O segmento da saúde no Brasil foi pego de surpresa com a evolução da obrigação de reparar os danos causados a terceiros. O judiciário no final do século XX e início do XXI, a partir das conquistas sociais e da evolução dos direitos fundamentais, com a chamada Constituição Cidadã (1988), passou a contar com micro-sistemas protetivos, haja vista a defesa e proteção do consumidor – Lei 8078/90. Assim, gerou casuísmo e paternalismo sob a justificativa de ser uma lei desigual para tratar de desigualdades.

Todo o arcabouço de proteção e defesa (inversão do ônus da prova – Dano moral – Culpa Presumida – Interpretação mais favorável ao consumidor – proibição de denunciar à lide etc.) passou a ser utilizado na relação médico-paciente, vez que foi entendido que tal contrato é relação de consumo. Assim, todo o sistema protetivo e defensivo deve ser usado para garantir a dignidade da pessoa humana, tanto do paciente quanto do médico e, nunca, como o judiciário pátrio o adotou, promovendo um antigo brocardo pelo qual o justo pague pelo pecador.

Em livros jurídicos temos defendido posição contrária, mas com a consciência de que somos andorinha e ainda não fazemos verão. Entretanto, o argumento de todos os doutrinadores do país é fazer valer o direito fundamental (inciso III do art.1º da Constituição), qual seja a dignidade da pessoa humana, com o qual concordamos em gênero, número e grau. A verdade é que se olvidou o detalhe de que o médico também é pessoa humana.

O novo Código Civil Brasileiro já caminhou mais na estrada da eticidade e oferece inúmeros recursos para que se possa punir as partes e procuradores por desvios comportamentais. Porém, é cedo para grandes mudanças.

A gratuidade de justiça sem comprovação tem gerado a “indústria do dano”, que se estabeleceu no Brasil em detrimento do esculápio ético. Mas, a verdade trazida em livro por um magistrado paranaense, revela que 80% das ações contra médicos são julgadas improcedentes. Mas isso só acontece após sofrer danos morais e psicológicos por anos, durante o processo judicial, sem falar nos gastos com honorários, sem que lhe seja possível receber reembolso, pois a suposta vítima está “protegida” pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor. E mais, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu não caber ação do médico contra a suposta vítima, mesmo depois de vencer a ação em que foi réu, sob a alegação de que ela estaria no seu direito constitucional de invocar a prestação jurisdicional.

Há um dispositivo no Código de Proteção e Defesa do Consumidor que determina a verificação de culpa para todos os casos de profissionais autônomos. A priori estaríamos diante de uma tranqüilidade maior para ser apurada a eventual negligência, imprudência ou imperícia, mas na realidade quase nunca se verifica uma demanda contra o médico de forma isolada, pois sempre existe um hospital, clínica, laboratório ou plano de saúde que faz parte da relação de trabalho e que poderá ser condenado sem culpa.

O mundo econômico da saúde gira em torno dos segurados do sistema de saúde suplementar, isto podendo ser avaliado em torno de 36 milhões de segurados, sendo crível observar que todos os demais cidadãos, em torno de 140 milhões dependentes do SUS, são potenciais autores de ação indenizatória contra o médico e o sistema em geral.

Assim, sob este rigor excessivo e levando-os ao clima de insegurança que se estabeleceu é certo que o judiciário já dá sinais de que irá voltar a inspecionar melhor os pedidos de gratuidade de justiça, mesmo dentro do rigor da lei, sendo certo que tanto para os profissionais liberais quanto para as pessoas jurídicas há que resultar provado o defeito do serviço.

A explicação é complexa para o leigo e pedimos desculpas pela densidade do texto e pela forma pesada de transmitir a realidade jurídica na Responsabilidade Civil Médica e Hospitalar. Porém, é importante deixar claro que estamos lutando o bom combate para viabilizar o Código Nacional da Saúde, no qual todas essas distorções serão parametradas.

 

Como citar o texto:

COUTO FILHO, Antônio Ferreira Couto..Direito médico: condenados sem culpa. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 183. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/cronicas/1334/direito-medico-condenados-sem-culpa. Acesso em 20 jun. 2006.

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