A Fazenda Pública está na iminência de promover o maior atentado contra o Estado Democrático de Direito, porquanto pretende inscrever os nomes dos indigitados contribuintes devedores nos órgãos de proteção ao crédito (SPC e SERASA), após protestado o suposto crédito fiscal, mas sem observar o devido processo legal.

Necessário que se diga, desde logo, que a Fazenda Pública somente poderá cobrar seus créditos pela via da execução fiscal (Lei nº 6.830/80), o que somente poderá ocorrer após a inscrição do respectivo crédito em dívida ativa (LEF, art. 4º), decorrente da constituição definitiva do crédito tributário. No entanto, é de ser registrado que o crédito levado à dívida ativa pode estar longe de ser considerado exigível, ou melhor, exeqüível, pois ao indigitado devedor é facultado se opor à expropriação forçada por meio dos embargos à execução (LEF, art. 16). Aliás, recebidos os embargos do devedor, é mister do magistrado suspender o curso da execução fiscal (CPC, art. 739, § 1º, c/c art. 791). Soma-se a isso o fato de a Fazenda Pública estar autorizada a emendar, substituir ou cancelar a Certidão da Dívida Ativa (LEF, art. 2º, § 8º e art. 26) durante a fase de instrução do processo executivo fiscal. Com efeito, apenas se terá certeza da liquidez do referido crédito fiscal, após o trânsito em julgado da ação incidental, em atenção ao princípio da legalidade, de modo a evitar ofensa ao art. 5º, LV, da Constituição Federal.

De outro lado, os órgãos de proteção ao crédito gozam de credibilidade indelével, sendo suas listas negras equiparadas à presunção de verdade absoluta. E isso não é nenhum exagero, pois em sede de apontamento, não há lugar para o contraditório. Facilmente perceptível, portanto, que os órgãos de proteção ao crédito (SPC e SERASA) possuem prerrogativa supralegal, pois a inscrição não está submetida ao controle da legalidade. Isto é, o Poder Judiciário somente é instado a intervir após o arbitrário cadastramento. Esse fato, por si só, fortalece a nefasta presunção de verdade absoluta sobre o conteúdo dos seus cadastros, que acabam convalidados sem observância do devido processo legal. Diante de constatação similar, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamim asseverou que a inscrição do nome do devedor em arquivo de consumo só pode ser postulada pelo credor quando a obrigação restar incontestada, tanto por conformismo do devedor, como por pronunciamento judicial. Não é exercício regular de direito prática que contrarie tais exigências. Do contrário, a hipótese será exatamente a oposta: abuso de direito, projetada pela banalização da atividade e a conspurcação desse sistema moderno de informações financeiras (“Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Comentado pelos Autores do Anteprojeto”, Forense Universitária, 6ª edição, p. 369). Necessário referir, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de ser indevida a inscrição do nome do devedor em cadastros de proteção ao crédito quando pendente de decisão judicial o valor do quantum debeatur.

Por conseguinte, a utilização de qualquer outro mecanismo para cobrança de crédito pela Fazenda Pública, mormente quando restringe o direito de defesa do contribuinte, consiste em flagrante ilegalidade e abuso de poder. Aliás, constitui crime de excesso de exação o ato de autoridade cobrar tributo sabidamente indevido ou emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso que a lei não autoriza (CP, art. 316, § 1º). Esse procedimento desleal da Fazenda Pública se equiparia ao ato ilícito, cuja ilegalidade reside exatamente na vedação histórica da auto-tutela. Isto é, coagir os supostos devedores a efetuarem o pagamento de crédito ainda não exigível. Isso porque fere o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, aquela lei que dotam os credores de meios coercitivos indiretos para compelir os devedores a submeterem-se a suas pretensões, desencorajando os prejudicados de socorrerem-se do Judiciário, pelo temor de serem alijados do sistema de crédito.

Inegável, outrossim, o reflexo negativo para o setor produtivo de nossa economia, pois, certamente, a grande parte dos contribuintes poderá suspender suas atividades em razão da impossibilidade de utilizarem as linhas de créditos oferecidas pelas instituições financeiras. Com efeito, o sistema de crédito no Brasil consiste em lamentável fôlego para a nossa estagnada economia, cuja taxa de crescimento para o próximo ano foi estimada em tão-somente 3,5%, segundo a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). De modo que essa medida acabaria por fechar número significativo de pequenas e médias empresas, além de inúmeros postos de trabalho.

Nada obstante, cumpre assinalar que o Supremo Tribunal Federal sempre repudiou toda e qualquer tentativa de a Fazenda Pública valer-se da obstrução ao livre exercício da profissão como meio coercitivo de pagamento de tributos, como ficou sedimentado pela edição das súmulas de números 70, 323 e 547, que a seguir se transcreve, respectivamente, verbis:

Súmula nº 70. É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.

Súmula nº 323. É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo.

Súmula nº547. Não é licito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.

Conclusivo dizer, portanto, que a utilização dos cadastros de proteção ao crédito, fomentado pela idéia de protesto da Certidão de Dívida Ativa pela Fazenda Pública, como veículo de cobrança de tributos, é totalmente arbitrária e afronta o Estado Democrático de Direito. Isso porque, como ficou consignado linhas acima, o crédito tributário deve ser cobrado via Execução Fiscal, observado o rito da Lei nº 6830/80. Assim, enquanto passível de discussão o crédito tributário, impossível de taxar o contribuinte de mau pagador com a conseqüente inscrição de seu nome no SPC ou SERASA. Pelo contrário. Ao agir assim, a Fazenda Pública estaria agindo em afronta ao exercício regular de direito, utilizando de meios coercitivos indiretos para compelir os devedores a submeterem-se a suas pretensões, privando-os da utilização do sistema de crédito. Sem falar que essa restrição ao sistema de crédito acabará por obstruir o livre exercício da profissão dos contribuintes, medida essa que contraria a orientação jurisprudencial do Pretório Excelso, o que de todo é descabido.

 

Como citar o texto:

GOMES, Carlos de Souza..A inscrição no SPC e SERASA como forma de cobrança fiscal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 178. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-administrativo/1250/a-inscricao-spc-serasa-como-forma-cobranca-fiscal. Acesso em 15 mai. 2006.

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