O provimento antecipatório previsto no art. 273 do CPC, sob a ótica do processo civil moderno, está intrinsecamente ligado à garantia constitucional do due process of law. Nesse sentido, a jurisprudência pátria e a doutrina, em respeito às garantias fundamentais do processo, já têm se pronunciado no sentido de conferir à tutela antecipada a ampla efetividade almejada no plano constitucional, pois, como bem assinalou Teresa Arruda Alvim: não basta apenas garantir o acesso ao Poder Judiciário e os meios adequados para defesa, pois para satisfazer o jurisdicionado é preciso ainda que a tutela pleiteada seja conferida dentro de um razoável prazo, sob pena de se tornar totalmente inútil.

Nessa linha de raciocínio, o constituinte de 1988 preocupo-se, acima de tudo, em salvaguardar a efetividade em prol dos ideais de justiça, pois, como se sabe, a demora na prestação jurisdicional põe em risco não só a efetividade do processo, mas também a segurança jurídica almejada pelo Estado.

Certo, pois, que o monopólio da jurisdição passou a pertencer exclusivamente ao Estado, logo, em contra partida, o cidadão também passou a obter o direito de clamar por uma resposta imediata do Estado, uma vez que a efetividade da jurisdição só se verifica no plano material da tutela dos direitos, ou seja, quando é garantido um processo de resultado ao jurisdicionado, compatibilizado com o direito material, ademais, o acesso à justiça deve ser visto como a síntese de todos os princípios e garantias do processo, seja a nível constitucional ou infraconstitucional, seja em sede legislativa ou doutrinária e jurisprudencial.

A constitucionalização do processo civil é uma mutação inerente a própria concepção de Estado liberal. Assim, a partir do momento em que o Estado contempla a plena realização dos fins sociais por ele visados, nada subsiste senão a garantia fundamental de justiça, esse ideal, porém, só se efetivará quando o Estado dispuser instrumentos efetivos para a solução real dos litígios existente. Esta argumentação promana da própria Constituição que nos assegura que nenhuma lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, este é o conhecido princípio da inafastabilidade, compreendido como o princípio constitucional garantidor do acesso à justiça (art. 5.º, XXXV, da CR), e pela inclusão atual do inciso XXVIII ao art. 5.º, pressupõe-se que essa tutela também seja efetiva.

Segundo o nosso entendimento a tutela antecipada está diretamente relacionada com o aspecto de acesso à ordem jurídica justa, na eminente concepção do filósofo John Rawls as exigências da justiça têm a prioridade e são reconhecidas como determinantes quando se trata de encarar a estrutura básica da sociedade, apoiando-se nessas razões filosóficas podemos perceber, de maneira satisfatória, o quão importante são as concepções de justiça para o campo prático do Direito. Assim, a manutenção da ordem social não depende de ideologias falsas, mas sim de meios eficazes quanto ao funcionamento das instituições.

Conforme enfatizado, o instituto da tutela antecipada trouxe a possibilidade de o juiz adotar a solução que melhor se amolda ao caso em concreto, visando priorizar a efetividade, enquanto concepção política de eqüidade. Ademais, essa liberdade de atuação do magistrado já encontrava respaldo legal no próprio poder de cautela do juiz previsto expressamente no art. 798 do C.P.C. Diversamente, falar em efetividade ou instrumentalidade do processo, em sentido positivo, nada mais é do que falar de sua própria força prática exteriorizadora, e para reforçar essa conclusão basta citarmos a antecipação da tutela que veio exatamente colmatar uma lacuna que decorria da supremacia da cognição exauriente no processo de conhecimento, hoje relativizada.

Ainda no tocante à análise dos aspectos constitucionais da tutela antecipada, cumpri ressaltar que: ao Estado-Juiz incumbe o dever de preservar a incolumidade da ordem púbica, pois detém exclusivamente e soberanamente o poder de tutelar os conflitos sociais, mormente existentes na sociedade, uma vez que a intervenção jurídico-estatal, expressa, acima de tudo, o status de uma sociedade que se conduz pelos rumos da democracia.

Á luz da Constituição, o intérprete da norma buscará extrair o seu verdadeiro significado axiológico. As técnicas exegético-jurídicas exigem total observância a nível constitucional, daí porque a Constituição vincula a aplicação da lei à sua constitucionalidade. Os obstáculos antepostos à efetividade do processo constituem empecilhos à ordem justa positivada sobre a égide da Constituição, isso porque, somente será justa uma ordem social instaurada através do acordo dos que lhe estão subordinados.

Nos últimos tempos, o acesso à justiça, garantia fundamental estatuída no art. 5º. inc. XXXV, da CR, não comporta uma análise apenas na ótica de acesso ao Poder Judiciário, a via jurisdicional não se resume apenas no ingresso em juízo, o Estado, na condição de detentor da função jurisdicional está obrigado a garantir a tutela material efetiva dos direitos; não basta a simples garantia formal, pois uma das metas de concepção-modelo do Estado Social é assegurar ao jurisdicionado os mecanismos efetivos de jurisdição. De toda sorte, o direito constitucional está diretamente ligado à racionalização do processo, pois, do ponto de vista da segurança jurídica é fundamental que as normas constitucionais estabeleçam o regramento jurídico necessário, uma vez que a Constituição é norma hierarquicamente superior, servindo de paradigma jurídico às demais, daí resulta o dever supralegal em respeitar os ditames constitucionais. É mais coeso, notadamente numa sociedade de Direito, que o legislador ordinário se valha dos comandos constitucionais a fim de fazer valer as regras infraconstitucionais de determinadas matérias, como é o caso da tutela antecipada, assim, não podemos nos escusar de aplicar os princípios consolidados em nossa Lex Fundamentalis, principalmente quando se está em jogo a celeridade processual.

Na esteira do princípio da proteção judiciária, a doutrina moderna tem entendido que o texto constitucional, em sua essência, assegura uma tutela qualificada contra qualquer forma de denegação da justiça. Assim, é inaceitável que o Estado se abnegue em conferir solução efetiva aos conflitos intersubjetivos. Ademais, o Estado não pode denegar à sociedade qualquer meio de proteção legal, haja vista a magistral colocação jurídica que nos ensina Calamandrei o que é necessário ver para conhecer o processo, não são as palavras impressas do legislador, mas sim o que delas resultará na vida real.

Nesse contexto, a lição de Calamandrei nos retrata a importância óbvia da prestação jurisdicional do Estado. O acesso à justiça é uma garantia inalienável, insusceptível de limitação e vinculatória ao Estado, pois as normas constitucionais fundamentais não podem se resumir num simples documento positivado sem valor axiológico. No tocante a essas divagações, Dennis Loloyd, remontando as concepções kelsianas acerca da norma constitucional expõe a seguinte reflexão A concepção de Kelsen da estrutura normativa encadeada de um sistema jurídico é, sem dúvida, esclarecedora, assim como a idéia de que a validade é algo que só pode ser explicado em termos de uma norma superior que autoriza as normas em nível inferior.

Não obstante a superioridade das normas constitucionais poder-se-ia, ainda, dizer que o excessivo apego às técnicas legislativas emperra, sobremaneira a efetiva prestação jurisdicional, bem o fato de permanecer diante de uma legislação arraigada a formas dialéticas, isso, sem dúvida, lesa o princípio do acesso à ordem jurídica justa, conforme dito alhures, no entanto, ainda temos uma justiça muito cara, mas, amenizada pela gratuidade em nível constitucional e infraconstitucional.

Por fim, inovação constante de nossa legislação e que não podemos deixar de ressaltar, é a salutar evolução no tocante ao tratamento dispensado ao idoso no país, pois com a promulgação da Lei n.º 10.741/2003, foi estabelecido garantia especial quanto à tramitação de ações relativas aos interesses da classe idosa, assim, a lei priorizou a tramitação daqueles feitos em detrimento da celeridade processual. É algo que se impõe hodiernamente. Nesse sentido, verificamos um enorme avanço visado pelo legislador infraconstitucional, espelhado na ordem constitucional, o que, sem dúvida, demonstra que a nossa legislação vem acompanhando a evolução que se opera no direito contemporâneo.

 

 

Como citar o texto:

PANIAGO, Ney Amorim..Aspectos constitucionais da tutela antecipada. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 181. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-processual-civil/1294/aspectos-constitucionais-tutela-antecipada. Acesso em 3 jun. 2006.

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