De modo geral, a ocorrência do fato típico, antijurídico e culpável, que gera a punibilidade, é fator delineador do comportamento do agente no âmbito do direito penal. Em muitos casos, porém, o comportamento do sujeito ativo posteriormente ao momento da infração tem o condão de alguma forma influir no desenrolar do processo, por não dizer, na respectiva sanção criminal.

Primeiramente, ainda no momento da conduta, temos o instituto da desistência voluntária, onde o agente desiste por sua própria iniciativa de prosseguir na execução, só respondendo pelos atos já praticados (CP, Art. 15, 1ª parte). Trata-se de verdadeira causa antecipada de exclusão da tipicidade, apenas sendo admitida na tentativa imperfeita, visto que somente pode voluntariamente desistir aquele que ainda dispõe de meios propícios de causar lesão ou ameaça ao bem jurídico tutelado.

Depois de esgotados os meios que dispõe, se o agente impede que o resultado se produza, também só responderá pelos atos típicos já praticados. É o arrependimento eficaz (CP, Art. 15, 2ª parte), cuja configuração é possível tanto na tentativa perfeita, onde os meios executórios são esgotados, quanto na forma imperfeita, visto ser a alteração do comportamento do sujeito ativo o ponto determinante do futuro enquadramento jurídico penal. Mais uma vez o Código exclui a tipicidade de uma conduta que, pelo menos a princípio, seria tratada com maior rigor.

Para muitos, o comportamento do sujeito ativo posteriormente ao fato típico não teria qualquer importância na fixação da sanção penal. Todavia, não é o que sempre ocorre. No caso do arrependimento posterior (CP, Art. 16), encontramos o primeiro instituto penal assegurado ao acusado em situações como essas, exigindo que o crime seja cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, e que haja a reparação do dano ou a restituição da coisa à vítima, e seja feito por ato voluntário do agente até o recebimento da denúncia ou da queixa. A conseqüência benéfica será a redução da pena de um a dois terços.

Em alguns tipos penais a regra geral acima mencionada cede lugar a algumas exceções.

Na modalidade de estelionato pela fraude no pagamento por meio de cheque (CP, Art. 171, VI), onde o sujeito deixa dolosamente de prover fundos suficientes para assegurar a obrigação assumida, a jurisprudência pacificada após a emissão da súmula 554 do Supremo Tribunal Federal, aponta o arrependimento posterior como obstáculo à ação penal, desde que formalizado o pagamento antes do recebimento da denúncia. Faltaria aqui, a justa causa exigida ao Ministério Público para a demanda, em razão mais uma vez do comportamento posterior do acusado.

Outra situação tratada de modo diverso pelo Código Penal é a do arrependimento posterior ocorrido no peculato culposo. Se houver reparação do dano antes da sentença irrecorrível, incidirá causa de extinção de punibilidade; se posterior, a pena será reduzida de metade (Art. 312, §3º).

O comportamento do acusado posteriormente ao fato típico também poderá configurar circunstância atenuante genérica, caso o mesmo tenha procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano (CP, 65, III, “b”). É o que poderá incidir também no estelionato por emissão de cheque sem fundos, quando a reparação ocorrer após o início da ação penal.

Com o advento da Lei nº 10.763, de 12-11-2003, que acrescentou §4º, ao Art. 33 do CP, passou-se a exigir do condenado por crime contra a administração pública, a reparação do dano causado, ou a devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais, para que ao mesmo seja deferido o benefício da progressão de regime de cumprimento da pena.

Em uma diferente vertente, temos ainda a retratação do agente, que em diferentes situações é causa extintiva da punibilidade (CP, Art. 107, VI). Na calúnia e na difamação, por exemplo, se o querelado antes da sentença, se retrata cabalmente, fica isento de pena (Art. 143). No falso testemunho e na falsa perícia o fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade (Art. 342, §2º).

 

Muitos outros institutos poderiam ainda ser apontados neste artigo, mas em todos vale lembrar que não é apenas o fato descrito no preceito primário que irá determinar a respectiva sanção penal, mas sim, por vezes, o comportamento posterior e benéfico do acusado.

(Artigo finalizado em maio/2006)

 

Como citar o texto:

NUNES, Euler..O comportamento do acusado posterior ao fato. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 190. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/1436/o-comportamento-acusado-posterior-ao-fato. Acesso em 5 ago. 2006.

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