SUMÁRIO: RESUMO 1. INTRODUÇÃO 2. DIREITO PENAL TRADICIONAL:2.1CARACTERÍSTICAS 2.2LEGITIMAÇÃO 2.3CRISE E EXPANSÃO 3. VÁRIAS CONCEPÇÕES DE BENS JURÍDICOS. 4.DIREITO PENAL “MODERNO”4.1CARACTERÍSTICAS  5.CONCLUSÕES

RESUMO

            No bojo do presente artigo, procurar-se-á demonstrar que a ciência penal liberal de inspiração iluminista não mais atende aos anseios da sociedade que vive num mundo globalizado, de avanços tecnológicos. Houve a ruptura do paradigma de proteção de bens jurídicos individuais para a tutela difusa, onde bens jurídicos são necessários para a vida em sociedade. Isso não quer dizer que bens individuais não merecem tutela, no entanto não exclusivamente. Para enfocarmos as transformações do direito penal tradicional o trabalho foi dividido em três partes: Num primeiro momento há a explicitação do direito tradicional, após as várias concepções sobre bem jurídico, e por fim as características do direito penal moderno.

1. INTRODUÇÃO

            O  Direito penal como ciência surgiu nos alvos tempos do iluminismo, e naquela época havia uma grande tendência            a sua limitação, seja através de especificações do bem jurídico, ou de tipicidade penal. Esse modelo perdurou até meados do século XX, principalmente após a Segunda Grande Guerra quando começou a passar por transformações, contribuindo para seu  posterior colapso.

            O mundo globalizado passa por transformações, e exige que o Direito Penal as acompanhe. Há de se observar que a mudança da realidade começou a mudar principalmente, a partir da II Grande Guerra, exigindo que o Direito Penal passasse por profundas reflexões.

            O avanço da tecnologia levou a criação de novos riscos sociais que levaram a uma mudança de pensamento da sociedade. Assim sendo o Direito penal vai cada vez mais sendo ampliado para tutelar situações, que antes não possuíam amparo do direito. Como conseqüência, o princípio do Direito Penal como ultima ratio, vem sendo cada vez mais mitigado, dando azo a  chamada expansão do Direito Penal. 

            Isto posto, houve mudança de paradigma, e o Direito passa a se preocupar  com interesses coletivos, se libertando das amarras da tutela individual, adotada pelo nosso sistema ainda muito positivista, e ineficiente para amparar situações antes desconhecidas. Adota-se inclusive, a antecipação da tutela penal ou ex post, com a utilização dos crimes de perigo.

2. DIREITO PENAL CLÁSSICO

2.1.CARACTERÍSTICAS

O Direito Penal  liberal, que chamamos de  clássico[1], foi estudado como ciência no século XVIII, sob a inspiração do século das “Luzes”(Iluminismo). O paradigma adotado era a tutela de direitos subjetivos, sobretudo contra as arbitrariedades do estado, isto é, limitações do ius puniendi, características  do regime anterior. Muitos defendiam este pensamento, dentre os quais: Beccaria, Montesquieu, Carrara.

Não se pode negar que tais valores individuais são importantes nos dias de hoje, sobretudo após a Constituição de 1988, uma vez que a dignidade da pessoa humana é o alicerce do ordenamento positivo e axiológico da Carta Magna..

O Direito Penal liberal foi consolidado se baseando em duas finalidades: Servir para a proteção de direitos subjetivos e de garantia para os cidadãos contra a intervenção estatal. Naquela época o estado não era visto com “bons olhos”, uma vez que era fonte de violência.[2]  O Estado era o guardião desses direitos naturais, que lhes eram entregues como uma espécie de contrato social. O Estado era ao mesmo tempo protetor, e guardião arbitrário.

É de se observar que se espera que o Direito Penal, como manifestação do jus puniendi, seja utilizado de forma equilibrada, e que a sanção penal com manifestação na privação de liberdade seja utilizada quando estritamente necessária, quando outros meios (fragmentariedade do direito penal)[3] não forem eficazes para sanar a lesão ao bem jurídico.

            Vale ressaltar que de acordo com esse modelo penal  o princípio da legalidade é visto como garantia para o cidadão, visando portanto a evitar a punição arbitrária do Estado.

            Para reforçar a idéia exposta vamos citar Luiz Flávio Gomes[4]:

            Unicamente a ofensa intolerável às liberdades asseguradas pelo contrato social é a que justifica a intervenção penal na liberdade humana (rectius: é a que pode ser considerada infração penal propriamente dita). Por outra parte, é absolutamente imprescindível que o poder estatal seja delimitado estritamente e que as múltiplas formas de sua ingerência na liberdade individual seja delimitado estritamente e que as múltiplas formas de sua ingerência na liberdade individual seja claramente descrita na lei penal – lex certa ou   princípio da taxatividade.

            Somente quando  haja autêntica violação ao bem jurídico, é que caberá a intervenção do direito penal. Tanto é verdade que no direito penal clássico a identificação do autor do delito, do ato criminoso e a vítima que havia um dano que após o devido processo legal era comprovado. Tudo passava desta maneira porque o bem jurídico a ser protegido tinha seus contornos bem definidos.

2.2.            LEGITIMAÇÃO

            Deixaremos claro, que buscamos dogmas que permearam o direito penal desde o fim do século XVIII e começo do XIX, não obstante haja variações em relação a teoria do deito a da pena, dependendo de qual escola penal se adote.

            Vários tópicos se enquadram neste modelo penal liberal adotado desde os tempos do Iluminismo:

1)            O Direito penal clássico é entendido como direito público, uma vez que é manifestação do monopólio estatal que visa à proteção dos direitos subjetivos dos indivíduos;

2)            O Direito Penal  aparece de maneira indissociável ao princípio da legalidade, como garantia do cidadão contra os desmandos do Estado. Por ter natureza pública seus corolários são: formalismo e legalidade, para a garantia dos direitos individuais[5]

3)            A noção de bem jurídico está ligada aos direitos individuais, sendo certo não poderia haver lei penal sem a tutela de bem jurídico.

4)            O princípio da legalidade é legitimador do Estado. È expresso segundo Feuerbach  “não há crime nem pena sem lei anterior que a defina”, onde a norma incriminadora  deve conter a conduta reprovada e a sanção e possui como desdobramentos: lei certa (descrição inequívoca da conduta), escrita (vedação dos costumes) e estrita (proibição da analogia)[6]

5)            O sistema penal se foca em atividades preventivas gerais negativas, isto é,  pela sua força inibe comportamentos não desejados pelo direito. A pena possui portanto, um caráter ameaçador;

6)            O direito penal  entendido como ramo do direito público, instrumentalizado pelo princípio da legalidade possui fins preventivos gerais e especiais. Gerais porque a ameaça da pena impede a afetação de bens jurídicos; e especiais aonde os indivíduos teriam a resposta penal de acordo  com sua conduta. Tudo isso acabou por dar azo ao direito penal de duas vias: penas para sujeitos culpáveis e medidas de segurança para os perigosos.

7)            A pena visava à segurança jurídica, a paz social; com o restabelecimento da ordem normativa violada. Não havia referência à vítima do delito, esta não deveria esperar justiça ao caso concreto. Deveria, no mais das vezes recorrer a esfera civil procurando o ressarcimento pecuniário.

8)            Devido ao pacto social, o indivíduo respeitar à lei, como parcela de sua anuência ao acordo, sempre visando à pacificação social.  Por essa razão as normas penais eram destituídas de valoração, sendo imperativas para todos. Quem delinqüe rompe com o pacto que anuiu, devendo portanto, arcar com as conseqüências. Assim sendo o Direito Penal  é codificado para que todos possam se tornar cientes de sua disposição.

9)            O injusto penal era constituído de uma conduta externa, voluntária que modificava o mundo exterior, lesionando bens jurídicos. O paradigma deste modelo eram delitos dolosos comissivos. Somente após houve a inclusão dos delitos omissivos e culposos, como forma de temperamento da teoria do delito.

10)         A estrutura do delito era baseada em critérios naturalísticos, todos os conceitos podiam ser aferidos com os parâmetros das ciências naturais. Valores axiológicos ou normativos não tinham espaço na dogmática tradicional.

11)         No causalismo a idéia de natureza tem sentido empirista, tratando-se de processos causais, a realidade não é valorada, embasa-se em fatos. No finalismo de Welzel o homem pode interferir nos processos causais, exercitando sua vontade final ao resultado, e já com referência normativa e valorativa[7].

12)        Verifica-se, então que a culpabilidade deve seguir um caminho cauteloso: primeiro adotam-se critérios psicológicos, e após os normativos e valorativos. O princípio da culpabilidade surgiu após o princípio da legalidade, e veio para assegurar o vínculo pessoal  entre os sujeitos e o fato como pressuposto para a aplicação da pena. Esse princípio veio a exteriorizar a responsabilidade subjetiva, exigindo a presença do dolo ou da culpa para caracterizar a lesão e posterior responsabilização; há portanto o abandono da responsabilidade objetiva.

13)         O Direito Penal como ciência surge atendendo a um paradigma e que justifique seus valores. Pode-se entender o conceito de dogmática como a comunhão da ciência criminal com seus conceitos aferidos de acordo com a época e a realidade aferida empiricamente. Utiliza-se o método dedutivo, afastando as valorações e obtendo um sistema fechado e seguro. Neste modelo não há mistura entre política criminal (valores) e dogmática. O saber penal é hermeticamente fechado, não pertencendo ao mundo do ser [8]

            Esse posicionamento veremos nos próximos tópicos que não se ajusta ao modelo comportamental de nossos dias, encontrando sérias dificuldades de aplicação.

2.3. CRISE E EXPANSÃO

            O  Direito Penal como ciência e estrutura normativa do estado começa a enfrentar transformações a partir do fim da segunda Grande Guerra. A partir daí o Direito Penal entra em crise[9], e a estrutura legitimadora do poder do Estado foi sendo questionada, tais como:  princípios da legalidade e culpabilidade e o injusto penal.

            Nos idos dos anos sessenta e setenta surge um movimento de deslegitimação do    direito Penal, criticando a resposta punitiva do Estado. As mudanças foram tão profundas, assim como; teoria do delito, princípio da legalidade e aspectos da sanção penal.

            Após, e de acordo com a realidade pós anos 80 assistimos a uma onda de expansão do Direito Penal, em virtude dos anseios da sociedade que clamam por mais segurança;[10]sobretudo nos delitos de grande monta, chamados de delito dos poderosos, tais como: delitos econômicos, ambientais e políticos. Entende-se então, que o direito penal está em crise, mas ao mesmo tempo em expansão como resposta jurídica aos problemas sociais[11].

            Quando dissemos que o Direito Penal está em crise, não estamos querendo dizer que a ciência está, mas sim que o modo como foi compreendido no aspecto clássico (Iluminismo) não atende aos novos tempos dos fins do séc XX e início do XXI. Neste período o direito penal tenta integrar realidades diferentes que são incompatíveis nos moldes do direito penal liberal (Iluminismo). Tanto é assim que hoje se fala em direito penal de duas velocidades, isto é, dois modos diferentes de justificar e aplicar o sistema penal.

            Destarte, temos o direito penal liberal e outro direito mais difuso em seus bens tutelados, menos escrito em seus princípios e garantias, mais complexo em sua estrutura dogmática, mais flexível em seus pressupostos de reprovabilidade.[12]

            Como se vê, assistimos à crise de um modelo de direito penal, que não implica seu desaparecimento, senão a  transformação do modo de entendê-lo, explicá-lo e legitimá-lo.

            Para maiores esclarecimentos, vamos citar Silva Sanchéz[13]:

            E é fato que, em um mundo no qual as dificuldades de orientação cognitiva são cada vez maiores, parece mesmo razoável que a busca de elementos de orientação normativa – e dentro eles, o Direito Penal ocupa um lugar significativo – se converta em uma busca quase obsessiva. Com efeito, em uma sociedade que carece de consenso sobre valores positivos, parece que corresponde ao Direito Penal malgré lui a missão fundamental de gerar consenso e reforçar a comunidade.

3. VÁRIAS CONCEPÇÕES DE BENS JURÍDICOS

            O conceito de bem jurídico dentro da ciência penal passou a ter importância após a Segunda Grande Guerra. A sua  principal função foi a de legitimar e dar validade às normas penais, sob o primado de que não pode haver norma penal sem bem jurídico para tutelar, é o chamado princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos. Assim sendo, havia uma delimitação daquilo que se desejava proteger, com suas conseqüências penais.

            Observa-se então que a noção de bem jurídico está intimamente ligada ao conceito material do delito. Com esse substrato, o bem jurídico pretende orientar a atividade legiferante de política criminal somente para realidades ou interesses relevantes para a vida em sociedade. Afastam-se interesses não relevantes para  o convívio em sociedade,[14] se garantindo, por conseguinte um ius puniendi mais racional e integrado a realidade fática,[15] sedo certo que o direito penal não se estenda para áreas administrativas ou indefinidas

            O conceito de bem jurídico está em mutação, uma vez que por razões de política criminal o legislador penal tem utilizado tal conceito para regular atividades das áreas da vida social, econômica, ecológica, etc.

            Podemos constatar algumas dificuldades para a definição de bem jurídico, uma vez que a convivência pessoal exige cada vez mais o asseguramento de condutas que só de maneira indireta iniciaram a cadeia de comportamentos que terminaram danificando os componentes concretos da vida individual, tais como: vida, saúde, meio ambiente, economia.[16]

            Historicamente, a noção de bem jurídico surge com a intenção de superar um direito penal de cunho individualista nos moldes de Feuerbach, aonde o direito penal protege direitos individuais, não propriamente bens jurídicos. Sua concepção era fundada no pensamento do contrato social, neste o estado através de um pacto velava pela segurança da sociedade, sem uma lesão aos direitos individuais não haveria conduta a ser punida.[17]

            Na visão de Johann Birnbaum  nos idos de 1834, publica seu estudo na Alemanha sobre a tutela da honra, aonde os direitos subjetivos são deslocados do centro da proteção penal, cedendo lugar para o sentido de bem como objeto ou coisa.

            Se no começo a noção de bem jurídico sob influência de idéias iluministas era de proteção a direitos subjetivos  embasando o conceito material de crime; após, o conceito de bem jurídico é afetado a bens e objetos, incluindo condutas lesivas a moralidade e a religião.[18] 

            A concepção positivista de Von Liszt  transporta  o conceito de bem jurídico como centro de proteção para interesse juridicamente protegido, uma vez que, o Direito Penal existe para a proteção de interesses humanos vitais, portanto interesses jurídicos.[19]

            Há de observar que na visão neokantiana[20], revaloriza a filosofia dos iluministas, sendo uma reação ao pensamento positivista, há a aplicação teleológica do bem jurídico, aonde o bem jurídico deve ter como referência o mundo valorativo com o abandono do aspecto social..Há a equiparação de valor e fim, em detrimento da função garantista liberal do bem jurídico, com atenção para um critério de valoração, de interpretação do bem jurídico.

            Agora vamos analisar as teorias contemporâneas com seus principais autores.

            Após a Segunda Grande Guerra  a noção de bem jurídico foi reavalizada, e mais uma vez o poder punitivo estatal foi limitado. Duas correntes merecem importância: as sociológicas e as constitucionais.

            Da  corrente sociológica merecem destaque: Amelung, Hassemer e Habermas

            Para Amelung[21] o Direito Penal é fundado num conceito de dano social, e o direito tem que garantir condições para a convivência humana.

            Já para Hassemer[22] é necessário o dano social para a legitimação punitiva, isto é, os bens jurídicos são considerados para a efetivação de uma política criminal

            De acordo com Habermas[23] para que haja legitimidade do direito penal é imperativo que haja um consenso social sobre os problemas, assim sendo a criminalização de condutas dependeria do consenso social.

            As teorias socialistas não conseguiram delimitar com precisão o conceito de bem jurídico, nem definir o que seria uma conduta lesiva, nem explicar o motivo de pelo qual determinada sociedade criminaliza  certas condutas, e outras não.[24]

            A outra corrente de pensamento diz respeito aos constitucionalistas, merecendo destaque  Claus Roxin. Este pensamento se baseia em que a única limitação para a eleição de bens jurídicos é a Constituição, levando-se em conta a liberdade do indivíduo e delimitando o ius puniendi do Estado.[25] Nos Estados democráticos de Direito, há o estreitamento necessário a interação entre a proteção jurídico- penal de bens jurídicos e a Constituição.

            Então, chega-se a conclusão de que o bem jurídico funciona no sentido limitador do poder punitivo estatal. Welzel afirmava que bem jurídico deveria ser aquele necessário para o resguardo da vida social , por conseguinte o direito num estado existe  pra proteger lesões.[26]

4. DIREITO PENAL MODERNO

4.1 CARACTERÍSTICAS

            Hodiernamente, observa Hassemer[27], o direito penal “moderno” que continua em mutação vai se adequando a novas estruturas  da era da globalização. O paradigma liberal começou a ser rompido após a Segunda Grande Guerra, mudando a noção de tutela de bens jurídicos que foi reavaliada para atender aos anseios da sociedade com a proteção de problemas sociais freqüentes, tais como: meio ambiente, economia, genética, etc.

            Vale ressaltar que o “moderno” direito penal vem cada vez mais se desviando dos conceitos originais e fundamentadores da intervenção punitiva, para adotar conceitos inovadores que no decorrer do capítulo serão dissecados, por ora citaremos Sérgio Salomão  Shecaira:

            A responsabilidade “penal” da pessoa jurídica, por exemplo, prevista na Lei   Ambiental (Lei 9605/1998, art 3º), insere-se com perfeição nesse contexto de afastamento do  clássico direito penal. Pessoa jurídica e direito penal são duas entidades inconciliáveis. Isso não significa que a pessoa jurídica, quando obtém algum benefício com o crime, não tenha que ser punida. O que se questiona é o uso do direito “penal” para sua penalização. De  lege ferenda, urge a construção, para isso, de um específico direito sancionador, jamais fundado na pena privativa de liberdade, mas aplicado pelo Judiciário e segundo as garantias do devido processo legal . De qualquer modo, por ora, tendo em vista o disposto na  Lei Ambiental, que prevaleça, pelo menos, a interpretação menos traumática da “dupla imputação”, isto é, jamais seria concebível imputar uma infração “penal” exclusivamente à pessoa jurídica, sem apontar as pessoas físicas que praticaram tal infração em nome dela.[28]

            Vamos relacionar algumas mudanças relevantes no Direito Penal:

1)             Conforme já explicitado, o paradigma  da ciência penal foi mitigado, e podemos afirmar que os instrumentos punitivos do Estado foram limitados, podemos citar como exemplo o artigo 74 da Lei Brasileira dos Juizados especiais[29], onde a vítima do delito transaciona com o autor do fato. Portanto o Direito Penal deixa de ter um caráter estritamente público na defesa de interesses subjetivos, o estado se retira da atividade punitiva e a vítima se vê satisfeita.

2)             O direito penal do iluminismo centralizador passa a dar lugar à mediação penal com os conseqüentes acordos. Os mecanismos de pacificação social não podem ficar presos a garantias tradicionais que ficam relativizadas.[30]

3)             Há  incompatibilidades: Necessidade de política criminal e expansão do direito penal de um lado, e de outro teorias funcionalistas de Jakobs, aonde o único bem jurídico penal é a reafirmação da  identidade normativa da sociedade.[31]

4)             Assiste-se a uma crise de legalidade, verifica-se a um aumento considerável aumento das leis penais em branco em virtude de um excepcional aumento de regulação do direito penal nos campos da economia, meio ambiente, saúde pública, etc. Ainda, com as novas técnicas de legislação que tem mitigado a proibição da analogia, relativizando, portanto o princípio da taxatividade do direito penal.[32]

5)             A lei penal na política criminal não só se revela coativa, mas também aspira obter reafirmação social de valores ou lealdade a ordem normativa, aonde o indivíduo deve respeitar as normas, é o que se convencionou chamar de prevenção geral negativa.

6)             O novo Direito Penal dirigi-se antes de tudo ao cidadão do que ao delinqüente, busca-se a eficácia social e concreta do direito.

7)       Não há uniformidade de legislação, uma vez que há grande variedade de legislação especial.

8)             Várias dessas transformações são sentidas em virtude da mudança na estrutura da sociedade. Costuma-se falar de uma sociedade de riscos em que o direito deve atender a situações oriundas de um mundo globalizado, tais como: Meio ambiente. Isto posto, há o crescimento dos delitos de crimes abstrato, onde  há a antecipação da tutela para antes da lesão, a aplicação da sanção ocorrerá se houver superação do risco socialmente permitido.

9)             A idéia da técnica legislativa numa sociedade de riscos consiste em que os cidadãos exigem garantias, isto é, que aqueles que se utilizem do desenvolvimento tecnológico não concretizem potenciais lesões a bens jurídicos. A idéia é evitar o resultado lesivo.[33]

10)          Os conceitos do delito vão se normatizando, e perdendo sua relação ou vínculo com a realidade natural ou ontológica. O paradigma deixa de ser o homicídio, para ser qualquer forma de descumprimento de algum dever a partir do descuido ou negligência.[34]

11)          A ciência penal não é um sistema hermeticamente fechado, e ao contrário necessitam de pressupostos empíricos para construção da teoria do delito. O pensamento penal deve se ater a valorações e aos fins perseguidos.

              Com total propriedade citaremos um trecho do livro de Luiz Flávio Gomes[35]:

              Hodiernamente Jakobs tem dito que lamentavelmente o direito penal se parece a uma técnica e não a uma teoria humanística. Sua tese, embora sustentada com resignação, é de uma crua tecnocracia penal. A outra opção é de ordem prático-moral. Porém aqui se deve debater sobre critérios utilitários, personalistas etc., sobre os quais ainda não haja acordo.

                Nesta encruzilhada é que se encontra  hoje o saber penal.[36]

5.CONCLUSÕES

            O direito Penal do século XXI não pode mais ser entendido e aplicado nos moldes em que foi concebido nos tempos do Iluminismo, em que a ordem social, política e econômica era completamente diferente. Naquela época a ciência penal se preocupava com a tutela de direitos subjetivos dos indivíduos contra os arbítrios do Estado. Naqueles tempos se notava a uma tendência de redução no que tange a intervenção penal, os bens jurídicos protegidos eram limitados, assim como a tipicidade penal.

            Em meados do XX, a partir da Segunda Grande Guerra o pensamento jurídico começou a sofrer metamorfose, principalmente com o avanço dos méis tecnológicos fomentados pela globalização.

            Assim sendo, ainda que se fale em direito penal mínimo, estamos vivenciando a uma expansão do direito penal. Rompe-se com o paradigma da proteção aos bens individuais para dar azo a tutela de interesses difusos, tais como; economia, meio ambiente.

Há o crescimento dos chamados crimes de perigo com a antecipação da tutela penal, evitando sempre que possível a lesão, uma vez que tais bens jurídicos tutelados são imprescindíveis para a vida em sociedade.

            Destarte que aos estudiosos do Direito Penal e ao legislador penal cabe a difícil tarefa de adequar as políticas criminais com a dogmática penal, uma vez que não podem ser separadas, porque que o direito tem que se basear no ser, na realidade empírica. Não vislumbramos a possibilidade do direito penal se adequar aos moldes do Liberalismo do século das luzes. E sim se amoldar ao processo da globalização.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal (1988).

BRASIL. Código Penal. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Luiz Flávio Gomes    . 5ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Paulo M. Oliveira. São Paulo: Atena.

CUNHA, Maria da conceição Ferreira da. Constituição e crime – Uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Universidade católica portuguesa, 1995

GOMES, LUIZ Flávio Gomes. As grandes transformações do direito penal tradicional.. Série as ciências criminais no século XXI. São Paulo. RT,2005.

PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. São Paulo: RT, 1996.

ROXIN, Claus. Derecho penal, parte geral. Madrid: Civitas, 1997

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Responsabilidade penal da pessoa jurídica  São Paulo: RT, !998.

SILVA SÁNCHEZ, Jesús-Maria. A expansão do direito penal. Trad.Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2002

SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal supraindividual: interesses difusos. São Paulo: RT, 2003.

NOTAS

[1] A Escola Clássica aqui deve ser entendida como aquele modelo desenvolvido no fim do século XVIII e XIX, em tempos do Iluminismo, voltado para a tutela de bens e direitos individuais contra as arbitrariedades do Estado, fundado na pena privativa de liberdade.

2 Com referência às características do direito penal clássico cf: HASSEMER, Winfried; MUÑOZ CONDE, Francisco . La responsabilidad por el producto em derecho penal. Valência: Tirant lo Blanch, 1995.p.18-21, apud GOMES, Luiz Flávio As Grandes transformações do direito penal tradicional. São Paulo, 2005 p 19

3 Note-se como esse princípio da necessidade da pena, para além de exercer função política, também é válido para o momento da aplicação concreta da lei. Acha-se nesse sentido contemplado no art. 59 do CP, cabendo ao juiz, no momento da sua fixação, estabelecê-la conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

4 GOMES, Luiz Flávio. As grandes transformações do direito penal tradicional. São Paulo, 2005 p.21.

5 SGUBBI, Filippso. El delito como riesgo social. Buenos Aires: Ábaco, 1999.p. 56-59, apud GOMES, Luiz Flávio As Grandes transformações do direito penal tradicional. São Paulo, 2005 p 33

6 MOCCIA, Sérgio. La promessa non mantenuta – Ruolo e prospettive del principio di determinatezza/tassatività nel sistema penale italiano. Napoli: Edizione Scientifiche Italiane, 2001. p.28-32. apud GOMES, Luiz Flávio As Grandes transformações do direito penal tradicional. São Paulo, 2005 p 32

7 WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. Santiago: Jurídica de Chile, 1987,  apud GOMES, Luiz Flávio As Grandes transformações do direito penal tradicional. São Paulo, 2005 p 38

8 ROXIN, Claus. Derecho penal, parte geral. Madrid: Civitas, 1997.p.198-199 e 206. apud GOMES, Luiz Flávio As Grandes transformações do direito penal tradicional. São Paulo, 2005 p 39

9 Sobre a crise do direito penal pode-se consultar a obra coletiva do Instituto de Ciências Criminais de Frankfurt, la insostenible situación del derecho penal, traduzido em espanhol pela Área de Direito Penal da Universidade Pompeu Fabra, Granada: Comares, 2000. Da obra participam, dentre outros, Winfried Hassemer, Klaus Günther, Wolfang Naucke e Klaus Lüderssen., apud GOMES, Luiz Flávio As Grandes transformações do direito penal tradicional. São Paulo, 2005 p 28

10 Sobre a expansão do direito penal consultar a obra de Silva Sánchez: La expansión del derecho penal. Madrid: Civitas.2001. Esta o bra foi traduzida por Luiz Otávio de Oliveira Rocha, São Paulo: RT,2002.

11 O avanço do direito penal sobre novas áreas da vida social é analisada desde perspectivas diversas por Sergio Moccia em La perene emergenza, Napoli: Edizione Scientifiche italiane, 1997 e Jesús-María Silva Sánchez em La Expansión del derecho penal. Madrid: Civitas, 2001, apud GOMES, Luiz Flávio As Grandes transformações do direito penal tradicional. São Paulo, 2005 p 28

12 Silva Sánchez em, La expansión del derecho penal. Madrid: Civitas, 2001. p.159-167.

13 Silva Sánchez, Jesús-Maria. A expansão do direito penal. Trad.Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2002

14 ROXIN, Claus. Derecho penal, parte geral. Madrid: Civitas, 1997.p.52, apud GOMES, Luiz Flávio As Grandes transformações do direito penal tradicional. São Paulo, 2005 p 72

15 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Aproximación al derecho penal contemporâneo. Barcelona: Bosch, 1992. p.182. apud GOMES, Luiz Flávio As Grandes transformações do direito penal tradicional. São Paulo, 2005 p 72

16 GOMES, Luiz Flávio As Grandes transformações do direito penal tradicional. São Paulo, 2005 p 74.

17 FEUERBACH, Paul Johann Anselm Ritter Von. Tratado de derecho penal comum vigente em Alemania. Traducción al castellano por Eugenio Zaffaroni e Irmã Hagemeir. Buenos Airews: Hammurabi,1989.p.63. apud SILVEIRA Renato de Mello Jorge. Direito penal supra- individual. São Paulo: RT, 2003, p.38.

18 CUNHA, Maria da conceição Ferreira da. Constituição e crime – Uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Universidade Católica  portuguesa, 1995, p. 43. apud SILVEIRA Renato de Mello Jorge. Direito penal supra- individual. São Paulo: RT, 2003, p.41.

19 ROXIN, Claus. Franz Von Lizst e a concepção Político- criminal do projeto alternativo. Trad. Ana Paula dos santos Luís Natscheradetz. Problemas fundamentais de direito penal. Lisboa: Veja, 1993. p.62 apud SILVEIRA Renato de Mello Jorge. Direito penal supra- individual. São Paulo: RT, 2003, p.45.

20 HORMAZÁBAL MALARÉE, Hernán. Bien juríidico y Estado Social y Y Democrático de Derecho (el objeto protegido por la norma penal) .Barcelona :PPU, 1991.p.60 e ss.

21 AMELUNG, Knut, Rechtsgüeterschutz, apud ANDRADE, Manuel da Costa. Consentimento e acordo em direito penal. Coimbra: Coimbra Ed. 1991. p.99, apud SILVEIRA Renato de Mello Jorge. Direito penal supra- individual. São Paulo: RT, 2003, p.48.

22 HASSEMER, Winfried, Il bene giuridico nel raporto di tensione tra Constituzione e diritto naturale. Delitti e Delle Pene 1/104 e ss, ano gennaio-aprile, 1984, apud SILVEIRA Renato de Mello Jorge. Direito penal supra- individual. São Paulo: RT, 2003, p.49.

23 CUNHA, Maria da conceição Ferreira da. Constituição e crime – Uma perspectiva da criminalização e da descriminalização. Porto: Universidade Católica  portuguesa, 1995, p. 98 e ss. apud SILVEIRA Renato de Mello Jorge. Direito penal supra- individual. São Paulo: RT, 2003, p.49.

24 PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e a Constituição. São Paulo:RT, 1996.p.35

25 ROXIN, Claus. Política criminaly sistema de del derecho penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro:Renovar, 2000.

26 WELZEL. Hans. Derecho penal alemán.. Traducción de Juan Bustos Ramírez y Sérgio Yañes Pérez. Santiago de Chile: Jurídica de Chile, 1997. p.5 e ss, apud SILVEIRA Renato de Mello Jorge. Direito penal supra- individual. São Paulo: RT, 2003, p.52.

27 HASSEMER, Winfried. Kennzeichen und Krisen des modernen Strafrechets, publicado originalmente em Zeitscherift für Rechtspolitik, 1992, p. 378 e ss. Esse primeiro artigo foi traduzido por Francisco Muñoz Conde em 1993 (Actualidad penal) e depois foi reelaborado pelo mesmo tradutor e passou a compor a primeira partr do livro La responsabilidad por el pruducto em derecho penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1995, p. 15 e ss.

28 SHECAIRA, Sérgio Salomão. A responsabilidade penal da pessoa jurídica e a nossa recente legislação. In: GOMES, Luiz Flávio (Coord.)Responsabilidade penal da pessoa jurídica e medidas provisórias e direito penal. São Paulo: RT, 1999. p.140

29 A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juíza civil compentente.

30 Silva Sánchez, Jesús-Maria. A expansão do direito penal. Trad.Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2002, p. 149-157.

31 JAKOBS, Günter. Tratado de derecho penal. Madrid: Marcial Pons, 1997, apud GOMES, Luiz Flávio As Grandes transformações do direito penal tradicional. São Paulo, 2005 p 43.

32 MOCCIA, Sérgio. La promessa non mantenuta – Ruolo e prospettive del principio di determinatezza/tassatività nel sistema penale italiano. Napoli: Edizione Scientifiche Italiane, 2001. p.28-32. apud GOMES, Luiz Flávio As Grandes transformações do direito penal tradicional. São Paulo, 2005 p 43

33 Silva Sánchez, Jesús-Maria. A expansão do direito penal. Trad.Luiz Otávio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2002

34 JAKOBS, Günter. Tratado de derecho penal. Madrid: Marcial Pons, 1997, apud GOMES, Luiz Flávio As Grandes transformações do direito penal tradicional. São Paulo, 2005 p 46

35 GOMES, Luiz Flávio As Grandes transformações do direito penal tradicional. São Paulo, 2005 p 48

36 JAKOBS, Günter. Ciência dle derecho: técnica o humanística? Bogotá: Universidade Externado, 1998. apud GOMES, Luiz Flávio As Grandes transformações do direito penal tradicional. São Paulo, 2005 p 48

 

Como citar o texto:

ROCHA, Patrícia Barcelos Nunes de Mattos..As transformações do Direito Penal clássico. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 3, nº 193. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/1491/as-transformacoes-direito-penal-classico. Acesso em 30 ago. 2006.

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