Com a recente expansão do crédito, "crédito consignado", onde pessoas que antes não tinham acesso a mecanismos de crédito formal passaram a ter, uma pergunta não quer silenciar. Qual o limite de responsabilidade do banqueiro na agressiva oferta do crédito? Pois bem, como já está sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, o regramento do Código de Defesa do Consumidor incide às operações bancárias, em especial quanto a oferta e publicidade do crédito. Não bastasse, há de se ver que desde em 26 de julho de 2001, com a publicação da Resolução/BACEN n.º 2.878, que teve como objetivo dispor "... sobre procedimentos a serem observados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil na contratação de operações e na prestação de serviços aos clientes e ao público em geral", constam os seguintes procedimentos de observâcia obrigatória pelos bancos:

Art. 1º. Estabelecer que as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, na contratação de operações e na prestação de serviços aos clientes e ao público em geral, sem prejuízo da observância das demais disposições legais e regulamentares vigentes e aplicáveis ao Sistema Financeiro Nacional, devem adotar medidas que objetivem assegurar:

I - Transparência nas relações contratuais, preservando os clientes e o público usuário de práticas não eqüitativas, mediante prévio e integral conhecimento das cláusulas contratuais, evidenciando, inclusive, os dispositivos que imputem responsabilidades e penalidades;

II - Resposta tempestiva as consultas, as reclamações e aos pedidos de informações formulados por clientes e público usuário, de modo a sanar, com brevidade e eficiência, duvidas relativas aos serviços prestados e/ou oferecidos, bem como as operações contratadas, ou decorrentes de publicidade transmitida por meio de quaisquer veículos institucionais de divulgação, envolvendo, em especial:

III - clareza e formato que permitam fácil leitura dos contratos celebrados com clientes, contendo identificação de prazos, valores negociados, taxas de juros, de mora e de administração, comissão de permanência, encargos moratórios, multas por inadimplemento e demais condições;

IV - Recepção pelos clientes de cópia, impressa ou em meio eletrônico, dos contratos assim que formalizados, bem como recibos, comprovantes de pagamentos e outros documentos pertinentes as operações realizadas;

V - efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, causados a seus clientes e usuários.

Desta forma, seja pela aplicação pura e simples do Código do Consumidor, seja pela aplicação da Res./BACEN n.º 2.878/01 – ou até mesmo das normas quanto a boa-fé objetiva insertas no Código Civil de 2002 (art. 113; art. 187; e, em especial, art. 422) certamente há de se concluir que qualquer ato ou fato tendente a ocultar (v.g. não divulgar) a extensão e os efeitos de um contrato bancário, revela não se poder divisar de tal comportamento um correto "... padrão objetivo de conduta, verificável em certo tempo, em certo meio ... profissional e em certo momento histórico" (Judith Martins Costa in O Princípio da Boa Fé, Revista Ajuris, vol. 50, p. 207, Porto Alegre, 1990), ou seja, a existência de boa-fé por parte do banqueiro.

Os bancos estão trabalhando na expansão da base do "crédito consignado" apenas observando a "completa ausência de risco", derivada da retenção compulsória dos valores pelo INSS. Mas isso é um engodo, pois se o banqueiro não informar detalhadamente na oferta de crédito que o crédito em si é um risco, que sua tomada sem critério pode levar a uma perversa embriagues, certamente estará prestando um desserviço e atraindo uma discussão – sem dúvidas judiciais – sobre a concessão do crédito e a sua responsabilidade nisso, o que, no mínimo, poderá levar a uma difícil recuperação do crédito concedido, senão uma drástica redução no montante, dada sua responsabilização pela má concessão.

Não se pode perder de vista que o Superior Tribunal de Justiça, em 2004, julgou que "A cláusula contratual constante de contrato de financiamento que autoriza o desconto em folha é “mais abusiva do que a cláusula mandato, pois, enquanto esta autoriza apenas a constituição do título, aquela permite a cobrança pelos próprios meios do credor, nos valores e no momento por ele escolhidos” (REsp nº 250.523/SP, Relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 18/12/2000)" – REsp. 550.871/RS.

E isso porque, já em 1995 havia "leading case" na mesma Corte em que, quando o devedor ajuizava demanda questionando o crédito, impedia o desconto em folha. Eis o precedente: "Todos os credores, diante da resistência da contraparte, podem exercer os seus direitos nos termos da Lei, entre os quais não se inclui o de lançar mão dos fundos depositados na conta bancária de seus clientes. Assim como o depositante não pode adentrar as cancelas para retirar do caixa o que entende lhe seja devido, assim também o banco não pode se apropriar dos recursos existentes na conta-corrente do cliente." – Agr.Instr. nº 58.028-8/RS.

Portanto, não foi por acaso que um dos cinco maiores bancos do país, em meados do ano passado, lançou dispendiosa campanha publicitária onde convocava os clientes a "Tomar Crédito com Responsabilidade". É claro que o banco sabe que, se não explicitar os riscos da contratação, se não avaliar o perfil do cliente e simplesmente lhe alcançar crédito de qualquer forma, com olhos apenas na garantida, estará colocando em risco o seu próprio negócio.

É impensável que em uma sociedade dita civilizada se possa pensar em regimes de escravidão econômica – "consignação do futuro" –, o que ocorreria (e ocorrerá) se não houver adequada concessão de crédito pelos bancos, com esclarecimento sobre os riscos de se tomar crédito em demasia. Na mesma forma, não suponham as bancas que o Poder Judiciário, quando provocado, não irá avaliar sobre a forma de concessão do crédito, sobre seus critérios de deferimento, o que poderá por em perigo a recuperação dos montantes emprestados e a saúde financeira dos bancos.

 

Como citar o texto:

MOTTA, João Antônio César da..A má concessão de crédito pelo banqueiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 186. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/cronicas/1379/a-ma-concessao-credito-pelo-banqueiro. Acesso em 8 jul. 2006.

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