DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

A Lei 11.340/06 foi sancionada pelo Presidente Lula no dia 7 de agosto deste ano e aguarda o período de 45 dias para entrar em vigor, ou seja, começou a ter plena eficácia no dia 22 de setembro de 2006.

O período de vacância de 45 dias serve para que a sociedade tome ciência do conteúdo da lei, como também os Poderes Judiciário e Executivo possam se adequar as novas diretrizes da lei sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher.

A nova Legislação cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, in verbis:

Art. 226. A família, base da sociedade tem especial proteção do Estado.

[...]

§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Não se pode olvidar que a Lei contra a Violência Doméstica reforça o Princípio da Igualdade entre homens e mulheres, bem como visa garantir a mulher que vive no seio familiar que sua dignidade seja preservada.

Em meio a tais valores, restou explícita a incumbência do Estado em tutelar os direitos das mulheres, como ente da família, motivo pelo qual a Lei 11.340/06 é considerada pelos estudiosos do direito, como mais dura para o agressor.

A previsão da criação de juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher é uma grande novidade. A primeira impressão que se tem é que não exista demanda para a criação de juizados especializados em violência contra a mulher, que legislador mais uma vez imprimido pelo clamor das organizações em defesa da mulher, exagerou com a previsão de juizados especializados.

No entanto, para surpresa de muitos, as estatísticas mostram que a cada 15 segundos uma mulher é espancada no Brasil, de acordo com o Instituto Patrícia Galvão, de São Paulo . Esse é o retrato de um país que muitas vezes fecha os olhos para a violência doméstica que se afigura como mais traumática, porque ocorre no seio da família, entre pessoas que se uniram, a princípio, enlaçadas por sentimentos de amor e no escopo de constituir família.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 2005, 29% das mulheres brasileiras são violentadas, física ou sexualmente.

Não se pode esquecer que se trata de violência que deixa marcas profundas na mulher agredida, que se sente fragilizada, humilhada e incapaz e, a previsão de juizados especiais, visa não só responsabilizar o agressor, mas principalmente amparar a mulher violentada por meio de uma equipe multidisciplinar que visará amparara a mulher agredida em todos os aspectos.

Nesse contexto, como não afirmar que a Nova Lei contra a violência doméstica e familiar veio em boa hora, para não dizer que demorou muito para que os nossos legisladores atinassem para essa terrível realidade.

Em meio a esse quadro, a nova Lei chamou e atribui ao Estado à tutela das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

Tanto é assim que não mais se exige a representação da mulher violentada em alguns casos, bem como fora proibida expressamente a aplicação de qualquer instituto dos juizados especiais, nesse sentido.

Isso significa dizer que não se pretende mais, por meio de transação, reparar o dano sofrido pela mulher com a concessão de cestas básicas ou prestação de serviços a comunidades, por exemplo.

O agressor, com a nova lei será responsabilizado civil e criminalmente pelo ato de violência praticado contra a mulher. Como regra provisória, percebe-se que a nova Lei previu também uma exceção à regra da competência material em seu Art. 33, atribuindo ao juízo criminal a dupla competência para o processamento da ação penal e cível, enquanto não instituídos os juizados especializados.

No mister de tutelar os direitos das mulheres violentadas, a Lei 11.340/06 atribuiu, também, ao Estado o desenvolvimento de políticas públicas no escopo de prevenir a prática de violência contra a mulher. Frise-se que o papel de criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos e garantias fundamentais da mulher passou a ser também atribuição da família, bem como da sociedade, conforme Art. 3º §2º da mesma lei.

Não obstante a missão social de resguardar os direitos e garantias das mulheres, a Lei 11.340/06 equiparou a violência contra a mulher à violência contra direitos humanos, fulcrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em especial no que se refere à observância da igualdade de proteção entre homens e mulheres, ainda mais quando se trata de mulheres violentadas em seus direitos fundamentais no seio familiar.

Feitas algumas considerações preliminares, insta delimitar algumas considerações referentes à nova regulamentação dos crimes de violência doméstica, conforme a disposição disposta na Lei 11.340/06.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

De início, insta ressaltar que a Nova Lei delimitou com muito zelo a definição e formas de violência doméstica.

Por violência doméstica entende-se toda conduta comissiva ou omissiva que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e moral ou patrimonial contra a mulher, conforme art. 5º da lei 11.340/06.

Atende-se para o fato de que a violência passa a ser doméstica e familiar quando praticada no âmbito da unidade doméstica, no âmbito familiar ou no âmbito de qualquer ralação íntima de afeto. Quando se fala em qualquer relação íntima de afeto, se fala em uniões que independem de orientação sexual.

Merece destaque o fato de que prescinde que a agredida e o agressor coabitem no momento da agressão (Art.5º, III da Lei 11.340/06). Basta que tenham convivido ou convivam, e que estejam presentes os laços de afinidades.

Em fazendo menção a exigência apenas da coabitação, para configuração da união estável entende Santos (2006) que a convivência está ligada, na verdade, à comunhão de vidas. A exigência da coabitação para reconhecer a união estável é prática obsoleta a partir do momento que esteja configurada a comunhão de interesses e de vidas.

Nesse ponto, à luz da Lei 11.340/06, a convivência entre homem e mulher, com laços de afinidade e instituídos nos moldes de entidade familiar basta para ser cenário de eventual caracterização de violência doméstica.

No que se refere às formas de violência doméstica, o legislador elencou no Art.7º da Lei 11.340/06, algumas formas de violência doméstica: violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral.

Note-se que apesar de ter deixado margens a novas previsões de forma de violência doméstica, o legislador praticamente exauriu a matéria, sendo tarefa difícil imaginar algum ato contra a mulher que não configure violência previstas na Lei.

Nesse passo, na prática, será quase impossível a substituição da pena privativa de liberdade em restritiva de direito, visto que conforme Art. 44 do CP, para a substituição das penas, é necessário que o crime tenha sido praticado sem violência, senão vejamos:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:

I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; (grifo meu)

Daí mais um rigor da lei em relação ao agressor da mulher. Além disso, a nova legislação altera o Código Penal, uma vez que, possibilita a prisão em flagrante dos agressores e a possibilidade da decretação da prisão preventiva.

ASSISTÊNCIA À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

O título III da Lei 10.340/06 dedica-se a assistência à mulher quando da prática, logo após ou quando esteja sofrendo violência doméstica e familiar. Cabe esclarecer que são medidas de assistencialismo às mulheres que estejam em situação de violência doméstica e familiar, sejam elas preventivas, sejam repressivas, que antecedem a propositura da ação civil e penal competente.

Para tanto, destaque-se que o Capitulo III previu o procedimento a ser adotado pela autoridade policial quando do atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar.

Merece mencionar o Art. 10 que prevê que a autoridade policial, no momento que tomar ciência da ocorrência da violência doméstica, adotará de imediato, todas as providências legais cabíveis, inclusive medidas protetivas de urgência.

No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial, entre outras medidas, garantirá a proteção policial, independente de ordem judicial, visto que a comunicação imediata ao Poder Judiciário e ao Ministério Publico só se fará quando necessário.

Outro fato que chama a atenção é que não se lavra mais o TCO nos crimes de violência doméstica que resultam em lesão, visto que não seguem mais o rito previsto para os juizados, rito expressamente proibido pelo Art. 41 da Lei 11.340/06.

Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, o procedimento previsto no Art.12 da lei 11.340/06.

Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata a Lei 11.340/06, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. Veja-se que a renúncia há de ocorrer antes do recebimento e não do oferecimento da denúncia, como previsto no CPP.

PROCEDIMENTO JUDICIAL

Mais uma vez se ressalta estar vedada à aplicação do procedimento dos juizados especiais, ainda mais quando se tratar de violência doméstica e familiar que resulte em lesão física para a vítima.

A lei 11340/06 em seu Art. 33 prevê a criação de juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher, com procedimento singular.

De outro lado, a mesma lei se antecipa dispondo que enquanto não estruturados os Juizados de Violência doméstica e familiar contra a mulher, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

De grande valia também a previsão do direito de preferência, nas varas criminais, para o processo e o julgamento da causas de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Não menos importante, a Lei 11.340/06 além de prever medidas protetivas de urgência para a mulher vítima de violência doméstica, inova, instituindo medidas protetivas de urgência que obriguem o agressor, como por exemplo: suspensão ou restrição da posse de armas, afastamento do lar, proibição de determinadas condutas, não aproximação, nem contato com ofendida, proibição de freqüentar determinados lugares, restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores e prestação de alimentos provisórios ou provisionais.

Seguindo a linha das últimas alterações que sofreu o Código de Processo Civil, em especial as novidades trazidas pela Lei 10.444/02, a Lei 11.340/06 previu como medida protetiva de urgência a que obriga o agressor à aplicação do Art. 461, §§5º e 6º do CPC. Senão vejamos o que dispõe os referidos parágrafos:

Art. 461...

§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002) (grifo meu)

§ 6o O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002) (grifo meu)

 

Atente-se que o legislador, quando da elaboração da Lei 11.340/06, quis reforçar o poder do juiz no escopo de tutelar os interesses da vítima, bem como proteger a mulher da violência doméstica e familiar.

Trata-se de poder geral instituído ao juiz na efetivação da tutela específica – proteção da mulher vítima de violência doméstica, permitindo que o juiz tome providências ex officio, o que implica numa atipicidade dos meios de efetivação da tutela, devendo ser observado, por outro lado, o Princípio da Proporcionalidade.

A Lei 11.340/06 também previu a atuação do Ministério Público nas causas cíveis e criminais decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher, cabendo ao MP quando necessário: I - requisitar força policial e serviços públicos de saúde, de educação, de assistência social e de segurança, entre outros; II - fiscalizar os estabelecimentos públicos e particulares de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, e adotar, de imediato, as medidas administrativas ou judiciais cabíveis no tocante a quaisquer irregularidades constatadas; III - cadastrar os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Outro aspecto de suma importância é a exigência de advogado acompanhando a mulher vítima de violência doméstica e familiar, prevista no Art. 27 da Lei 11340/06, em todos os atos processuais cíveis e criminais, ressalvados os casos em que se trate de medidas protetivas de urgência concedidas pelo juiz, a requerimento do MP ou a pedido da ofendida.

As inovações trazidas pela Lei 11.340/06 ao tempo em que prevê meios de prevenção e repressão de violência doméstica e familiar contra a mulher, busca conscientizar a sociedade brasileira no sentido de que não mais deve haver discriminação da mulher; que à mulher, independente de sua condição social, religiosa, econômica, cultural deve ser garantido, em pé de igualdade, todos os preceitos contidos no art. 5º da nossa Constituição Federal.

REFERÊNCIAS

CONTI, José Maurício. Violência doméstica. Proposta para a elaboração de lei própria e criação de varas especializadas. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: . Acesso em: 31 ago. 2006.

MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2000.

PAULO. Vicente. Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Impetus, 2003

SANTOS, Bianca Bravo de Oliveira. Breve análise a respeito da coabitação como requisito para o reconhecimento da união estável . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3539>. Acesso em: 30 ago. 2006.

(Texto elaborado em agosto/2008)

 

Como citar o texto:

MENDES, Christine Keler de Lima..Comentários à Lei 11.340/2006: violência doméstica e familiar. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 214. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-penal/1688/comentarios-lei-11-3402006-violencia-domestica-familiar. Acesso em 27 jan. 2007.

Importante:

As opiniões retratadas neste artigo são expressões pessoais dos seus respectivos autores e não refletem a posição dos órgãos públicos ou demais instituições aos quais estejam ligados, tampouco do próprio BOLETIM JURÍDICO. As expressões baseiam-se no exercício do direito à manifestação do pensamento e de expressão, tendo por primordial função o fomento de atividades didáticas e acadêmicas, com vistas à produção e à disseminação do conhecimento jurídico.