As medidas socioeducativas e sua execução - Medidas socioeducativas não-privativas de liberdade - Medidas socioeducativas privativas de liberdade - Conclusões.

Diante da crescente violência dos centros urbanos, costumam, os meios de comunicação, com algum respaldo nos setores governamentais ligados à segurança pública e segmentos inexpressivos da Magistratura e do Ministério Público, questionar a eficácia do Estatuto da Criança e do Adolescente em face da questão do adolescente em confronto com a lei.

Os "arreganhos" desses grupos contrários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, como bem assinalou o Excelentíssimo Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, em seu discurso, por ocasião do lançamento do CD-Rom da Biblioteca Nacional dos Direitos da Criança, não conseguem, porém, desfazer a convicção de todos aqueles efetivamente comprometidos com soluções frente à problemática da infância e da juventude e da sociedade em geral, para equação dessas dificuldades.

A experiência vem revelando que, onde se busca efetivamente a plena implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente na área infracional, os resultados obtidos entusiasmam e dão perspectiva favorável a uma ação socioeducativa em relação a estes jovens infratores.

AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS E SUA EXECUÇÃO

O artigo 112 do Estatuto estabelece as medidas socioeducativas aplicáveis a adolescentes autores de ato infracional, entendido este como toda conduta descrita como crime ou contravenção penal (artigo 103).

Estas medidas se dividem em dois grupos diferenciados. No primeiro grupo, incluem-se aquelas não-privativas de liberdade (advertência, reparação de dano, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida). Num segundo grupo, estão aquelas cuja execução se faz com a submissão do adolescente infrator à privação de liberdade (semiliberdade e internamento, com ou sem atividades externas).

MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NÃO-PRIVATIVAS DE LIBERDADE

Relativamente ao primeiro grupo de medidas, a plena realização desses programas está vinculada em direta proporção ao grau de comprometimento do Juizado da Infância e Juventude local com sua efetivação.

Enquanto em relação às medidas socioeducativas que importam em privação de liberdade resta pacificado o entendimento de que a efetivação dos programas de atendimento são de competência do Executivo das Unidades Federadas (como adiante se verá), relativamente ao primeiro grupo de medidas nada obsta que os programas sejam realizados pelos próprios Juizados, ou por estes em articulação com o Estado, ou o Município, ou mesmo por organizações não-governamentais.

Estes programas, por óbvio, visam ao atendimento de adolescentes em prestação de serviços à comunidade e em liberdade assistida. A advertência, a mais branda das medidas preconizadas pelo artigo 112, esgota-se na admoestação solene feita pelo Juiz ao infrator em audiência especialmente pautada para isso; enquanto a reparação do dano supõe um procedimento de execução de medida que se exaure na contraprestação feita pelo adolescente, consoante estabelecido em sentença e cientificado o infrator em audiência admonitória.

As medidas de prestação de serviços à comunidade e de liberdade assistida têm-se revelado as mais eficazes e eficientes entre as propostas pela lei. A exemplo da prestação de serviços à comunidade prevista para o imputável como pena alternativa pelo Código Penal, a medida socioeducativa correspondente pressupõe a realização de convênios entre os Juizados e os demais órgãos governamentais ou comunitários que permitam a inserção do adolescente em programas que prevejam a realização de tarefas adequadas às aptidões do infrator.

Forma-se aí o respectivo processo de execução de medida de PSC, com relatos mensais fornecidos pelo órgão conveniado onde o adolescente presta o serviço. O encaminhamento do jovem a estes órgãos se fará por prévia audiência admonitória, onde recebe a orientação relativa ao cumprimento da medida, sendo cientificado de suas responsabilidades e dos objetivos buscados.

A prévia escolha da entidade para onde o adolescente em PSC é encaminhado faz-se mediante avaliação de suas condições pessoais, em juízo de execução de medida. Há, portanto, uma fase pré-início da medida, buscando a definição da entidade mais adequada para receber o infrator.

Decorrido o prazo de cumprimento, por período não excedente a seis meses, nova audiência marcará o encerramento da medida, em face dos relatos da instituição. A propósito, tanto aqui, como na LA, o adolescente é advertido de que o descumprimento injustificado da medida poderá resultar na regressão dessa medida mais grave - até mesmo privativa de liberdade, quando o então módulo máximo de privação será de três meses (artigo 122, § 1º).

A liberdade assistida constitui-se naquela que se poderia dizer "medida de ouro". Assim dito, haja vista os extraordinariamente elevados índices de sucesso alcançados com esta medida, desde que, evidentemente, adequadamente executada.

Impõe-se que a liberdade assistida realmente oportunize condições de acompanhamento, orientação e apoio ao adolescente inserido no programa, com designação de um orientador judiciário que não se limite a receber o jovem de vez em quando em um gabinete, mas que de fato participe de sua vida, com visitas domiciliares, verificação de sua condição de escolaridade e de trabalho, funcionando como uma espécie de "sombra", de referencial positivo, capaz de lhe impor limite, noção de autoridade e afeto, oferecendo-lhe alternativas frente aos obstáculos próprios de sua realidade social, familiar e econômica.

Estes programas de LA, de onde se extrai a figura do orientador, tanto podem ser governamentais, como comunitários, funcionando os Juizados como órgãos de execução de medida, acompanhados por relatos mensais, com avaliações periódicas, nunca inferiores a seis meses, relativos à evolução da medida.

Como na PSC, a LA tem início em uma audiência admonitória, onde o adolescente é apresentado a seu orientador judiciário e na qual são estabelecidas as combinações iniciais sobre o cumprimento da medida, sendo, como na PSC, advertido da necessidade de cumprimento dessas combinações, sob pena, inclusive, de regressão da medida.

Na falta de um programa oficial de liberdade assistida, tem-se adotado, nos Juizados de Infância e Juventude do Rio Grande do Sul, propostas alternativas, que vão desde convênios com entidades não-governamentais para condução do programa, até mesmo a seleção - em comunidades menores - de voluntários da comunidade - de preferência do próprio bairro ou localidade do adolescente - para funcionar como seu orientador judiciário.

Para tanto, este orientador há de receber especial acompanhamento do Juizado de Infância e Juventude, oportunizando-lhe treinamento e assessoramento nas dificuldades que enfrentar. Esta idéia, inspirada em sugestão do Dr. MARCEL HOPPE - magistrado responsável pela reestruturação do Juizado da Infância e Juventude da Capital quando da implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente -, vem alcançando pleno êxito com a criação nas comarcas de grupos de apoio qualificados na execução de medidas de LA.

A experiência vem revelando índices altamente satisfatórios de sucesso na condução desses programas. Ainda recentemente, no Juizado Regional da Infância e Juventude de Santo Ângelo; apenas para exemplificar quanto à necessária integração entre os Juizados e as comunidades; diante da inexistência de um programa oficial de alfabetização para adolescentes entre 14 e 18 anos, foi firmada uma parceria entre o BB-Educar (programa de alfabetização conduzido por funcionários do Banco do Brasil) e o Juizado, criando-se turmas de até oito adolescentes, em LA, para receberem aulas de alfabetização; assim como parcerias com SESC, SESI e SENAI e outros órgãos de qualificação profissional.

A manutenção de adolescentes infratores adequadamente assistidos, comprometendo-se a sociedade com esses programas, alcança sucesso na medida em que não se faça da medida de LA um simulacro de atendimento, como muitas vezes se faz em relação aos imputáveis colocados em sursis.

MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE

As medidas socioeducativas que importam em privação de liberdade hão de ser norteadas pelos princípios da brevidade e excepcionalidade consagrados no artigo 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo somente aplicáveis diante de circunstâncias efetivamente graves, seja para segurança social, seja para segurança do próprio adolescente infrator, observando-se com rigor o estabelecido nos incisos I a III do artigo 122, reservando-se especialmente para os casos de ato infracional praticado com violência à pessoa ou grave ameaça ou reiteração de atos infracionais graves.

A respeito de reiteração, faz-se oportuno destacar que este conceito não se confunde com o de reincidência, que supõe a realização de novo ato infracional após o trânsito julgado de decisão anterior. Por este entendimento se extrai que reiteração se revela um conceito jurídico de maior abrangência que o de reincidência, alcançando aqueles casos que a doutrina penal define em relação ao imputável como "tecnicamente primário".

Cumpre destacar, porém, que a decisão pelo internamento deverá ocorrer "em última alternativa", como expressamente disposto no § 2º do artigo 122.

As medidas socioeducativas privativas de liberdade hão de ser cumpridas em estabelecimentos especiais, mantidos pelo Governo do Estado, assegurando aos jovens infratores os direitos elencados no artigo 124 do Estatuto da Criança e do Adolescente, aptos a realmente lhes oferecer um tratamento socioeducativo.

A propósito disso, sempre é bom relembrar a exitosa experiência que se experimentou no Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre, especialmente entre os anos de 1992 e 1993, quando, apesar das carências das unidades de internamento da FEBEM, em um trabalho articulado entre aquele órgão, a Vara das Execuções das Medidas Socioeducativas e o Ministério Público, foi instituído um atendimento direto aos jovens internados, inclusive com audiências semanais realizadas nas próprias instituições de internato, ouvindo-se os adolescentes, os técnicos que os acompanhavam, oportunizando-lhes um atendimento próximo e diferenciado. Os resultados colhidos dessa atuação foram excelentes, com progressões de medida para outras não-privativas de liberdade, com significativa redução dos índices de reincidência.

CONCLUSÕES

As medidas socioeducativas preconizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, se forem adequadamente postas em funcionamento, dão a resposta de responsabilização adequada aos jovens em conflito com a lei e revelam-se remédios eficazes diante de atos infracionais praticados.

O que importa destacar, diante das críticas que vêm sendo lançadas ao Estatuto, é que na maioria das vezes sequer estas medidas são implementadas, seja pelos órgãos do Judiciário, seja pelos agentes do Executivo.

Na implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente, especialmente na área infracional, o que se tem visto, de uma maneira geral, é o descumprimento do mandamento constitucional que dispõe que crianças e adolescentes são prioridade absoluta da Nação brasileira. Em sendo prioridade absoluta, devem assim ser tratadas pelos órgãos judiciários e do Executivo, priorizando a criação de programas de execução dessas medidas, como forma de integrar esses jovens à sociedade.

E, vejam bem, integrar, não reintegrar, pois, na maioria absoluta das vezes, esses adolescentes jamais estiveram integrados ao processo social.

A equivocada proposta de redução da idade de imputabilidade penal para 16 anos parte de uma visão equivocada do sistema de atendimento de jovens infratores, imaginando que, diante da inexistência de programas idôneos de atendimento, estaria o Estatuto da Criança e do Adolescente estimulando a impunidade. Na verdade, o Estatuto é muitas vezes mais drástico com o adolescente que a lei penal o é com o imputável. O que existe, porém, é uma absoluta desconsideração para o cumprimento das regras de responsabilização previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, respeitante a essas pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.

Em decorrência disso, brada-se aos quatro ventos como solução para o enfrentamento da criminalidade a redução da idade de responsabilidade penal, por certo imaginando que, lançando-se jovens de 16 anos no absolutamente falido sistema penitenciário brasileiro, se estará contribuindo para o resgate da cidadania nacional.

É o mesmo MARCEL HOPPE, acima citado, quem certa feita definiu que o Estatuto é a receita, e a nós cumpre aviá-la. Pois bem, pouco se faz de concreto, especialmente na órbita do Poder Executivo, para aviar esta receita no plano infracional, e sua omissão gera não apenas a equivocada sensação de impunidade de que se servem alguns segmentos da mídia para combater o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas, especialmente, serve de ventre nefasto para a criação de grupos de extermínio, genuínos produtos de um Estado inoperante e omisso.

Vive-se hoje, no Rio Grande do Sul, por iniciativa do Poder Judiciário, interessante experiência de regionalização do atendimento de execução de medidas socioeducativas, com a criação de dez Juizados Regionais de Infância e Juventude, onde, entre outras atribuições, têm como competência a execução das medidas socioeducativas privativas de liberdade.

Visa esta iniciativa a garantir que as medidas privativas de liberdade sejam cumpridas pelo adolescente o mais próximo possível de sua cidade de origem, evitando a ainda hoje existente centralização das internações na Capital, em flagrante desrespeito aos direitos do adolescente internado.

Toda a problemática hoje reside na construção dessas unidades de atendimento e, especialmente, a qualificação de um corpo funcional apto a atender as necessidades dessa população especial. De qualquer forma, este é um passo decisivo para o enfrentamento da questão.

A necessidade de interiorização dos internamentos faz-se imprescindível, desde que não se esqueça da parábola do "aparelho de Raios X do Dentista", a que aludia o grande EMÍLIO GARCIA MENDES, cuja passagem pela UNICEF no Brasil se fez inesquecível. Sobre o risco da proliferação dessas unidades, dizia EMÍLIO, referindo-se à necessidade de qualificação dos Juízes para esta área tão especial da jurisdição: imaginemos um Dentista que sempre tratou de nossos dentes sem necessidade de extrair chapas de Raios X para este ou aquele procedimento; até o dia em que adquire o aparelho; e daí por diante não faz mais qualquer restauração sem extrair uma chapa, como forma até mesmo de justificar a aquisição da máquina.

Daí por que não será o fato de possuirmos as unidades que se fará, a torto e a direito, internações de jovens. Bem, essa é uma questão para oportuno enfrentamento, cabendo ressaltar aqui, por fim, diante dessa preocupação, que parcela significativa dos problemas de efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente passam também pelo despreparo e ausência de comprometimento de muitos setores do Judiciário e do Ministério Público para a plena eficácia do Estatuto.

Para concluir a convicção de que dispomos de um instrumental adequado, do ponto de vista legal, para uma resposta efetiva à sociedade no que pertine à problemática do adolescente em confronto com a lei. Basta cumprir a lei.

 

Como citar o texto:

SARAIVA, João Batista.Adolescentes em confronto com a lei: O ECA como instrumento de responsabilização ou eficácia das medidas sócio-educativas. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-da-infancia-e-juventude/148/adolescentes-confronto-com-lei-eca-como-instrumento-responsabilizacao-ou-eficacia-medidas-socio-educativas. Acesso em 3 jul. 2002.

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