“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Esta garantia, disposta no art. 205 da Constituição da República, transfere para a sociedade a responsabilidade conjunta de propiciar ao aluno o seu desenvolvimento. Desafio enorme enfrentado especialmente nos locais com maior incidência de reprovação por questões, também, sociais e educacionais, quer pela falta de estabelecimentos adequados de ensino, professores capacitados, orientação e incentivo dos pais, dentre outros. Estudantes também não enfrentam apenas os problemas corriqueiros das salas de aula e convívio com seus próprios colegas.

          Num ambiente de temor e desrespeito que permeia certas escolas, h á professores que, até compreensivelmente, exageram suas reações e se tornam rígidos disciplinadores, até com revides às atitudes de menosprezo por parte dos estudantes. “O professor hostil é amiúde moldado por seus estudantes.” Se o aluno semeia o desrespeito e a incompreensão não poderá se surpreender de ser ensinado por um professor rude, hostil e incompreensivo. É a regra de ouro. “Todas as coisas, portanto, que quereis que os homens vos façam, vós também tendes de fazer do mesmo modo a eles.”

          O problema realmente surge quando os interesses são opostos. De um lado o professor querendo ser merecedor de respeito e do outro, da mesma forma como esperam ser respeitados, estão os alunos, filhos de pais com formações, culturas e credos diferentes. Pode parecer sutil, mas alunos de determinadas religiões, a exemplo das Testemunhas de Jeová e Adventistas do Sétimo Dia, são, de certa forma, “discriminadas” por seguirem seus elevados padrões de moral e convicção religiosa. Especialmente no caso dos alunos Adventistas, cuja doutrina “proíbe” a seus adeptos que freqüentem as aulas, ou qualquer outra atividade, a partir das 18 horas de sexta-feira. Lamentavelmente acaba gerando transtornos tanto para esses alunos como para os professores que embora entendam a situação do aluno, acham-se vinculados às regras da instituição de ensino a qual estão subordinados.

          É preciso compreender que o ensino exige uma freqüência mínima para o aprendizado, sendo legítima a reprovação pela falta de assiduidade e descumprimento de metas previamente estabelecidas, como ocorre quando as notas do aluno não atingem certo percentual. Essas notas representam um peso maior, é verdade, sendo muito mais comum a reprovação, especialmente no ensino fundamental e médio, do que quando a freqüência mínima não é atingida pelo aluno. Mas no ensino superior, mesmo o aluno apresentando bom desempenho nas atividades curriculares, com uma freqüência insuficiente correrá um alto risco de ser reprovado. Percebe-se, no ensino superior, uma desproporção entre o aspecto quantitativo (freqüência) sobre o qualitativo (competências e habilidades desenvolvidas) para a aprovação. É certo que a assiduidade às aulas nem sempre representa um bom desempenho de aprendizagem. A freqüência apenas afere a participação do aluno nas aulas, mas deixa de avaliar o seu desempenho, o que realmente aprendeu e o resultado prático do que foi aprendido até então. Daí, existe a possibilidade prática de ocorrer ausências em uma determinada disciplina, mas se o aluno apresentar um antecedente de bom desempenho nas provas e outras formas de avaliação, conseguirá o objetivo qualitativo, o mais importante no ensino. Também pode ocorrer o inverso. Alunos que jamais faltaram muitas vezes são reprovados porque não conseguiram assimilar a matéria. Uma não depende da outra.

          A freqüência deve (ou deveria) servir não como elemento de reprovação, mas antes de tudo, como referência para a tomada de medidas pela escola no sentido de detectar os problemas que estejam dificultando a permanência do aluno ou proporcionar novos métodos de ensino a circunstâncias específicas, excepcionais, como no caso dos Adventistas que não freqüentam as aulas na sexta-feira à noite. Desta forma, seria prudente reprovar o aluno, ainda que não apresente notável desempenho na matéria, apenas e tão-somente pelo fato de, amparado pela sua consciência, não poder assistir as aulas de sexta-feira?

          O professor, é verdade, dispõe de legitimidade para fazer (sem exageros) o que julgar, pelo seu prudente talante, como mais conveniente para os seus alunos. Cabe, também, a ele, a forma e distribuição dos pontos, freqüência, avaliações etc. Noutro lado, há o direito do aluno, amparado constitucionalmente (art. 5°, VI e VIII) de seguir qualquer convicção filosófica ou religiosa, além da liberdade. Confrontando estes direitos fundamentais, entendo, salvo melhor juízo, que deverá ser sopesada a sanção a que se vê vitimado o aluno, a fim de não violar seus direitos. Se o professor, amparado pelo regimento interno da escola, entender como medida mais acertada para o aluno Adventista a sua reprovação, neste caso, terá também que se adequar ao "regimento maior", nossa Constituição. Ou seja, nos termos do art. 5°, inciso VIII, propiciar-lhe uma alternativa para se enquadrar nos procedimentos adotados pela escola e corpo docente, respeitando, claro, o outro direito fundamental que é a liberdade de crença religiosa do aluno. E aí sim, caso o aluno se recuse a cumprir uma "prestação alternativa", haverá a possibilidade de reprovação.

          A melhor solução, se permitida, sempre será um consenso entre as partes. No conflito de interesses e direitos tão delicados e pessoais, caberia uma espécie de aplicação "in bonam partem", ou seja, sempre em benefício do aluno (o único prejudicado). E mesmo a lei se aplicando a todos, independentemente de origem, raça, sexo, cor ou idade, não haveria direito a punição sem a previsão e conhecimento da possível reprovação por falta de freqüência nas sextas-feiras do aluno, até porque está expresso: "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". Todos são iguais perante a lei sim, entretanto, na exata medida de suas desigualdades. Ocorreria o favorecimento de um aluno Adventista, em detrimento dos demais de outras religiões, e conseqüentemente, desigualdade de tratamento, se este aluno, recusando-se à contraprestação alternativa fora do horário de sexta-feira, conseguisse privilégios que os outros não teriam.

          Mesmo declarando expressamente estar de acordo com o regimento escolar, com as normas que permitam a reprovação pela freqüência insuficiente nas aulas de sexta-feira, a reprovação e outras sanções disciplinares só deveriam ser aplicadas em casos graves; a primeira no caso de recusa injustificada do aluno em acompanhar as aulas de sexta em outro horário ou dia, e a segunda, no caso de reincidência e desrespeito, como medida excepcional e última para manter o prestígio e a imagem da instituição de ensino.

          Os Adventistas, obviamente, não pensam em desrespeitar a lei imposta pelos estabelecimentos de ensino, prezam em segui-las, evidentemente, desde que não violem suas crenças. Resistir às normas, no campo moral e religioso, só se torna legítimo e de certa forma lícito quando prescreve algo que contrarie a lei divina. Está escrito: “Temos de obedecer a Deus antes que aos homens” (Atos 5:29). Quando inexistente o conflito entre a consciência e a norma a obediência deve prevalecer, independentemente de qualquer diferença religiosa, racial etc. De mais a mais, a firme posição dos adeptos daquela religião não mina o respeito às normas escolares, tampouco pode ser encarada como uma afronta aos professores que lecionam nas sextas-feiras.

          Aos educadores, é imprescindível proporcionar uma educação de qualidade e profundo respeito, sem violar quaisquer direitos ou sob o manto da igualdade de tratamento, empregar formas coercitivas a fim de forçar os alunos Adventistas a violarem sua consciência de crença se estiverem resolvidos a prosseguir semestre adiante. É direito fundamental a educação, dentro de ideais de liberdade e solidariedade humana, independentemente de qualquer afiliação religiosa. O professor não se limita a apenas ensinar. O exercício dessa profissão muitas vezes transcende a sala de aula, e é possível aprender com o aluno para entendê-lo. “É preciso acreditar que tem mais pra se plantar quantos frutos pra colher, e quem deseja conseguir tem que aprender” (Graças a Deus - Roberta Miranda).

          A crença Adventista já existe desde 1863 e o Ministério da Educação já teria condições e prazo suficiente para prever esses impasses envolvendo a Educação e as diversas crenças religiosas brasileiras. Poderia disponibilizar em escolas públicas turmas que funcionassem em outro período para atender a este grupo de estudantes, impedidos de freqüentarem a escola por razões religiosas. Havendo, entretanto, esta impossibilidade de se formarem turmas ou disponibilizarem professores fora do horário normal de aula durante a semana, poderia se pensar na hipótese de reforço ou acompanhamento domiciliar ao aluno naquela disciplina lecionada nas sextas-feiras, com a contraprestação em forma de trabalhos a serem entregues noutro dia da semana. As provas poderiam ser dadas em outro dia, submetendo o estudante à avaliação em outro período que não o compreendido entre as 18 horas de sexta-feira e 18 horas de sábado, sem prejuízo do processo chamado de “recuperação”, entre outros utilizados pelos demais alunos.

          Ao aluno Adventista, caberá esforçar-se a ser merecedor de tal beneplácito por parte da escola e dos professores. Ser cooperador, mostrar-se atento e interessado na matéria e recusar-se a participar de brincadeiras que só atrapalham o desempenho das aulas ministradas poderá ser útil para que o professor que ameaça reprová-lo amoleça o coração, mostrando-se um pouco menos hostil e inexorável nas suas decisões. Pequenas atitudes de respeito causam boa impressão. E em vez de encarar o professor como uma barreira ao livre exercício de sua crença religiosa, encare-o como ajudador, como um meio capaz de ajudá-lo a adquirir maior habilidade e entendimento, o que pode ser empregado posteriormente nos cultos religiosos do próprio aluno. Não haverá dois alunos, ainda que Adventistas exatamente iguais. Portanto, é razoável esperar algumas variações nas decisões tomadas por estudantes desta religião e compreendê-los.

          Assim como todos os pais, os Adventistas preocupam-se com o futuro de seus filhos, quer no sentido espiritual, quer no sentido educacional, confiando que o estudo melhorará o seu desenvolvimento, visando ajudá-los a se tornarem pessoais ainda mais úteis na sociedade. Todos os cristãos prezam uma educação de qualidade. Os primeiros seguidores do Cristianismo não eram conhecidos pelo alto nível de instrução que possuíam. Muitos eram pessoas comuns, pescadores, não tendo a oportunidade de cursarem ou concluírem uma escola naquela época. Porém, isto não significa que eram pessoas sem instrução. Pelo contrário, estes humildes homens e mulheres estavam completamente equipados para defenderem suas crenças e sua fé com habilidade, pois ao mesmo tempo em que procuravam se certificar das coisas mais importantes (para eles a religião cristã), mantinham a educação, e qualquer outro empreendimento diário, no seu devido lugar.

 

FONTES:

          Watchtower Library, edição de 1997, v.3, g73 8/9 Uma questão de consciência, p. 28.           Watchtower Library, edição de 1997, v.3, yp Como me dar bem com meu professor? cap. 20, p.  164. http://www.sinteal.org.br/exibir_noticia.asp?Cod=847

 

Como citar o texto:

SOUZA, Bruno Soares de.A reprovação do aluno em frequência por motivo de crença religiosa. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 240. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/pratica-forense-e-advogados/1808/a-reprovacao-aluno-frequencia-motivo-crenca-religiosa. Acesso em 27 ago. 2007.

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