O que me impressiona à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha ser nosso futuro. Mário Quintana (1973, p. 22).

1. Considerações Introdutórias

O presente artigo tem como fito discutir o papel dos direitos fundamentais frente à moderna teoria da constituição. Para tanto, adota o entendimento de que os direitos sociais são direitos fundamentais. Utilizando-se desta premissa, mister se faz uma justificação e fundamentação acerca de quais benefícios traz tal entendimento ao destinatário final da Constituição, o cidadão brasileiro.

A temática é de extrema relevância, mormente quando se observa uma tendência de supressão destes direitos e minimização de sua aplicabilidade.

Os direitos sociais, por sua própria natureza, invocam do poder político uma demanda de recursos para sua aplicabilidade plena, o que gera fortes pressões ideológicas e envolve escolhas políticas determinantes para conseguir alcançar o ideal de uma sociedade livre, justa e solidária[2], objetivo consagrado em nossa Carta Magna.

Elencados do art. 6º ao 11º da Constituição Federal, os direitos sociais são: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Entretanto, o conteúdo de que o art. 7 ao 11 trata é exclusivamente de conteúdo normativo referente ao trabalho, onde muitas garantias, ainda que mínimas, são garantidas ao trabalhador brasileiro, seja ele urbano ou rural. A visão de que os direitos sociais são também direitos fundamentais exsurge como um escudo de proteção a estes direitos, inclusive por meio de Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, impingindo um dever de observância e realização material dos mesmos.

2. A Fundamentalidade dos Direitos Sociais e o Princípio da    Proibição de Retrocesso Social

Em que pese a topologia constitucional não privilegiar a vertente de pensamento que acolhe os direitos sociais como fundamentais, sua essencialidade reside em sua ligação aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana, valores albergados na principiologia constitucional, consagrados doutrinária e jurisprudencialmente.

Muito se discute sobre a inclusão ou não dos direitos sociais no rol das cláusulas pétreas, uma vez que a Constituição adotou uma terminologia que não abriga, à primeira vista, esta posição. E, a partir da leitura do art. 60, § 4º, inciso IV da Constituição Federal[3] a controvérsia ganha corpo. A interpretação literal abre um horizonte para a imprecisão dos vocábulos usados, uma vez que estes não se repetem em nenhum outro lugar da Constituição.

Há referências no texto constitucional de direitos individuais e coletivos no art. 5º da CF, de modo que a interpretação literal deixaria de fora o rol do art. 5º, resultado absurdo num Estado submetido às leis sob um regime democrático. A interpretação literal não se presta a elucidar a questão, pelo próprio caráter sistemático adotado na redação da Constituição.

Para resolver o problema, a adoção do entendimento de que tanto os direitos individuais quanto os coletivos são cláusulas pétreas exsurge viável, até mesmo pela orientação hermenêutica emanada do próprio art. 5º, § 2º da CF que diz expressamente: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou os tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. O que orienta de maneira incontroversa que se trata de um rol exemplificativo.

A leitura restritiva dos direitos fundamentais resulta em notável prejuízo ao cidadão, porque este terá seu patrimônio jurídico reduzido. Isto ocorre de forma numérica, quando reduz o rol de direitos fundamentais, quanto de forma sofisticada, através do enquadramento dos direitos sociais como normas programáticas.

O encarceramento dos direitos fundamentais sociais no conceito frágil e patético de normas programáticas não faz sentido, uma vez que os valores sociais são os pilares do Estado Democrático de Direito[4]. E o que são as cláusulas pétreas se não o reconhecimento de que aqueles valores são de suma importância e por isto precisam ser cuidadosamente protegidos dos reveses políticos, marcados pela instabilidade e pelo jogo ou troca de interesses? Sendo assim, a manutenção da nossa ordem constitucional emerge como única forma de não contradizer a finalidade dela mesma.

No plano do direito internacional, o Brasil foi signatário de alguns tratados que reconhecem os direitos sociais como direitos humanos fundamentais, a exemplo da Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), Protocolo de São Salvador (1988) adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) e o Pacto de São José da Costa Rica. Neste último, o Brasil acolheu expressamente o princípio do não retrocesso social, também chamado de aplicação progressiva dos direitos sociais[5].

Joaquim José Gomes Canotilho (1998, p. 221) ao demarcar o ser humano como fundamento da República e limite maior ao exercício dos poderes políticos inerentes à representação política ressalta a importância da dignidade da pessoa humana albergada no ordenamento:

perante as experiências históricas de aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República.

A fundamentalidade dos direitos, ou seja, seu reconhecimento enquanto direitos fundamentais, é tema que sempre gera polêmica e até a contemporaneidade, uma vez que não houve consenso a respeito. Até mesmo a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, ação constitucional que visa proteger os preceitos fundamentais, carece de uma definição mais incisiva, uma vez que estes ainda não estão explicitados de forma direta, salientando que não significa prejuízo, uma vez que um rol taxativo recomenda uma interpretação restritiva, decerto não benéfica ao cidadão.

Toda a controvérsia acerca do que são direitos fundamentais ocorre em virtude da conseqüência jurídica que advém deste reconhecimento pelo Estado, significando conferir a estes direitos a blindagem constitucional de cláusula pétrea, garantindo sua imutabilidade. Como bem elucidou Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 354):

A garantia de intangibilidade desse núcleo ou conteúdo essencial de matérias (nominadas de cláusulas pétreas), além de assegurar a identidade do Estado brasileiro e a prevalência dos princípios que fundamentam o regime democrático, especialmente o referido princípio da dignidade da pessoa humana, resguarda também a Carta Constitucional dos ‘casuísmos da política e do absolutismo das maiorias parlamentares’.

E isto força o Estado a cumprir sua finalidade que é promover o bem comum, como apregoa José Luiz Quadros de Magalhães (2002, p. 220), e ex vi o art. 5º, § 1º da Constituição brasileira que preceitua: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

A análise crítica dos postulados dos direitos fundamentais e sua relação visceral com os direitos sociais, este espécie daquele, assume contornos essenciais. Os direitos sociais são ordinariamente classificados como normas constitucionais programáticas, residindo na reserva do possível. Norberto Bobbio (1992, p 77-78) tem uma posição interessante pela relevância de sua crítica:

Tanto é assim que na Constituição italiana, as normas que se referem a direitos sociais foram chamadas pudicamente de ‘programáticas’. Será que já nos perguntamos alguma vez que gênero de normas são essas que não ordenam, proíbem ou permitem hit et nunc, mas ordenam, proíbem e permitem num futuro indefinido e sem um prazo de carência claramente delimitado? E, sobretudo, já nos perguntamos alguma vez que gênero de direitos são esses que tais normas definem? Um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiados sine die, além de confiados à vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o ‘programa’ é apenas uma obrigação moral ou, no máximo política, pode ainda ser chamado de direito? A diferença entre esses auto-intitulados direitos e os direitos propriamente ditos não será tão grande que torna impróprio ou, pelo menos, pouco útil o uso da mesma palavra para designar uns e outros?  (grifo nosso)

E a crítica de Bobbio é oportuna, especialmente quando se considera o conteúdo de promessas em matéria de direitos. Nestas promessas é que reside a descrença do brasileiro na política e também na justiça, porque se nem o que está escrito vale, de que poderá se socorrer? Para clarear ainda mais a obscenidade do tratamento dos direitos sociais como normas programáticas, a depender do possível de ser realizado, estando, portanto, vinculadas e pendentes de escolha legislativa presa à moral de cada representante, a lição de Luís Roberto Barroso (2001, p. 120) é elucidativa:

O fato de uma regra constitucional contemplar determinado direito cujo exercício dependa de legislação integradora não a torna, só por isto, programática. Não há identidade possível entre a norma que confere ao trabalhador direito ao ‘seguro desemprego’ em caso de desemprego involuntário (CF, art. 7º, II) e a que estatui que a família tem especial proteção do Estado (CF, art. 226). No primeiro caso, existe um verdadeiro direito. Há uma prestação positiva a exigir-se, eventualmente, frustrada pelo legislador ordinário. No segundo caso, faltando o Poder Público a um comportamento comissivo, nada lhe será exigível, senão que se abstenha de atos que impliquem na ‘desproteção’ da família”.

O citado doutrinador defende a teoria da máxima aplicabilidade das normas constitucionais, única forma de dotar a Constituição de caráter normativo real e de fornecer ao cidadão, seu destinatário final, uma proteção efetiva. E não parece legítimo que se defenda que os direitos fundamentais são apenas enunciados sem força normativa, presos ao acaso da boa vontade do legislador.

Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p. 162) ainda aponta outro perigo do entendimento de direitos sociais como normas programáticas, afirmando:

negar reconhecimento do princípio da proibição de retrocesso significaria, em última análise, admitir que os órgãos legislativos (assim como o poder  público de modo geral), a despeito de estarem inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõem do poder de tomar livremente suas decisões mesmo em flagrante desrespeito à vontade expressa do Constituinte.

Embora seja sabido que o legislador dispõe de uma margem de liberdade numa democracia, não se pode admitir que se possa ignorar o conteúdo da Constituição e legislar no sentido de desconstruir ou dissolver a vontade do legislador originário. Aqui reside o cerne deste artigo, abordando o princípio da vedação de retrocesso nos direitos sociais. Embora a abordagem deste princípio intrínseco seja ou traga alguma polêmica, como adverte Lênio Luís Streck (1999, p. 31) eis que:

Embora (o princípio da proibição de retrocesso social) ainda não esteja suficientemente difundido entre nós, tem encontrado crescente acolhida no âmbito da doutrina mais afinada com a concepção do Estado democrático de Direito consagrado pela nossa ordem constitucional. Grifos nossos

Embora, como Lênio Luís Streck afirmou, não seja difundido de maneira ampla, está a cada dia ganhando mais corpo e arrebanhando defensores, tendo como nascedouro a doutrina lusitana de Joaquim José Gomes Canotilho (1998, p. 321 e 2001, p. 81) que define o princípio da proibição de retrocesso social como:

o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação‘ pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado.

Joaquim José Gomes Canotilho tem como adeptos no Brasil doutrinadores como Ingo Wolfgang Sarlet e Luís Roberto Barroso, et coetera. Verifica-se com Luís Roberto Barroso (2001, p. 158) que apesar do princípio do não retrocesso social não estar explícito, assim como o direito de resistência e o princípio da dignidade da pessoa humana (para alguns, questão controvertida), tem plena aplicabilidade, uma vez que é decorrente “do sistema jurídico - constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido”. Na mesma linha Flávia Piovesan (2000):

O movimento de esfacelamento de direitos sociais simboliza uma flagrante violação à ordem constitucional, que inclui dentre suas cláusulas pétreas os direitos e garantias individuais. Na qualidade de direitos constitucionais fundamentais, os direitos sociais são direitos intangíveis e irredutíveis, sendo providos da garantia da suprema rigidez, o que torna inconstitucional qualquer ato que tenda a restringi-los ou aboli-los.

Diante da transição paradigmática que a sociedade contemporânea passa buscando a afirmação e a fundamentação dos direitos, o princípio da vedação de retrocesso dos direitos sociais é um corolário para o que o ser humano deve dar valor: a sua dignidade. É indissociável a idéia de que a Constituição foi criada para propiciar cidadãos dignos, garantindo-lhes a mínima proteção para que lhes seja assegurada uma vida boa, uma vida feliz. Corroborando com isto, Flávia Piovesan (2000, p. 54-55) explicitou a essencialidade do princípio da dignidade da pessoa humana, aduzindo:

A dignidade da pessoa humana, vê-se assim, está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora "as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro".

Note-se que os próprios limites materiais no tocante ao poder de reforma da Constituição significam um entrave à sanha reformista do legislador, sempre preocupado, como se observa no Brasil, em criar novas leis ou reformular as antigas, dando pouca atenção à efetividade e à Constituição.

A unidade da Constituição precisa ser preservada, evitando-se a descaracterização dos preceitos nela contidos. Tanto isto é verdadeiro, que o legislador constituinte estabeleceu vedações para o poder reformador, protegendo sua obra e evitando a desvirtuação e o esvaziamento do conteúdo constitucional pelo legislador ordinário.

O direito à proibição de retrocesso social consiste numa importante conquista civilizatória. O conteúdo impeditivo deste princípio torna possível brecar planos políticos que enfraqueçam os direitos fundamentais. Funciona até mesmo como forma de mensuração para o controle de constitucionalidade em abstrato, favorecendo e fortalecendo o arcabouço de assistência social do Estado e as organizações envolvidas neste processo.

Além do mais, o princípio da reserva de justiça da Constituição imprime a vontade do titular do Poder Constituinte, este legítimo quando seja depositário dos valores inspiradores do conteúdo normativo da Carta Magna. O poder constitucional é limitado aos valores base em que fora sedimentado. Por oportuno cumpre citar Oscar Vilhena Vieira (1999, p. 224) por abordar mais uma premissa deste artigo, aduzindo “não mais é possível pensar a Constituição – e mais ainda as suas cláusulas constitucionais intangíveis – sem levar em conta suas qualidades intrínsecas, seu valor ético”. O valor intrínseco de uma Constituição não pode ser desprezado ou subjugado, sob pena de ruir o conteúdo normativo da mesma.

Em um país tão marcado pela desigualdade social como o Brasil, os impactos do processo de globalização econômica e as matizes neoliberais políticas fazem por brotar no constitucionalismo contemporâneo a necessidade de elaborar formas de proteger os direitos sociais, em especial os trabalhistas, garantindo o mínimo necessário à dignidade de vida.

A globalização econômica faz com que os Estados, em geral, percam o controle de sua economia, atingindo seu poder de gestão, imprimindo ações diretivas a favorecer ou desfavorecer, a depender da ocasião, os direitos sociais. O que tem acontecido é uma tendência de retrocesso na proteção e efetividade destes direitos, por vários fatores, dentre eles a diminuição da máquina estatal, notadamente a assistencial e o desmantelo dos direitos trabalhistas através da flexibilização.

O Direito, enquanto ciência social aplicada deve transpassar da mera dogmática e alcançar a realidade, indo além da análise do problema, propondo soluções palpáveis e de aplicabilidade imediata. Esta função social urge ser incessantemente perseguida, sob pena de retrocessão na própria civilização, entendida como abandono dos instintos animalescos, e seguir ao encontro do estado democrático de direito prometido na Constituição.

Como salienta Antônio Henrique Pérez Luño (1993, p. 215) os direitos sociais, denominados por Norberto Bobbio (1992) como de segunda geração, exsurgem do reconhecimento de que “liberdade sem igualdade não conduz a uma sociedade livre e pluralista, mas a uma oligarquia, vale dizer, à liberdade de alguns e à não-liberdade de muitos”, o que condiz com a idéia de mínimo existencial garantido através da intervenção positiva do Estado. Disto extrai-se a essencialidade dos direitos sociais e a relevância jurídica enquanto bens tutelados pela Carta Magna, a saber direito a educação, saúde, ao lazer, ao trabalho e à moradia. Todos estes direitos estão contidos no mínimo existencial englobado no conteúdo jurídico do princípio da dignidade da pessoa humana.

A crise por que vive o direito tem reflexos nos direitos fundamentais. O panorama de crise será mais ou menos agudo a depender das posições políticas adotadas. Isto se dá pelo impacto da globalização e da afirmação do paradigma alcunhado neoliberal, que impõe aos países periféricos uma lógica perversa de Estado mínimo, subordinação a órgãos como o Fundo Monetário Internacional e a situações de competição desigual e, como adverte Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 8) a crise, entretanto não é fruto apenas disto:

É, contudo, comum a todos os direitos fundamentais, de todas as espécies e ‘gerações’, além de não poder ser atribuída, no que diz com suas causas imediatas, exclusivamente ao fenômeno da globalização econômica e ao avanço do ideário e da ‘praxis’ neoliberal.

A exclusão social e formação de bolsões de pobreza são graves dilemas enfrentados pelo Brasil, que atuam reduzindo a capacidade de ação social no sentido de efetivação dos direitos fundamentais. A outra face da moeda é fragilidade que transformar-se em dominação, o que gera uma possibilidade de desmantelo da democracia. O poder paralelo ou crime organizado abrigado em favelas e aglomerados, que representam “pseudo-estados”, onde o poder instituído está ausente. E aí surge o perigo de isolar em dois mundos o povo brasileiro, de um lado os moradores da cidade submetida ao poder político instituído e de outro os habitantes das favelas sob o crivo do crime organizado, podendo vir a força estatal ou violência legitimada ser utilizada com o objetivo falacioso de manter a ordem e proteger os cidadãos de bem, o que foi chamado de “fascismo do Estado paralelo” por Boaventura Souza Santos (1998, p. 23 e ss), caracterizado pela subversão da ordem jurídica. Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 8) contextualiza de forma brilhante os nefastos reflexos da crise dos direitos sociais:

Para além disso, convém que fique registrado que - além da crise dos direitos fundamentais não se restringir aos direitos sociais - a crise dos direitos sociais, por sua vez, atua como elemento de impulso e agravamento da crise dos demais direitos. [...] Basta, neste contexto, observar que o aumento dos índices de exclusão social, somado à crescente marginalização, tem gerado um aumento assustador da criminalidade e violência nas relações sociais em geral, acarretando, por sua vez, um número cada vez maior de agressões ao patrimônio, vida, integridade corporal, intimidade, dentre outros bens jurídicos fundamentais.(grifo nosso)

Diante deste contexto de crise, o direito do trabalho é afetado de forma incisiva e seu desmantelo contribui para o aumento da violência, principalmente em razão do desemprego. O único caminho que pode despontar para a satisfação de uma sociedade justa e igualitária é garantir, por força e proteção da Constituição Federal, a dignidade do trabalho. E não só isto, propiciar formas de que estas normas sejam efetivamente cumpridas.

3. Considerações Finais

Em nosso país, em que pese os prestimosos esforços doutrinários em garantir a fundamentalidade dos Direitos Sociais, a prática ainda é tímida. É possível afirmar que o constitucionalismo moderno e suas perspectivas filosóficas encontram-se além de nosso tempo, porém são iniciativas fundamentais para o amadurecimento da nossa democracia e o sucesso futuro de nosso povo.

A ameaça sobre os direitos sociais sempre presente em países em desenvolvimento como o Brasil, em que a globalização econômica tem como efeito a exclusão social e a mitigação de recursos orçamentários. Porém, sem dúvida, é um avanço brilhante da nossa sociedade o reconhecimento dos direitos sociais, em especial os trabalhistas, haja vista a quantidade e pluralidade dos mesmos, ocupando todos os artigos no tópico de direitos sociais elencados na Constituição Federal.

Entretanto, a conquista pura e simples não é motivo para comemoração, é apenas o primeiro passo rumo a uma luta maior: sua efetivação. Dentro da perspectiva de cidadania é dever de todos participar sócio-politicamente do processo de fortalecimento da democracia. A participação ativa é fundamental para que o texto constitucional saia do discurso demagógico.

Os direitos fundamentais sociais em seu cerne possuem um projeto emancipatório fascinante, assim como possuem todos os direitos fundamentais, uma vez que lutando por estes direitos e sua efetivação constrói-se a emancipação real do ser humano. Significam a saída da cidadania do plano jurídico-formal (projeto político) para o campo sócio-econômico. E nisto, reside a beleza e prestabilidade dos direitos fundamentais.

Concluindo o que foi iniciado por poesia, apresento a do Mário Quintana (1948, p. 15) por encaixar-se no espírito deste artigo “Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las... Que triste os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas!”.

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Título: A fundamentalidade dos Direitos Sociais no Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave:

Direitos Fundamentais – Direitos Sociais – Estado Democrático de Direito – Hermenêutica Jurídico-Constitucional.

Resumo:

O artigo discute o papel dos Direitos Fundamentais frente à moderna Teoria da Constituição. Em razão disto, adota o entendimento de que os direitos sociais são direitos fundamentais, incitando a discussão justificada e fundamentada acerca dos valores albergados e escolhidos pela Constituição Federal ao erigir no Brasil o Estado Democrático de Direito. O artigo visa demonstrar a necessidade de uma hermenêutica constitucional condizente com a realidade brasileira e fomentadora da verdadeira democracia.

Title: The fundamentability of the Social Rights in the Legal Democratic State

Key Words: Fundamental rights; Social Law; Legal democratic state, Legal Hermeneutics

Abstract:

This essay discusses the role of the Fundamental Rights opposed to the modern Constitutional Theory. Therefore, it is conceived that the social rights are fundamental rights, instigating a justified and grounded discussion upon the sheltered and chosen values of the Federal Constitution when founding the Legal Democratic State in Brazil. The article seeks to demonstrate the necessity of one constitutional hermeneutics well suited with the Brazilian reality as well as stimulator of the true democracy.

Notas:

 

 

[2] Ideais insertos no art. 3º, I da Constituição Federal de 1988.

[3] Art. 60, § 4º, inc, IV da CF/88, in verbis: Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: os direitos e garantias individuais.

[4] A simples leitura do art. 1º, incisos II e III da Constituição Federal embasa a assertiva no tocante os direitos sociais e seus valores inspiradores são fundamentos do Estado Democrático de Direito e também sua conceituação, haja vista, que a soberania popular, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político e a representatividade do povo, real detentor do poder consubstanciam o Estado Democrático de Direito.

[5] O princípio do não-retrocesso social ou aplicação progressiva dos direitos sociais caracteriza-se pela impossibilidade de redução dos direitos sociais amparados na Constituição, garantindo ao cidadão o acúmulo de patrimônio jurídico.

 

Como citar o texto:

ALMEIDA, Dayse Coelho de..A fundamentalidade dos Direitos Sociais. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 184. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-constitucional/1359/a-fundamentalidade-direitos-sociais. Acesso em 25 jun. 2006.

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