Introdução

A cada dia torna-se mais evidente a importância que a atividade profissional voltada ao esporte tem adquirido, com a circulação de cifras estratosféricas e a criação de legislações regulamentando as relações jurídicas originárias do profissionalismo do esporte, notadamente no futebol.

Essa realidade, acabou por criar um vasto campo de atuação para os profissionais do direito, sendo o objetivo deste artigo aplicar os conceitos estudados nas lacunas jurisprudenciais e doutrinárias.

Ainda é muito incipiente a produção doutrinária e jurisprudencial pertinente a atletas profissionais do futebol, e as constantes alterações na legislação que rege essas relações acaba por multiplicar as divergências e o surgimento de teses sem cabimento.

O Direito Desportivo, por sua vez, não é reconhecido com ciência jurídica autônoma, o que acaba agravando ainda mais a situação.

Portanto, a fim de nos aprofundarmos no estudo das relações jurídicas envolvendo atletas profissionais e associações desportivas, discutiremos especificamente o contrato de trabalho e o direito de imagem do atleta. Neste ponto, analisaremos a evolução da legislação desportiva no país.

Em seguida, passaremos ao estudo da imagem do atleta, procurando demonstrar o tratamento que vem sendo dado pela doutrina, jurisprudência e pelos próprios sujeitos dessa relação jurídica.

E por derradeiro, iremos analisar face a face os contrato de trabalho e de exploração de imagem do atleta profissional de futebol, com o objetivo de diferenciar as duas espécies de contrato, notadamente a sua natureza.

A exploração do direito de imagem do atleta, da forma como tem sido feita, está em completa contraposição com a legislação trabalhista vigente e ao contrato de trabalho do profissional do esporte.

  1. O futebol como profissão

 

Surgido em meados de 1863, o futebol foi introduzido definitivamente no país por Charles Miller, que promoveu algumas partidas com propósito único de lazer e diversão.

Com o crescimento da popularidade do esporte, a mídia foi se interessando cada vez mais, adquirindo o noticiário esportivo, lugar de destaque nos meios de comunicação.

Assim, o futebol começou a atrair grandes investimentos, tanto no Brasil como no exterior, tornando-se um grande e lucrativo mercado.

Esse aumento extraordinário da mercantilização do esporte acabou por criar muitos empregos, diretos e indiretos, através da profissionalização do esporte.

O primeiro país a tratar como profissionais os atletas de futebol foi a Inglaterra, onde existe essa categoria desde 1855. A maioria dos atletas eram escoceses que migravam para a Inglaterra unicamente para a pratica do futebol.

No Brasil, embora a pratica amadora estivesse profundamente enraizada na sociedade, com varias equipes formadas e com a realização de diversos campeonatos, o esporte foi profissionalizado somente na década de 30 do século XX.

Uma vez profissionalizado o esporte, mister se fez a criação de leis que o regessem. Com o profissionalismo, surge o Direito Desportivo e logo em seguida, o Direito do Trabalho é introduzido nesse novo ramo.

Por outro lado, o esporte profissionalizado envolve diversas relações jurídicas, tanto de cunho trabalhista quanto de cunho esportivo que necessitam de regulamentação. Enquanto atividade amadora, não eram necessárias outras regras que não ás do próprio jogo.

Com o esporte ocupando um espaço cada vez maior nos meios de comunicação de massa, passou-se a mercantilizar também a imagem do atleta profissional, em face da superexposição desta à mídia.

Analisemos, portanto, a evolução histórica da legislação, comparando com a evolução da atividade esportiva, do profissionalismo que se consolidou e da exploração da mídia.

  1. Os atletas profissionais de futebol e a legislação desportiva brasileira

 

Com o decreto nº 1.056 de 19 de janeiro de 1939, que criou a Comissão Nacional de Desporto, juntamente com o Decreto Lei nº 3.199 de 14 de abril de 1941, nasce a legislação esportiva do Brasil.

Estes preceitos normativos criaram a Comissão Nacional de Desportos e estruturou os organismos oficiais deste esporte, dando validade jurídica ás Confederações, Federações e Associações.

O Estado acumulava funções de gestor e fiscalizador do desporte e a pratica esportiva, representada por suas entidades, adquiria caráter patriótico. Mas ao passo que o Estado preocupou-se em controlar as atividades desportivas, esqueceu de promover o progresso do mesmo.

Estes decretos não se limitavam ao futebol. Na verdade, tratava-se de regras gerais para o esporte, normas administrativas das instituições que este criava.

A partir de 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho, está passou a regular a relação de trabalho entre entidade desportiva e atleta. Mas por se tratar de atividade especifica, com diversas peculiaridades inerentes, era necessária uma regulamentação própria.

A partir de 1945 começaram a ser promulgados os decretos de regulamentação dos desportos, de acordo com as necessidades surgidas.

Em 24 de março de 1964, é promulgado o Decreto nº 53.820, que regulamentou a relação entre clube e atleta profissional.

Este decreto estabeleceu a participação financeira do jogador no preço cobrado pela liberação de sua transferência, ou seja, uma vez comercializado, o atleta tinha direito a participação de um percentual no valor da transação.

A edição de normas que regulavam e disciplinavam as relações cabia ao Conselho Nacional do Desporto. A Deliberação nº 9/67 tratou de forma especial o passe, determinando valores, a forma de fixação e o “passe livre”, que se definia pela extinção do vínculo entre atleta e clube, uma vez atendidas determinadas condições.

Após a Constituição de 1967, que restringiu a competência para legislar sobre o desporto à União Federal, surge finalmente, em 1976 a Lei nº 6.354, que regulava especificamente a profissão de atleta de futebol e suas respectivas relações no campo desportivo e trabalhista. Esta lei possui alguns artigos vigentes até hoje.

Com essa norma, ficaram reguladas as condições do contrato de trabalho, tais como prazo, premiação, forma de prestação do serviço, transferência, dentre outras.

Alguns anos depois, com a Lei 8672/93, conhecida popularmente como Lei Zico, criou-se o chamado direito de arena, que será importante para a discussão do tema principal deste trabalho.

Esta lei tinha como objetivo, adaptar a legislação brasileira ao moderno sistema de desenvolvimento do esporte mundial, propondo a transformação dos clubes de futebol em empresas. Passou a admitir também a finalidade lucrativa das entidades desportivas, abrindo assim a possibilidade de investimento do setor privado.

Com o advento dessa nova fase, crescentes investimentos do setor privado passaram a ser observados, e tornou-se necessária a adequação do modelo de gestão dos clubes à exploração econômica.

Surge então, em 24 de março de 1998, a Lei nº 9.615, conhecida popularmente como “Lei Pelé”. Como principal regra, esse preceito instituiu a faculdade de transformação de clubes em empresas e a impossibilidade de patrocínio das empresas que explorem qualquer meio de comunicação.

Mas a principal mudança trazida por este preceito foi a extinção do passe, estabelecendo que o vínculo desportivo do atleta com a entidade encerra-se com o término da vigência do contrato de trabalho.

Muitas entidades que sobreviviam exclusivamente da venda do “passe” dos atletas passaram a questionar juridicamente a validade do dispositivo.

Deixava o atleta, portanto, de ser considerado como res. Estava agora equiparado a um trabalhador comum, estando livre de qualquer vínculo ao fim de seu contrato.

A Lei 9.981 de 14 de julho de 2000 e a Medida Provisória nº 79/2002, convertida na Lei 10.672 de 15 de maio de 2003 são as mais recentes alterações na Lei Pelé.

A referia medida provisória, em seu artigo 8º, torna expressa a disposição de que a quantia paga pela entidade desportiva para a exploração do atleta profissional, não possui natureza salarial.

Encerrava-se assim uma discussão doutrinária da natureza do montante pago pelo direito de imagem do atleta. Tal discussão decorria da pratica efetuada pelos clubes para fraudar a legislação trabalhista.

Os clubes costumavam registrar em contrato de trabalho apenas uma pequena parte do que efetivamente era pago ao jogador, enquanto a maior parte da remuneração era tratada como exploração ao direito de imagem. Embora essa pratica exista até os dias de hoje, já vem sendo punida rigorosamente pelos tribunais.

Mas a Lei 10.672/2003, que substituiu a Medida Provisória, quedou-se inerte sobre o assunto e não manteve o artigo 8º.

Em face disso, restou-se insolucionado o problema, persistindo a discussão jurídica na doutrina e na jurisprudência.

  1. Contrato de Trabalho

O ilustre Professor Domingos Sávio Zainaghi define o contrato de trabalho  como “o instrumento pelo qual uma pessoa física se obriga a prestar serviços de forma não-eventual e subordinada a uma pessoa jurídica ou a outra pessoa física”²

Por nossa vez, conceituamos o contrato de trabalho como um negócio jurídico onde uma pessoa física, que seria o empregado, se obriga, mediante o pagamento de uma contraprestação, definida como salário, a prestrar um trabalho não eventual em proveito de outra pessoa, seja esta física ou jurídica, conceituada como empregador, que detém poderes de subordinação sobre o empregado.

Este contrato pode ser tácito ou expresso, este último pode ser de forma escrita ou verbal. Pode ser firmado por prazo determinado ou indeterminado.

A natureza do vínculo empregatício é contratual, derivada da vontade das partes. Assim explica a doutrina de Amauri Mascaro Nascimento:

“Ninguém será empregado de outrem se não por sua própria vontade.Ninguém terá outrem como seu empregado senão também quando for de sua vontade. Assim, mesmo se uma pessoa começar a trabalhar para a outra sem que expressamente nada tenha sido combinado entre as ambas, isso só será possível pela vontade ou interesse das duas.”³

Em alguns casos específicos, devido a peculiaridades inerentes, a legislação exige algumas formalidades no contrato de trabalho, tais como a forma escrita e o prazo determinado. Mas o não atendimento a essas formalidades não implica na descaracterização do vínculo empregatício.

  1. Peculiaridades do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol

 

É considerado atleta profissional aquele que utiliza-se do esporte como profissão, fazendo desta, fonte para sua subsistência. Portanto, materializa-se em um contrato de trabalho a relação jurídica entre clube e atleta.

Na conceituação de Geraldo Magela Alves:

“Designa-se contrato de prestação de servições profissionais ao ajuste de vontades, no qual uma das partes (o atleta) se obriga, sob subordinação e mediante remuneração para com outra pessoa (a entidade desportiva),ao exercício temporário de atividade ligada ao desporto”4

A profissão de atleta profissional de futebol por apresentar características peculiares, é regida por legislação específica. Mas o fato de existir legislação específica a respeito não afasta a aplicação dos preceitos contidos na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. São aplicáveis todas as regras da legislação geral, desde que compatíveis com a legislação especial (Leis 6.354/76 e 9.615, com suas posteriores alterações).

No contrato de trabalho do atleta profissional de futebol, exige-se a forma escrita. Esta obrigatoriedade se deve ao fato de que o atleta não terá regular condição de jogo sem o registro de seu contrato na entidade de administração da modalidade.

A condição de jogo pode ser conceituada como a disponibilidade do clube contratante utilizar o atleta nas competições desportivas que participa, através de um atestado expedido pela entidade nacional de administração do desporto, no caso da Confederação Brasileira de Futebol – CBF.

Qualquer inobservância dos requisitos legais acarreta a impossibilidade de atuação do atleta nas competições desportivas, sendo punida sua equipe com perda de pontos entre outras penalidades.

É uma condição puramente de direito, pois o atleta está apto física e tecnicamente, mas não atende às formalidades da lei, ficando, portanto, impedido de atuar nas competições.

Segue a conceituação dada pela doutrina à “condição de jogo”:

“A condição de jogo é atestado expedido pela entidade nacional de administração de desporto, concedido à entidade de prática desportiva. Atesta que o atleta está apto. a jogar por encontrar-se legalmente registrado naquela entidade através de contrato de trabalho”5

Basta a prova de notificação do pedido de rescisão unilateral firmado pelo atleta ou por documento do empregador no mesmo sentido, desde que acompanhado de prova do pagamento da clausula penal, para que a condição de jogo seja expropriada, através de atestado liberatório, concedido pela CBF (no caso de atletas de futebol).

O atestado de condição de jogo poderá ser fornecido em caso de rescisão do contrato nos termos dos artigos 479 e 480 da CLT, por inadimplência das partes, utilizando-se de interpretação analógica do artigo 33.

Outra peculiaridade do contrato de trabalho do atleta profissional de futebol é o prazo de duração do instrumento. O prazo de vigênciao contrato de trabalho do atleta profissional de trabalho deve ser determinado, vez que assim dispõe o artigo 30, da Lei 9.615/98. Esse prazo será de no máximo 5 (cinco) anos e de no mínimo 3 (três) meses.

Tampouco admite-se a forma verbal ou indeterminada dos contratos de trabalho de atletas profissionais, embora a ausência da forma escrita não acarreta a extinção do vinculo, como dito anteriormente.

Decorre a premissa de princípio do direito trabalhista, sempre em busca da verdade material, impedindo o locupletamento de empregador face ao não atendimento de formalidades legais. Pois se de fato há relação de natureza trabalhista, deve estar presente o vínculo e as proteções asseguradas aos trabalhadores.                             Porém, como já foi dito, o atleta não tem condição de jogo quando seu contrato de trabalho não atende as formalidades legais. Assim, de que forma ocorre a prestação de serviços se o atleta está impedido de participar das competições desportivas? Ora, a resposta nos parece simples e clara. Não é atividade profissional do atleta apenas a participação em partidas oficiais, pois se assim fosse, o atleta profissional de futebol estaria prestando serviço semanal a entidade, ou quando menos, apenas duas vezes por semana, quando ocorre as partidas oficiais.                             No entanto, na prática os atletas vivem uma rotina de treinos, sob orientação e determinação de profissionais da comissão técnica, podendo até ocorrer a participação em partidas não-oficiais (amistosos).                             Como se não bastasse, o confronto das disposições da CLT, face a legislação especialmente destinada aos atletas (atualmente a “Lei Pelé”), beneficia o jogador de futebol, atendendo ao princípio da supremacia da norma favorável ao trabalhador, em sua função hierárquica. Sobre o tema a doutrina, com primazia, encerra a questão:

“Assim, havendo duas ou mais normas, estatais ou não estatais, aplica-se a que mais beneficiar o empregado.”

                            Conclui-se, portanto, que o vínculo trabalhista entre clube e atleta poderá existir mesmo diante da falta de instrumento contratual escrito e com prazo determinado.                              Há ainda, outros elementos obrigatórios do contrato de trabalho dos atletas profissionais. São estes a remuneração e a cláusula penal. A lei nº 6.354/76, ainda vigente nesse ponto, expressa que o contrato de trabalho do atleta profissional deverá conter os nomes das partes contratantes, individualizadas e caracterizadas, a pormenorização dos componentes da remuneração (luvas, bichos), a menção de conhecerem os contratantes as normas disciplinares das entidades a que estiverem vinculados e filiados, e o número da Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS de Atleta Profissional de Futebol.                             Importa ressaltar que os requisitos do artigo 28 da Lei 9.615/98, são obrigatórios para os atletas profissionais de futebol, a teor do que dispõe o artigo 94 do mesmo diploma legal, vez que dispensáveis para os demais atletas, ou seja, as exigências da forma escrita, determinada e da cláusula penal pelo descumprimento, são obrigatórias apenas para os jogadores profissionais de futebol.                             Mister se faz também expressar o entendimento pacífico de que a natureza da relação jurídica entre atleta e entidade desportiva é de emprego. Assim dispõe, os ainda vigentes, artigos 1º  e 2º da Lei 6.354/76:

“Art. 1º. Considera-se empregador a associação desportiva que, mediante qualquer modalidade de remuneração, se utilize dos serviços de atleta profissional de futebol, na forma definida nesta Lei. Art. 2º. Considera-se empregado, para os efeitos desta Lei, o atleta que praticar o futebol, sob subordinação de empregador, como tal definido no art. 1º, mediante remuneração e contrato, na forma do artigo seguinte.”                            

                            Para elucidação do tema, a doutrina já se posicionou a respeito:

“Vê-se, pois, que o empregador só poderá ser uma pessoa jurídica, ou seja, uma associação. E esta, como entidade de prática desportiva, deverá revestir-se das formalidades exigidas na legislação específica, como por exemplo, seu registro na Federação Estadual e na Confederação Brasileira de Futebol.”

4.1 – Extinção do passe

                            O instituto do passe teve sua inserção no cenário jurídico nacional pela Lei nº 6.354/76, estando conceituado no artigo 11:

“Art. 11. Entende-se por passe a importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do contrato ou depois do seu término, observada as normas desportivas pertinentes.”

                            O passe era acessório ao vínculo desportivo existente entre clube e atleta. Este, mesmo após o término de seu contrato de trabalho, era impedido de celebrar contrato com outra agremiação, até que o novo empregador pagasse uma quantia exigida para obter o atestado liberatório.                             A entidade de prática desportiva que pagava pela liberação do atleta, adquiria seu passe. Note-se que era uma transação de maior cunho mercantil do que trabalhista, tendo natureza de um verdadeiro contrato de compra e venda, caracterizando o atleta com res. No entanto, por mera curiosidade, não se admitia a penhora do passe do atleta.

“O PASSE DO ATLETA PROFISSIONAL É IMPENHORÁVEL, DADA A SUA NATUREZA INTRINSICAMENTE LIGADA AO SER HUMANO.” (TST, 6ª R., AP 1246/97, 2ª Turma, Rel. Juiz Fernando Cabral de Andrade, DOE/PE 15.01.1998)

                            Importa ressaltar a total inconstitucionalidade do passe, pois reconhecida a característica de empregado do atleta profissional de futebol, o instituto viola o preceito constitucional do artigo 5º, inciso XIII, que assegura o direito de livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão atendidas as qualificações que a lei exigir. Sua prosperidade poderia ensejar na impossibilidade do trabalhador optar pelo melhor emprego que lhe convém.                             Para melhor elucidarmos, note-se que o término do vínculo empregatício não extinguia o vínculo desportivo, ou seja, terminado o contrato de trabalho o atleta ainda ficava “preso” ao clube, caracterizando um regime de semi-escravidão. Nesse sentido a doutrina de Amauri Mascaro do Nascimento:

“A relação jurídica que prende o jogador de futebol profissional ao clube é trabalhista. Trata-se, portanto, de um contrato de trabalho, regido pelas leis trabalhistas, pelas leis desportivas e pelos regulamentos da Fedération International de Football Association -  FIFA.(...) O passe é uma instituição combatida. Consiste numa liberação dos serviços do profissional, que sem essa cessão de direitos não poderá transferir-se de empregador. (...) É criticado por Russomano nos seguintes termos: “Nesse sistema em matéria de direito do trabalho, não existe nada mais obsoleto o trabalhador é reduzido à condição de res, e como tal submetido a poder arbitrário e despótico de deliberação do empregador. O direito do passe ou direito de transferência unilateral coloca o atleta sob a deliberação soberana do empregador, que decide a seu respeito como decide a respeito das coisas da sua propriedade.

                            Outra parte da doutrina manifesta entendimento contrário, conceituando o passe como um instituto jurídico sui generis, mais regulado pelo direito privado do que pelo direito do trabalho, devendo ser protegido o clube que investe no atleta para evitar um imprevista liberação em meios de competições esportivas.                             Claramente nos filiamos a primeira corrente, entendo que o passe era um atraso na legislação do país com o melhor futebol do mundo e fora abolido tardiamente, resguardando direito constitucionalmente garantido, qual seja, o livre exercício da profissão.                             A extinção do passe ocorreu com a edição da Lei nº 9.615/98, vulgarmente conhecida de “Lei Pelé". O preceito atualmente conceitua em seu artigo 28, § 2º, a seguinte disposição:

“§ 2o O vínculo desportivo do atleta com a entidade desportiva contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo trabalhista, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais: I - com o término da vigência do contrato de trabalho desportivo; ou II - com o pagamento da cláusula penal nos termos do caput deste artigo; ou ainda III - com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial de responsabilidade da entidade desportiva empregadora prevista nesta Lei”.  

                                  Com a edição da referida Lei, o atleta perdeu o direito, que garantia a legislação anterior, a receber o montante equivalente a 15% do valor de seu passe, quando este fosse negociado.                             Por outro lado, o atleta estará livre para conduzir a sua vida profissional após o fim de seu vínculo empregatício.                             Porém, é notório que esta liberdade não ocorre na prática. O que vemos hoje é a ação cada vez mais comum de empresários, pois os atletas de futebol, geralmente pessoas de origem humilde, não se encontram suficientemente preparados para administrar sua própria carreira, sendo que as transferências para outras entidades sempre será feita com a intervenção de terceiros.                             Porém, não podemos negar, como dito alhures, que a extinção do passe representa um avanço da legislação pátria e a garantia de direito constitucional do empregado.                             Cumpre ainda dizer que o artigo 93 da “Lei Pelé”, com redação dada pela Lei nº 9.981, resguarda o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, decorrentes dos contratos de trabalho e vínculos desportivos de atletas profissionais pactuados com base na legislação anterior.                             Além do mais, a extinção do passe só ocorreu após o prazo de três anos da vacatio legis, a partir de 24 de março de 1998, prazo suficiente para a adequação dos contratos de trabalho dos atletas profissionais de futebol.                             Assim, os contratos firmados anteriormente ao dia 26 de março de 2001, dia da entrada em vigência das regras referentes à extinção do passe, continuam regidos pela Lei nº 6.354/76 e os contratos firmados após esta data, por sua vez, reger-se-ão pela Lei nº 9.615/98, com as respectivas alterações posteriores.                              Pretendeu o legislador o equilíbrio dos investimentos dos clubes liberando os vínculos a medida que os contratos foram vencendo.

4.2 - Cláusula Penal e Multa Rescisória                             No caso de se findar o contrato de trabalho do atleta profissional pelo lapso temporal, termina a sua vigência e rompe-se o vínculo desportivo do atleta com a entidade, sem qualquer ônus indenizatório para ambas as partes.                             Por outro lado, a rescisão antecipada do contrato de trabalho, ou seja, antes do lapso temporal previsto, obriga a parte que deu ensejo a ao término da contratualidade, ao pagamento da cláusula penal ou da multa rescisória.                             A multa rescisória é devida ao atleta pelo clube, no caso de rescisão antecipada do contrato sem justa causa. É devida no caso de inadimplência contratual, resultante no atraso salarial por três meses ou mais:

“Art. 31. A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a três meses, terá o contrato de trabalho daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra agremiação de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a multa rescisória e os haveres devidos. § 1o São entendidos como salário, para efeitos do previsto no caput, o abono de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho. § 2o A mora contumaz será considerada também pelo não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias. § 3o Sempre que a rescisão se operar pela aplicação do disposto no caput deste artigo, a multa rescisória a favor do atleta será conhecida pela aplicação do disposto no art. 479 da CLT.”

                            O valor da multa rescisória é de responsabilidade do clube ao qual o atleta está vinculado.                             O valor é fixado nos termos do artigo 479 da CLT, ou seja, 50% (cinqüenta por cento) do que o atleta teria direito de receber até o fim do contrato. A multa rescisória tem natureza moratória e é considerada também pelo não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias.                             A cláusula penal foi introduzida pela Lei nº 9.615/98, em virtude da extinção do passe, como forma de ressarcir o clube pela perda do atleta antes do prazo estipulado no contrato de trabalho, portanto tem natureza compensatória do investimento do clube com o atleta. Sua aplicação refere-se aos casos de transferência dos atletas:

“No artigo 28, a intenção do legislador é que a cláusula penal seja aplicada para fins de transferência de atleta de um clube para o outro.”

                            Deve constar obrigatoriamente no contrato de trabalho do atleta profissional e é necessária para os fins de condição de jogo, a teor do artigo 33, da Lei nº 9.615/98.                             A Lei nº 9.615/98 silenciou, quando de sua publicação, acerca do valor a ser pago na cláusula penal.                             Assim, subentendia-se que a aplicação do valor da cláusula penal, deveria estipulado nos moldes dos artigos 479 e 480 da CLT.                             Com a redação do § 3º do artigo 28 da Lei nº 9.615/98, dada pela Lei 9.981/2000, a cláusula penal poderá ser estipulada livremente pelos contratantes, respeitando-se o limite de até 100 (cem) vezes o valor anual da remuneração paga ao atleta.                             A Lei traz ainda formas de serem reduzidas as quantias da cláusula penal, para cada ano de vigência do contrato. Trata-se da redução automática da cláusula penal, a teor do disposto no §4º do artigo 28 da Lei 9.615/98:

“§ 4o Far-se-á redução automática do valor da cláusula penal prevista no caput deste artigo, aplicando-se, para cada ano integralizado do vigente contrato de trabalho desportivo, os seguintes percentuais progressivos e não-cumulativos: I - dez por cento após o primeiro ano; II - vinte por cento após o segundo ano; III - quarenta por cento após o terceiro ano; IV - oitenta por cento após o quarto ano.”

                            Cabe aqui uma crítica quanto ao disposto no preceito acima citado.  Supomos que o atleta assine um contrato com prazo de vigência de 5 (cinco) anos, constando como cláusula penal o valor de R$ 6.000.000,00 e rescinda o mesmo após o segundo ano e trezentos e sessenta e quatro dias de cumprimento, ou seja, um dia antes de completar três anos.                              Pois bem. Neste caso, deverá ser pago, a título de indenização, com redução de 20% determinada pela Lei, a quantia de R$ 4.800.000,00.                             No entanto, se o contrato é rescindido um dia depois, após completados os três anos de vigência, aplica-se a redução de 40%, ou seja, o dobro do valor anterior num lapso temporal de apenas um dia, sendo que a cláusula penal será de R$ 2.400.000,00.                             No mínimo desproporcional e carente de razoabilidade a regra trazida pela norma para redução da cláusula penal. Ademais, considerando que, na prática, os clubes se utilizam da cláusula penal para suprirem a extinção do passe, por ser esta ainda uma fonte de receita, a desproporcionalidade demonstrada poderá acarretar em sérios prejuízos.                             Isto porque, nas transferência de jogadores, o clube que pretende contratar um atleta empregado, não hesitará em esperar apenas um dia para economizar metade do valor da cláusula penal, enquanto o clube que cede o atleta deixa de receber esse valor.                               Porém, mesmo sendo aplicada na transferência de atletas, não se trata, a cláusula penal de uma maneira disfarçada de se manter o instituto do “passe”, mas um meio de se evitar o aliciamento e a transferência de jogadores durante uma competição desportiva.                             Importante ressaltar que na prática, a cláusula penal é paga pela entidade que celebrará novo contrato com o atleta. Mesmo assim está longe de ser equiparada ao malfadado “passe”.                             Isto porque, a natureza da cláusula penal é de indenização, devida pelo atleta ao clube, em razão do descumprimento do contrato de trabalho celebrado. Ao contrário, o “passe” tinha natureza de contraprestação, na medida em que o atleta era considerado como pertencente ao clube, parte de seu patrimônio, haja vista o vínculo desportivo existente. Vínculo esse que passa a ser acessório ao vínculo trabalhista, a partir da vigência da “Lei Pelé”, dissolvendo-se com o fim do contrato de trabalho.                             A limitação do valor da cláusula penal inexiste quando a transferência do atleta for para entidades do exterior.                             Porém, o valor da cláusula penal no caso de transferência para o exterior deve ser ajustado quando da celebração do contrato, não podendo ser estipulado após a rescisão, sob pena de se aplicar o valor para transferências internas.                             Não poderá, assim, o clube estipular, sem limites,  o valor da cláusula penal no momento em que receber uma proposta pelo jogador, caso não haja estipulação quando da celebração do contrato de trabalho.                             Nessa linha de pensamento, segue a melhor doutrina:

“Há liberdade para estabelecer o quantum, mas não pode haver liberdade para o clube fazê-lo no momento em que surgir a proposta, porque aí, então, a fixação unilateral da cláusula estaria estabelecida por um contratante, em detrimento do outro, o atleta interessado em se transferir para o exterior, e poderia ser utilizada para dificultar-lhe a transferência. Essa possibilidade de fixar o valor quando surgir o interessado – configura flagrante violação da garantia constitucional do art. 5º, caput, da Constituição Federal, que assegura a igualdade contratual entre as partes.” 

                            Como já colocado anteriormente, existem formas de indenização, quando da transferência dos atletas, que visam preservar a entidade formadora do profissional, ou seja, aquela que investe nas denominadas “categorias de base”.                             Inegável que a Lei nesse ponto preserva de forma bastante valorosa o clube que forma o atleta. Indubitável, também, o cunho assistencial desta previsão normativa, a rigor que preserva aquela entidade que investe no ser humano em formação, para que este seja um dia um atleta profissional de ponta.                             Por derradeiro, importa estabelecer considerações acerca da diferença entra a cláusula penal e a multa rescisória.                             Conforme já colocado, a cláusula penal é paga pelo atleta em caso de rescisão e livremente estabelecida pelas partes, limitada a 100 (cem) vezes o valor da remuneração anual pactuada (na prática os clubes acabam sempre optando pelo valor máximo possível).                             Por sua vez, a multa rescisória é paga pelo clube ao jogador e estipulada de acordo com o artigo 479 da CLT, qual seja a metade da remuneração a que teria direito o atleta até o fim do contrato. 5.  Direito de imagem dos atletas profissionais de futebol: O contrato de licença de uso de imagem. 5.1 – Nomenclatura utilizada.                             Após definirmos e estudarmos as peculiaridades dos contratos de trabalho dos atletas profissionais de futebol, passaremos ao contrato de licença de uso de imagem, e assim podermos estabelecer a relação entre eles.                             Primeiramente, devemos definir a nomenclatura a ser utilizada quanto aos contratos que versem sobre o direito de imagem.                             Considerando a forma em que são celebrados os contratos e sua própria natureza, a expressão que melhor se coloca seria contrato de licença de uso de imagem.                             Muito tem se empregado expressões do tipo “contrato de imagem” ou “contrato de cessão de imagem”. Tais nomenclaturas são erroneamente aplicadas, haja vista que nessas espécies de contrato, o titular apenas concede o exercício do direito de exploração e não o próprio direito.                             Destacamos que na expressão “contrato de imagem”, o equívoco é gritante, porque a imagem não é objeto do contrato, mas, sim, a licença para uso, e no caso da expressão “contrato de cessão de imagem”, o emprego da palavra “cessão” é inadequado, porque o atleta não cede a imagem, apenas autoriza a sua exploração e veiculação.                             Na expressão “cessão”, observamos o abandono, total ou parcial, do direito, enquanto na “licença”, verificamos a concessão de uma permissão para exploração da imagem, sem que haja turbação da titularidade.

5.2 – Considerações acerca do instituto da imagem                             A imagem é um bem jurídico protegido e amparado pela Constituição Federal em seu artigo 5º, incisos V, X e XXVIII, alínea a.                             A imagem é conceituada pela doutrina civilista como, “reprodução de uma pessoa ou coisa obtida pela fotografia, escultura, desenho, etc., que gera responsabilidade civil quando não autorizada pelo titular. Está proibida a exibição e divulgação pública de retrato sem consenso do fotografado, salvo se tal publicação se relacionar com fins científicos, didáticos, isto é, culturais, ou com eventos de interesse público ou que aconteceram publicamente.” A imagem é direito personalíssimo e absoluto (oponível erga omnes), indisponível (não pode dissociar do corpo humano), indissociável (por menos que a pessoa aprecie sua imagem não há como mudá-la) e imprescritível.                             No particular do direito personalíssimo de imagem cumpri-nos definir as espécies de imagem, são elas: a imagem-retrato, imagem-atributo e imagem-decorrente.                             A imagem-retrato consiste na reprodução física, plástica de determinada pessoa física, seja através da fotografia, pintura, escultura ou outros meios que possibilitem a reprodução.                             A imagem-atributo que consiste no conjunto de características próprias de um indivíduo ou de uma pessoa jurídica que os identificam na coletividade. São de fato os atributos inerentes à pessoa física ou jurídica que provocam em terceiros a sua identificação.                             A imagem-decorrente como a própria denominação indica, é aquela que decorre de aspectos próprios de um indivíduo que fazem com que esse aspecto remeta o destinatário da informação ao indivíduo titular das características que o identificam. A imagem-decorrente consiste na voz e gestos humanos.                             Destarte, os atletas profissionais de futebol são dotados da imagem atributo, por serem pessoas reconhecidas na mídia e na sociedade. Ademais, a imagem dos atletas profissionais constituem um bem jurídico, a medida que sua licença envolve valores pecuniários. 5.3 – Contrato de licença de uso de imagem                             A imagem é direito personalíssimo, portanto indisponível e intransmissível. A licença do uso do direito à imagem não se confunde com a disponibilidade e transmissibilidade desse direito. A indisponibilidade deve ser entendida como a impossibilidade de abdicar-se aos direitos personalíssimos e a intransmissibilidade deve ser entendida como a impossibilidade de transmissão do direito personalíssimo de um sujeito para outro.                             A licença do uso da imagem do atleta profissional não significa que o  contratante passará a ser titular do direito à imagem do atleta, ao contrário consiste no acordo firmado entre as partes, cujo objeto será a permissão dada pelo contratado ao contratante de utilizar sua imagem para os fins específicos firmados no instrumento contratual.                             Álvaro de Melo Filho afirma que:

“O contrato de cessão do direito de imagem do jogador de futebol é de natureza civil, não se prestando a registro na entidade nacional de administração desportiva, despido, portanto, de qualquer repercussão na relação laboral-desportiva. Já o contrato de trabalho desportivo profissional, de evidente natureza trabalhista, deve ser obrigatória e cogentemente registrado na respectiva entidade nacional de administração do desporto, consoante dispõe a novel redação do art. 33 da Lei nº 8.615/98.” (grifo nosso).

                            No contrato de licença de uso de imagem, o objeto é a autorização para exploração da imagem do atleta e o bem jurídico protegido é o limite do uso da imagem.                             Quanto ao contrato de trabalho, o objeto é a prestação da atividade física ou intelectual, sendo que o bem resguardado é a dignidade humana.                             Ainda que os objetos sejam diferentes, estes dois contratos permanecem intimamente ligados.                             No esporte, a exploração da imagem dos atletas é uma realidade. Isto porque, além de serem pessoas públicas de grande destaque na mídia, há enorme interesse em associar a imagem do clube ou de um evento à imagem do atleta vencedor. Não há dúvida de que os atletas são verdadeiros artistas e, por serem estrelas de um mundo milionário, sua exploração comercial é mais do que natural.                             Financeiramente, a comercialização da imagem de um atleta agrega vantagens e desvantagens. As vantagens podem ser observadas em vários meios. Para o clube, significa a identificação do ídolo com a entidade o que, em longo prazo, pode arrebanhar torcedores. Para o atleta, a comercialização representa nova fonte de grandes receitas. Para os patrocinadores, a imagem do ídolo pode significar um estímulo ao consumo de determinado produto e, finalmente, para terceiros, porque aumenta a oferta de produtos no mercado, pois, com o aumento do interesse na veiculação da imagem, mais produtos serão comercializados. Como desvantagem, pode-se dizer que a simples utilização não autorizada da imagem pode gerar pedidos de reparação de danos morais e patrimoniais.                             Na prática, tem-se verificado significativo crescimento do comércio da imagem dos atletas e, em assim sendo, estudo mais pormenorizado se faz necessário.                             Os atletas, ao firmarem seus contratos, podem, se assim lhes convier, licenciar o direito de exploração de sua imagem à agremiação para a qual irão atuar. Entretanto, ao contrário do que muitos possam pensar, a imagem do atleta não está, obrigatoriamente, vinculada à do clube. O aumento do interesse econômico sobre este direito personalíssimo permite ao seu titular a maximização de receitas, desde que tomadas as medidas adequadas e escolhido o instrumento contratual apropriado. Em existindo a intenção de permitir a exploração de sua imagem, as partes celebram um contrato, que pode ser a título gratuito ou oneroso, devendo, sempre, respeitar a forma escrita. Ainda, deve, explicitamente, ajustar quais os limites do acordo, estipulando o prazo de validade, a finalidade, a remuneração e a exclusividade.                             Por ser direito personalíssimo de seu titular – o atleta – o contrato de licença pode ser rescindido a qualquer tempo, sendo as perdas e danos apuradas na esfera cível. O limite de multa a ser aplicada em virtude da rescisão antecipada apenas do contrato de licença de uso de imagem regular-se-á pelo artigo 412 do Código Civil, isto é limita-se ao próprio valor do contrato ("O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder da obrigação principal")                             Vale lembrar que a entidade de prática desportiva pode pagar o atleta e não utilizar sua imagem para nada, isto é, ao remunerar o profissional, o clube não está automaticamente vinculado à utilização da imagem do jogador em campanhas de publicidade e/ou produtos. Pode simplesmente pagá-lo com o intuito de que outro clube não utilize a imagem do mesmo atleta.                 A receita proveniente do contrato de cessão de uso da imagem do atleta não constitui remuneração, tendo em vista ser alheia e estranha ao contrato de trabalho desportivo. Uma prova disso é a exclusão desses valores para fins de cálculo da cláusula penal prevista na Lei nº 9.615/98 alterada pela Lei nº 9.981/00. Nesse sentido bem preleciona o autor especialista em Direito Desportivo, Álvaro de Melo Filho:

“Com efeito, somente as cláusulas financeiras e pagamentos concretizados que decorram do contrato de trabalho desportivo do atleta profissional serão considerados para fins de cálculo da cláusula penal acordada, ficando excluídos quaisquer valores pagos em razão da exploração da imagem do jogador por seu empregador desportivo.”

                            O contrato de licença do uso da imagem do atleta profissional é autônomo, paralelo e inconfundível com o contrato que rege a relação laboral entre as partes, e comporta a previsão de sua própria cláusula penal, prevista no Código Civil.                             Outra modalidade de contrato de licença do uso da imagem é o firmado entre atleta e entidade desportiva que tem, como objeto, o uso da imagem do atleta para fins de propaganda e divulgação de produtos do clube que imprimem a imagem ou o nome do atleta. É o chamado licenciamento, atividade lucrativa desenvolvida pelos clubes de futebol que consiste na venda de produtos do próprio clube. Essa modalidade também está limitada às normas civilistas. Nessa espécie, o cedente, atleta, consente que o clube, geralmente com o intermédio de um patrocinador, autorize o lançamento de produtos que tenham sua imagem reproduzida. Não se vê nesse contrato as características de um contrato de trabalho.                             Ao contrário do que pode parecer, não admitimos como contrato de natureza civil e autônoma o artifício utilizado por muitos clubes, a fim de desviarem a natureza salarial da verba paga aos jogadores. Nesse caso, uma vez comprovada a fraude em fugir do fisco- através do pagamento de “direito de imagem”, ao invés de salário, deve-se enquadrar a verba como salarial e fazer incidir esta, bem como todos os seus reflexos nos demais títulos do contrato de trabalho.

5.4 – Direito de arena e licença de uso de imagem.             O direito de arena está previsto no artigo 42, §1º da Lei nº 9.615/98:

“Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem. § 1o Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento.”             O direito de arena é conceituado pela doutrina como o: “Direito do atleta profissional de usufruir, se participante de espetáculo desportivo, de parte do quantum recebido pela associação desportiva não só para autorizar a fixação, transmissão ou retransmissão por quaisquer meios, obedecidas as convenções e contratos firmados, como também para comercializar imagens. A autorização da entidade a que se filia o atleta também é necessária para transmissão ou a retransmissão, por qualquer meio, de espetáculo desportivo público com entrada paga.”

            Difere-se, portanto, da exploração do direito à imagem do atleta, embora muitos ainda não tenham assimilado essas diferenças.             Importante destacar que a autorização para a exploração da imagem do atleta constitui-se como contrato autônomo, isto é, a legalidade do mesmo depende de instrumento próprio e de expressa autorização deste. Diz-se isto porque muita confusão vem sendo criada pela imprensa especializada acerca do que seja Direito de Arena e Direito à própria imagem (materializado pelo contrato próprio para a exploração da mesma).                             Em primeiro lugar, lembremos que o fundamento jurídico é diverso: o Direito de Arena vem previsto no artigo 42 da Lei 9.615/98 e, como já visto, o direito à própria imagem é bem jurídico assegurado constitucionalmente.                             A confusão talvez tenha surgido em virtude da abrangência de cada um dos institutos, isto é, quem compete são as equipes e não o atleta individualmente e, também, pelo fato de os atletas possuírem uma espécie de "imagem coletiva", ou seja, quando o foco é o grupo de jogadores, o time. No entanto, até pelo que mencionamos no início em relação à parca produção jurisprudencial sobre o tema, completamente justificável a não uniformidade de entendimentos.                             Cabe-nos, portanto, esclarecer alguns pontos. No Direito de Arena, a titularidade é da entidade de prática desportiva, enquanto que nos contratos de licença de uso de imagem a titularidade pertence à pessoa natural. De acordo com o artigo 42 da Lei 9.615/98, o clube possui a prerrogativa de negociar, autorizar e proibir a fixação, transmissão ou retransmissão de eventos dos quais participem. Ocorre que, quanto à abrangência, deve-se ter claro que o Direito de Arena alcança o conjunto do espetáculo, ou seja, se estende a todos os participantes somente durante os 90 minutos da partida de futebol. O direito à exploração da imagem é individualizado e se estende enquanto durar o contrato celebrado para tal.                             Ao contrário do que muitos possam pensar, ao atleta cabe, além dos lucros pela negociação individual em relação à autorização pela exploração de sua imagem, uma porcentagem sobre os rendimentos auferidos com a exibição pública do espetáculo. Segundo o § 1° do artigo 42 da Lei 9.615/98, salvo disposição em contrário, 20% do total arrecadado com a autorização da transmissão será dividido entre os partícipes da partida. Alguma discussão tem sido observada em relação a tal divisão. Seria o rateio feito igualmente entre os atletas? Teriam todos os atletas a mesma visibilidade dentro da partida? O que dizer, então, dos suplentes que entram no decorrer da partida e cuja participação é menor?                             A valoração da participação dos atletas não é tarefa das mais simples. Notório o fato de que um atacante, por exemplo, tem muito mais possibilidade de ter sua imagem retransmitida do que a de um zagueiro ou um lateral.                             Todavia, em nosso entendimento, o percentual deva ser igualmente repartido entre todos os que participarem do espetáculo, pois, durante os 90 minutos regulamentares, inegável o fato de os atletas representarem um clube, um escudo, uma camisa. Mais do que isto, constituem-se como um grupo e, em sendo assim, devem perceber de forma uniforme os mesmos frutos de sua performance. Decorridos os 90 minutos, cada um submete-se ao disposto em negociação individual da licença de uso de imagem.                             Um caso clássico de má-interpretação sobre a abrangência dos direitos de arena ocorreu no caso do álbum de figurinhas "Heróis do Tri", que retratava os vitoriosos jogadores da Copa de 1970. Os atletas lesados ajuizaram pedido de reparação de danos em virtude de não terem autorizado a veiculação de sua imagem nos ditos cromos. Tal autorização dependeria de negociação individualizada, o que não ocorreu. Assim decidiu o STJ:

“INDENIZAÇÃO. DIREITO À IMAGEM. JOGADOR DE FUTEBOL. ÁLBUM DE FIGURINHAS. ATO ILÍCITO. DIREITO DE ARENA. – É inadmissível o recurso especial quando não ventilada na decisão recorrida a questão federal suscitada (súmula nº 282-STF). – A exploração indevida da imagem de jogadores de futebol em álbum de figurinhas, com intuito de lucro, sem o consentimento dos atletas, constitui prática ilícita a ensejar a cabal reparação do dano. – O direito de arena, que a lei atribui às entidades desportivas, limita-se à fixação, transmissão e retransmissão de espetáculo esportivo, não alcançando o uso da imagem havido por meio da edição de "álbum de figurinhas."

(STJ – 4a. Turma – Resp. 67.262-RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 03/12/1998).

            Em outro julgado, o STJ também entendeu que a exploração comercial da imagem do atleta depende de autorização expressa, formalizada em acordo próprio e autônomo:

“Direito de Arena. Limitação. Direito de Imagem. Divergência jurisprudencial não configurada. I – O direito de arena é uma exceção ao direito de imagem e deve ser interpretado restritivamente. A utilização com intuito comercial da imagem do atleta fora do contexto do evento esportivo não está por ele autorizada. Dever de indenizar que se impõe. II – Para a caracterização da divergência é necessário que, partindo de base fática idêntica, dois ou mais Tribunais vislumbrem conseqüências jurídicas diversas.” (STJ – 3a. Turma – AI 141987-SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 15/12/1997).

                            Destaque-se, aqui, a menção à interpretação restritiva que deve ser feita nos contratos de licença de uso de imagem. Como o interesse comercial sobre a exploração da imagem dos atletas cresce a olhos vistos, a importância de uma negociação e um contrato bem feitos é essencial tanto para o plano mercadológico dos clubes quanto para a segurança dos atletas.                             Como o direito à própria imagem é personalíssimo, de titularidade somente da pessoa natural, é óbvio que ninguém gostaria de ter sua imagem publicamente exposta sem autorização ou veiculada de forma diversa da acordada contratualmente.                             Desta forma, diz-se que a interpretação dos contratos de licença de uso de imagem é restritiva, ou seja, tudo o que não estiver expressamente disposto é proibido. Caso as partes, em virtude do mercado, sintam a necessidade de mudanças no approach da exploração, nova negociação deverá ser feita. Caso contrário, como visto acima, as violações serão objeto de análise na esfera cível.                             Indagar-se-ia, então, quais as técnicas utilizadas para a mensuração econômica da imagem de um atleta. Este assunto será objeto de tópico a seguir. Antes de falarmos em valores, analisemos o cerne da questão relativa a relação entre contrato de trabalho e contrato de licença de uso de imagem. 6. Relações entre contrato de licença de imagem e contrato de trabalho.                             De antemão, diga-se que os contratos de trabalho e de licença de uso de imagem são completamente autônomos. Nos primeiros, como visto anteriormente, temos como objeto a relação de emprego e são aplicáveis à tal as normas da legislação trabalhista, que disciplina as condições de trabalho, remuneração, carga horária, obrigações. Nos outros, a relação é de natureza civil e o objeto é a limitação da exploração da imagem do atleta.                             Mesmo não restando dúvidas acerca da independência dos dois contratos, é prática bastante comum dos clubes de futebol a vinculação dos pagamentos relativos a exploração da imagem do atleta aos que decorrem do contrato de trabalho, isto é, da prestação de serviços.                             O fenômeno começou a ser analisado com mais minúcia após a sentença do Juiz Glener Pimenta Stroppa, Titular da XX Vara do Trabalho de São Paulo no caso do jogador Luizão. Antes de passarmos à análise do caso concreto, alguns comentários sobre o assunto são necessários.                             Com a intenção de reduzir a base de incidência para a aplicação de tributos e contribuições sociais na relação de trabalho, não só os clubes, mas também os atletas – porque nada é feito sem a anuência destes – adotam a postura de justificar (grande) parte da remuneração como sendo relativa a licença de uso de imagem.                             Como visto à exaustão, os contratos são totalmente desvinculados e, desta forma, o valor pago a título de licença de uso de imagem não constitui salário, ficando, portanto, excluído da base de cálculo para a incidência de INSS, FGTS, Férias e 13° Salário.                             Da mesma forma, tais valores não podem ser utilizados para o cálculo do total da remuneração anual quando da aplicação da cláusula penal pela dissolução antecipada do contrato de trabalho.                             Assim, fica fácil compreender que os valores dos salários constantes nas Carteiras de Trabalho e Previdência Social (CTPS) dos atletas raramente refletem seus ganhos reais.                             Fica fácil compreender, portanto, que a redução do valor nominal do salário – e conseqüente aumento das parcelas relativas à exploração de imagem do atleta – é benéfica a ambas as partes: tanto o clube como jogador recolhem menos impostos ao Fisco. O ardil fica mais evidente pela simples leitura de tais contratos.                             Normalmente, os atletas constituem uma empresa (pessoa jurídica) com a finalidade específica de negociar a exploração da imagem do atleta e que, via de regra, contam com um único cliente, o clube empregador.                             Desta forma o atleta, pessoa física, terá rendimento nominalmente menor, ou seja, o Imposto de Renda, cuja alíquota é de 27,5% sobre salários acima de R$ 2.115,00, incidirá sobre menor base de cálculo.                             Traduzindo: na carteira, recebe apenas um salário "simbólico" que, muitas vezes, não chega nem a metade dos seus rendimentos reais. O clube, por sua vez, força o atleta a formar uma empresa para que a negociação seja feita entre pessoas jurídicas, o que reduz a carga tributária para cerca de 12%.                             Claro, portanto, que os atuais contratos de licença de uso de imagem nada mais são do que meios de mascarar os salários dos atletas.                             Esta situação toma proporções ainda mais graves, além de sua evidente ilegalidade, quando se percebe a verdadeira fortuna que os clubes deixam de recolher aos cofres do INSS. A existência de relação de trabalho é fato gerador para a incidência da contribuição à Seguridade Social e os percentuais incidem sobre o valor dos salários dos empregados. Ora, se o salário é menor, a contribuição também o é. O problema, portanto, não restringe-se apenas à relação atleta-clube (empregado-empregador), pois, como visto, possui reflexos muito maiores.                             O artifício utilizado pelos clubes, ao nosso ver, constitui-se como clara evasão fiscal, uma vez que os envolvidos utilizam-se de uma manobra jurídica com o simples objetivo de infringir a legislação fiscal após a verificação da hipótese de incidência.                             Há que se discutir, com urgência, não somente a ilegalidade da prática, mas, também, as conseqüências diante do ponto de vista do Direito tributário e trabalhista, uma vez que os clubes destinam quase que a totalidade dos rendimentos ao acordo de natureza civil (licença de uso de imagem), deixando percentual irrisório à parte relativa aos salários.                             A discrepância entre os valores de natureza salarial e os de natureza civil infringe, além do bom senso, o interesse de terceiros e, desta forma, fiscalização mais efetiva da sociedade se faz necessária – inclusive por ser o desporto nacional considerado de elevado interesse social (Artigo 4°, § 2° da Lei 9.615/98, com acréscimo da MP 39/2002). 7. Critérios para a valoração do contrato de licença de uso de imagem.                             Nenhum critério de valoração é aceito de forma unânime. O valor atribuído à licença de uso de imagem deve estar de acordo com a realidade, justamente de modo a evitar fraudes anteriormente mencionadas.                             Se considerássemos tão somente os dividendos que a correta exploração da imagem de uma estrela do esporte traz a uma entidade, justificar-se-ia a super valorização da imagem sobre o salário, por vezes superior a 80% dos salários. Ocorre, todavia, que a questão não se coloca com tanta simplicidade.                             Algumas teorias já foram aventadas, destacando-se três delas. A primeira delas sugere a fixação de limites e valores em lei.                             Duas críticas são feitas a esta hipótese: impossibilidade de se estabelecer um modelo único em face da abundância de casos concretos, isto é, nem todos os atletas estão no mesmo patamar e pelo fato de que os valores relativos ao uso da imagem dependem diretamente da performance dos profissionais.                             A imagem não é um valor fundamental, mas, sim, a prestação do serviço e do êxito desta depende aquela.                             A segunda teoria toma por base o grau de atividade do atleta, isto é, se ele é famoso ou não, o tempo de exposição, a exclusividade, entre outros. Este modelo até nos parece justo, porém, sua aplicação prática seria dificultada em virtude da ausência de meios de aferição de tais critérios.                             Finalmente, a terceira teoria – que nos parece mais justa e racional – leva em consideração o critério econômico, ou seja, uma análise de mercado seria capaz de determinar o valor que o uso da imagem de algum atleta agrega a determinado produto.                             Pode-se medir, por exemplo, quanto vendia um produto antes da associação do atleta e quanto passou a vender posteriormente. A diferença seria o valor agregado, que é passível de mensuração econômica.                             Independentemente dos valores, certo é que os valores referentes a licença de uso de imagem devem refletir corretamente os valores de mercado e, mais importante, passíveis de serem demonstrados pelo clube.                             O tema ainda não está esgotado. Com as recentes modificações na legislação e com o cerco do Fisco – juntamente com outras que virão – muito há que se discutir acerca da relação entre os contratos.

8. Competência: Justiça do Trabalho ou Justiça Desportiva.                             O tema da competência da Justiça Desportiva para a apreciação e julgamento das lides trabalhistas, após o fim do "passe", é o que mais vem suscitando discussões entre os estudiosos do direito desportivo desde a edição da Lei 9.615/98, mais conhecida como Lei Pelé.                             Apresenta-se como questão bastante polêmica, surgida em decorrência da rescisão dos contratos de atletas profissionais de futebol.                             Atualmente, até mesmo pelo fato de o Direito Desportivo ser um campo pouco desbravado pelos operadores do direito, a pergunta ecoa: qual justiça deve socorrer o atleta lesado por seu clube nos seus direitos de trabalhador? Justiça do Trabalho ou Justiça Desportiva?                             A pergunta seria de indubitável resposta até antes da Constituição Federal de 1988 que, pioneiramente, contemplou o desporto, dando-lhe tratamento diferenciado. Antes, porém, da Carta Magna, o artigo 29 da Lei 6.354/76 positivava:

Art. 29. Somente serão admitidas reclamações à Justiça do Trabalho depois de esgotadas as instâncias da Justiça Desportiva, a que se refere o item III do art. 42 da Lei n. 6.251, de 8 de outubro de 1975, que proferirá decisão final no prazo máximo de 60 (sessenta) dias contados da instauração do processo. Parágrafo único. O ajuizamento da reclamação trabalhista, após o prazo a que se refere este artigo, tornará preclusa a instância disciplinar desportiva no que se refere ao litígio trabalhista”

                            A referida Lei 6.251/75 foi revogada expressamente pela Lei Zico (8.672/93), que instituiu novas diretrizes para o desporto nacional.                             Mesmo sendo editada quase vinte anos mais tarde, a Lei Zico incorreu no erro de, ao arrepio do comando constitucional – como veremos mais tarde –, confirmar o disposto anteriormente, conferindo competência para a Justiça Desportiva no tocante às lides trabalhistas. Observemos o que nos traz o artigo 35 da Lei Zico:

Art. 35. Aos Tribunais de Justiça Desportiva, unidades autônomas e independentes das entidades de administração do desporto de cada sistema, compete processar e julgar, em última instância, as questões de descumprimento de normas relativas à disciplina e às competições desportivas, sempre assegurada a ampla defesa e o contraditório. § 1o Sem prejuízo do disposto neste artigo, as decisões finais dos Tribunais de Justiça Desportiva são impugnáveis, nos termos gerais do direito, respeitados os pressupostos processuais estabelecidos nos §§ 1o e 2o do art. 217 da Constituição Federal. § 2o O recurso ao poder judiciário não prejudica os efeitos desportivos validamente produzidos em conseqüência da decisão proferida pelos Tribunais de Justiça Desportiva.”

                            A moderna e badalada Lei Pelé, ao invés de avançar, nos parece ter regredido. O artigo 52 da Lei 9.615/98 e seus dois parágrafos são cópia, ipsis litteris, inclusive com os mesmos erros, do artigo 35 da Lei 8.672/93 que estava a revogar.                             Antes de analisarmos o que dita a Constituição Federal e seguirmos em frente na busca pela resposta ao questionamento deixado em relação à competência, paremos para observar as aberrações do supra citado artigo 52. Pela simples leitura do texto, percebemos enorme incoerência.                             O artigo apresenta, em seu caput, que cabe aos Tribunais de Justiça Desportiva, processar e julgar, em última instância, as questões relativas às competições desportivas.                             Entendemos, obviamente, que, se estamos diante de uma decisão em última instância, não caberia nenhum tipo de recurso pelo fato de não existir outra instância que seja superior.                             Logo depois, no § 1o, o texto legal indica que as decisões finais dos Tribunais de Justiça Desportiva são impugnáveis. Ora, se são impugnáveis, não são finais, não são decisões em última instância. A decisão somente não admitirá recurso quando, verdadeiramente, for proferida em última instância, quando se operar a figura jurídica do trânsito em julgado.                             Mais intrigante ainda é a parte final deste mesmo parágrafo primeiro. E é neste ponto que se situa a maior polêmica. O parágrafo 1o da Lei 9.615/98 faz referência aos parágrafos 1o e 2o do artigo 217 da Constituição Federal.                             O parágrafo 1o do artigo 217 dispõe que "O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da Justiça Desportiva, reguladas em lei". No parágrafo 2o, por sua vez, temos que "a Justiça Desportiva terá prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final".                             Pela letra da Lei, antes de qualquer ação ser ajuizada perante o Poder Judiciário, no caso a Justiça do Trabalho, o atleta deve, primeiramente, esgotar a instância desportiva, sendo que esta tem sessenta dias para proferir seu decisum.                             Muitos autores, antes mesmo de discutir sobre o que teria pretendido a lei com tal condição, questionam se o disposto no § 1o do artigo 217 Constitucional não estaria ferindo o previsto no artigo 5o, XXXV do mesmo diploma:

“Art. 5o. Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”

                            Do estudo deste artigo 5o chegamos à conclusão de que o Poder Judiciário é o único competente para resolver os litígios que eventualmente venham a surgir em qualquer esfera, aí incluída a desportiva, sendo que suas decisões serão sempre revestidas pela coisa julgada. Inconstitucional seria, pois, qualquer dispositivo que vedasse o ingresso ao Judiciário.                             Mas o que dizer a respeito do § 1o do artigo 217? Não estaria ele restringindo o acesso ao Judiciário?                             Entendemos que não. Ele apenas estabelece uma limitação, determina o preenchimento de condições específicas para a admissão da reclamação perante o Poder Judiciário. Ao lado das condições da ação (legitimidade ad causam, interesse processual e possibilidade jurídica do pedido), o supra citado parágrafo estabeleceu que é necessário o exaurimento das instâncias de Justiça Desportiva para o ingresso no Judiciário.                             O preenchimento destas condições específicas não constitui violação constitucional. Para que seja impetrado mandado de segurança, por exemplo, a Lei 1533/51 obriga a comprovação da matéria de fato tratada na exordial. Isto não significa vedação, mas, sim, limitação, preenchimento de requisitos, condicionamento.                             Em que matérias, então, deveria a lide respeitar este condicionamento e passar pela Justiça Desportiva antes de chegar à Justiça Comum?                             Entendemos que esta regra aplica-se somente às questões do jogo, aquelas relativas às competições.                             A questão, entretanto, permanece viva para alguns pela análise do artigo 52, caput, da Lei Pelé. Segundo ele, a Justiça Desportiva seria competente para julgar questões de descumprimento de normas relativas à disciplina desportiva.                             A norma, no entanto, é omissa ao não definir quais seriam os campos abrigados por esta disciplina desportiva e, neste ponto, muitos estudiosos do Direito Desportivo sustentam seus argumentos de que a Justiça Desportiva seria a competente para apreciar quaisquer espécies de litígios oriundos da relação entre atletas e entidades de prática desportiva, sejam eles de ordem desportiva ou trabalhista.                             O grande erro, para estes autores, seria justamente a falta de clareza do legislador ao fazer uso da expressão disciplina desportiva.                             Por esta omissão em definir o que estaria acobertado pela disciplina desportiva, se somente as infrações de campo ou todas as relações entre atleta-clube, qualquer jogador que acionasse a justiça comum, seja por intermédio de uma ação que verse sobre a competição desportiva ou questão disciplinar, sem que se tenha esgotado a tutela da Justiça Desportiva, estaria em desacordo com o artigo 267, VI do Código de Processo Civil e, em conseqüência, correria o risco de ver o processo ser extinto sem julgamento de mérito, por faltar à ação uma de suas condições essenciais.                             O artigo 28 (atualmente revogado) do CBDF – Código Brasileiro Disciplinar de Futebol sustentava a tese da competência da Justiça Desportiva:

“Art. 28. Os órgãos da Justiça Desportiva, nos limites da jurisdição territorial de cada entidade, tem competência, observadas as disposições especiais deste Código, para processar e julgar as infrações disciplinares praticadas por pessoas físicas ou jurídicas direta ou indiretamente subordinadas à Confederação ou a serviço de qualquer entidade e para processar e julgar os litígios entre associações e seus atletas, entre entidades dirigentes e atletas, entre associações, entre entidades dirigentes e entre estas e associações. § 3o – A competência originária para julgamento dos litígios entre atleta profissional e associação, inclusive litígios decorrentes de punições disciplinares impostas por associações, será sempre dos Tribunais de Justiça Desportiva.” (grifos nossos)

                            Para muitos, os litígios trabalhistas entre atletas e seus clubes constituem nítida afronta à disciplina desportiva e devem ser julgados em sede desportiva, constitucionalmente regularizada e competente para tal.                             Concordo que o universo das atividades desportivas não se restringe, nem pode restringir-se ao julgamento das infrações cometidas durante a competição e que seus horizontes são muito mais amplos. Todavia, dizer que a Justiça Desportiva é a especializada para conhecer e julgar lides trabalhistas soa, no mínimo, absurdo.                             O único argumento em favor da competência da Justiça Desportiva que poderia ser aceito seria apenas aquele que questiona a o conceito de disciplina.                             A Constituição Federal de fato abriu a possibilidade de criação de uma Justiça Desportiva mais abrangente, que consolidasse, vez por todas, sua importância dentro do mundo do desporto e, ao contrário, a Lei 9.615/98 optou por instituir uma Justiça Desportiva acanhada, limitada à apreciação das infrações cometidas dentro das competições.                             Apesar de compactuar com a afirmação de que a oportunidade dada pela Carta Magna poderia ser melhor aproveitada para solidificar a Justiça Desportiva, acredito que sua estrutura atual deva passar por ampla reformulação dentro do próprio meio desportivo antes de discutirmos sobre a expansão de sua competência.                             Nos parece que a falta de clareza nos mandamentos legais contribuiu para o surgimento desta dúvida acerca da competência. A maioria dos estudiosos, atualmente, entende que, à luz do artigo 114 da Constituição Federal, não há o que se discutir: a competência é da Justiça do Trabalho, especializada para solucionar controvérsias decorrentes de qualquer relação de trabalho.                             O movimento atual indica que a Justiça do Trabalho é competente para apreciar qualquer litígio que trate destas relações.                             Mais que isto, o golpe fatal à competência da Justiça Desportiva em matéria laboral deu-se com o Decreto 2.574/98, editado para regular a Lei 9.615/98.                             A redação original do artigo 50 da Lei 9.615/98 indicava: "A organização, o funcionamento e as atribuições da Justiça Desportiva, limitadas ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas, serão definidas em Códigos Desportivos".                             Ao arrepio do princípio da hierarquia das Leis, o artigo 53 do Decreto 2.574/98 consolida o seguinte, com as alterações destacadas pelo autor:

“A organização, o funcionamento e as atribuições da Justiça Desportiva, limitadas ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas, serão definidas em Código Desportivo, que tratará diferentemente a prática profissional e a não-profissional. §1o Ficam excluídas da apreciação do Tribunal de Justiça Desportiva as questões de natureza e matéria trabalhista, entre atletas e entidades de prática desportiva, na forma do disposto no §1o do Art. 217 da Constituição Federal e no caput deste Artigo”. (grifou-se)

                            A partir daí, fica claro que a competência para a apreciação de litígios entre atletas e clubes é da Justiça do Trabalho. Colocou-se ponto final na dúvida entre esta e a Justiça Desportiva.                             Deve restar claro, todavia, que a intenção do CBDF e da Lei 6.354/76 não foi a exclusão da Justiça do Trabalho. Entendia que devia-se evitá-la, sim, ao máximo, mas jamais excluir de sua tutela a apreciação de lides resultantes da relação laboral, respeitando-se, nestes casos, os artigos 5o, XXXV e 114 da CF.                             Há que se concordar, em primeiro lugar, que a matéria enseja pontos muito peculiares, é recheada de detalhes muitas vezes desconhecidos pelos magistrados da Justiça do Trabalho. Todavia, é sabido que os juízes do trabalho conhecem e julgam litígios ainda mais peculiares do que os dos atletas. Julgam, por exemplo, litígios de portuários e mineiros. A competência não se estabelece pela peculiaridade do serviço, mas, sim, pela natureza da relação jurídica. Estando presentes os requisitos da relação de trabalho, competente é Justiça do Trabalho.                             Outro ponto que devemos reconhecer é que a análise de todas as lides desportivas pela Justiça do Trabalho contribuiria, ainda mais, para a morosidade do Processo Trabalhista, que, atualmente, procura meios de atingir celeridade processual. A falta de magistrados, porém, é um problema da Administração Pública e não guarda nenhuma relação com a competência para a solução das lides.                             Os atletas devem optar pela via trabalhista quando quiserem resolver suas pendências. A Justiça Desportiva é competente apenas para apreciar e julgar litígios relativos às competições desportivas. A expressão desde que esgotadas as instâncias da Justiça Desportiva, presente no artigo 217, § 1o, diz respeito justamente a estes casos. O condicionamento que traz o § 1o do artigo 217 restringe a interferência do Poder Judiciário nos Desportos quando a lide ainda estiver dentro do âmbito desportivo, versar sobre a competição, o jogo. A interferência do Judiciário, aí, seria maléfica, só prestaria desserviços ao judiciário desportivo, desprestigiando-o.                             Os estudiosos que defendem a competência da Justiça Desportiva em litígios trabalhistas entendem que a transferência do poder de julgamento para a Justiça do Trabalho outorga à primeira uma espécie de "transitoriedade" em suas decisões. Não é verdade. Dentro do âmbito desportivo, as decisões são soberanas. Fora dele, a lide dever ser apreciada pela justiça especializada competente, a Justiça do Trabalho. Conclusões                             O presente trabalho possibilitou o estudo da proteção à imagem do empregado e do empregador. E nesse particular, chegou-se às conclusões seguintes. 1.                         Com a consolidação do profissionalismo no futebol brasileiro, no final da década de 1930, o futebol se tornou um grande negócio, sendo, em virtude desta nova realidade, necessário que se criasse leis para regulamentá-lo, ocasionando o surgimento do Direito Desportivo e a atuação do Direito do Trabalho; 2.                         O contrato de trabalho do atleta profissional de futebol tem as seguintes características: bilateralidade, onerosidade, temporariedade e formalidade; 3.                         O contrato de trabalho do atleta profissional deverá conter: os nomes das partes contratantes devidamente atualizadas e caracterizadas, o prazo de vigência, de no mínimo três meses e no máximo cinco anos, o modo e a forma de remuneração, especificados os salários, os prêmios, as gratificações e, quando houver, as bonificações, bem como o valor das luvas, se previamente convencionadas, a menção de conhecerem os contratos, os códigos, os regulamentos e os estatutos técnicos, bem como os estatutos e as normas disciplinares da entidade a que estiverem vinculados, além do número da CTPS de atleta profissional de futebol; 4.                         O direito à imagem é direito personalíssimo, previsto constitucionalmente, com peculiaridades no que toca a possibilidade de licenciar o uso da imagem, bastando para tanto, que haja consentimento expresso e claro do titular do referido direito. 5.                         Quanto a imagem dos atletas profissionais de futebol, concluiu-se que a natureza da verba paga a como contraprestação ao uso da imagem desses profissionais não é salarial. Devem, porém, ser observados com cautela se esses contratos foram firmados visando fraudes, ou seja, a fim de “fugirem” do fisco, pois, se comprovada, a verba perde a natureza de contraprestação de um contrato de natureza civil e passa a ser considerada como de natureza salarial. 6.                         Quanto à competência jurisdicional para dirimir os conflitos entre empregados e empregadores que envolvam violação ao direito de imagem de uma das partes, concluímos ser esta da Justiça do Trabalho.

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Como citar o texto:

FERRATO, Diego Soares.O contrato de trabalho e o direito de imagem do profissional do futebol. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 254. Disponível em https://www.boletimjuridico.com.br/artigos/direito-do-trabalho/1855/o-contrato-trabalho-direito-imagem-profissional-futebol. Acesso em 24 nov. 2007.

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