O Instituto de Previdência Social foi criado para conceder ao trabalhador a garantia de que, quando necessitasse se aposentar, não ficaria na miséria(1).

Todavia, no curso dos anos os proventos previdenciários foram diluídos pelo alto índice inflacionário que assolava o país, transformando-os em verdadeiras "migalhas", onde o segurado se transformava em indigente.

O constituinte moderno, atento a esses dissabores, baixou forma hábil capaz de curar a chaga da injustiça apontada, determinando no § 2º, do artigo 201 da Constituição Federal, que o valor do benefício fosse reajustado sempre para "preservar-lhe, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei."

Assim, tivemos a oportunidade de defender juntamente com o ilustre Magistrado Federal, Dr. MARCO FALCÃO CRISTISNELIS e o advogado MESSOD AZULAY NETO(2), o entendimento de que: "Qualquer critério que desvirtue o valor real do benefício é inconstitucional, em face do atrelamento do reajuste do mesmo a este rígido princípio, que não se referiu a valor nominal exatamente para evitar expurgos ou perdas, preferindo definir o valor real como meta a ser observada, tanto pelo legislador como pelo Poder Executivo."

Mais à frente arrematamos(3): "E não venha a Previdência Social afirmar que o reajuste dos valores dos benefícios dos aposentados pode se operacionalizar com perda do valor real, pois o § 2º do artigo 201 da Constituição Federal proibiu tal ótica, condicionando aos critérios definidos em lei, que em hipótese alguma poderá gerar diminuição ou expurgo na devida atualização."

A dúvida que se faz presente é: Qual foi o critério legislativo adotado para a preservação do valor real?

Nesse compasso, coube à Lei 8.213, de 24.07.91, que aprovou o Plano de Benefícios da Previdência Social, determinar: "Artigo 41 - O reajustamento dos valores de benefícios obedecerá às seguintes normas: I - é assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real da data de concessão."

Como o legislador não esclareceu o que venha a ser o valor real do benefício previdenciário, cabe à doutrina e ao Poder Judiciário delimitar e esclarecer o tema, não se esquecendo que o inciso IV do artigo 194 da Constituição Federal garante a irredutibilidade dos aludidos benefícios, que são verdadeiras dívidas de valor contraídas pela Previdência Social.

E irredutibilidade, após o advento da Constituição Federal de 1988, deixou de ser nominal para abranger também o valor real dos benefícios previdenciários.

E valor real, conjugado com a irredutibilidade dos benefícios, é a garantia mínima de que os proventos não serão reduzidos pela inflação.

Abra-se parêntesis para registrar o posicionamento autorizado de JOSÉ CRETELLA JUNIOR(4), que ao discorrer sobre a irredutibilidade de benefícios não teve dúvida em averbar: "A irredutibilidade do valor dos benefícios é outro dos pilares orientadores do Poder Público, na organização da seguridade social. Assim, uma vez concedido, deverá o benefício manter-se inalterado, ou seja, conservando o poder aquisitivo inicial. Além disso, como medida complementar, para a referida mantença, deverão ser outorgados reajustamentos periódicos do valor recebido, o que, nas épocas de inflação galopante, tem a maior importância. Como manter o padrão de vida, já baixo, com benefícios corroídos pela constante desvalorização da moeda? Se prevalecesse a regra da redutibilidade dos benefícios, o quantum, já irrisório, perderia todo o significado, no campo da seguridade social, pois insuficiente para quem outorga a função social, que lhe é inerente."

Entendemos que o valor real do benefício não pode ser verificado de maneira abstrata, eis que representa a garantia mínima de que os proventos dos segurados não serão corroídos pela inflação. Assim, o valor real representa o valor de compra, que deverá ser sempre atualizado, quando ficar registrada a perda do poder aquisitivo do aposentado.

Em extrema síntese: sempre que for acumulada uma inflação significativa em um determinado período, os proventos previdenciários deverão ser reajustados pelos percentuais inflacionários, de forma a preservar-lhes o valor real do benefício.

Comungando com a nossa posição, os ilustres FRANCISCO ANTONIO ZEM PERALTA e ANTONIO CARLOS POLINI(5), especialistas em Previdência Social, em "alto e bom som" afirmam: "Aliás, os previdenciários constituem a única categoria que tem assegurada pela Constituição Federal a preservação do valor real de suas mensalidades, que somente pode ocorrer mediante reajustes periódicos onde seja garantido, no mínimo, o repasse dos percentuais inflacionários efetivos. O reajuste por índices inferiores à inflação real esbarra na garantia constitucional, permitindo a sua correção pelo Judiciário".

WLADIMIR NOVAES MARTINEZ(6), ao discorrer sobre "modelo de Previdência Social", também defende a necessidade da atualização dos benefícios para que não se corroa com a erosão da moeda: "Em condições econômicas normais ou não, o valor dos benefícios mantém o poder aquisitivo da data do início, posicionando o critério em lei. Só pode ser modificado se as condições do país a isso obrigarem. Ocorrendo, todavia, erosão da moeda, sobrevém atualização da importância, adotando-se um indexador previdenciário, único para todos os fins da correção monetária".

Destarte, o provento previdenciário possui como finalidade a subsistência do beneficiário e de sua família, sendo: "... prestações devidas pela previdência social a pessoas por ela protegidas, destinada a prover-lhes a subsistência, nas eventualidades que as impossibilitem de, por seu esforço, auferir recursos para isto, ou a reforçar-lhes os ganhos para enfrentar encargos com a família, ou amparar, em caso de morte, os que dependiam economicamente"(7).

Sobre o que foi enaltecido pela doutrina, nada mais oportuno do que consultar a visão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, onde a ilustre e culta Juíza, Dra. LUIZA DIAS CASSALES, no seu voto condutor na AC. 94.04.40607-4/RS, corrobora os posicionamentos anteriores(8): "Para melhor entendimento da questão, é necessário que se conceitue o que vem a ser o valor real do benefício, que, de acordo com os ditames da Carta Política, deverá ser preservado. O termo utilizado pela Constituição, valor real, não pode ser tomado por uma expressão abstrata, cujo conceito possa ser manobrado livremente pela Administração. Refere-se à situação concreta, perfeitamente definível. Em meu entender, o valor real, a ser preservado, conforme posto na Constituição, só pode ser considerado como o valor de compra, ou o valor da moeda, ou seja, sua aptidão para aquisição de mercadorias. De acordo com a garantia constitucional, o segurado deverá poder adquirir com os seus proventos, transcorridos cinco, dez ou mais anos, os mesmos, por exemplo, dez sacos de farinha que lhe eram possível comprar por ocasião da concessão do seu benefício. Certo que, para verificar-se sobre o cumprimento da referida garantia, tendo em vista o regime inflacionário e a instabilidade da moeda, necessário se faz que sejam utilizados pontos de referência, sejam eles a variação do dólar, ou do ouro, ou de índices de atualização monetária, ou, finalmente, da variação do preço de uma determinada mercadoria. Para fazer tal confronto, utilizo-me da variação do preço do grama do ouro, do dólar norte-americano e do salário mínimo, durante o período em que a defasagem teria ocorrido. O documento juntado pela parte autora, à folha 13, faz certo que sua RMI, em 03.06.92, era de Cr$ 1.342.47,07(sic). Em junho de 1992, o dólar norte-americano estava cotado em Cr$ 3.149,76, o salário mínimo era igual a Cr$ 230.000,00 e o grama do ouro estava cotado a Cr$ 40.450,00. Assim sendo, a RMI do autor correspondia a algo em torno de US$ 471,18, a 5,83 salários mínimos e a 33,18 gramas de ouro. Em dezembro de 1992, a renda mensal revista do autor passou a Cr$ 2.423.820,00. Nesse mês, o salário mínimo era de Cr$ 522,186,94, o dólar norte-americano era de Cr$ 11.150,87 e o grama do ouro estava cotado a Cr$ 149.500,00. Portanto, a renda mensal reajustada do segurado passou a corresponder a US$ 195,66, a ser próxima a 4,6 salários mínimos e a corresponder a 16,21 gramas de ouro. A renda mensal do autor sofreu, por conseguinte, uma redução de 54,40% considerando-se a variação do dólar norte-americano, cerca de 20,04% tomando-se como ponto de referência o salário mínimo, e de cerca de 51,70%, quando confrontada com a variação do grama do ouro. Essa redução, certamente, afetou o valor real do benefício, cuja defasagem é proibida pelo próprio artigo 41 da Lei nº 8.213/91 e pela Constituição Federal. Tal defasagem só pode ser decorrente dos métodos e índices utilizados pela autarquia previdenciária para proceder os reajustes do benefício, esse ficaria com seu valor real resguardado e não haveria qualquer variação quando posto em confronto com a evolução do preço de mercadorias ou com outras moedas estáveis. Não se discute, na espécie, questões ligadas à igualdade jurídica entre os segurados. O que não se quer é que a Constituição Federal seja descumprida e que, por critérios infraconstitucionais, certos segurados ou todos eles venham a ter diminuído o valor real dos seus benefícios. Valor real esse a ser apurado de forma objetiva a partir de pontos concretos de referência."

O Tribunal Regional Federal - 3ª Região também prestigia o valor real dos proventos beneficiários: "REAJUSTAMENTO E REVISÃO DE BENEFÍCIO - Inocorre a alegada carência da ação, posto que a parte autora objetiva o cumprimento imediato das garantias constitucionais previstas nos §§ 5º e 6º do artigo 201 da Magna Carta. Os preceitos emanados dos §§ 5º e 6º do artigo 201 da Constituição Federal são auto-aplicáveis, porquanto constituem normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Os artigos 195, § 5º, da Constituição Federal e 59 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias são normas destinadas ao legislador ordinário, não podendo, assim, constituir empeço à ação do próprio constituinte. O Plenário desta Corte, por maioria de votos, declarou a inconstitucionalidade do artigo 145 da Lei 8.213/91 (argüição de Inconstitucionalidade na Apelação Cível nº 91.03.43019-7, Relator Juiz SILVEIRA BUENO). É devida a inclusão dos percentuais integrais da inflação nos reajustes de benefício previdenciário relativos aos meses de janeiro/89, abril/90 e fevereiro/91, eis que tais índices refletem a real inflação na vigência dos sucessivos planos econômicos implantados pelo Governo. O índice de 84,32% corresponde ao IPC de março/90 fica excluído da condenação, tendo em vista a jurisprudência do Egrégio Supremo Tribunal Federal que acabou por se consolidar no sentido de que aludido percentual não incide nos reajustes de benefícios previdenciários. A correção monetária não gera acréscimos ao valor, posto objetivar manter no tempo o quantum real da dívida. Tratando-se de mera atualização de prestações de caráter alimentar, a correção dos débitos previdenciários incidirá desde que não paga a obrigação correta e oportunamente. Os juros moratórios devem ser fixados nos limites do artigo 1.536, § 2º, do Código Civil.(9)

Outro não é o entendimento do Tribunal Regional Federal - 5ª Região: "ATUALIZAÇÃO DE BENEFÍCIOS - PERDA DO VALOR REAL QUANDO DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 41 DA LEI Nº 8.213/91 - APLICAÇÃO DO IPC - INTELIGÊNCIA DO § 2º DO ARTIGO 201 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88 COMBINADO COM O ARTIGO 41, II, DA LEI 8.213/91, SÚMULA Nº 71 DO EXTINTO TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS - INDEXAÇÃO PELO SALÁRIO MÍNIMO - INAPLICABILIDADE - APLICAÇÃO DA LEI Nº 6.899/81 - INDEXAÇÃO DE ÍNDICES CONTEMPORÂNEOS - JUROS DE MORA - TERMO INICIAL - NATUREZA ALIMENTAR - DEVIDOS DESDE O DÉBITO - 1. Quando da aplicação do índice de atualização, nos termos da Lei nº 8.213/91, não for mantido o valor real do benefício, de modo a suavizar a perda do poder aquisitivo, atualiza-se o mesmo, utilizando-se, como índice de reajuste, o IPC, não se constituindo tal solução em inconstitucionalidade, posto que não se determina a preservação do benefício em número de salários mínimos, nem em ilegalidade, vez que o legislador, conforme artigo 41, II, da própria Lei 8.213/91, autoriza o administrador a conceder reajuste extraordinário quando verificada a defasagem dos proventos, e, se este se omite, cabe ao Judiciário ordenar tal revisão, atendendo, assim, ao comando do § 2º do artigo 201 da Constituição Federal/88. 2. A Súmula nº 71 do ex-Tribunal Federal de Recursos, no que se refere à indexação pelo salário mínimo, não se aplica na correção de dívidas posteriores à Constituição Federal de 88, tendo em vista vedação do artigo 7º, IV, do mesmo Texto Constitucional, aplicando-se a Lei nº 6.899/81 desde o vencimento da dívida até o advento da Lei nº 8.213/91, e, posteriormente, os índices de correção contemporâneo à cada época. 4. Os juros de mora, quando incidentes em benefícios previdenciários, por serem tais benefícios de natureza alimentar, são devidos desde o débito. Precedentes"(10).

Nessa moldura, a jurisprudência das Cortes Superiores é pacífica no sentido de que parcelas devidas pela Previdência Social a seus segurados, constituem também dívidas de valor e, como tal, devem ser corrigidas desde quando devidas até a data do efetivo pagamento.

Assim, proventos são dívidas de valor do segurador a seus segurados, de natureza alimentar(11).

Se pagas com atraso ou corroída pelo custo de vida (inflação) devem ter seu valor corrigido(12) a fim de expressar o cunho real da obrigação.

Essa é a regra vigente tanto no § 2º do artigo 201 da Constituição Federal como também no artigo 41, 5º da Lei 8.213/91, que exigem a manutenção do valor real do benefício, a fim de que o provento não fique exposto a falta de reajuste quando houver índice de inflação verificado em determinado período.

Cabe ao Judiciário, em face da omissão do Legislativo, repor os proventos previdenciários dos inativos pelo valor real, ou seja, reajustado pelo índice da inflação verificada desde o último reajuste, visto que a irredutibilidade do benefício é norma de eficácia plena.

Aliás, nesse diapasão, ao magistrado cumpre observar o dogma filosófico cravado no artigo 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, qual seja:(13) "Na aplicação da lei, o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum".

Por todo o exposto, entendemos que o valor real do benefício previdenciário representa a sua manutenção, quando confrontado com a própria inflação, tendo em vista que o valor real é a manutenção do poder aquisitivo do provento em caráter permanente.

NOTAS

(1) Conforme nosso "Compêndio de Direito Previdenciário", 2ª edição, Forense, página 402.

(2) Obra citada, página 407.

(3) Obra citada, página 407.

(4) Comentários à Constituição de 1988, Editora Forense, 1993, volume VII, páginas 4.302/3.

(5) "Benefício em Manutenção - Reajuste em Maio/96", in Síntese Trabalhista, Administrativa e Previdenciária, 102 - Dezembro/97, Editora Síntese, página 44.

(6) Obra citada, Editora Ltr, 1992, página 45.

(7) WAGNER BALERA, Curso de Direito Previdenciário, 2ª edição, Editora Ltr, página 69.

(8) (Tribunal Regional Federal - 4ª Região, Ac. 94.04.40607-4, RS - 5ª Turma, Relatora Juíza DIAS CASSALES, Diário da Justiça da União de 29.03.95).

(9) Tribunal Regional Federal - 3ª Região, AC. 92.03.22148-4/SP, Relator Juiz SINVAL ANTUNES, Diário da Justiça da União de 28.06.94.

(10) Tribunal Regional Federal - 5ª Região, AC 102.746-SE (96.05.20282-4), 2ª Turma, Relator Juiz PETRUCIO FERREIRA, Diário da Justiça da União de 04.04.97.

(11) "I - Os vencimentos e vantagens devidas a servidor público constituem dívida de valor, com nítida natureza alimentar e estão sujeitas a correção monetária, incidindo o IPC (...) a partir da data em que são devidos. II - Entendimento pacífico da primeira seção desta Corte. III - Agravo regimental improvido". (Relator Ministro PEDRO ACIOLI, AGRESP nº 46.0946-SP, Superior Tribunal de Justiça, 1ª Seção, Diário da Justiça de 13.06.94).

(12) Conforme Recurso Extraordinário nº 95.017-MG, Relator Ministro CUNHA PAIXOTO, Supremo Tribunal Federal, Diário da Justiça de 06.11.81. Neste julgado a Excelsa Corte determinou a atualização de proventos, pagos em atraso em virtude de obstáculos opostos pelo órgão pagador, tanto na esfera administrativa como na judicial.

(13) Conforme sentença proferida por MARCO FALCÃO CRITSINELIS, Juiz Federal da Vara Única de Petrópolis, in Compêndio de Direito Previdenciário, 2ª edição, Forense, página 698.

 

Como citar o texto:

MATTOS, Mauro Roberto Gomes de..Do valor real do benefício previdenciário. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 31, nº 1. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-previdenciario/159/do-valor-real-beneficio-previdenciario. Acesso em 6 nov. 2000.

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