios sociais.

                        A Professora Maria Helena Diniz define o contrato como: “O contrato constitui uma espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral ou plurilateral, dependendo para sua formação, do encontro das vontades das partes, por ser ato regulamentador de interesses privados”[8].

                        Seguir-se-á o modelo proposto pela mesma professora para explicitar os principais princípios  relativos aos contratos, para enfim fazer uma comparação com os atos relacionais de consumo.

      i.        Princípio da autonomia da vontade – este princípio prega que as partes contratantes podem estipular livremente o conteúdo dos contratos, bem como a autonomia de querer ou não contratar;

     ii.        Princípio do Concensualismo – o simples acordo e vontade das partes seriam suficientes para gerar um contrato valido, ressalvadas hipóteses que exigem certas formalidades estipuladas em lei;

   iii.        Princípio da obrigatoriedade da convenção –  espelharia o famoso ditado que os contratos fazem lei entre as partes, é a vinculado daquilo que fora acordado entre as partes, outra manifestação deste seria a  pacta sunt servanda;

   iv.        Princípio da relatividade  dos efeitos dos negócios jurídicos – prega este princípio que o contrato faz apenas efeito entre as partes contratantes, não pode haver proveito nem prejuízo a terceiros;

    v.        Princípio da Boa- fé – seria a regra de conduta, comportamento, lealdade entre as partes. Deve ser observado mais a intenção das partes do que o sentido literal da linguagem.

Desde já poderia questionar se os contratos de consumo espelhariam mais contratos em si, ou relações de consumo? Entendemos junto com o Prof. Nelson Nery Júnior, em defender a idéia de relações de consumo, mais do que contrato, justamente por faltar elementos básicos para definição de um simples contrato.

                        Ao tratar de contratos na relação de consumo algumas idéias e conceitos precisarão ser repetidos e revistos, haja vista a insistência dos tidos como conservadores, os tradicionalistas, não quererem enxergar as mudanças trazidas pela Lei 8.078/90 (CDC) e mais recentemente pelo atual Código Civil de 2002.

                        Inicialmente com o Código Civil de 1916 os contratos eram firmados eivados de idéias iluministas trazidas pela Revolução Francesa de 1789. O Ideal Liberal que até hoje procura conduzir o mercado, consequentemente a economia sempre objetivou uma não intervenção do Estado para com as relações entre os contratantes.

                        Ocorre que a tendência do tempo do código de 1916 como em todo mundo refletia um cenário econômico totalmente diferente. A idéia da propriedade e o meio agrário em que se vivia refletiam atitudes e comportamentos totalmente diferentes entre as partes. A palavra de um homem naquele tempo valia mais do que qualquer coisa ou tipo de garantia.

                        Assim, vícios de consentimento na relação, fraudes dentre outros defeitos do negócio jurídico eram exceções. Era permitido então ver figuras como Autonomia da Vontade e Consensualismo diante as relações entre as partes.

                        Logo sob aquela visão agrária existiria a liberdade para contratar, liberdade para escolher e a liberdade para dispor. Era visto uma segurança jurídica nas relações, logo o pacta sunt servanda na idéia que o contrato fazia lei entre as partes tinha seu valor.

                        Entretanto as civilizações tendem a evoluir, deixa-se então o modelo agrário e inicia-se o surgimento da sociedade de consumo com a Revolução Industrial, fatores como os crescimentos populacionais aliado a uma urbanização violenta e necessária justificam tal mudança.

                        De forma resumida e genérica a evolução apresenta etapas que coincide na maioria dos países como o modelo capitalista. Através da história observa-se com a crise do sistema feudal, o surgimento do mercantilismo, o qual evoluiu tornando-se hoje o Capitalismo.

                        Numa economia onde quem manda é o mercado, o Estado deixa de ter total controle deixando para os especuladores esta função. A instabilidade é a marca registrada, a soberania no aspecto  da economia de mercado é utópica. A noção de propriedade que temos hoje é totalmente equivocada, pois não devemos ter mais aquela visão agrária do bem do consumo, ou seja, é de se questionar se hoje temos a propriedade ou o uso do bem[9]. Relevante ainda refletir que vivemos numa determinada situação que precisamos admitir uma desigualdade na busca de uma igualdade.

                        Para atender as exigências e demandas da população, através do movimento dos trabalhadores é que surge a Sociedade de Consumo. Utilizando-se dos dizeres do Prof. Marcelo Sodré, alguns elementos configuram esta sociedade, como a produção para a massa, produção em série, oferta publicitária, contrato em massa e um enorme oferta de crédito.

IV. Intervenção do Estado

A autonomia privada do século XIX sob efeito do liberalismo ampliava cada vez mais o controle da economia pelo mercado. O Estado de maneira alguma poderia intervir nas relações entre os contratantes. A idéia que o contrato fazia lei entre as partes e o Estado sem poder intervir nas relações refletiam em abusos de diversas maneiras.

Com o fim da primeira guerra mundial e conseqüente recuperação dos países participantes, o modelo burguês não mais se adaptava a realidade. Assim, o Estado com intuito de uma maior estabilidade e uma paz social para reconstrução, inicia intervir nas relações através de um dirigismo contratual, o qual coincide no período entre as duas grandes guerras. O Professor Nelson Nery Jr. acrescenta que:

“É nesses períodos de grande comoção econômica, aliada às vicissitudes políticas e sociais, que surge o fenômeno do dirigismo contratual, como uma espécie de elemento mitigador da autonomia privada, fazendo presente a influência do Direito Público no Direito Privado pela interferência estatal na liberdade de contratar”[10].

Alguns céticos como Ripert, chegaram a afirmar que não existiria mais o Direito Privado, haja vista o intervencionismo do Estado como Direito Público. Entretanto a idéia era equilibrar as esferas Privada e Pública, pois o Direito Privado é em quem ditava as regras e o Estado apenas fazia figura decorativa.

Esta intervenção começa configurar-se de maneira melhor quando são tratados os contratos onde o Estado era parte, ou seja, os contratos administrativos.

Divergências e dúvidas surgiam sobre qual regra se aplicariam a esses contratos quando não se tratasse de uma atividade de atribuição exclusiva do Direito Público. Ou seja, entre as regras do Direito Administrativo e do Direito Civil, prevalecendo o entendimento que aquele é que se aplicaria em qualquer relação, de qualquer natureza.

Esta intervenção em alguns momentos se dava através de um dirigismo contratual, o Estado praticamente forçava a contratação dependendo de seu objeto e conseqüente obrigação. Não haveria assim, manifestação de vontade das partes.

O Professor Frederico da Costa Carvalho Neto, em sua tese de doutorado pela PUC SP “Nulidade da Nota Promissória dada em Garantia nos Contratos Bancários”, foi bastante pertinente ao expor sobre tal tipo de intervenção,  vejamos:

“... O legislador percebeu a necessidade de intervir nessa modalidade de contrato que na verdade é peculiar não porque as partes sejam desiguais propriamente por uma ter e outra não a disposição de uma propriedade, mas porque a locação atinge duas finalidades, podendo se dizer que socialmente é bilateral, já que propicia renda deu lado e moradia, exercício de atividades, de outro.

Outro exemplo do código de 1916 é o contrato de trabalho regrado através das locações de serviços (arts. 1216 a 1229). Com o passar do tempo, o legislador foi criando leis esparsas sobre o contrato de trabalho até que o Governo Vargas consolidou essas leis com a CLT ”[11].

Acresce ainda o renomado Prof. Dr. Nelson Nery Júnior, para dar um basta naqueles que sustentam uma possível ‘morte do contrato’, assim o professor expõe:

“É preciso que o direito não fique alheio a essa mudança, aguardando estático que a realidade social e econômica de hoje se adapte aos vetustos institutos com o perfil que herdamos dos romanos, atualizado na fase de codificações do século XIX. A propósito, o último grande movimento reformista do Direito Privado no mundo ocidental ocorreu com a recepção do Direito Romano, o que, convenhamos, não se coaduna com o dinamismo que a sociedade, em constante transformação, está a exigir da ciência do Direito.”[12]

Um outro meio de intervenção nas relações contratuais centrada na boa-fé e equidade entre as partes é através do poder judiciário e sua interpretação. A barreira da pregada liberdade de contratar e autonomia da vontade teve que ceder aos poucos face aos abusos que vinham surgindo.

Como bem afirma a Profa. Cláudia Lima Marques “... ao juiz não era permitido mais do que um controle formal de presença ou ausência da vontade de um consenso isento de vícios ou defeitos, nunca, porém um controle do conteúdo do contrato, da justeza e do equilíbrio das obrigações assumidas. De outro lado, à lei cabia uma função interpretativa, no máximo, supletiva da vontade”[13].

Logo, ao tratar com a massa após de ditados momentos históricos, a necessidade de intervir nas inúmeras relações já era mais do que necessário. Esta se inicia através de fiscalizações e imposição de certas quotas e preços. Evoluído o sistema a intervenção como já visto anteriormente se deu através de edições de leis limitadoras e controladoras de certas atividades exposta a massa, como por exemplo, os serviços públicos.

A liberdade de contratar que atualmente é algo ficto começara a ser vista com outros olhos pelo Estado, logicamente o Estado procurou manter o caráter civil dos contratos. Esta intervenção começa configurar-se de maneira melhor quando são tratados os contratos onde o Estado era parte, ou seja, os contratos administrativos.

Pede-se licença para apresentar a interpretação do Professor Newton de Lucca ao explanar as modalidades de intervenção ditadas pelo Ilustre Professor Eros Roberto Grau (A Ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação e Crítica, cit., pp.156/157):

“Eros Roberto Grau ensina que a intervenção do Estado na Economia assume três diferentes modalidades: intervenção por absorção ou participação; intervenção por direção e intervenção por indução. Na primeira hipótese, o Poder Público age como agente econômico, assumindo total (absorção) ou parcialmente (participação) os meios de produção e troca de determinado setor da economia, sendo que essa atuação se desenvolve, respectivamente, em regime de monopólio ou de competição com a iniciativa privada”[14].

Quanto a Intervenção por Direção e a Intervenção por Indução, o Estado atuará como regulador da atividade econômica “estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade econômica em sentido estrito”[15], ou através da intervenção por indução, onde este  utiliza-se de “... instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados”[16].

Este último método que se utiliza das leis, reflete a hipótese mais comum do dirigismo contratual. Como exemplo em nossa legislação, muito bem lembrado pelo Professor Nelson Nery Jr., são as legislações que tratam dos contratos de trabalho e dos contratos de locação residenciais, ambos apresentam leis específicas que refletem a intervenção do Estado.

Lógico que para aqueles que louvam o Direito Privado a Intervenção do Estado nos contratos sempre fora um afronto a clássica teoria contratual, configurada pela autonomia da vontade e a liberdade de contratar. De início o antigo código civil, de 1916, regulou tanto a locação imobiliária como a locação de serviço (trabalho), pertinentemente face ao objeto destes contratos estes passarão a ser regulados por leis específicas sob um olhar necessário do Poder Público.

Logo, ao tratar com a massa após de ditados momentos históricos, a necessidade de intervir nas inúmeras relações já era mais do que necessário. Esta se inicia através de fiscalizações e imposição de certas quotas e preços. Evoluído o sistema a intervenção como já visto anteriormente se deu através de edições de leis limitadoras e controladoras de certas atividades exposta a massa, como por exemplo, os serviços públicos.

Além de que o Judiciário deixa de ser um mero espectador diante relações contratuais abusivas, as quais desviavam sua função essencial e iam de encontro à boa-fé nas relações. A justiça começa então intervir diretamente em caso de abusividades não só, em plano superior, a proteção da parte mais fraca como também o equilíbrio da relação. Este tipo de controle, bem como o controle através do Ministério Público será analisado à frente. Salientando lembrar que diferente da intervenção que se dava nas relações trabalhistas, só com a entrada em vigor do CDC em outubro de 1990 é que no Brasil iniciará uma nova fase de visão e intervenção contratual.

V. Contrato de Consumo

a) Breve análise

                        Inconcebível fazer um estudo sobre contratos e isolar fatores que implicam diretamente sua estrutura. O contrato, seja qual for a época a ser estudado, é resultado de fatores econômicos e sociais de cada época. Isso quer dizer, o meio de produção e distribuição repercute diretamente na essência e no modelo contratual. John Esser já afirmava que: “a prática de troca de mercado específica de um dado modo de organização industrial é a fonte da imagem do mercado de trocas específicas de uma dada teoria contratual”[17]

                        A analise destas fases do modelo de produção e respectivo modelo contratual, terá como base o estudo do Prof. Ronaldo Porto Macedo Jr. na obra Contratos Relacionais e Defesa do Consumidor. Conforme será observado, a produção em massa e os respectivos contratos de massa sofrem uma considerável mudança em relação aos dias atuais.

                        O estudo da evolução contratual tem como base o modelo de economia capitalista, tendo como países estudados os Estados Unidos da América e alguns países da Europa Ocidental. Seria cabível o questionamento o que teria haver o modelo brasileiro com isso, a resposta apesar de infeliz é óbvia. O Brasil importa este mesmo modelo de produção, infelizmente apenas neste aspecto, pois sob o aspecto social nada é copiado. Entretanto, nem tudo é perdido, sob o aspecto normativo pode se dizer que nossa legislação é modelo em todo mundo, tanto no aspecto material como no processual.

                        Sem embargo, pode se afirmar que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor sob o aspecto material, e o microssistema processual do CDC aliado a Lei 7.347/85 (LACP) são os modelos que apresentam menos imperfeição em todo o mundo, vários países adotam esse modelo.

                        Tem-se ciência, conforme demonstrado, que antes de um produto chegar ao estágio final do ciclo econômico, passa-se várias fases. Desde a matéria prima, passando por processos industriais intermediários, industrialização final do produto para entrar no mercado de consumo.

b) Da Manufatura a produção em massa

                        Até o final do século XIX o modelo de produção era manufatureiro, isso podia ser visto em países tidos como emergentes naquela época. Segue-se então para o modelo de produção em massa e para massa, com esse modelo de produção há também uma ampliação da distribuição. Antes a produção era apenas para suprir as necessidades micro, local, com a produção em massa inicia-se um escoamento além das fronteiras formando toda uma produção nacional.

                        Os novos canais de comunicação tiveram grande contribuição para esse escoamento nacional de distribuição. Sem dúvida já refletia os contornos do capitalismo industrial, logo, as estradas de ferro interligando as antigas micro regiões produtoras, formando uma unidade nacional; os serviços de entregas pelo correio também fora uma grande vetor de distribuição de condutas e produtos.

                        A produção em massa fora muito bem acatada pelo mercado, iniciava-se uma preocupação tanto com a qualidade dos produtos, que de início não era tão observado, como surge a concorrência. Pede-se licença para expor pertinente observação do Prof. Ronaldo Porto Macedo:

“Nesta época os produtores que obtiveram sucesso adquiriram vantagens no mercado através de sua capacidade de responder de maneira rápida e flexível aos sinais do mercado competitivo. Frente às primeiras ameaças de concorrência no tocante a preço, qualidade, demanda e entrega, os produtores melhor adaptadas ao novo tipo de produção esforçavam-se no sentido de se tornarem capazes de reajustar e reformular seus processos produtivos de modo a atingir ou superar as exigências e variações do mercado. Tal capacidade de rápida formulação estava apoiada numa estratégia  industrial baseada no uso da maquinaria que poderia realizar processos múltiplos  e diversificados e numa planta funcional que permitia a produção de pequenas quantidades de mercadorias”[18].

                        Há um contraste total com o antigo modelo de produção manufatureira, pois nesta não havia preocupação com a qualidade dos produtos; o índice de produção era reduzido; não havia tanta margem para criação de novos produtos; alto custo com a mão de obra e baixo custo com investimentos.

                        Devido estas peculiaridades da produção manufatureira o modelo contratual correspondente a esta produção eram os contratos descontínuos.  As características desse modelo contratual era a impessoalidade; a contratação presencial, o que destacava a autonomia das partes nas tratativas, barganha e o mútuo consentimento. A característica da descontinuidade se deve ao fato de apresentar uma barganha instrumental, cada ato contratual é isolado aos demais, autônomo e independente.

c) Produção em massa

                        Conforme já introduzido, tanto o modelo de produção manufatureira como o respectivo modelo contratual altera-se. Destacam-se quanto ao modelo anterior por produzirem grande quantidade de mercadorias como custo reduzido e efetiva distribuição nacional.

                        Henry Ford é tido como o pai desse modelo de produção, este modelo introduzia nas indústrias a “linha de produção” e correspondente aperfeiçoamento do gerenciamento dos processos de produção.   

                        O modelo de gerenciamento adotado buscou mecanismos afim de prever e criar técnicas de estabilização de mercados de suprimentos e de produtos em níveis que garantissem a plena utilização da linha de produção implantada. Esta mudança na forma de organização da produção capitalista requereu a criação de um novo mecanismo de regulação no qual um novo direito contratual desempenhará papel central[19].

                        Estes refletem alguns aspectos da mudança do modelo de produção. Com a produção em massa os índices qualitativos e quantitativos melhoram significativamente e os custos com o trabalho diminuem logicamente que a introdução destes mecanismos correspondia a um investimento de longuíssimo prazo.

                        Neste modelo de produção em massa o contrato adotado era o contrato aberto. Este tipo de contrato era caracterizado por envolver inúmeras negociações descontínuas ao longo de certo tempo. Com isso, o contato entre os contratantes obrigatoriamente tornavam-se mais freqüentes, pois cada negociação isolada era revisto a quantidade, preço e prazos de entrega.

                        Justamente por isso eram considerados abertos, pois algumas cláusulas ou itens eram acordados de acordo com a performance do contrato. “De modo geral, o contrato aberto mitiga e relaxa muita das características do contrato descontínuo, tornando a relação contratual dominante menos impessoal, menos presentificadora, menos negociada e menos consentida”[20], esses moldes seriam mais característicos de contratos comerciais, os quais não são raros ainda hoje.

d) Esboço de um atual modelo

                        Não descartando o modelo de produção manufaturaria, tampouco a ainda vigente produção em massa, desde 1970 com a fase do capitalismo que visa a globalização os meios e os gerenciamentos de produção se alteram.

                        Surge então um modelo de produção de estratégia de especialização flexível. Com isso a produção em grande escala perde para produção de média escala. As linhas de produção que geralmente eram fixas para uma única produção se tornam flexíveis, variando com a demanda de novas tendências, enfocada também pela concorrência.

                        Um mesmo maquinário produz inúmeros produtos e facilmente se adequa as nova necessidades, obviamente o número de trabalhadores na indústria diminuem e estes agora trabalham por produção e não mais por função.

                        No lugar de produzir números grandes de produtos para toda massa, a produção possui nichos específicos, ou seja, o alvo está predeterminado. Isto repercuti diretamente com o tipo de contrato, como será discutido. A produção neste modelo é de longo prazo, entretanto as estratégias são revistas diariamente de acordo com as tend6encias do mercado. A repercussão desse  modelo de “especialização flexível”, vigente são apontados pelo Professor Ronaldo Porto Macedo:

      i.        Redução do trabalho envolvido (“work-in-progress”), à medida que o trabalho qualificado e a inovação tecnológica aumentam a produtividade e diminuem o número de trabalhadores diretamente envolvidos em suas tarefas produtivas;

     ii.         A redução do “lead time”, isto é, tempo requerido desde o início da produção até o seu final, pois elas mesmas razões acima o tempo demandado entre o início do processo produtivo até o seu final torna-se menor;

   iii.        Redução do trabalho direto;

   iv.        A geração de um produto final de alta qualidade[21].

Este modelo contratual seguinte ao neoclássico da produção em massa ainda se adequa, na verdade podemos identificar uma transição. Não é certo, no entanto, manter um discurso que se vive ainda sob uma produção em massa. Não que não exista, mas como modelo dominante não reflete a realidade.

Os contratos deste atual modelo de produção são tidos como contratos de longa duração. As características desse contrato se fazem em eliminação e comparação das características dos modelos clássicos e neoclássicos.

Inicialmente é impossível certificar nestes contratos os preços, as quantidades, as qualidades e os prazos para entrega. Esta imprecisão vai além da característica dos contratos abertos que ainda determinava regras específicas. Dieter Hart em sua obra Substantive and Reflexive Elements in Modern Contract Law, citado por Porto Macedo, definia desta maneira: “O contrato assume, numa dimensão maior do que a teoria neoclássica é capas de admitir e incorporar um caráter processual, que adquire a forma de um jogo reflexionante que produz in fieri a medida de sua razoabilidade e justiça contratual”[22].

Estes contratos de longa duração, ou relacionais semelhante com os de cláusulas abertas serão ajustados diante o desempenho contratual. Apesar dos princípios trazidos pelo CDC e alguns destes copiados pelo Novo Código Civil, será inevitável uma nova revista nestes diante as novas tendências trazidas pelo modelo industrial e conseqüente repercussão nos contratos, ressalta-se que o recém Código Civil estava em trâmite há mais de duas décadas, ou seja, já traz alguns instrumentos ultrapassados para realidade.

O reflexo do modelo industrial flexível que repercute nas contratações ainda não chegou para discussões nos tribunais, não implica dizer que não chegaram.

Serviria de alerta para aqueles que ainda sustentam aplicação de princípios e normas puramente clássicos, ainda liberais. Ora se o modelo tido como novo que tem como representantes o CDC e Novo Código Civil já tem seus dias contados, não cabe mais discutir questões ortodoxas contratuais e sim exercitar o modelo atual à espera das novas tendências contratuais.

A indústria e o mercado atualmente trabalham com focos específicos, isto representa também contratos para grupos específicos. Para o mercado não há mais a regra de uma massa de consumidores, mais focos de consumidores com características específicas. Obviamente que há ainda tipos de produtos e serviços que é regulada para massa como um todo, mas isto numa minoria.

VI.  Dever de Informação nos Contratos

                        Dever de Informação deve ser entendido como uma das mais importantes regras do CDC, senão a mais importante, é o dever de informação do fornecedor, conseqüentemente o direito a esta pelo consumidor.

            Por informação, dentro de uma relação de consumo, está inserida toda uma gama de conseqüências e valores. A informação faz parte do produto ou serviço e como direito básico do consumidor, expresso através do inciso III do artigo 6º, dita uma obrigação do fornecedor em todos os momentos da relação e em qualquer previsão ao longo do CDC, como muito bem citado pelo Prof. Nelson Nery Jr., o código por si só iria até o 7º artigo, pois os demais se tratam de um realce daquilo já fora defendido.

                        Sustenta-se ainda, que a informação como direito básico do consumidor através do inciso III, art. 6º CDC, não é uma simples informação, e sim uma “informação qualificada”. Pois não é necessária apenas a informação,  esta tem de ser clara, precisa, compreensível e adequada, ou seja, esta deve ter como parâmetro  não  a idéia do “homem médio”, mas sim o menor grau, o consumidor de classe mais inferior, logicamente estando atento os critérios da racionalidade e proporcionalidade. Mas o defendido é a preocupação, por exemplo, com os anúncios publicitários que tem como alvo às classes menos favorecidas.

            Há de ser entendido que o maior vício, que pode se transformar num defeito é a falta de informação adequada ao consumidor. A informação qualificada, como defendido, é fruto da Regra Geral da Boa-fé,  a qual pode ser manifestada através do Princípio da Transparência, sem querer ser repetitivo mas já o sendo, prega a informação clara, precisa  e adequada em todas as fases da negociação, em caso específico, o pré-contrato (vinculante), o contrato em si (durante) e o momento pós-contrato.

                        No primeiro momento de uma relação contratual pode ocorrer o não cumprimento espontâneo da obrigação, ou ainda seu cumprimento  de forma inadequada e por fim a violação de algum dever acessório/anexo. Assim, a responsabilidade civil não seria uma causa, mas sim um efeito do inadimplemento de determinada obrigação.

                        Um exemplo a ser citado é uma falta de pagamento de determinada conta, de início o devedor estaria em mora. Passando esta fase aí sim já poderia questionar a responsabilidade civil decorrente de algum dano gerado pelo não cumprimento da obrigação.

                        Torna-se óbvio que possa existir uma responsabilidade civil sem obrigação, bem como uma obrigação sem responsabilidade civil.

                        Em Roma era permitido que no caso de descumprimentos obrigacionais, o devedor poderia torna-se escravo do credor, ou ainda o credor matar o devedor. Esta era conhecida como a Responsabilidade Pessoal.

Responsabilidades:

a) Contratual – descumprimento de uma obrigação estabelecida previamente em contrato.

b)Extracontratual, aquiliana ou delitual – prática de ato ilícito que cause dano. Podendo ser por ação ou omissão, não sendo prevista em contrato.

Tratando-se de danos gerados por meio de uma responsabilidade extracontratual, não importará o acordado em contrato. Faz-se necessário apenas a configuração da responsabilidade civil, ou seja, a ação/omissão mais nexo de causalidade mais o dano. Tratando-se de responsabilidade objetiva como regra do CDC, o efeito da conduta não tem relevância, restando-se necessário a comprovação do nexo e do dano. 

O que não quer dizer que na Responsabilidade Contratual não ocorra. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor procura preservar o contrato, assim antes de qualquer medida será procurado diante de determinada situação, equilibrar a situação contratual procurando cumprir ou não determinada cláusula. Por fim, como última hipótese é que poderá transforma-se toda situação em perdas e danos, a exemplo da legislação civil.

                        Quando se trata de eficácia se tem em mente quais os efeitos jurídicos que determinada relação jurídica produzirão e até quando. Conveniente questionar se há realmente um exaurimento do contrato.

                        Em regra o contrato que produz os efeitos acordados é eficaz, no caso efeitos jurídicos. Logo, conclui-se que a eficácia de um contrato se dá através de seus efeitos.

                        Entretanto, apesar desses efeitos já terem sidos manifestos perfazendo em tese uma relação jurídica perfeita, questiona-se até quando este vínculo permanece.

                        O Professor Rogério Ferraz Donnini esclarece que:

“O estudo dos efeitos dos contratos, na maior parte das vezes, tem um enfoque inverso, ou seja, fala-se mais na ausência de efeitos, na ineficácia do ato, do que propriamente na produção de seus efeitos”[23].

                        Decorrente de uma complexidade intra-obrigacional o contrato gera deveres principais, acessórios e de conduta (não confundir com obrigações principais e acessórias).

                        Entendemos que esta informação deva ser qualificada, pois além desses requisitos impostos acima por meio do art. 6º, III CDC, em qualquer uma de suas manifestações seja informação, anúncio, mensagem, proposta, oferta, publicidade, dentre outros.  Esta deve ser totalmente captada por aquele que foi alvo, no caso o consumidor, ou seja, a informação deve chegar totalmente traduzida aos padrões daquele que recebeu. Releva-se ainda comentar um problema para o consumidor quando a informação é excessiva, ou seja, apesar de ser volumosa não atinge são função mínima.

                        Faz questão de ser repetido que sem a menor dúvida o maior defeito (ou vício) nas relações de consumo é a falta ou a indevida informação. Se o mercado oferecesse uma informação devida aos seus consumidores, sem dúvida as demandas consumeristas iriam diminuir de forma exagerada.

                        Como tratamos de contratos, seus efeitos e conseqüências, o CDC além do art. 6º III, previu o artigo específico. O artigo 46 CDC ressalta mais uma vez a questão da informação. Este artigo tem como escopo inibir uma prática que até hoje não diminuiu, destaque os casos de contratos por adesão, ou seja, a não informação daquilo que esta sendo estipulado através das cláusulas.

                        Neste aspecto o mercado necessita se educar muito ainda, o texto normativo do artigo ainda permanece ignorado. Destacaríamos nesses casos as financeiras, bancos, cartões de crédito, dentre outros do gênero.

a) Culpa in Contrahendo (Responsabilidade Pré-Contratual)

                        Um das conseqüências que o contrato pode causar já se inicia em suas tratativas, ou seja, um período, pré-contratual. Tratando de relações de consumo, e até mesmo civil, é de extrema importância a análise do momento pré-contrato, poder-se-ia citar as questões dos vícios de consentimento e vícios sociais, os quais podem gerar obrigações ou responsabilidades dependendo do caso.

                        Motivo de indagação dentre os doutrinadores pátrios e estrangeiros é a natureza jurídica da culpa in contrahendo. Unânime apenas que essa responsabilização ou obrigação decorre da conduta imposta pela boa-fé objetiva.

                        Assim, questiona-se se a culpa in contrahendo tem natureza de responsabilidade ou obrigação. E ainda, se no caso de responsabilidade esta seria responsabilidade contratual ou extracontratual.

                        Há uma proposta ainda por uma terceira espécie de responsabilidade denominada terceira via, a qual estaria entre a responsabilidade contratual e a extracontratual. A divergência decorre também da questão da formação do contrato ou não.

                        No caso da relação de consumo onde se tem uma oferta publicitária, anúncio, proposta, divulgação ou qualquer informação, a legislação prever que o meio utilizado vinculará o fornecedor que efetivou, ou seja, é um mandamento legal, uma obrigação e não em primeiro momento um caso de responsabilização.

                        Logo, tratamos de uma previsão legal, não contratual. Concluiríamos que se trata de uma obrigação legal, que de inicio será tentado seu cumprimento e caso sua impossibilidade aí sim será questão de responsabilização. No caso uma obrigação que pode transforma-se em responsabilização.

                        São casos de obrigações pré-contrato e responsabilidades pré-contratual que resultarão as maiorias dos questionamentos do exaurimento do contrato, na fase do pós contrato.

                        Ainda nessa fase dentro das relações de consumo o CDC com objetivo de evitar possíveis desavenças prever através dos artigos (6º, 8º, 9º, 12, 14, 18, 19, 20, 23, 31, 36, 37 e 46) alguns deveres, principalmente quanto a informação.

b) Culpa Post Pactum Finitum (Responsabilidade Pós-Contratual)

                        Este tipo de responsabilidade também decorre das condutas impostas pela Boa-fé objetiva. Vem sendo desenvolvida pela doutrina e jurisprudência alemã e seguida pela doutrina portuguesa. [24]

                        A obrigação permanece mesmo que já extinto o contrato, trata-se dos deveres anexos que devem persistir mesmo após a relação jurídica consumada. Diferente da culpa in contrahendo, não há qualquer previsão legal para a responsabilidade pós-contratual na legislação civil, o desenvolvimento decorre da boa-fé objetiva.

                        Na legislação consumerista pode se interpretar algumas intenções de prever essa modalidade. De imediato como apontado pelo Prof. Nelson Nery o art. 6ºVI CDC, abarca esta responsabilidade pós contratual ao expor que: “6ºVI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.

                        O Professor Rogério Doninni entende que a Culpa Post Pactum Finitum se subdividiria em aparente e em stricto sensu. Explica-se, para o professor quando há um mínimo de previsão legal para uma obrigação posterior ao encerramento do contrato esta seria uma Culpa Post Pactum Finitum aparente.

                        É o caso do artigo 6º, VI, artigo 10, §1º e o artigo 32. Ocorrendo também quando se tratar de garantia legal e contratual, ou seja, há previsões para elas[25]. Assim para que ocorra uma Culpa Post Pactum Finitum stricto sensu não pode existir previsão contratual nem legal, pois estas suprir-se-iam por seu vínculo obrigacional.

                        Acresce o Prof. Doninni que:

“É mister esclarecer,  contudo, que se o dever de informação, proteção ou lealdade estiver previsto em lei de maneira específica e que se enquadre no caso concreto, ou ainda contratualmente, não será hipótese de responsabilidade pós-contratual, mas exato cumprimento de determinação legal que estende os efeitos do contrato, ou disposição contratual que estabelece um certa produção de efeitos”[26].

                        Já se a fundamentação surge do dever de boa-fé objetiva e da probidade, mesmo que previsto em lei, devido sua determinação ampla, poderá si justificar uma Culpa Post Pactum Finitum stricto sensu.

c) Venire contra factum proprium

Também poderia ser identificado com o estoppel do direito anglo-saxônico, o que para Menezes de Cordeiro, dando a definição de Weber, seria o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente[27], o que seria mais bem espelhado com a famosa teoria da imprevisão.

            Em termos específicos da relação consumerista contratual, há de ser frisado o artigo 46 do CDC, que não de forma repetitiva, mas sim esclarecedora de uma manifestação do art. 6º III, para os contratos, afirma que os contratos não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão e seu sentido e alcance[28].

            Seguindo o exemplo do Código Civil Italiano, o artigo 46 CDC, exprime duas proteções, a do contrato em si com suas respectivas cláusulas mais a questão da informação devida e prévia. Na Itália, é comum que o consumidor junto com o respectivo fornecedor, leia o contrato na íntegra, juntos, necessitando de um ‘check’ do consumidor em cada cláusula lida e compreendida.

            Referente à Autonomia da Vontade, dentro de uma relação de consumo, defender-se-ia em regra, uma total ficção, ou seja, é totalmente utópico   falar em Autonomia da Vontade.

            A liberdade para contratar, escolher e dispor, hoje são totalmente mitigados. Na relação de consumo em regra estamos sujeitos aos contratos massificados, ou seja, os famosos contratos por adesão recheados de abusividades, onde a autonomia do consumidor na sua grande maioria fica a cargo de uma simples aceitação, pois o consumidor com intuito de adquirir um produto ou serviço, adere aquela imposição de cláusulas, e futuramente caso constatado alguma irregularidade discuta em juízo, sob pena de não ter satisfeita aquela intenção, como muito bem asseverado pelo Prof. Frederico da Costa Carvalho, em  aula dada na especialização do curso de Direito das Relações de Consumo.

            Ainda de significativa relevância comentar um artigo do inconfundível Professor Ronaldo Porto Macedo Júnior, que na Revista Direito do Consumidor nº 35, p. 117, trata da “racionalidade limitada”, ou seja, o professor defende que: “A idéia de racionalidade limitada (bounded rationality) reconhece que os indivíduos não estão aptos a receber, armazenar e processar um grande volume de informações”, o ilustre professor, com vossa autoridade que lhe é peculiar, é feliz em levantar este aspecto da racionalidade limitada do consumidor, seria redundante dizer, porém aceitável afirmar que seria um plus na vulnerabilidade do consumidor.

São casos como um consumidor chega com um ente num hospital diante de uma urgência/emergência, onde lhe é  pedido um cheque caução (considerando que este tem plano de saúde naquele estabelecimento), ou seja não é momento de questionar se aquilo é abusivo ou não naquele momento. Um outro exemplo é o caso da contratação de serviço funerário, diante daquele background bastante conhecido.

                        Situações que a informação não é processada na mente da pessoa, devido ao fato, de estar voltada para uma situação mais relevante naquele momento, a qual lhe toma todas as atenções. O que contraria os dispositivos básicos do CDC quanto aos elementos da informação, já expostos.

                        Neste contexto, através de um mercado capitalista globalizado, muito bem expresso por alguns sábios como um Neocolonialismo, contar com os ditames do CDC, primando pela defesa de um consumidor vulnerável, e ainda com a possível intervenção estatal, um dirigismo contratual necessário que tem por base a Regra Geral da Boa-fé objetiva e a Função Social do Contrato. 

                        Em termos práticos, os contratos que se encontra em determinados cartórios alhures, terão de não só mostrar vossas caras, mas também o corpo inteiro, de forma clara, transparente e legível aos seres mais ignorante. Ciente que a idéia é totalmente utópica, porém a base deste ideal é centrada apenas nos ditames legais tanto do CDC, já comentado como da própria Carta Magna onde expressa que é dever do Estado a defesa do consumidor, bem como o respeito à dignidade humana.

E que se entenda pelo o termo Estado, não apenas o ente federativo, mas também toda a sociedade seja através da sociedade organizada, do Judiciário, Ministério Público e até o consumidor individualmente. Como também o simples fato de ser discutido tema como este, com finalidade de desenvolver consciências, pesar valores e ideais em prol de algo que vai além do individual, mas de uma convivência harmônica em sociedade adaptando os interesses do mercado, do desenvolvimento tecnológico respeitando o cidadão diante de seus direitos comezinhos.

VII.  A Função Social do Contrato e a Boa-fé Objetiva

Em consonância com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o C. Civil de 2002 muda totalmente seu foco, tendo como base, ideais como a eticidade, socialidade e a operacionalidade.

                        Ainda está difícil de ser entendido, este novo ideal pelos civilistas e comercialistas que há uma significativa mudança no espírito da lei.

                        Atualmente, a exemplo do CDC, o C. Civil de 2002 apresenta duas características, espelhada através da própria letra da lei, que é a Boa-fé Objetiva e a Função Social do Contrato.

a) Boa-fé Objetiva

                        Tratar de contratos, em destaque os de consumo, sem tratar da boa-fé objetiva é totalmente inconcebível. Seja esta na manifestação de princípio, cláusula geral ou regra, o que nos remeteria a outra grande discussão, seguir-se-á  a pesquisa laborada pelo Prof. Paulo Jorge Scartezzini Guimarães[29]. Que diante tantas obras consultadas e estudadas, apresentou com grande mérito uma das melhores abordagens sob a temática da boa-fé objetiva nas relações de consumo.

                        Tem-se que a origem da boa-fé de maneira geral vem do termo fides (latim), este já tratado desde a Roma arcaica. Na lei das XII tábuas já havia previsão  de sanção religiosa no caso de fraudes do patrão em face de seu cliente.

                        Após cair em desuso, retorna no período clássico em Roma, entretanto sobre o aspecto puramente processual, estas fundadas na actiones in ius conceptae. O Prof. Scartezzini, citando Jairo Vasconcelos do Carmo e J. Cretella Júnior, acresce que:  “Corporificou-se na  bonae fidei iudicia, que buscava no processo, deixando de lado o formalismo, a melhor solução para os litígios contratuais”[30].

                        Ressurge novamente nas questões possessórias, neste caso o Prof. Menezes de Cordeiro aponta uma confusão dentre as significações da boa-fé com a nonum et aequum e a aequitas

                        Já no direito canônico, a boa-fé  era tida como ausência de pecado, fazendo oposição a idéia de má-fé. Neste sentido mais ressaltado o aspecto subjetivo, iniciando assim, o que seria contemplado no Código de Napoleão, ou seja, diferenciação entre a boa-fé objetiva e a boa-fé subjetiva.                      

                        Por Boa-fé Objetiva, que como visto tem origem do Direito Romano, como Bonna Fides, porém os alemães tomaram sua paternidade e em 1896, pregam este através do §242 do BGB Alemão, deve-se entender uma regra de conduta um dever anexo, seja antes da contratação, durante e após. Esta conduta, como regra geral prima por uma lealdade, confiança, harmonia, proteção, informação e retidão entre as partes, ou seja, não é só para o fornecedor ou o proponente, esta boa-fé é necessária também ao consumidor e ao contratante, em prol da harmonia de vossos interesses.  Quanto às adjetivações entre princípio, regra geral ou norma da Boa-fé objetiva, não apresenta grande relevância discutir, no entanto em consonância com uma grande parte dos estudiosos, é entendida a Boa-fé objetiva como uma Regra Geral para as relações civis e  de consumo em geral.

                        Para o Direito Alemão  a boa-fé é tida inicialmente  como um mandamento para o comportamento dos contratantes, sob enfoque considerado dos usos e costumes. Além de que este mandamento não se limita apenas aos deveres acessórios, pois este também é útil como regra suprema.

                        A boa-fé como regra suprema será útil na aplicação de outras normas simples, o efeito será mais complementador e corretor destas normas. Entretanto, o Professor Harm Peter Westerman nos atenta que: “... impõe-se precaução, uma vez que cada uma das normas isoladas não só traduzem técnicas jurídicas e proposições didáticas mais ou menos isenta de valoração, mas sim, dão juízos de valor vinculativos. Por isso, a complementação e a correção devem restringir-se a adaptar os juízos de valor legislativos e suportes fáticos imprevistos ou não apreendidos normativamente em sues pormenores, de modo consciente”[31].

 

Como citar o texto:

SILVA, Marcus Vinicius Fernandes Andrade..Os Juros nos Contratos de Mútuo ao Consumidor. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 173. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-consumidor/1173/os-juros-contratos-mutuo-ao-consumidor. Acesso em 10 abr. 2006.

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