RESUMO:

                 A revolução tecnológica vivenciada nos últimos anos tem proporcionado grandes desafios à ciência jurídica, em especial, a necessidade de adaptação das leis às atuais necessidades da sociedade em dispor de uma segurança jurídica capaz de resguardá-la das desproporções trazidas pelo mundo moderno, principalmente, no que tange ao mercado de consumo que cada vez se torna mais agressivo devido ao aprimoramento de suas técnicas comerciais embasada em uma oferta cada vez mais mecanizada e virtual e uma demanda cada vez mais impulsionada pelo fenômeno denominado consumismo.  

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O direito de arrependimento – Artigo 49 do CDC. 3. Aplicação do CDC nos Contratos Eletrônicos. 4. O Projeto de Lei nº. 4.906/2001. 5. Vendas pela Internet e Direito de Arrependimento. 6. Domicílio Real X Domicílio Virtual. 7. Conclusão.   

PALAVRAS-CHAVE: comércio; eletrônico; direito de arrependimento; internet; estabelecimento; virtual; contratos eletrônicos; consumidor; analogia; segurança jurídica. 

1. Introdução:

                       A contratação eletrônica representa uma das maiores evoluções do mercado de consumo, por meio do crescimento da internet como parte integrante do grande número de relações jurídicas que se constituem no Brasil e em todo o mundo.

                     Cada vez mais é maior a quantidade de pessoas naturais e jurídicas, que realizam compras, e os mais variados negócios, pelo meio eletrônico. Esse novo meio de negociação, que utiliza a Internet, recebeu no mercado a denominação de comércio eletrônico, que engloba a oferta, a demanda e a contratação de bens, serviços e informações.

                      Nesse contexto, tem levantado maior atenção aos operadores do direito algumas questões relacionadas à aplicabilidade da legislação consumerista brasileira nas relações jurídicas de consumo constituídas pelo resultado evolutivo e tecnológico presente nas sociedades modernas.

                      A adequação dos contratos eletrônicos ao Código de Defesa do Consumidor, especialmente, em se tratando de uma das diversas normas de proteção do consumidor, qual seja a prevista no artigo 49, é que o presente trabalho se preocupará em abordar, sempre com vistas à coerência e plausibilidade jurídico-científica.   

2. O direito de arrependimento – Artigo 49 do CDC:

Art. 49 – O consumidor pode desistir do contrato no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

                        Prima facie, se faz mister vislumbrar o caráter exemplificativo do artigo 49 do CDC quando ao dispor sobre as hipóteses de negócios realizados fora do estabelecimento comercial, utiliza a expressão “especialmente”, permitindo assim uma interpretação extensiva dos aplicadores do direito ao caso concreto, como por exemplo as vendas pelo sistema de marketing direto, os contratos de seguro e cartão de crédito e outras possibilidades, não previstas expressamente.                                                     

                         O Código de Defesa do Consumidor atribui ao consumidor, desde que o negócio se realize fora do estabelecimento comercial, o direito de arrepender-se e retroceder em sua declaração de vontade manifestada quando da celebração de uma relação jurídica de consumo (contrato), sem que seja necessária qualquer justificativa do porquê de tal atitude. 

                         No exercício do direito de arrepender-se é assegurada ao consumidor a devolução da quantia eventualmente paga, corrigidas monetariamente pelos índices oficiais, o mesmo não ocorrendo em benefício do fornecedor, quando das despesas com frete, postagem e outros encargos, em virtude da teoria do risco do negócio.  Neste sentido a jurisprudência tem se posicionado da seguinte forma:

Direito do consumidor e processual civil – ação monitória – embargos – contrato de venda de produto por telefone e fax – pagamento parcial – arrependimento – cobrança do valor total – devolução – alegação de produto especial – recurso improviso – sentença mantida – Na compra e venda por telefone e fax, tem o consumidor o direito de arrependimento assegurado pelo art. 49 do CDC, bem como de ver devolvidas as importâncias antecipadas, a qualquer título, notadamente se ainda não recebeu o produto negociado. A alegação de produto especial ou feito sob encomenda não serve para desnaturar a relação de consumo e suplantar o direito de arrependimento, até porque tais circunstâncias não descaracterizam a relação de consumo que marcou a transação, não passando de risco próprio e natural da atividade mercantil do ramo de negócio abraçado livremente pela apelante. (TJMT – AC 24.068 – CLASSE II – 23 – POCONÉ – 3ª C.CÍV. – REL. DES. JOSÉ FERREIRA LEITE – J. 28.06.2000).

                          Ademais, o fornecedor não deve se negar a prestar as informações necessárias aos consumidores, até porque no sistema do Código de Defesa do Consumidor há o dever geral de informação, inclusive a embalagem do produto deve informar a sua origem, é o que versa o art. 33 do CDC, in verbis:

Art. 33 – Em caso de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal deve constar o nome do fabricante e endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial.

No caso da não atenção ao disposto neste artigo haverá uma falha de informação do produto ou serviço, surgindo aí para o consumidor o direito de se valer além do direito de arrependimento, o direito de responsabilizar o fornecedor pelo vício do produto ou serviço, conforme os artigos 18, 19 e 20 do CDC.

                        Com efeito, são considerados vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e também que lhes diminuam o valor. Também se têm como vício as disparidades havidas em relação às indicações constantes no rótulo, embalagem, recipiente, oferta ou mensagem publicitária.

                          O prazo para o exercício desse direito, denominado pela doutrina de “prazo para reflexão”, fixado pelo CDC é de sete dias, considerado pelo legislador brasileiro o suficiente para não se incorrer em eventuais abusos que possam ser praticados pelo próprio consumidor no exercício do seu direito em prol da boa-fé, harmonia e eqüidade como princípios norteadores da própria relação de consumo previstos no artigo 4º, III e artigo 7º, ambos do Código de Defesa do Consumidor. 

                             O artigo 4º, inciso III do referido codex assim dispõe:

Art. 4º - A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo atendidos os seguintes princípios:

III – Harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

      O artigo 7º do CDC, por sua vez, ainda em relação aos princípios que devem nortear a relação de consumo assim prevê:

Art. 7º - Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.

                               Vale ressaltar ainda o projeto de lei nº. 371/99 em tramitação no Congresso Nacional, já aprovado pela Comissão de Defesa do Consumidor, o qual altera o artigo 49 do CDC, dilatando o “prazo de reflexão” e dispondo expressamente sobre internet e correspondência como hipóteses legais de contrato celebrado fora do estabelecimento comercial para que o consumidor possa exercer o direito de arrependimento.                            

       A ratio do direito de arrependimento atribuído ao consumidor, é de atender a sua vulnerabilidade quando sujeito a praticas comerciais mais agressivas capazes de limitar o seu discernimento para contratar ou deixar de contratar, pois fora do estabelecimento comercial a noção de qualidade e defeito do produto é menor, proporcionando um maior desconhecimento em relação ao objeto contratado (produtos ou serviços).

                                 A lógica do artigo 49 está no direito básico de proteção contra métodos comerciais coercitivos (pode ser entendido de forma a dificultar o seu discernimento) ou desleais no fornecimento de produtos ou serviços, bem como na informação como um bem jurídico tutelado ainda que indiretamente pelo CDC, a qual deve ser adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços.  

       Para o Professor NELSON NERY JÚNIOR (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Comentado Pelos Autores do Anteprojeto. 7. ed. São Paulo: Forense Universitária, 2001, p. 494): “Quando o espírito do consumidor não está preparado para uma abordagem mais agressiva, derivada de práticas e técnicas de vendas mais incisivas, não terá discernimento suficiente para contratar ou deixar de contratar, dependendo do poder de convencimento empregado nessas práticas mais agressivas. Para essa situação é que o Código prevê o direito de arrependimento.”

       O direito de arrependimento para efeito do que dispõe o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor é uma presunção júris et de jure, ou seja, se presume que o consumidor possa não ter ficado satisfeito e ter sido pego de surpresa quanto às peculiaridades necessárias do produto ou serviço, sendo que se for da essência do negócio a sua realização fora do estabelecimento comercial, não há do que se falar em aplicação da referida norma.

        Neste sentido, Nelson Nery Júnior (Op. Cit., p. 495) leciona: “A compra e venda de imóvel é celebrada, de regra, no recinto do cartório de notas, na presença do oficial. Não se pode considerar essa venda como tendo sido efetivada fora do estabelecimento comercial. O que importa é que as tratativas preliminares (sinal, compromisso de compra e venda etc.) tenham sido concluídas no estabelecimento comercial (nos escritórios da construtora, da imobiliária etc.).” 

       Portanto, o direito de arrependimento tem a finalidade precípua de proteger os consumidores que adquirem produtos e serviços fora do estabelecimento comercial, ou seja, seu alcance é mais restrito, pois se pressupõe que o consumidor de alguma forma sofre "pressões" por parte do mercado para adquirir produtos ou serviços, e neste caso, que não é raro, o encontra desprevenido e despreparado para comprar. É a garantia para o consumidor que as relações sejam bem-sucedidas, protegendo-o de compras por impulso, ou efetuadas sob forte apelo publicitário.

3. Aplicação do CDC nos Contratos Eletrônicos:

                        O maior desafio da ciência jurídica é a necessidade imprescindível de acompanhar as constantes mudanças e inovações nas relações jurídicas como resultado da própria evolução societária, uma vez que, a sua principal fonte é o fato social, cuja lei lhe atribuirá a relevância jurídica necessária capaz de garantir a ordem e a harmonização dos interesses (direitos e deveres), como pressupostos de uma sociedade politicamente organizada.    

                        A informática, através da crescente proliferação do computador como um bem de extrema importância, para não dizer vital à sociedade moderna, especialmente quando por meio da internet possibilita o surgimento de inúmeras relações jurídicas (comércio eletrônico), tem sido nos últimos anos o principal objeto de estudo e adequação da ciência jurídica.

                        O “e-commerce” avança a cada dia, pois são pelo menos 160 milhões de pessoas que acessam a internet no mínimo uma vez ao mês na América Latina. Deste total uma boa parte dos internautas são brasileiros, devendo, necessariamente, o Direito albergar este novo ramo que surge tão forte no seio da sociedade, gerando obrigações e deveres de todas as espécies.

                        CLÓVIS BEVILACQUA (apud Fran Martins in Contratos e Obrigações Comerciais, Ed. Forense, RJ, 2000) leciona que o contrato: “é o acordo de vontade entre duas ou mais pessoas com a finalidade de adquirir, resguardar, modificar ou extinguir direito.”

Ao se partir da premissa de que para se falar em um contrato é imprescindível a convergência de vontade entre duas ou mais pessoas com intuito de se constituir direitos e obrigações para os sujeitos da relação contratual, no que se refere, especialmente, aos contratos eletrônicos, MARISA DELAPIEVI ROSSI (in Aspectos Legais do Comércio Eletrônico – Contratos de Adesão, Anais do XIX Seminário Nacional de Propriedade Intelectual da ABPI, 1999, p. 105) divide as formas de contratação eletrônica em três categorias, quais sejam: intersistemática, a qual se estabelece por meio e sistemas aplicativos pré-programados, utilizando a internet como ponto convergente de vontades pré-existentes, estabelecidas em uma negociação prévia; interpessoal, cuja contratação pressupõe uma comunicação eletrônica (correio eletrônico, por exemplo), não havendo vontade pré-constituída e; interativas, sendo esta a mais usual no comércio eletrônico, pois se estabelece em caráter permanente através de um estabelecimento virtual (site), cujo usuário ao acessar manifesta a sua vontade em efetuar o negócio (compra e venda).

Apesar de não existir legislação específica, é perfeitamente aplicável o uso do CDC nas relações feitas pela Internet (contratos eletrônicos), uma vez que, o usuário da grande rede é um consumidor em potencial e as empresas que apresentam seus produtos ou serviços são os chamados fornecedores. Este ramo do Direito é um dos que apresenta mais embasamento legal visto que a própria Lei 8.078/90 apresenta vários mecanismos que protegem efetivamente os usuários da Internet quanto às compras realizadas ou serviços contratados pela Rede.

Doravante, a analogia, por enquanto, tem sido o principal instrumento que garante a segurança jurídica nas relações oriundas de contratos eletrônicos ao se aplicar normas e princípios que norteiam a relação de consumo como um todo, independentemente das diversas formas de contratação hoje disponíveis no mercado. 

Com efeito, o novo Código Civil acrescentou a esta sistemática – no inciso primeiro – que se considera também presente a pessoa que contrata por meio de comunicação semelhante ao telefone (art. 428, do C.C./2002), como se observa a seguir.

Art. 428 – Deixa de ser obrigatória a proposta:

 I – se, feita sem prazo a uma pessoa presente, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante; (grifo nosso).

II –  Se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente;

III – Se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro no prazo dado; 

IV – Se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retração do proponente.

O artigo 435 do referido diploma legal também prevê:

Art. 435 – Reputar-se-á celebrado o contrato no lugar em que foi proposto.

                         É imperioso se observar, o quão substancial são esses dispositivos para os contratos eletrônicos, pois supera a problemática acerca da possibilidade ou não de se igualar a contratação por telefone com outros mecanismos de comunicação instantânea, dentre eles a própria internet para fins de aplicação do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor.

As normas protecionistas do consumidor em nada obstacularizam o comércio eletrônico, pelo contrário, permitem a sua validade, pois não são especificas ou exclusivas às ofertas tradicionais, mas incidem também em qualquer forma de oferta (inclusive ofertas virtuais), sendo que os cuidados com o comércio tradicional são os mesmos que devem ser observados no comércio eletrônico, pois o que mudou foi apenas o modo de contratação, que oferece mais agilidade, menores custos e diminui drasticamente as distâncias.

Com efeito, as transações eletrônicas celebradas pela Internet são plenamente válidas, desfrutam das possibilidades probatórias já existentes e sujeitam-se às leis em vigor, como o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, não reclamando de legislação específica que os discipline, ou seja, os responsáveis por sites que apresentam produtos ou serviços na grande Rede, deverão se sujeitar às normas garantidas pelo CDC ao realizarem este tipo de operação não podendo alegar quanto ao não cumprimento da obrigação à falta de norma específica tratando do assunto.

Ademais, é importante ressaltar a relevante movimentação legislativa no sentido de explicitar o real sentido das normas previstas no Código de Defesa do Consumidor, até então feita por meio de analogia (artigo 7º), quando Projetos de Lei como o 371/99 e o 975/2003, em tramitação no Congresso Nacional, ao disporem sobre o comércio eletrônico, permitem maior efetividade de normas, como por exemplo, as previstas nos artigos 4º, 6º, III, IV e VI, 30, 33, 35, 39, 49, 51 todos da Lei 8.078/90 perfeitamente aplicáveis aos contratos eletrônicos.            

4. O Projeto de Lei nº. 4.906/2001:

A Constituição Federal estabelece em seu artigo 3º, inciso I, que o Estado Democrático de Direito funda-se, entre outros, nos princípios da dignidade da pessoa humana e da livre iniciativa, que devem reger a atividade econômica para a construção de uma sociedade justa e solidária, sendo que um dos aspectos relevantes para tal desiderato constitucional é a defesa do consumidor, seja como um princípio fundamental (artigo 5º, inciso XXXII), seja como princípio geral da atividade econômica (artigo 170, inciso V).         

                       A inexistência de legislação infraconstitucional que trate especificamente sobre o comércio eletrônico é que atualmente tem justificado a aplicação analógica do Código de Defesa do Consumidor nas relações de consumo proveniente de negócios realizados pela internet.

Com efeito, a principal proposta de regulamentação é o Projeto de Lei nº. 4.906/2001 em tramitação no Congresso Nacional, o qual possui, entre outras características, a transnacionalidade em que se admite a certificação estrangeira e a adoção da criptografia assimétrica.

                      No que tange, especificamente, à aplicação do CDC no comércio eletrônico, de forma a refutar qualquer questionamento doutrinário contrário, o referido projeto apresenta no seu capítulo II, Título V, dispositivos totalmente dedicados a este aspecto, senão vejamos:

Art. 30 – Aplicam-se ao comércio eletrônico as normas de defesa e proteção do consumidor vigentes no país.

Art. 31 – A oferta de bens, serviços ou informações por meio eletrônico deve ser realizada em ambiente seguro, devidamente certificado e deve conter claras e inequívocas informações sobre:

I – nome ou razão social do ofertante;

II – número de inscrição do ofertante no respectivo cadastro geral do Ministério da Fazenda e, em se tratando de serviço sujeito a regime de profissão regulamentada, o número de inscrição no órgão fiscalizador ou regulamentador;

III – domicílio ou sede do ofertante;

IV – identificação e sede do provedor de serviços de armazenamento de dados;

V – número de telefone e endereço eletrônico para contato com o ofertante;

VI – tratamento e armazenamento, pelo ofertante, do contrato ou das informações fornecidas pelo destinatário da oferta;

VII – instruções para arquivamento do contrato eletrônico pelo aceitante, bem como para sua recuperação em caso de necessidade; e

VIII – sistemas de segurança empregados na operação.

Art. 32. Para o cumprimento dos procedimentos e prazos previstos na legislação de proteção e defesa do consumidor, os adquirentes de bens, serviços e informações por meio eletrônico poderão se utilizar da mesma via de comunicação adotada na contratação para efetivar notificações e intimações extra-judiciais.

§ 1º Para os fins do disposto no caput deste artigo, os ofertantes deverão, no próprio espaço que serviu para o oferecimento de bens, serviços e informações, colocar à disposição dos consumidores área específica, de fácil identificação, que permita o armazenamento das notificações ou intimações, com a respectiva data de envio, para eventual comprovação.

§ 2º O ofertante deverá transmitir uma resposta automática aos pedidos, mensagens, notificações e intimações que lhe forem enviados eletronicamente, comprovando o recebimento.

Portanto, diante das constantes iniciativas legislativas como a que foi citada acima, é coerente a idéia de que o Código de Defesa do Consumidor é uma legislação totalmente adaptável às concepções modernas de mercado de consumo, contando com a analogia (art. 7º) como principal instrumento de sua aplicação nas situações não contempladas expressamente em prol da evolução necessária ao cumprimento de suas finalidades precípuas.     

5. Vendas pela Internet e Direito de Arrependimento:

O artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, indubitavelmente, incide sobre o comércio eletrônico, em especial nas vendas realizadas na internet (“e-commerce”), pois o consumidor pode ser vítima do impulso e da falta de discernimento em relação ao produto ou serviço oferecido devido à agressividade do mercado moderno que o torna mais vulnerável.

O problema do arrependimento nas compras on-line é muito comum e permite mostrar que a Internet não é tão carente de proteção legal como dizem alguns. Diz o artigo 49 do CDC que em sete dias a contar da compra ou do recebimento do produto, pode haver o arrependimento do comprador, podendo ele devolver o produto e se ressarcir dos valores eventualmente pagos, a qualquer título. A lei diz ainda que os valores devam ser devolvidos de imediato e monetariamente atualizados pelo período em que permaneceram com o vendedor, sendo que o motivo não é relevante, basta que o comprador entenda que o produto não correspondia aquilo que se esperava ou ofertava.

                         Neste sentido, é importante trazer a baila o voto do Ministro do Superior Tribunal de Justiça Sálvio de Figueiredo Teixeira quando do julgamento o RESP/SP nº. 63.981, revelando uma preocupação do Poder Judiciário em proteger o consumidor que se utiliza da internet para realização de negócios, seja no mercado nacional ou internacional, de forma a garantir a aplicação do CDC nesta espécie de relação de consumo, senão vejamos:

"Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no fator mercado consumidor que representa o nosso país.

(...)

O mercado consumidor, não há como negar, vê-se hoje ´bombardeado` diuturnamente por intensa e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca.

(...)

Se as empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pela deficiência dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as conseqüências negativas dos negócios envolvendo objetos defeituosos...".

A perfeita adequação do artigo 49 do CDC nas vendas virtuais não é um ideal unânime, principalmente em se tratando da questão da realização do negócio “fora do estabelecimento comercial”, como critério objetivo necessário para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.

                        Neste sentido, é importante ressaltar o Projeto de Lei nº. 371/99, em tramitação no Congresso Nacional, tendo sido o texto substitutivo do Deputado Celso Russomano (PP-SP) aprovado na Comissão de Direito do Consumidor, além de ampliar o “prazo de reflexão” permite a aplicação do artigo 49 do CDC inclusive nas compras realizadas na internet, adequando assim a legislação às necessidades modernas de proteção do consumidor.

6. Domicílio Real X Domicílio Virtual:

                        Para o Professor Fábio Ulhôa Coelho (Manual de direito comercial, 16. ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 70): “A rede mundial de computadores (internet) tem sido largamente utilizada para a realização de negócios. Em razão disto, criou-se um novo tipo de estabelecimento, o virtual. Distingue-se do estabelecimento empresarial físico, em razão dos meios de acessibilidade. Aquele o consumidor ou adquirente de bens ou serviços acessa exclusivamente por transmissão eletrônica de dados, enquanto o estabelecimento físico é acessível pelo deslocamento no espaço. A natureza do bem ou serviço objeto de negociação é irrelevante para a definição da virtualidade do estabelecimento. Se alguém adquire, via internet, um eletrodoméstico, a mercadoria nada tem de virtual, mas como a sua compra decorreu de contrato celebrado com o envio e recepção eletrônicos de dados via rede mundial de computadores, considera-se realizada num estabelecimento virtual.”

    Diante de tal conceito de estabelecimento virtual sustentado por essa parte da doutrina, argumenta-se a não-aplicabilidade do art. 49 do CDC às compras efetuadas pela internet, já que a compra seria realizada no estabelecimento comercial, ainda que virtual.

A doutrina acima mencionada (COELHO, Fábio Ulhôa. Op. Cit., p.71) também divide o estabelecimento virtual em três espécies existentes no comércio eletrônico, quais sejam: “B2B (que deriva da expressão business to business), em que os internautas compradores são também empresários, e se destinam a negociar insumos; B2C (denominação derivada de business to consumer), em que os internautas são consumidores, na acepção legal do termo (CDC, art. 2º); e C2C (consumer to consumer), em que os negócios são feitos entre internautas consumidores, cumprindo o empresário titular do site apenas funções de intermediação (é o caso dos leilões virutais).

                        Ademais, outro argumento contra a possibilidade de arrependimento pelo consumidor é o fato de que, na maioria das compras via internet, o consumidor não é pego de surpresa pelo fornecedor; pelo contrário, é ele quem procura o estabelecimento virtual, acessa o site, escolhe o produto, fornece os dados para cobrança etc., não havendo razão para se conceder prazo de reflexão nem tampouco direito de arrependimento. Exceção a essa regra seriam os avisos que surgem logo que acessamos a internet, oferecendo produtos ou serviços.

Todavia, em sentido adverso, Rita Peixoto Ferreira Blum (Direito do consumidor na internet. São Paulo: Quartier Latin, 2002, p. 99) afirma que: "Nos casos das contratações feitas pela Internet, também se aplica o art. 49, quando, no caso concreto, o consumidor só tem a oportunidade de avaliar o produto ou serviço, após sua entrega ou início da prestação de serviço, respectivamente."

De acordo com tal entendimento, o direito de arrependimento seria possível em razão de o consumidor não ter acesso ao produto fisicamente, não podendo conhecer a fundo suas qualidades e defeitos, o que só poderia ocorrer no domicílio real do fornecedor com o contato direto e prévio com a mercadoria antes da sua aquisição pelo comprador.

Doravante, em que pese os questionamentos contrários de uma parte renomada da doutrina, tem prevalecido a interpretação analógica utilizada para fins de se aplicar o artigo 49 do CDC nos contratos eletrônicos, em especial sobre as vendas realizadas pela internet.

Neste sentido, é possível concluir que com a aprovação do Projeto de Lei nº. 371/99, dissipa-se todo e qualquer argumentação doutrinária a respeito do assunto em questão, podendo ser considerado um marco inicial ao processo de evolução do próprio Código de Defesa do Consumidor, muito embora a possibilidade de aplicação da analogia, como seu instrumento de eficácia em relação as constantes inovações do mercado.   

7. Conclusão:

É indiscutível que os contratos eletrônicos são resultado da grande revolução que está ocorrendo na sociedade global, decorrente do surgimento das tecnologias de informática e comunicação.

Segundo FRITJOF CAPRA (As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. São Paulo: Cultrix, 2002, p. 144): “a Revolução da Informática é o resultado de uma complexa dinâmica de interações tecnológicas e humanas que gerou efeitos sinérgicos em três grandes setores da eletrônica – os computadores, a microeletrônica e as telecomunicações”.

                        É dentro deste contexto que está inserido o contrato eletrônico, de modo que as suas particularidades dele decorrem, sendo que o conceito de tais contratos está ligado diretamente ao meio eletrônico, pelos quais as transações comerciais são realizadas.

                        Ademais, a internacionalização destes contratos deriva da capacidade de transposição das relações sociais e econômicas além das fronteiras do tempo e do espaço.                    

                        Outrossim, a adoção pelo ordenamento jurídico brasileiro do princípio do consensualismo ou da liberdade das formas (artigo 107 do Código Civil), acaba por atribuir validade aos contratos eletrônicos, haja vista que a sua criação está condicionada apenas a convergência de duas declarações de vontade, independentemente da forma como elas se manifestam,  ressalvadas as exceções em que a lei exige forma especial (compra e venda de imóveis, por exemplo).

                        Portanto, a formação e conclusão destes contratos regem-se pelas mesmas regras de direito material, tradicionalmente utilizadas nos contratos civis e nos casos de relação jurídica de consumo, aplicam-se ainda as regras dispostas no Código de Defesa do Consumidor.

Bibliografia:

BLUM, Rita Peixoto Ferreira. Direito do Consumidor na Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2002.

CAPRA, Fritjof. As Conexões Ocultas: Ciência para uma Vida Sustentável. São Paulo: Cultrix, 2002.

COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de Direito Comercial, 16. ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2005.

__________________.O Estabelecimento Virtual e o Endereço Eletrônico. São Paulo: Tribuna do Direito, 1999.

JÚNIOR, Nelson Nery. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. São Paulo: Forense Universitária, 2001.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações Comerciais. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: direito material (arts. 1º ao 54). São Paulo: Saraiva, 2000.

Texto elaborado em: Maio/2006.

 

Como citar o texto:

BRANDÃO, Caio Rogério da Costa..O direito de arrependimento nos contratos eletrônicos. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 208. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-consumidor/1633/o-direito-arrependimento-contratos-eletronicos. Acesso em 11 dez. 2006.

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