Com o advento da Constituição Federal de 1988, voltada primordialmente para a defesa do social, o Poder Público se viu obrigado a criar políticas minimizadoras das desigualdades sociais. Nesse contexto, o legislador constituinte previu, em alguns dispositivos conexos, a proteção e integração do portador de deficiência  dentro da sociedade, tais como o art. 7º, XXXI; o art. 24, XIV; o art. 37, VIII; o art. 203 IV e V; e o art. 244 da Constituição Federal. 

Ressalta-se, no entanto, que o posicionamento do legislador constituinte deve ser interpretado com obediência ao princípio da igualdade. Sobre tal, ensina Luiz Alberto David Araújo:  

"O direito à igualdade surge como regra de equilíbrio dos direitos das pessoas portadoras de deficiência. Toda e qualquer interpretação constitucional que se faça, deve passar, obrigatoriamente, pelo princípio da igualdade. Só é possível entendermos o tema da proteção excepcional das pessoas portadoras de deficiência se entendermos corretamente o princípio da igualdade."  (1)

Neste sentido, a democracia  confunde-se com o respeito ao princípio da igualdade  a partir do momento em que pretende através de medidas positivas adotadas pelo Poder Público, eliminar as barreiras discriminatórias em face da promoção da igualdade de oportunidades. Na verdade, o que se quer é a busca plena da igualdade de condições aos portadores de deficiência, inserindo-os e adaptando-os no mercado de trabalho, seja do setor público ou privado.

Ademais, faz-se necessário definir o que vem a ser o deficiente para o direito brasileiro.  Segundo o art. 3º do Decreto nº 914/93, que disciplina as diretrizes para inclusão e integração dos deficientes físicos na comunidade, o portador de deficiência é a pessoa que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividades, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.

Sob outro ângulo, Luiz Alberto David Araújo, define o deficiente como sendo aquele que não consegue se adaptar ao meio social, ou seja, é aquele que possui dificuldades em relacionar-se com outras pessoas. Ressalta ele:

“O que difere a pessoa portadora de deficiência não é a falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade para a integração social é que definirá quem é ou não portador de deficiência.” (2)

Todavia, tais limitações não impedem a sua integração no mercado de trabalho. Como proteção aos portadores de deficiência, o ordenamento jurídico brasileiro prevê algumas prerrogativas quando submetidos a concurso para preenchimento de cargos e empregos públicos. Neste sentido, a determinação de cotas é o mecanismo compensatório para inserção do deficiente no mercado de trabalho, desde que habilitados para disputar estas vagas. 

Com efeito, a Constituição Federal no art. 37, VIII, dispõe a reserva de um percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência, definindo as diretrizes para sua admissão.   É, portanto, garantia constitucional dos portadores de deficiência a sua participação nos concursos públicos em igualdade de condições com os demais candidatos no que se refere ao conteúdo e avaliação das provas. Para  Gláucia Gomes Vergara Lopes:

“A reserva de um percentual de vagas no serviço público aos portadores de deficiência e a obrigação de contratá-los pelos empregadores da iniciativa privada não violam o princípio da igualdade. Pela Evolução deste princípio, vê-se que é plenamente sustentável o tratamento protetivo aplicado às pessoas portadoras de deficiência, eis que estão em nítida desvantagem em relação aos demais trabalhadores.”  (3)

Não há, porém, previsão no art. 37, VIII da Constituição Federal que estabeleça o percentual mínimo de vagas destinadas a essas pessoas, devendo este conteúdo ser disciplinado por leis infraconstitucionais, pois, como bem destaca David Araújo:

" Estamos diante de norma que necessita ser completada. Aliás, a expressão «a lei reservará» está a demonstrar a necessidade de integração do dispositivo. Por outro lado, o comando deixa ao legislador infraconstitucional a fixação do percentual, permitindo, desta forma, completá-lo, dentro do critério que entender politicamente adequado. A norma se enquadra na espécie daquelas de integração completável." (4)

A fim de confirmar o art. 37, VIII da Constituição Federal, a  Lei nº 8.112/90, que disciplina o Regime Jurídico dos Servidores Públicos, regulamenta no art. 5º,  § 2º, que “até” 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas em concursos públicos deverão ser destinadas aos portadores ed deficiência. Assim, Alexandre de Moraes manifesta-se no sentido de que embora haja a previsão legal de um percentual mínimo para o preenchimento destas vagas, tal fator não os exime da obrigatoriedade do concurso público, o que garante o direito a normal convocação em caso de serem classificados dentre a lista classificatória dos portadores de deficiência. (5)

Sob esta vertente, Davi Araújo se manifesta no seguinte sentido:

“Os limites para fixação do percentual seriam apenas de ordem democrática, ou seja, a fixação do percentual deve atentar para o número de pessoas portadoras de deficiência habilitadas para prestar algum serviço público ou exercer algum emprego público, devendo estar incluídos, nesse percentual, todos os portadores de deficiência visual, auditiva, os portadores de doenças do metabolismo, de locomoção e os deficientes mentais leves. Assim, o legislador está limitado a números estatísticos, deles não podendo escapar." (6)

A edição do Decreto no 3.298/99 que regulamenta a Lei no 7.853/89, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida  no art. 37,  a garantia do portador de deficiência de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador, prevendo ainda, em seu § 1o , que no mínimo 5% (cinco por cento) das vagas serão destinadas aos portadores de deficiência, em razão da necessária igualdade de condições.

Cabe ressaltar que o sistema de cotas deve vir acompanhado de outras medidas que estimulem a qualificação dos portadores de deficiência ao ingressarem no mercado de trabalho. Desta forma, o Poder Público deve garantir a sua adaptação e reabilitação, promovendo o bem estar necessário para a prática de atividades de trabalho. Segundo Sandro Nahmias Melo:

“O sistema de cotas no Brasil seduziu os governantes que, usualmente, superestimaM o poder da Lei. A realidade mostra, porém, que o impacto positivo do sistema de cotas é reduzido. Uma medida eficiente para garantir o emprego para as pessoas portadoras de deficiência deve se inserir em uma política maior e mais abrangente, que englobe as demais áreas da vida destas e de sua existência social, tais como saúde, educação, qualificação, previdência, acesso e transporte.”  (7)

Não há dúvidas, que a iniciativa pública é a maior responsável pela inserção dos portadores de deficiência no mercado de trabalho, seja promovendo políticas públicas a fim de conscientizar a população da necessidade de integrá-los na sociedade, ou garantindo-lhes uma parcela mínima de vagas a serem preenchidas. Contudo, o  portador de deficiência ainda encontra-se em posição de desvantagem em relação aos demais candidatos a cargos ou empregos públicos, principalmente pelo fator da discriminação, a começar pelo espaço físico que nem sempre é adequado a atender as suas necessidades especiais. Em suma, estas medidas  positivas adotadas pelo Estado ainda são limitadas pela carência de oportunidades e negligência dos serviços públicos. 

Por fim, embora existam dispositivos legais capazes de possibilitar o ingresso dos portadores de deficiência no setor público e que confirmam o sistema de cotas para preenchimentos de vagas em concursos públicos, bem como a existência de programas sociais responsáveis pela integração dessas pessoas no mercado de trabalho, seja na esfera pública ou na esfera privada, o Estado deve estar atento à criação de novos mecanismos que possibilitem a eficácia da inclusão deste grupo, a fim de minimizar o  fator da discriminação ainda presente nas relações sociais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1998. Brasília: Senado Federal/Centro Gráfico, 2005.

BRASIL. Decreto n.º 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Diário Oficial da União de 21 de dezembro de 1999.

BRASIL. Lei n.º 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Diário Oficial da União de 12 de dezembro de 1990.

(1)              ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional das pessoas portadoras de deficiência. Brasília: CORDE – Coordenadoria nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 1994, p. 51.

(2)              ARAÚJO, Luiz Alberto David. Ob cit., p. 24

(3)              LOPES, Glaucia Gomes Vergara. A inserção do portador de deficiência no mercado de trabalho: a efetividade das leis brasileiras. São Paulo: Editora Ltr, 2005, p. 91.

(4)              ARAÚJO, Luiz Alberto David. Ob cit., p. 93

(5)              ARAÚJO, Luiz Alberto David. Ob cit., p. 95

(6)              MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Comentada e Legislação Constitucional. São Paulo: Editora Atlas, 2002, p. 847-848.

(7)              MELO, Sandro Nahmias. O direito ao trabalho da pessoa portadora de deficiência. São Paulo, Editora LTr,  2004. p. 170.

(Elaborado em março/2006)

 

Como citar o texto:

NIDOCZEKO, Juliana Cerri..Concurso público e o deficiente físico. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 181. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/exame-da-ordem-e-concursos/1303/concurso-publico-deficiente-fisico. Acesso em 5 jun. 2006.

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