A crise da saúde no Brasil vem de longa data e continua presente no dia a dia da sociedade. Freqüentemente nos deparamos com notícias que revelam filas de pacientes nos hospitais e postos de saúde, essencialmente do serviço público, além da falta de leitos, equipamentos etc. E no meio da crise está a população que precisa de atendimento, direito garantido pela nossa Constituição, além dos médicos que, em condições precárias de trabalho, precisando de até cinco empregos, ainda são processados em muitos casos por supostas negligências ou erros. Enquanto isso, o que deveria ser prioridade para todas as autoridades torna-se mais um instrumento de disputa política.

Independente do jogo de empurra, o fato é que há escassez de recursos financeiros, materiais e humanos, para manter os serviços de saúde operando com eficiência. Problemas, como atraso no repasse dos pagamentos do Ministério da Saúde para os serviços conveniados, baixos valores pagos pelo SUS aos procedimentos médico-hospitalares, entre outros, consolidam o entrave no setor. O mundo econômico da saúde é cruel. Segundo estatísticas da Abramge/Fenaseg, são gastos R$ 31 bilhões para cuidar de 35 milhões de segurados, enquanto todo o SUS para suprir o direito à saúde de mais de 145 milhões de brasileiros gasta quase a mesma quantia. Por essas e outras razões nos encontramos no 124º lugar no ranking da OMS em qualidade de saúde.

É difícil para qualquer especialista apontar apenas um motivo para tal crise. Mesmo com toda a evolução do contexto político-social pelo qual o Brasil passou, pouco foi mudado. Na realidade, em 500 anos de Brasil, independente do regime vigente, a saúde nunca ocupou lugar de destaque no governo, ficando sempre em plano secundário. Até hoje, só olhou-se atentamente para o setor quando determinadas epidemias se apresentavam como eminentes ameaças à sociedade.

É assim desde o Brasil Colônia, quando o país não dispunha de modelo de atenção à saúde e nem mesmo o interesse em criá-lo, por parte do governo colonizador. Os conhecimentos empíricos (curandeiros) eram a opção. Com a vinda da família real ao Brasil, se fez necessária a organização de uma estrutura sanitária mínima, capaz de dar suporte ao poder que se instalava na cidade do Rio de Janeiro. A carência de médicos no Brasil Colônia e no Brasil Império era enorme. Para se ter uma idéia, no Rio, em 1789, só existiam quatro médicos exercendo a profissão (Salles, 1971). Em outros estados eram mesmo inexistentes, o que fez com que proliferassem pelo país os Boticários, a quem cabiam a manipulação das fórmulas prescritas pelos médicos, mas que na verdade eles próprios tomavam a iniciativa de indicá-los, cultura comum até os dias atuais.

Veio a República e o Brasil continuou o mesmo. No início desse século, a cidade do Rio apresentava um quadro sanitário caótico, sofrendo com doenças graves que acometiam a população, como varíola, malária e febre amarela. Isso acabou gerando sérias conseqüências tanto para saúde coletiva quanto para outros setores, como o do comércio exterior, já que os navios estrangeiros não queriam atracar no porto do Rio em função da cidade.

Poderíamos escrever milhares de linhas sobre o assunto e chegaríamos à mesma conclusão: em pleno século XXI pouco se evoluiu em termos de política de saúde no Brasil.

Atualmente são colocados no mercado de trabalho 8.862 novos médicos, provenientes de 120 faculdades de medicina em todo o país. Esses dados são de uma recente pesquisa do Conselho Federal de Medicina, que revela ainda que a má distribuição de médicos no país ainda persiste. São 65,9% deles atuando nas regiões Sul e Sudeste, onde se concentra apenas cerca de 25% da população.

É a saúde continuando um sistema embrionário e contraditório, onde nos destacamos mundialmente por nossas pesquisas pioneiras, no combate a Aids, tendo reconhecimento dos nossos profissionais, mas não conseguimos dar atendimento básico à maioria do povo. Já passamos da hora de criarmos um Código Nacional da Saúde, respaldado na eticidade, para que possamos organizar este setor no Brasil.

 

Como citar o texto:

COUTO FILHO, Antônio Ferreira..A realidade da saúde no Brasil. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 190. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/cronicas/1438/a-realidade-saude-brasil. Acesso em 5 ago. 2006.

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