O capitalismo venceu, mas não resolveu as carências mínimas de três quartos da população planetária. O sonho igualitário socialista sofreu uma derrota flagorosa, mas não morreu. A hegemonia global é mais do que nunca gravada pelo ethos empresarial da acumulação, acirrando as contradições entre Norte rico e Sul miserável. Desta forma, a perspectiva emancipatória não se encontra descartada. Do anestesiante impacto inicial, surge uma possibilidade histórica: a da emancipação da esquerda democrática do legado bolchevista-stalinista, através de um acerto de contas crítico com Marx e as doutrinas construídas em seu nome”.

Edmundo Lima de Arruda Junior

Resumo: Este trabalho pretende apresentar os resultados da pesquisa A advocacia numa era de abertura democrática: a defesa do Estado democrático de direito como possibilidade de transformação social, cujo objetivo principal foi investigar o papel da advocacia no Estado democrático de direito, suscitando seus limites e possibilidades em direção à transformação social. A pesquisa foi essencialmente qualitativa. Foram utilizadas como fontes primárias a Constituição de 1988, a Lei n. 8.906/1994 e o Código de Ética e Disciplina da OAB (pesquisa documental). A análise dos dados consistiu numa revisão bibliográfica centrada na advocacia como potencial de transformação social no Estado democrático de direito. O principal resultado foi a constatação de que o advogado, por ser indispensável à administração da justiça, tem o dever de trabalhar contra a manutenção do status quo, visto que a estrutura atual impede a realização dos direitos em sua universalidade. Dessa maneira, o advogado deve fazer-se presente em todos os espaços públicos e privados da sociedade assegurando a defesa incondicional dos direitos do cidadão, a partir da defesa do Estado democrático de direito, para revolucionar a busca da igualdade e da justiça social e, enfim, cumprir com seu dever interminável de transformação social.

Palavras-chave: Advocacia, Estado democrático de direito, transformação social, marxismo, Constituição de 1988.

Sumário: 1 A advocacia no Brasil pós-1988; 2 A advocacia na ordem do Estado democrático de direito (CF/1988); 3 Estatuto da OAB (L. 8.906/1994): o status da advocacia no Estado democrático de direito; 4 Código de ética e disciplina da OAB: trabalho profissional não é mercadoria; 5 Considerações finais (o futuro da advocacia no Brasil); 6 Referências.

1 A advocacia no Brasil pós-1988

À parte esses traços de manifestações informais, ao privilegiar o monopólio da produção normativa estatal, cabe precisar que a particularidade desta legalidade não só foi significativa para a formação dogmática integrada no ensino e na aplicação do Direito, como na prolongada influência formalista sobre gerações de advogados, juristas e professores.

Antônio Carlos Wolkmer

O Estado brasileiro passou por profundas transformações na década de 1980 em razão da explosão das greves (NORONHA, 1991, p.95) e do surgimento dos movimentos sociais (CARVALHO, 1998) – contra o autoritarismo, a corrupção, o corporativismo dos tradicionais mecanismos de luta popular (partidos, sindicatos, associações...) e por melhores condições de vida, reivindicando espaços de controle social das políticas públicas sociais, até então dominadas pelos agentes estatais (FERREIRA; FURTADO, 2005, p.63) – e, do ponto vista jurídico, pela promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 05 de outubro de 1988, documentando o fim da ditadura militar e o início de uma era de abertura democrática.

A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os diretos fundamentais do homem [e da mulher] e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado (SILVA, 2001, 37-38).

A doutrina corrente, ainda conforme Silva (2001, p.38), convencionou serem elementos do Estado o território, a população e o governo (ou soberania popular), destacando a adoção, por alguns, de um quarto elemento, qual seja a finalidade[1].

Seria, então, a constituição do Estado o instrumento regulatório desses elementos e de suas relações, ou seja, nela devem estar contidos os limites e possibilidades da participação dos cidadãos (povo), num espaço físico delimitado (território), visando maximizar a liberdade e a igualdade (finalidade), aproximando governantes e governados numa prática social de legitimação (soberania popular), (CAMPILONGO, 1997, p. 107).

A constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas etc.); como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder que emana do povo. Não pode ser compreendida e interpretada, se não se tiver em mente essa estrutura, considerada como conexão de sentido, como é tudo aquilo que integra um conjunto de valores. Isso não impede que o estudioso dê preferência a dada perspectiva. Pode estudá-la sob o ângulo predominantemente formal, ou do lado do conteúdo, ou dos valores assegurados, ou da interferência do poder (SILVA, 2001, p. 39-40).

Nesse sentido, considera-se que, para entender a democracia brasileira, e, por conseguinte, a advocacia neste Estado democrático de direito, não basta estudar as disposições constitucionais. É necessário, também, saber como se deu (e continua a se dar) o processo de construção da cidadania[2], no Brasil, ao longo de sua história, isto é, a natureza do percurso, a cronologia, a seqüência em que foram estabelecidos os direitos civis, sociais e políticos.

Aqui [no Brasil], primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de supressão dos direitos políticos e de redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular. Depois vieram os direitos políticos, de maneira também bizarra. A maior expansão do direito do voto deu-se em outro período ditatorial, em que os órgãos de representação política foram transformados em peça decorativa do regime. Finalmente, ainda hoje muitos direitos civis, a base da seqüência de Marshall, continuam inacessíveis à maioria da população (CARVALHO, 2003, p. 220).

Dessa forma, a cidadania brasileira foi alicerçada nos direitos sociais. A conseqüência disso para o problema da eficácia da democracia, conforme Carvalho (2003, p.221), é a excessiva valorização do Poder Executivo[3] agudizidada pela busca de um messias político. Como a experiência de governo democrático ainda é muito curta (apenas no período pós-1985) e as expressões da questão social têm persistido e mesmo agravado, cresce também a impaciência popular com o funcionamento geralmente mais lento do mecanismo democrático de decisão (CARVALHO, 2003, p.222), buscam-se, então, soluções mais rápidas em lideranças carismáticas e messiânicas.

Talvez até pelo fato de que o “conservadorismo brasileiro nos legou uma concepção de democracia e uma idéia de revolução. O problema é que nos legou uma concepção autoritária de democracia. E, por conseqüência, a única idéia que pôde nos legar de revolução é a do golpe de Estado”. Nesse sentido, “não é o povo quem faz a democracia, mas o representante maior da ditadura” (WEFFORT, 1986, p.32).

Essa mistura complexa de ambigüidade e de cinismo nos legou um conceito de democracia segundo o qual esta é apenas um instrumento de poder. Um instrumento de poder entre outros, apenas um meio, uma espécie de ferramenta para se atingir o poder. Essa idéia está de tal modo enraizada em nossos hábitos políticos que ficamos, com freqüência, embaraçados diante da simples possibilidade de virmos a pensar a democracia como um fim em si.

[...] Regra geral, estamos preparados para perceber o sentido da política antes na violência do que no diálogo, antes na coerção do que na liberdade.

E quanto ao poder, se alguém nos pergunta o que é isso, as primeiras imagens que nos ocorre é sobre os aparatos de poder. São sobre o poder como coisa. Seria casual na tradição política brasileira a referência tão constante nos discursos oficiais aos “poderes constituídos”? É que a tradição – conservadora e autoritária – faz de tudo para obscurecer a dimensão essencialmente constituinte da noção de poder, ou seja, o poder como algo que se cria, como associação livre de vontades. Para a tradição é mais fácil perceber, por exemplo, o poder de um burocrata que apenas implementa decisões de outros do que o poder de uma proposta política que mobiliza enormes quantidades de pessoas para chegar a determinadas decisões. Percebe melhor o poder morto do “aparelho”, da “máquina”, do que o poder vivo, potencialmente transformador, das relações políticas reais. No limite, vê no poder a capacidade da repressão muito mais do que a da libertação (WEFFORT, 1986, p. 34-35).

 Além dessa cultura política estatista, ou governista, o fato de os direitos sociais constituírem a base da cidadania no Brasil favoreceu também uma visão corporativista dos interesses coletivos[4], expressa, por exemplo, quando os eleitores desprezam os políticos, mas continuam votando neles na esperança de obter benefícios pessoais (CARVALHO, 2003, p. 222-224).

Há, ainda, que se ressaltar que a (re)democratização do Brasil não foi um movimento de “baixo para cima”, mas ao contrário, foi resultado do processo de conquista da hegemonia política por parte da classe dominante, conforme destaca o historiador Antônio Rago Filho:

[...] a ditadura militar brasileira, como outras tantas latino-americanas, não teve uma derrota mortal. Após 21 anos de sua existência, o trânsito da forma bonapartista para a institucionalização da autocracia burguesa em nosso país se deu por um processo de auto-reforma. Isto significa dizer que mesmo não desconhecendo o desenvolvimento das pressões populares, os combates travados para derruba-la, em especial com o surgimento das greves em fins da década de setenta, das ações parlamentares e extraparlamentares, dos movimentos sociais, o trânsito não se operou num movimento que pôs abaixo todas as vigas de sua sustentação: não se processou por um movimento revolucionário. Ao contrário, essa “transição transada” foi orquestrada dentro do prisma de uma “transição lenta, gradual e segura”, com o cronograma dos passos a serem efetivados dentro dos limites e controle dos gestores bonapartistas do capital atrófico. Uma das estratégias da autocracia burguesa, como já assinalado, foi a de deixar de modo intocável a estrutura econômica, deixando aberto às oposições o campo da política, espaço regulado e aberto para “o aperfeiçoamento das instituições democráticas”. O aprimoramento das formas políticas significou concretamente a manutenção da ditadura do grande capital, e na “volta aos quartéis” nenhum “acerto de contas” que derrotasse o fardo pesado imposto ao próprio povo (RAGO FILHO, 2004, p.10).

Para muitos, o remédio se encontra em reformas políticas (eleitoral, partidária, da forma de governo), entretanto, a frágil democracia brasileira precisa de tempo para se consolidar.

Nossos equívocos habituais sobre o sentido da política são, como muitos outros, resultado de uma história em que a política jamais se tornou, verdadeiramente, democrática. São o resultado de uma história em que a política tem sido, quase sempre, o privilégio de uns quantos oligarcas e assemelhados. Uma história que, até aqui, mal conseguiu construir um espaço público onde a atividade política, quase sempre limitada às classes dominantes, pudesse se diferenciar das atividades privadas dessas mesmas classes dominantes. Uma história, enfim, que os conservadores têm sido, desde sempre, vitoriosos (WEFFORT, 1986, p.25).

Então, no Brasil, apesar da desvantagem de ter como primeiro direito garantido os direitos sociais, é possível que:

[com] o exercício continuado da democracia política, embora imperfeita, permita aos poucos ampliar o gozo dos direitos civis, o que, por sua vez, poderia reforçar os direitos políticos, criando um círculo virtuoso no qual a cultura política também se modificaria (CARVALHO, 2003, p.224).

Há, portanto, que se ressaltar um certo componente revolucionário das Constituições de Estado democrático de direito (SILVA, 2001, p.116 e ss.), pois, ao positivar a garantia universal de acesso aos diretos à população, permite-se a luta por sua efetivação. Abrindo, assim, a possibilidade de, mediante a luta dentro da ordem, visualizar-se estratégias transformadoras, até mesmo contrárias a disposições legais e constitucionais, visto serem essas, pelo menos em tese, fruto da vontade política da maioria. Nesse processo,

[...] o envolvimento político das classes trabalhadoras e das massas populares no aprofundamento da revolução dentro da ordem possui conseqüências socializadoras de importância estratégica. A burguesia tem pouco que dar e cede a medo. O proletariado cresce com a consciência de que tem de tomar tudo com as próprias mãos e, a médio prazo, aprende que deve passar tão depressa quanto possível da condição de fiel da “democracia burguesa” para a de fator de uma democracia da maioria, isto é, uma democracia popular ou operária (FERNANDES, 1985, p.13-14).

Então, apesar de não ser suficiente estudar apenas os dispositivos constitucionais, é essencial proceder a seu estudo para que se possa conhecer os limites e possibilidades da advocacia no Estado democrático de direito.

2 A advocacia na ordem jurídica do Estado democrático de direito (CF/1988)

A constituição de 1988 proclamou em seu artigo 1º a adoção da forma de governo republicana, com a federalização em três níveis (União; Estados-membros e Distrito Federal; e Municípios), os quais são indissolúveis e constituem o Estado democrático de direito: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito [...], (CF/1988).

A principal relevância do conteúdo dessa norma constitucional, segundo Silva, está em que a “Constituição de 1988, quando afirma que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito”, não o faz “como mera promessa de organizar tal Estado, pois a Constituição aí já o está proclamando e fundando” (SILVA, 2001, p. 123).

Dessa maneira, antes de qualquer coisa, parece ser necessário definir o que vem a ser o Estado de direito, para depois lhe acrescer o componente democrático. Isso porque o Estado de direito tem sua origem histórica, carente de conteúdo democrático, no pensamento liberal.

Daí falar-se em Estado Liberal de Direito, cujas características básicas foram: (a) submissão ao império da lei, que era a nota primária de seu conceito, sendo a lei considerada como ato emanado formalmente do Poder Legislativo, composto de representantes do povo, mas do povo-cidadão; (b) divisão dos poderes, que separe de forma independente e harmônica os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, como técnica que assegure a produção das leis ao primeiro e a independência e imparcialidade do último em face dos demais e das pressões dos poderosos particulares; (c) enunciado e garantia dos direitos individuais. Essas exigências continuam a ser postulados básicos do Estado de Direito, que configura uma grande conquista da civilização liberal (SILVA, 2001, p. 116-117).

Além disso, Silva afirma ser um elemento importante do Estado de direito o fato de esse estar submetido ao Poder Judiciário, ou seja, todos os atos legislativos, executivos, administrativos e, inclusive, os judiciais estão sujeitos ao controle jurisdicional, no que se refere à legitimidade constitucional e legal (SILVA, 2001, p.118).

Mas a garantia de um Estado de direito não pressupõe o componente democrático, ou seja, o Estado de direito não é necessariamente um Estado democrático. Este alicerça-se no princípio da soberania popular[5], o qual “impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública”. Mas essa participação “não se exaure [...] na simples formação das instituições representativas, que constituem um estágio da evolução do Estado democrático, mas não o seu completo desenvolvimento” (SILVA, 2001, p. 121).

Agregando, então, o elemento democrático ao Estado de direito, não se tem a mera união formal dos conceitos, mas a sua superação na medida em que o novo conceito incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo (SILVA, 2001, p.123).

A diferença, quando se fala de reformas no âmbito de uma revolução, é a participação do povo na direção do processo. Ou seja, a diferença é a democracia. Se é disso que se trata quando se menciona as reformas no âmbito da revolução, com mais razão ainda quando se fala da possibilidade de transformação da sociedade através da democracia.

A diferença é a participação popular nas mudanças. Significa mudar para criar no âmbito da democracia, mesmo que em caráter parcial, os processos de participação que são típicos de uma revolução. Ou seja, para quem quer realmente mudar a sociedade, o caminho é mais participação, ou seja, mais democracia, e não menos (WEFFORT, 1986, p.113).

Esta possibilidade se dá na medida em que a Constituição de 1988, mesmo não tendo estruturado um Estado democrático de direito de conteúdo socialista, nem prometido uma transição para o socialismo mediante a realização da democracia econômica como o fez a Constituição portuguesa, ela “abre as perspectivas de realização social profunda pela prática dos direitos sociais que ela inscreve e pelo exercício dos instrumentos que oferece à cidadania e que possibilita concretizar as exigências de um Estado de justiça social, fundado na dignidade da pessoa humana[6]” (SILVA, 2001, p.124).

O Estado democrático de direito é, pois, um Estado de justiça social fundado no princípio da legalidade, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (Art. 5º, II, da CF/1988). Entretanto, as leis possuem uma linguagem técnica.

Ao disciplinar a conduta humana, as normas jurídicas usam palavras, signos lingüísticos que devem expressar o sentido daquilo que deve ser. Esse uso oscila entre o aspecto onomasiológico da palavra, isto é, o uso corrente para a designação de um fato, e o aspecto semasiológico, isto é, sua significação normativa. Os dois aspectos podem coincidir, mas nem sempre isto ocorre. O legislador, nesses termos, usa vocábulos que tira da linguagem cotidiana, mas freqüentemente lhes atribui um sentido técnico, apropriado à obtenção da disciplina desejada. Esse sentido técnico não é absolutamente independente, mas está ligado de algum modo ao sentido comum, sendo, por isso, passível de dúvidas que emergem da tensão entre ambos (FERRAZ, 2001, p.251).

Essa tensão provocada pelo duplo significado das palavras que compõem a lei torna imprescindível para sua apreensão a aplicação do método jurídico (FERREIRA, 1986, p. 169), motivo pelo qual o advogado é peça fundamental para o exercício da cidadania, ou seja, para a efetivação da participação, do controle social da gestão pública, do acesso aos direitos e serviços, cuja prestação é dever do Estado e para a criação de novos espaços públicos e o fortalecimento dos já existentes. Sendo assim:

A constituição de 1988 erigiu a princípio constitucional a indispensabilidade e a imunidade do advogado, prescrevendo ser o advogado indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei [art. 133 da CF/1988; art. 2º do Estatuto da OAB; art. 2º do Código de Ética e Disciplina da OAB]. Tal previsão coaduna-se com a necessária intervenção e participação da nobre classe dos advogados na vida de um Estado Democrático de Direito (MORAES, 2005, p. 1715).

Então, em outras palavras, na República Federativa do Brasil ao advogado cumpre a defesa do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce (art. 2º do Código de Ética e Disciplina da OAB).

Dessa maneira, os objetivos da advocacia e os objetivos do Estado democrático de direito se confundem. Sem muito esforço chegamos a essa conclusão. Ora, se o advogado deve defender o Estado democrático de direito e este tem alguns objetivos fundamentais, então o advogado deve defender o cumprimento desses objetivos.

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – Construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – Garantir o desenvolvimento nacional;

III – Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – Promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF/1988).

Nesse sentido, a advocacia é um dos meios de que dispõe os Estado democrático de direito para construir uma sociedade livre, justa e igualitária, ou seja, para a realização da democracia que pressupõe a redução das desigualdades sociais e regionais, inclusive por meio da erradicação da pobreza, como forma de promoção do bem de todos, sem qualquer preconceito ou discriminação.

3 Estatuto da OAB (L. 8.906/1994): o status da advocacia no estado democrático de direito

O texto constitucional de 1988 ao fazer referência ao advogado (art. 133) como figura indispensável à administração da justiça [...] nos termos da lei, trouxe como exigência para o exercício profissional da advocacia a necessidade de uma lei que a regulamentasse. Essa requisitada norma foi aprovada e sancionada como Lei n. 8.906, em 04 de julho de 1994, dispondo sobre a advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. Inicialmente, ao tratar da advocacia em seu art. 2º, reiterou a indispensabilidade do advogado na administração da justiça, bem como sua inviolabilidade no exercício profissional.

Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.

§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus[7] público.

§ 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites da Lei.

Atribui à advocacia o status de serviço público e exalta a função social correspondente a ela. Ressalta, ainda o papel do advogado no processo judicial, qual seja contribuir ao convencimento do julgador, buscando a verdade[8] e possibilitando a construção democrática de decisão favorável ao seu constituinte. Ressalte-se que essa é a função do advogado no processo judicial, mas a seara de atuação da advocacia não se limita à prática forense.

Por ser considerada serviço público indispensável à administração da justiça e dada sua função social, a advocacia não se subordina nem à magistratura, nem ao ministério público, não havendo entre nenhum deles relação de hierarquia (art. 6º do Estatuto da Advocacia e da OAB). Motivo pelo qual as “autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho” (art. 6º, p.u., do Estatuto da Advocacia e da OAB).

Para garantir o exercício da advocacia, o referido Estatuto prescreve outros direitos inerentes à profissão do advogado. Dentre eles, destacam-se:

Art. 7º [...]

I – exercer, com liberdade, a profissão em todo território nacional;

XI – reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento;

XII – falar, sentado ou em pé, em juízo, tribunal ou órgão de deliberação coletiva da Administração Pública ou do Poder Legislativo;

Esses constituem a base a atividade profissional do advogado e que somados à sua inviolabilidade, podem garantir um trabalho destemido de defesa do Estado democrático de direito, pois a Lei 8.906/1994 (princípio da legalidade) lhe assegura liberdade e lhe confere o direito de voz perante qualquer órgão público de decisão coletiva e de reclamação contra qualquer ato de autoridade que viole norma já estabelecida.

Esses direitos, na verdade, são necessários ao exercício do trabalho profissional do advogado, na exata medida que:

Art. 31 O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.

§ 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância.

§ 2º Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão (Estatuto da Advocacia e da OAB).

Esse prestígio de que trata o caput do art. 31 refere-se à valorização que deve merecer o advogado em decorrência do serviço público que presta da função social que exerce. Em outras palavras, refere-se a confiança que esse profissional deve inspirar, posto ser essencial à administração da justiça e defensor do Estado democrático de direito, dos direitos humanos, da justiça social.

Sendo assim, a liberdade lhe garante independência (art. 7º, I, c/c art. 31, §1º, do Estatuto da Advocacia e da OAB), e dever de que “nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão” lhe obriga a “reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento” e a “falar, sentado ou em pé, em juízo, tribunal ou órgão de deliberação coletiva da Administração Pública ou do Poder Legislativo” (art. 7º, XI e XII, c/c art. 31, §2º, do Estatuto da Advocacia e da OAB).

Além disso, o advogado, para se inscrever nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, condição para o exercício da profissão, deve cumprir com alguns requisitos[9] dentre outros definidos pelo art. 8º da Lei n. 8.906/1994, in verbis:

Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:

I – [...]

II – diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;

III – [...]

IV – aprovação em Exame de Ordem;

V – não exercer atividade incompatível com a advocacia;

VI – [...]

VII – prestar compromisso perante o Conselho (Estatuto da Advocacia e da OAB).

O primeiro requisito para o exercício profissional da advocacia é, então, o título de bacharel em direito, o que não assegura um certo domínio do conhecimento jurídico, sendo exigido, por isso, a aprovação em Exame de Ordem.

A média dos bacharéis tem desvio para baixo, que os joga para a mediocridade militante, que é agressiva, pavorosa e conservadora e constituída principalmente pelos diplomados em cursos de direito mercantis e particulares, que servem de ascensão para uma pequena burguesia que não tem condições de estudar. Essas escolas transformam o diploma em mercadoria e vendem uma ilusão de conhecimento (AGUIAR, 1991).

Isso deu pelo processo de privatização do ensino superior, nas décadas de 1960-70, quando o governo brasileiro notou a falência da política de escolas de formação técnica e não possuía estrutura para implementar, em curto prazo, cursos superiores. Esse processo de incentivo à abertura de cursos superiores particulares fomentou a mercantilização da educação superior no Brasil, principalmente nos cursos da área das Ciências Humanas, para os quais os investimentos são baixos e a lucratividade é garantida (ARRUDA JUNIOR, 1993, p. 36-44).

Há também a vedação ao exercício de atividade incompatível com a advocacia, dentre elas a de chefe do Poder Executivo, membros da Mesa do Poder Legislativo (Art. 28, I, do Estatuto da Advocacia e da OAB); membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juizes classistas (art. 28, II, do Estatuto da Advocacia e da OAB); os ocupantes de cargos ou funções de direção em órgãos da Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público (art. 28, III, do Estatuto da Advocacia e da OAB); ocupantes de cargos ou funções vinculadas direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro (art. 28, V, do Estatuto da Advocacia e da OAB); militares de qualquer natureza, na ativa (art. 28, VI, do Estatuto da Advocacia e da OAB).

Outro importante requisito é o compromisso que deve ser prestado perante o Conselho da OAB. Esse compromisso é o de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.

E a indiferença a esse compromisso tem como conseqüência algumas penalidades. Nesse sentido, foram definidas algumas infrações disciplinares ao advogado descumpridor de seus deveres, conforme preconiza a Lei 8.906/1994:

Art. 34 Constitui infração disciplinar:

[...]

VI – advogar contra literal disposição de lei, presumindo-se a boa fé quando fundamentado na inconstitucionalidade, na injustiça da lei ou em pronunciamento judicial anterior;

[...]

XII – recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade da Defensoria Pública;

Desse modo, somente pode o advogado se furtar da efetividade do princípio da legalidade, quando o fizer, em seu exercício profissional, por boa fé assim considerada, para efeitos do referido Estatuto, em razão de inconstitucionalidade ou injustiça da lei em questão, ou se agir com base em pronunciamento judicial anterior, sob pena de sanção administrativa após apuração[10] pelo Conselho de Ética e Prerrogativas da OAB.

Sob essa mesma pena, não pode o advogado, já devidamente inscrito na OAB, deixar de prestar assistência jurídica quando nomeado para tanto, já que em seu Ministério Privado presta serviço público e exerce função social, a menos que justifique sua impossibilidade. Pois a assistência a que fora requisitado pode prejudicar um trabalho já iniciado, ou o próprio sujeito a que se destina tal prestação.

Qual seria então a finalidade da Ordem dos Advogados do Brasil? O Estatuto da Advocacia e da OAB, Lei n. 8.906/1994, preceitua duas finalidades para a OAB:

Art. 44 A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:

I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura jurídica e das instituições jurídicas;

II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.

§ 1º A OAB não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico.

Sendo assim, a OAB além de ser considerada serviço público e adotar a forma federativa (Conselho Federal; Conselhos Seccionais; e Subseções), tem como finalidades a realização do Estado democrático de direito e a representação corporativa dos advogados. Apesar de ser considerada serviço público, não possui vinculação ou subordinação a nenhum órgão público.

No menor nível federativo da OAB encontra-se a Subseção, que pode ser criada pelo Conselho Seccional (estadual), que fixa sua área territorial e seus limites de competência e autonomia (art. 60 do Estatuto da Advocacia e da OAB).

Art. 61 Compete à Subseção, no âmbito de seu território:

I – dar cumprimento efetivo às finalidades da OAB;

II – velar pela dignidade, independência e valorização da advocacia, e fazer valer as prerrogativas do advogado;

III – representar a OAB perante os poderes constituídos;

Assim sendo, a Subseção tem papel fundamental na definição do tipo de intervenção que os advogados de sua região irão realizar, pois cabe a ela dar cumprimento às finalidades da OAB (art. 44, I e II do Estatuto da Advocacia e da OAB) e velar por todos os direitos e prerrogativas inerentes ao exercício profissional, além de representar a OAB perante qualquer autoridade.

4 Código de ética e disciplina da OAB: trabalho profissional não é mercadoria

O Estatuto da Advocacia e da OAB, por sua vez, ao disciplinar o exercício da advocacia, incluiu no rol das determinações impingidas ao advogado a de obrigar-se ao cumprimento rigoroso dos deveres consignados no Código de Ética e Disciplina (art. 33 do Estatuto). Assim sendo, exigiu a instituição de um código de ética, o qual foi aprovado e editado pela OAB (conforme preceitua art. 54, V, do Estatuto), em 13 de fevereiro de 1995, em cujo preâmbulo foram inscritos os princípios norteadores do trabalho profissional.

O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, ao instituir o Código de Ética e Disciplina, norteou-se por princípios que formam a consciência profissional do advogado e representam imperativos de sua conduta, tais como: os de lutar sem receio pelo primado da Justiça; pugnar pelo cumprimento da Constituição e pelo respeito à Lei, fazendo com que esta seja interpretada com retidão, em perfeita sintonia com os fins sociais a que se dirige e as exigências do bem comum; ser fiel à verdade para poder servir à Justiça como um de seus elementos essenciais; proceder com lealdade e boa-fé em suas relações profissionais e em todos os atos de seu ofício; empenhar-se na defesa das causas confiadas ao seu patrocínio, dando ao constituinte o amparo do Direito, e proporcionando-lhe a realização prática de seus legítimos interesses; comportar-se, nesse mister, com independência e altivez, defendendo com o mesmo denodo humildes e poderosos; exercer a advocacia com o indispensável senso profissional, mas também com desprendimento, jamais permitindo que o anseio de ganho material sobreleve à finalidade social de seu trabalho; aprimorar-se no culto dos princípios éticos e no domínio da ciência jurídica, de modo a tornar-se merecedor da confiança do cliente e da sociedade como um todo, pelos atributos intelectuais e pela probidade pessoal; agir, em suma, com a dignidade das pessoas de bem e a correção dos profissionais que honram e engrandecem a sua classe (grifos nossos).

Esses princípios não parecem coadunar com uma perspectiva revolucionária, mas guardam coerência, de certa forma, com os preceitos constitucionais de 1988, ou seja, apresentam-se, de um modo geral, como instrumento liberal a serviço do status quo, mas oportunizam a transformação social, uma vez que sua realização se dá no marco do Estado democrático de direito.

O código deontológico da profissão inicia sua regulamentação impondo ao advogado o respeito as seguintes normas:

Art. 1º O exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os demais princípios da moral individual, social e profissional (Código de Ética e Disciplina).

Essa prescrição é o pressuposto de tudo aquilo que será delineado nos demais artigos do referido código e, por conseguinte, no cotidiano profissional do advogado, que mais uma vez reforça sua indispensabilidade na administração da justiça, seu papel de defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social e, também, o fato de que a atividade de seu Ministério Privado subordina-se a elevada função pública que exerce (Art. 2º do Código de Ética e Disciplina).

Acrescenta, ainda, no rol dos deveres do advogado o de contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis (Art. 2º, V, do Código de Ética e Disciplina) e o de pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos seus direitos individuais, coletivos e difusos, no âmbito da comunidade (Art. 2º, IX, do Código de Ética e Disciplina).

Esse mesmo código trata de propor uma distinção entre direito e lei, obrigando a que o advogado não apenas a conheça, como também a apreenda.

Art. 3º O advogado deve ter consciência de que o Direito é um meio de mitigar as desigualdades para o encontro das soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a igualdade de todos (Código de Ética e Disciplina).

Essa distinção parece inócua, já que define o direito como meio de mitigar desigualdades e a lei como instrumento para garantir a igualdade. Na verdade, essa distinção parece ser reveladora da concepção positivista adotada pelo código, na medida em que o direito é meio de “aliviar” desigualdades e a lei é meio de promover igualdade. Ou seja, sobreleva-se a lei em relação ao direito, pois esse visa encontrar soluções justas em caso de desigualdade e aquela tem como finalidade produzir igualdade.

Já no que tange à independência do advogado, mesmo sendo empregado e, portanto subordinado a um empregador, pode ele se negar a patrocinar interesse que envolva lei ou direito que lhe seja aplicável ou que contrarie orientação sua, expressa anteriormente. Devendo ainda, em qualquer caso, zelar por sua independência e liberdade (Art. 4º, caput e p.u., do Código de Ética e Disciplina).

A garantia dessa liberdade e independência se estende à máxima contida no art. 5º do Código de Ética e Disciplina, que preceitua que o “exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização”.  Ou seja, trabalho não é mercadoria.

Essa proteção da advocacia em face da alienação do trabalho, de sua reificação, enfim, de sua transformação em mercadoria, que possibilita a defesa do Estado democrático de direito, do ponto de vista revolucionário. Em outras palavras, a advocacia permite, incondicionalmente, ao profissional a possibilidade de opção por um matiz filosófico sem prejuízo de sua coerência.

Desse postulado decorre a vedação contida no Art. 7º, in verbis: Art. 7º É vedado o oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela (Código de Ética e Disciplina).

Ora, se a advocacia é serviço público com função social, e não é compatível com nenhum procedimento de mercantilização, nada mais óbvio que a proibição da inculcação ou captação de clientela. Isso porque a relevante função social exercida pelo advogado, apesar de remunerada, não constitui mercadoria. Ou seja, advocacia deve ser entendida em seu valor de uso e não pelo seu preço, deve-se privilegiar seu caráter público e social e a alternativa de construção da igualdade e da justiça social que ela oferece. Em síntese, a advocacia não é mercadoria, é um direito, e como tal deve ser garantida pelo Estado ao cidadão.

5 Considerações finais (o futuro da advocacia no Brasil)

Ao longo da história, é fácil constatar o fascínio que exercem as fantasias antecipadoras. Por caminhos diversos, que vão desde as “bolas de cristal” à leitura das linhas da mão, desde os búzios às doutrinas fatalistas, desde os horóscopos até as teorias deterministas “científicas” da história, têm aparecido pessoas que se dispõem a prever o futuro. Examinadas com seriedade, com sobriedade, as imagens trazidas pelas previsões costumam decepcionar. Acabam interessando aos historiadores, não pelo porvir pretensamente revelado, mas pelas aspirações, pelos medos, pelos sonhos presentes que nelas aparecem.

Leandro Konder

Sendo este trabalho resultado de pesquisa social e, portanto orientada por uma visão do mundo específica (marxismo), em que se utilizou fontes documentais, cabe ressaltar que sua contribuição é uma aproximação da realidade parcial, transitória e mutável.

Mas muito importante, na medida que traz conhecimento novo e relevante teórica e socialmente, uma vez que o objetivo da pesquisa é influenciar a realidade com vistas a sua transformação, ou seja, este trabalho é “sendo”, pois está sujeito às mudanças exigidas pela realidade circundante em sua concretização.

Parte do pressuposto de que a advocacia é uma profissão essencial ao Estado democrático de direito e este, por sua vez, possui um caráter revolucionário por permitir a transformação social através de reivindicações de direitos formalmente garantidos por ele.

O advogado, então, por ser indispensável à administração da justiça, tem, pois, o dever de trabalhar a favor da transformação social, visto que a estrutura atual impede a realização dos direitos em sua totalidade/universalidade.

Entretanto, predomina, ainda hoje, uma concepção de que a advocacia é apenas uma forma de solucionar conflitos interpessoais, entendidos como problemas que afetam a harmonia social, em um espaço muito bem determinado: o judiciário. Dessa maneira, contribuem para a manutenção do status quo.

O advogado, ao contrário do que muitos acreditam, tem dois papéis: o de cientista e o de cidadão. Enquanto cientista deve apropriar-se de métodos que possibilitem escapar das armadilhas do senso comum, para proceder a uma leitura mais próxima da realidade. E enquanto cidadão deve utilizar-se de suas interpretações para transformar a realidade. No entanto, esses papéis não podem ser fragmentados, eles se confundem e se fundem, ou seja, o advogado é, ao mesmo tempo, e sempre, advogado e cidadão, devendo, portanto, lutar pela transformação social em todas as situações de sua vida prática.

Para tanto, os papéis do advogado passam inevitavelmente pelo diálogo. No diálogo, as contradições não se esgotam, mas são tratadas de forma reflexiva, pressupondo o exercício da crítica que se completa com a autocrítica.

Ou seja, o advogado deve fazer-se presente em todos os espaços públicos e privados da sociedade para assegurar a defesa incondicional dos direitos do cidadão, a partir da defesa do Estado democrático de direito, para revolucionar a busca da igualdade e da justiça social para, enfim, cumprir com seu dever interminável de transformação social.

De outra forma, estará o advogado trabalhando como boy a serviço do imperialismo e da dominação, servindo aos interesses de uma minoria, garantindo-lhes os direitos como se fossem privilégios de uma classe que pode pagar pelos seus honorários profissionais.

Assim, fica o convite à realização de uma transformação social comprometida com a igualdade e justiça social. Mas o futuro da advocacia, não poderá ser descrito aqui nestas apertadas e despretensiosas páginas: ele será construído por nós, coletivamente, mediante o exercício da crítica e da autocrítica, o difícil exercício de construção, desconstrução e reconstrução cotidiano da realidade.

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Notas:

[1] Na verdade, existe uma diferença fundamental, que qualifica a finalidade do Estado: este busca o bem comum de um certo povo, situado em determinado território. Assim, pois, o desenvolvimento integral da personalidade dos integrantes desse povo é que deve ser o seu objetivo, o que determina uma concepção particular de bem comum para cada Estado, em função das peculiaridades de cada povo (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado, 2000, p. 107).

[2] Segundo Carvalho, cidadania é o exercício pleno dos direitos civis, sociais e políticos. Em seus dizeres, “O exercício de certos direitos, como a liberdade de pensamento e voto, não gera automaticamente o gozo de outros, como a segurança e o emprego. O exercício do voto não garante a existência de governos atentos aos problemas básicos da população. Dito de outra maneira: a liberdade e a participação não levam automaticamente, ou rapidamente, à resolução de problemas sociais. Isto quer dizer que a cidadania inclui várias dimensões e que algumas podem estar presentes sem as outras. Uma cidadania plena, que combine liberdade, participação e igualdade para todos, é um ideal desenvolvido no Ocidente e talvez inatingível. Mas ele tem servido de parâmetro para o julgamento da qualidade de cidadania em cada país e em cada momento histórico.”(CARVALHO, 2003, p.9).

[3] “Se os direitos sociais foram implantados em períodos ditatoriais, em que o Legislativo ou estava fechado ou era apenas decorativo, cria-se a imagem, para o grosso da população, da centralidade do Executivo. O governo aparece como ramo mais importante do poder, aquele do qual vale a pena aproximar-se. A fascinação com um Executivo forte está sempre presente, e foi ela sem dúvida uma das razões da vitória do presidencialismo sobre o parlamentarismo, no plebiscito de 1993. [...] O estado é sempre visto como todo-poderoso, na pior hipótese como repressor e cobrador de impostos; na ,melhor, como um distribuidor paternalista de empregos e favores. A ação política nessa visão é sobretudo orientada para negociação direta com o governo, sem passar pela mediação da representação.”(CARVALHO, 2003, p. 221).

[4] “A sociedade passou a se organizar para garantir os direitos e os privilégios distribuídos pelo Estado. A força do corporativismo manifestou-se mesmo durante a Constituinte de 1988. Cada grupo procurou defender e aumentar seus privilégios.”(CARVALHO, 2003, p.223).

[5] Art. 1º [...]

 Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição. (CF/1988).

[6] Art. 1º [...] Estado democrático de direito e tem como fundamentos: (I) a soberania; (II) a cidadania; (III) a dignidade da pessoa humana; (IV) os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (V) o pluralismo político. (CF/1988).

[7] Múnus, do latim, quer dizer cargo público, obrigação, dever (Dicionário da Língua Portuguesa On-line).

[8] Nos escritos de Marx e Engels, “verdade” normalmente significa “correspondência com a realidade”, ao passo que o critério para a avaliação das pretensões à verdade é ou envolve a prática humana. Ou seja: Marx e Engels subscrevem um conceito clássico (aristotélico) e um critério praticista da verdade (BOTTOMORE, Tom. Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p.403.).

[9] É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer (art. 5º, XIII, da CF/1988).

[10] Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV, CF/1988).

 

Como citar o texto:

FERREIRA, Éder..A Advocacia no Brasil Pós-1988: exercício profissional e transformação social. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 174. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/pratica-forense-e-advogados/1179/a-advocacia-brasil-pos-1988-exercicio-profissional-transformacao-social. Acesso em 16 abr. 2006.

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